147 E Agora, Doutor? Pretende, simultaneamente, ser um desafio ao conhecimento do médico e ajudá-lo a manter-se atualizado. Por meio de casos clínicos, serão criadas situações que demandam a tomada de decisões, envolvendo condutas diagnósticas e terapêuticas. Dessa forma, passo a passo, as orientações cabíveis serão apresentadas, servindo de guia ou de atualização de conhecimentos ao leitor. (www.ebmoncall.org) encontramos, no tópico sobre TEP, um escore de predição clínica publicado por Wells et al.(1) conforme demonstrado nas figuras 1 e 2. Um abaulamento discreto da região cervical direita, pulsátil era observado e a região submandibular e supraclavicular apresentavam rigidez e aumento de volume (figura 1). Alvaro Avezum Editor Associado da einstein Caso Clínico Otávio Berwanger* * Médico Internista e Epidemiologista Clínico do Centro de Pesquisa Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein - São Paulo (SP). Pós-Graduando em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Paciente de 28 anos, feminina, com diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico, chega ao departamento de emergência apresentando hemoptise e dor pleurítica leve. Negava outros sintomas e outras patologias. Seus sinais vitais na chegada ao hospital eram: pressão arterial de 120/80 mm Hg, freqüência respiratória de 20 mpm, freqüência cardíaca de 124 bpm e temperatura axilar de 36,5 graus. O exame dos membros inferiores não revelou alterações. A ausculta cardíaca e a ausculta pulmonar, assim como os demais aspectos do exame físico, também estavam inalterados. Como os conceitos da Medicina Baseada em Evidências (MBE) podem auxiliar na tomada de decisão nesse caso? E agora, Doutor, qual a hipótese diagnóstica mais provável? Certamente uma hipótese que deve ser considerada é a de tromboembolismo pulmonar (TEP). A pergunta que se segue é: qual a probabilidade (alta, moderada ou baixa) dessa hipótese diagnóstica? Para responder a essa pergunta de forma mais acurada é necessário aliar a experiência individual com as melhores evidências na literatura. Uma forma rápida de estabelecermos diagnósticos é lançarmos mão de escores de predição clínica validados. Por exemplo, consultando o site gratuito Evidence Based On Call Figura 1. Escore de predição clínica Figura 2. Escore de predição clínica Nesse site também há considerações sobre a qualidade metodológica da evidência, que no caso era um escore de predição clínica realizado em um espectro adequado de pacientes, com desfechos definidos de forma objetiva e avaliados de forma cega e com validação do escore em uma amostra independente, o einstein. 2004; 2(2):147 148 que nos deixa confiantes de que essa evidência é adequada do ponto de vista metodológico. De acordo com esse escore, a paciente recebe 2,5 pontos (hemoptise + taquicardia), o que corresponde a uma probabilidade pré-teste intermediária de TEP. Aliando a pontuação no escore ao fato da paciente apresentar dor pleurítica (a qual está presente em cerca de 1/5 dos casos de TEP), em poucos segundos somos capazes de verificar que a probabilidade pré-teste de TEP nessa paciente é moderada (ao redor de 20%). Atualmente, muitos escores também estão disponíveis de forma gratuita no site MedRules(2) para uso em computadores de mão, como palms e pocket PCs, o que em muito facilita a incorporação de evidência na prática clínica. Figura 3. Resultado de escore transversal E agora, Doutor, que exames complementares necessitam ser solicitados? Os primeiros exames que foram solicitados para a paciente foram: eletrocardiograma, rX de tórax, hemograma e enzimas cardíacas, os quais revelaram-se inalterados. Além disso, foi solicitada uma gasometria arterial cujo resultado também foi inalterado. Estando a gasometria normal é possível excluir TEP nessa paciente? De acordo com os resultados do estudo PIOPED(3), a determinação da PaO2 não discriminou pacientes com TEP daqueles sem esse diagnóstico. Quais exames, então, podem ser úteis para ajudar a redefinir a probabilidade de TEP nessa paciente? Existem evidências consistentes na literatura de que a solicitação de D-dímeros é útil principalmente para excluir casos de TEP em pacientes com probabilidades pré-teste baixa ou intermediária. No caso dessa paciente, os Ddímeros (pelo método Simpli-Red d-dimer whole blood assay) são positivos. Como interpretar esses resultados? A consulta no mesmo site Evidence Based On Call (figura 3) revela o resultado de um estudo transversal com enfoque diagnóstico (1), o qual demonstra que em pacientes com probabilidade moderada, D-dímeros positivos possuem um likelihood ratio (LR) de 1,7 (ou seja, é 1,7 vezes mais provável o teste ser positivo em pacientes com TEP do que em pacientes sem essa doença). A probabilidade de a paciente estar com TEP após esse resultado de D-dímeros é de 37%, ou seja, ainda moderada, de forma que se faz necessária investigação adicional. E agora, Doutor, o que fazer? É solicitada uma cintilografia pulmonar perfusional/ ventilatória, a qual sugere alta probabilidade de TEP. einstein. 2004; 2(2):148 De acordo com os resultados do estudo PIOPED(3), a cintilografia possui um LR de 13 para o diagnóstico de TEP, o que corresponde a uma probabilidade pósteste (ou valor preditivo positivo) de 82%. Assim, na ausência de contra-indicações, está indicado o início de anticoagulação plena, que pode ser realizada com heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou heparina não-fracionada. Qual das duas alternativas é mais eficaz? A fim de encontrar evidências relevantes para responder a essa questão, são combinados os termos (“pulmonary embolism” and “low molecular weight heparin”) no site PubMed-ferramenta Clinical Queries, que permite fazer uma busca específica para revisões sistemáticas (figura 4). Entre os artigos encontrados com a busca, está uma revisão sistemática de 14 ensaios clínicos randomizados, a qual comparou HBPM e heparina não-fracionada e cujos resultados demonstram eficácia similar entre os dois tipos de heparina em relação ao desfecho recorrência de tromboembolismo sintomático(4). Pelas vantagens práticas e por uma razão de custoefetividade incremental favorável, nesse caso deu-se preferência ao uso de uma heparina de baixo peso molecular (enoxaparina) na dose de 1 mg/kg de 12/12 horas. No primeiro dia da internação também é iniciada varfarina na dose de 10 mg/dia, sendo as doses subseqüentes ajustadas de acordo com o RNI (objetivo entre 2,0 e 3,0). A escolha pela dose de 10 mg baseiase em um ensaio clínico randomizado recente(5) que demonstrou que o início da anticoagulação oral com essa dosagem faz com que o paciente alcance o alvo de RNI em menos dias sem aumentar a incidência de 149 sangramentos maiores. Assim, uma vez que a paciente tenha apresentado duas medidas estáveis de RNI e esteja clinicamente estável, a paciente pode ter alta hospitalar com retorno ambulatorial para acompanhamento da anticoagulação e planejamento de investigação adicional. Referências 1. Wells PS, Anderson DR, Rodger M, Stiell I, Dreyer JF, Barnes D et al. Excluding pulmonary embolism at the bedside without diagnostic imaging: management of patients with suspected pulmonary embolism presenting to the emergency department by using a simple clinical model and d-dimer. Ann Intern Med. 2001;135(2):98-107. 2. MedRules. Clinical Prediction Rules for Palm OS® Handhelds [homepage on the Internet]. ©2000-2004 [updated 2004 Jul; cited 2004 Aug 11]. Available from: http://www.pbrain.hypermart.net/medrules.html 3. Value of the ventilation/perfusion scan in acute pulmonary embolism. Results of the prospective investigation of pulmonary embolism diagnosis (PIOPED). The PIOPED Investigators. JAMA. 1990;263(20):2753-9. 4. Quinlan DJ, McQuillan A, Eikelboom JW. Low-molecular-weight heparin compared with intravenous unfractionated heparin for treatment of pulmonary embolism: a meta-analysis of randomized, controlled trials. Ann Intern Med. 2004;140(3):175-83. 5. Kovacs MJ, Rodger M, Anderson DR, Morrow B, Kells G, Kovacs J et al. Comparison of 10-mg and 5-mg warfarin initiation nomograms together with low-molecular-weight heparin for outpatient treatment of acute venous thromboembolism. A randomized, double-blind, controlled trial. Ann Intern Med. 2003;138(9):714-9. Figura 4. Site de buscas para revisões sistemáticas einstein. 2004; 2(2):149