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HEILBORN, Maria Luiza. “Gênero: um olhar estruturalista” in PEDRO, Joana Maria e
GROSSI, Miriam Pilar (org.) Masculino, Feminino, Plural. Florianópolis, Editora Mulheres,
1998, p. 43-55.
Gênero: um olhar estruturalista
Maria Luiza Heilborn
(Instituto de Medicina Social- Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ Pesquisadora do
CNPq)
A formulação mais usual de gênero, qual seja a distinção entre o plano dos atributos
culturais alocados a cada um dos sexos em contraste com a dimensão anátomo-fisiológica
dos seres humanos. está sob cerrado ataque. A definição, que tinha oferecido uma espécie de
conforto temporário contra o atavismo biológico que se insinuava sob a terminologia dos
papéis sexuais, parece agora titubear diante das muitas críticas. Em particular aquelas que se
perguntam se o próprio termo sexo, sobre o qual um dos seus pólos se apoia, fornece algum
tipo de auto-evidência (cf. Butler, 1990) que permita contrastá-lo ao gênero A voga pós
-moderna deconstrutivista vem insistindo que as grandes meta-teorias, que almejam
explicações mais gerais acerca do mundo, são inadequadas e incapazes de dar conta da
variabilidade e da instabilidade das definições, estampadas no sentido precário da identidade
num mundo multifacetado e veloz. Também um outro olhar, nesse caso o neo pragmatista,
insiste em inquirir para que servem as perguntas que os modernos se colocam sobre as
estruturas subjacentes ao mundo social.
O gênero como alguns autores vinham se utilizando, baseados também numa perspectiva
construtivista - que asseveram estar em oposição ao essencialismo - incide ,
segundo os olhares acima descritos, em falácia. O conceito destaca o privilegiamento da
dimensão de escolha cultura para explicar as feições que o feminino e o masculino assumem
em múltiplas culturas, mas sustenta que a “natureza” é um pilar sobre o qual se constrói a
diferença sexual, aqui designada simplesmente como o dimorfismo sexual da espécie
humana
Entra em cena, novamente, um argumento desconstrutivista de que são as categorias que nos
permitem olhar o real , e que , assim, também a diferença sexual é um fruto dessas lentes de
conceitualização do mundo. A diferença entre os sexos é uma invenção historicamente
datada dos finais do século XVIII,. Esta é a contribuição do verdadeiramente interessante
livro de Thomas Laqueur, Making sex (Laqueur, 1990 e Gallagher e Laqueur, 1987)
(suprimi várias partes)
Para ele uma série de transformações na ordem política e ideológica das sociedades
ocidentais é a origem desta mudança de percepção dos sexos, construindo a problemática da
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diferença sexual. Esta passou a ser concebida como inscrita nos corpos e percebida como
fundacional da distinção entre os gêneros. Se os seres humanos passaram a ser declarados
como iguais era necessário buscar na natureza a base para introdução de uma desigualdade.
O exercício analítico a que Laqueur se dedica tem por conseqüência levantar dúvidas sobre o
consenso a partir do qual a categoria de gênero foi construída, pressupondo-se uma
imutabilidade do sexo. Nessa mesma direção existe a contribuição de Judith Butler (1990) e
numa linha diferente, mas que também problematiza a equação natureza/ cultura encontra-se
a antropóloga Marilyn Sthrathern (1988) . O primeiro ponto que gostaria de levantar gira em
torno da afirmação de que as teorias não revelam a natureza do real, mas sim constróem um
ponto de vista a partir do qual se pode examiná-lo E a diversidade de abordagens permite
enfocar/eleger determinados problemas como relevantes e descartar outros. O segundo
comentário diz respeito ao estatuto que a natureza retém numa explicação desse estilo,
servindo antes como base lógica do que um postulado sobre uma distinção absoluta que todos
os sistemas representacionais devem expressar. Sob o ataque cerrado que várias teorias mais
generalistas têm se encontrado, o estruturalismo figura em posição de destaque. Meu intuito
aqui é menos fazer uma defesa veemente de seus postulados, mas salientar como a utilização
de sua perspectiva de análise pode ser rentável.
Uma das questões que ainda atraem o meu olhar é o fato da generalidade da assimetria
intrínseca aos sistemas de gênero, até onde a curiosidade antropológica alcançou demonstrar.
Tentar esboçar uma interpretação para este fenômeno, fundada sob uma abordagem cultural,
tem sido um desafio. As explicações calçadas numa base biológica ou de natureza psíquica
estão aqui descartadas. O percurso empreendido apoia nas contribuições de uma dada
tradição francesa, a Escola sociológica a partir de Durkheim, passando por Lévi- Strauss e
Louis Dumont.
Neste último autor encontra-se a proposição da universalidade da hierarquia como
ordenamento do mundo social (Dumont 19xx, 19xx). Baseada nessa premissa, que já
explorei em outros lugares (Heilborn, 1993, 1995) busquei construir o porquê da
classificação do gênero necessariamente comportar hierarquia, ou seja que razões há que
expliquem a constante estrutural de assimetria na montagem das relações entre os gêneros1.
que acoplando-se aos princípios do englobamento do contrário e o da especificação lógica
dos níveis, enseja a dinâmica da mudança, entenda-se por isto a ocorrência das inversões
hierárquicas.
Para o referido autor a hierarquia é uma necessidade lógica do ordenamento do social. O
universo simbólico estrutura-se e se move a partir de oposições, submetido à ordem da
preeminência. A resistência da admissão deste ponto de vista acerca da hierarquia reside nos
valores centrais do individualismo, ideologia dominante da contemporaneidade, e que
também se reflete no pensamento sociológico. Para ele há duas grandes modalidades de
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Por outro lado, é também essa obra que traz subsídios, mediante a análise da categoria de indivíduo, ao porquê
da assimetria poder se apresentar como ilegítima e, às vezes, impronunciável.
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configuração societária, o holismo, também referido como tradicional, e o individualismo,
que é uma forma aparentemente antagônica à anterior, devido organizar-se por um princípio
de segmentação e valorização da perspectiva da parte sobre o todo.
Se a questão instauradora fala acerca de uma dada generalidade dos sistemas de gênero, a de
sua assimetria, entendo que o caminho a ser percorrido nos remeta aos termos determinados
por Lévi-Strauss para a problemática do incesto. A assimetria do gênero necessita estar
conectada em um plano lógico com este momento inaugural da cultura. Se o incesto diz
respeito à regulamentação das relações entre os sexos, e "a lei da exogamia deve ser
entendida como lei de troca das mulheres e do seu poder de fecundidade entre homens"
(Héritier,1980::24), tal problema parece estar implicado na distribuição de valor entre os
gêneros.
Lévi Strauss sustenta que a proibição do incesto é uma dosagem de elementos variados
tomados de empréstimo parcialmente à natureza e parcialmente à cultura. ‘É o processo pelo
qual a natureza se ultrapassa a si mesma" (Lévi-Strauss:1976::62-63). Já Françoise Héritier
define a distinção entre os sexos como a "marca elementar da alteridade"
(Héritier:1981:38-39), constituindo-se esta em uma espécie de matriz da atividade simbólica.
Para ela, há “uma impossibilidade de negação diferença entre os sexos, que está na base da
reflexão dos grupos humanos sobre eles mesmos, a partir do qual se constitui toda a
organização social e toda a ideologia" (Héritier:1979::227). Tal raciocínio apoia na idéia de
que o pensamento ordena-se em função de um equilíbrio entre as propriedades do idêntico e
do diferente, fazendo da alteridade o fundamento do simbólico e do social
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