DESPENALIZAR O CASAL COM FILHOS O casamento exogâmico transformou progressivamente estranhos, estrangeiros, potenciais inimigos, em aliados, dotando a espécie humana de mecanismos de solidariedade eficazes e aumentando-lhes as possibilidades de sobrevivência. Foi, todavia, através da mulher-filha que se processaram as trocas exogâmicas entre famílias. É de crer que, através da troca de filhas para serem esposas, se procurasse exprimir o sentido da troca: a possibilidade de ter filhos, a capacidade reprodutiva da mulher. A troca das mulheres, nas referidas teses antropológicas, tendiam a reduzi-la a uma condição marcadamente reprodutiva. Compreende-se a teoria de Lévi-Strauss, considerando a divisão sexual do trabalho como valorizando a mulher. Ao homem eram atribuídas funções sociais específicas através do trabalho socializado. A atribuição, simétrica, de funções sociais específicas à mulher, mesmo que sobretudo no âmbito doméstico, davam-lhe um estatuto diferente do meramente reprodutivo, garantindo-lhe outras competências além da mais valorizada por todas as sociedades anteriores ao capitalismo industrial, a capacidade reprodutora. “A divisão do trabalho institui um estado de dependência entre sexos”, afirma Lévi-Strauss (opus cit., p.81), contribuindo assim para uma maior segurança para a mulher no quadro do casamento. As duas instituições básicas serviram como reforço dos comportamentos biopsicológicos socializantes e constituíram os fundamentos das sociedades humanas. Tornaram-nas mais fortes, mais seguras, mais solidárias entre sexos, gerações e dentro de cada geração. A reprodução biológica da espécie era o principal objectivo de produção social. Ter filhos, o principal valor. Entretanto tudo se alterou com o advento do capitalismo industrial e com a civilização pós-industrial em que nos encontramos. A merecer uma atenta reflexão. SEGUNDA PARTE A história económica, se seguirmos a classificação proposta por Karl Polanyi em La Grande Transformation (Ed. Gallimard, 1983, para a edição francesa), revelaria a existência de quatro modelos obedecendo a lógicas de funcionamento diferentes. Na economia do dom, segundo este autor, a mais primitiva de todas, a troca de espécies fazer-se-ia segundo a lógica de uma pressuposta reciprocidade. A reciprocidade implicaria “ausência do sentido do lucro; do trabalho remunerado; do princípio do menor esforço; e não existiria nenhuma instituição separada e distinta fundada em motivações económicas” (p.76). O comércio “kula”, extremamente bem estudado nas ilhas Trobriandes por Malinowski e Thurnwale, caracterizava-se pela realização periódica de grandes expedições de ilha em ilha, segundo uma lógica rigorosa e, neste caso, num espaço territorial de centenas de quilómetros no Oceano Pacífico. Tinha como finalidade a dádiva de objectos. Apenas se esperava a reciprocidade pela parte daqueles que os recebiam. 281