Carlos Antonio Ferreira de Oliveira PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília – UCB, para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor Moacir Pereira Calderon. Brasília 2006 Carlos Antonio Ferreira de Oliveira PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília – UCB, para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor Moacir Pereira Calderon. Aprovado pelos membros da banca examinadora em ___/___/___, com menção ______ (________________________________________). Banca Examinadora: ______________________________________________ Presidente: Professor Mestre Moacir Pereira Calderon Universidade Católica de Brasília - UCB ______________________________________________ Integrante: Universidade Católica de Brasília - UCB ______________________________________________ Integrante: Universidade Católica de Brasília - UCB Dedico este trabalho a minha família e aqueles que estão envolvidos nos ideais de justiça. . Agradeço a Deus pela vida; a minha família pelo apoio, paciência, confiança, educação e amor; amigos do curso, aos professores pelo aprendizado, em especial ao professor Moacir Pereira Calderon e Orientadores do Núcleo de Prática Forense da UCB – Unidade Samambaia, pelo apoio. “A Democracia não é apenas a lei da maioria, é a lei da maioria, respeitando o direito das minorias.” Clement Attlee RESUMO OLIVEIRA, Carlos Antonio Ferreira de. Prisão civil do depositário infiel em face dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. 2006. 93 f. Trabalho de conclusão de curso (graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Taguatinga, 2006. A votação da Emenda Constitucional n° 45/2004 trouxe inovações, tocante a grande polêmica da legalidade da prisão civil por divída, do equiparado a depositário infiel. Antes da entrada em vigor do parágrafo descrito acima, a grande divergência estava relacionada a aplicabilidade dos tratados internacionais de direitos humanos, se estes tinham status constitucional ou de lei ordinária, ante a existência de outras leis infraconstitucionais que prevêem o instituto da prisão civil, fora da exceções previstas na Carta Maior. A decisão do plenário do STF, em 1995, definiu que os tratados internacionais de direitos humanos tinham status de lei ordinária, com essa decisão o Supremo tornou possível a realização da prisão civil por dívida fora dos casos previstos na Constituição Federa, ou seja, inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Em face da irregularidade acima, o parágrafo 3° do artigo 5° sanou as dúvidas quanto ao status constitucionais do tratados internacionais de direitos humanos. Porém, resolvido o questionamento anterior os defensores da prisão civil por dívIda do equiparado a depositário, criaram a tese de que a este parágrafo não era aplicável os tratados de direitos humanos, ratificados antes da Emenda Constitucional nº 45/2004. No entanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecidos como Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, tem ampla aplicação mesmo não tendo passado pelo quorum de aprovação previsto na Lei Maior. Nesta mesma razão, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, ratificados antes do advento da emenda constitucional nº 45/ 2004, que completam e se harmonizam com a Constituição assumindo status de normas materialmente constitucionais, sendo uma garantia a mais na proteção dos direitos fundamentais, de acordo como o parágrafo 2º do artigo 5º, da Carta Magna. Assim, esta monografia analisa quem é verdadeiro depositário infiel, ou seja, o originário do contrato típico de depósito, o depósito voluntário e o miserável, para afastar, com fundamento na doutrina e na jurisprudência, a incidência desta constrição pessoal realizada contra a pessoa que é equiparada a depositário infiel, visando um fim meramente econômico, ultrapassando os limites impostos pelos tratados de direitos humanos consagrados na Constituição Federal. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................09 2 DEPOSITÁRIO INFIEL ...........................................................................................13 2.1 O CONTRATO DE DEPÓSITO ...........................................................................13 2.2 DEPOSITÁRIO INFIEL - CARACTERÍSTICAS. VERDADEIRO E GENUÍNO DEPOSITÁRIO INFIEL ..............................................................................................17 2.3 PREVISÃO CONSTITUCIONAL E DEMAIS DISPOSIÇÕES LEGAIS ................19 3 PRISÃO CIVIL FRENTE ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS ...........................21 3.1 HISTÓRICO.........................................................................................................21 3.2 CONCEITO E NATUREZA DA PRISÃO CIVIL....................................................23 3.3 EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL.. ..................................................................................................................................26 3.4 POSSIBILIDADE E PREVISIBILIDADE LEGAL DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL ..............................................................................................28 3.4.1 INCONSTITUCIONALIDADE SE APLICADA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E AOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ..............................................................................................32 4 DIREITOS HUMANOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS .................................37 4.1 – ORIGEM E CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ............................37 4.2 APLICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA – SUPREMACIA COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL..................................... ......41 5 TRATADOS INTERNACIONAIS.............................................................................44 5.1 BREVE HISTÓRICO............................................................................................44 5.2 CONCEITO, NATUREZA E CLASSIFICAÇÃO ...................................................45 5.3 TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS...................................................................................................................50 5.4 INCORPORAÇÃO E APLICAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA..............................................................................51 5.5 - NATUREZA CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS – INSERIDA NO §2° DO ARTIGO 5° DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 - E A HIERARQUIA DOS TRATADOS RATIFICADOS ANTES DA INSERÇÃO DO §3º, PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 45/2004........................................................................................................................55 5.5.1 – ANTINOMIAS E REGRAS DE HERMENÊUTICA PARA ESTA CONCLUSÃO ..................................................................................................................................62 6 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL. DIVERGÊNCIAS ENTRE OS TRIBUNAIS SUPERIORES .......................................................................................68 6.1 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ .......................................................68 6.2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF ............................................................74 7 CONCLUSÃO.........................................................................................................84 8 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................89 9 1 INTRODUÇÃO A proposta deste Trabalho de Conclusão de Curso é analisar a prisão civil do depositário infiel em decorrência dos princípios constitucionais de valoração da dignidade humana e da liberdade, como também de tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. Esta prisão civil está amparada no artigo 5°, inciso LXVII, da Constituição da República que diz: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel”. Para tanto, neste trabalho, faz-se necessário, primeiramente, conceituar os institutos jurídicos que se baseiam este estudo. Será analisado o instituto do contrato de depósito, para se enquadrar de forma correta e inequívoca, o verdadeiro e genuíno depositário infiel, qual seja, o oriundo da obrigação contratual de depósito clássico, o voluntário e o depósito miserável. Em um segundo momento, a prisão civil será abordada, buscando-se na História, a sua conceituação e aplicação nas sociedades do passado. A partir daí, esclarecer-se-á este instituto no Brasil e sua evolução nas Constituições Brasileiras, até a Constituição de 1988, fazendo-se uma abordagem em virtude das garantias constitucionais desta Carta. Para a prisão civil será citado o arcabouço legal e analisada a possibilidade da decretação da prisão civil do depositário infiel constantes nesta legislação, em confronto com os princípios e garantias constitucionais, elevados a cláusulas pétreas pelo Constituição Federal (art. 60, parágrafo 4°), e em relação aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, especificadamente o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. Como o tema trata de prisão, de restrição à liberdade pessoal, importante será frisar o papel dos direitos humanos na sociedade nacional e internacional, sua criação e evolução com a criação da Organização das Nações Unidas em 1948, 10 após as atrocidades cometidas pelo nazismo na Segunda Guerra Mundial. Além de estuda-los [os direitos humanos], serão confrontados em consonância com a Lei Maior, que é influenciada em grande medida por estes preceitos humanitários. Para a proteção destes direitos humanos, se enfocará, como dito, os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, motivo pelo qual, faz-se premente, um breve estudo sobre os tratados internacionais, seu conceito e natureza jurídica, bem como sua aplicação e incorporação à ordem jurídica brasileira, para melhor delimitar a obrigatoriedade de aplicação pelo poder público Executivo, Legislativo e Judiciário - dos tratados internacionais de proteção dos direitos do homem. Demonstrar-se-á que os tratados ora referenciados, têm natureza material de norma constitucional, por versarem de direitos fundamentais e afastarem a incidência de legislação infraconstitucional que abrangem a prisão civil do depositário infiel, equiparado por ficção legal, pois a própria Constituição do Brasil, assim admite, ao esculpir no parágrafo 2°, do art. 5°, esta nova regra, nunca admitida em outras Constituições Brasileiras, pela qual: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, bem como a recente inserção do parágrafo 3° ao artigo 5° da Carta Magna, pela emenda constitucional 45/2004, segundo o qual: ”Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”. Desse modo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tem caráter materialmente constitucionais e como em relação ao primeiro, em seu art. 11, que estabelece: “Ninguém pode ser preso pela única razão de que não pode se executar uma obrigação contratual”, fica claro o não cabimento da prisão civil do depositário infiel. Ademais, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no seu artigo 7°, n. 7, dispõe que: “ninguém deve ser detido por dívida”: “este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. 11 A partir deste contexto de proteção dos direitos humanos, indaga-se: a prisão civil do depositário infiel tem aplicação ainda no ordenamento jurídico brasileiro? Sendo afirmativa a conclusão, em quais situações? Será visto, assim, que por ser a Constituição fundadora do Estado, através do pacto social a que a sociedade delega ao constituinte originário a construção desta normatividade constitucional, é ela soberana, só podendo ser alterada por emenda constitucional na forma do art. 60. Desse modo, restará demonstrado que, em respeito à soberania que emerge do poder da Constituição, a prisão civil do depositário infiel, estando inserida no inciso LXVII, do artigo 5°, não pode deixar de ser aplicada, em virtude dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. Entretanto, demonstrar-se-á que estes diplomas internacionais, não se contrapõe à Lei Maior, mas sim, a complementam e se harmonizam com ela, proibindo-se assim, a prisão civil do depositário infiel que é equiparado a tal, pela lei infraconstitucional. O depositário oriundo do contrato típico de depósito (depósito voluntário e miserável) é que é passível de prisão civil. Vê-se, então, que o presente trabalho se situa entre vários ramos do Direito, daí a sua complexidade. Desse modo, serão analisados institutos civis, constitucionais e de direito internacional público. Passará, ao final do trabalho, ao estudo da posição da jurisprudência dos tribunais superiores, especificamente do Supremo Tribunal Federal, que, pela sua maioria, admite a prisão civil do depositário infiel nas equiparações legislativas, e também a do Superior Tribunal de Justiça, que se posiciona contra este tipo de coerção pessoal. Portanto, esta pesquisa terá fundamento bibliográfico em autores que são favoráveis à prisão civil do depositário infiel, bem como entre outros que são contrários, quais sejam, os primeiros (favoráveis) Arnoldo Wald, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Maurício Andreiuolo Rodrigues e José Carlos Moreira Alves, dentre outros, os segundos (contrários) Antônio Augusto Cançado Trindade, Flávia 12 Piovesan, Celso D. Albuquerque Mello, Álvaro Villaça Azevedo, Fábio Konder Comparato e Valério de Oliveira Mazzuoli, entre outros. Serão utilizadas, para respaldo das idéias aqui expostas, citações destes autores e outros, de acordo com o sistema autor-data, referindo-se às citações, entre parênteses, o ano de publicação da obra e a página, o que se poderá, na referência bibliográfica, localizar qual o nome da obra daquele autor citado, para um melhor esclarecimento sobre o tema citado. Em suma, objetiva-se com este trabalho, além da graduação no curso de Direito da Universidade Católica de Brasília – UCB -, a demonstração que a prisão civil do depositário infiel, nas leis que há esta equiparação, não tem cabimento, porquanto há princípios norteadores da ordem constitucional brasileira, quais sejam, os do valor da dignidade humana, da liberdade, da construção de uma sociedade justa e solidária, além dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos citados, que reforçam estes princípios e garantias constitucionais vedando, expressivamente, a prisão civil do depositário infiel. 13 2 DEPOSITÁRIO INFIEL 2.1 O CONTRATO DE DEPÓSITO Primeiramente, antes de iniciar propriamente o estudo sobre depositário infiel, se faz necessário buscar a gênese, a raiz deste instituto, de onde provém este instituto, objeto deste capítulo. O contrato de depósito. Em Enciclopédia Saraiva do Direito (1977, v. 23, p. 387), a palavra depósito advém do latim depositum, do verbo deponere, significando “a confiança pela qual uma pessoa põe uma coisa sob o poder de outra (depositário)”. Assim podemos afirmar que depósito “define-se como o contrato pelo qual uma das partes, recebendo de outra uma coisa móvel, se obriga a guardá-la, temporária e gratuitamente, para restituí-la na ocasião aprazada ou quando lhe for exigida” (MONTEIRO, 1999, v. 5, p. 226). Há, portanto, duas partes neste negócio jurídico. O depositante, proprietário da coisa móvel, que por motivos quaisquer, de naturezas diversas, precisa que outra pessoa, exerça sobre esta propriedade a guarda, conservação e vigilância que está impedido de fazê-los. É o depositário, que, pela confiança nele depositada, recebe a coisa, tendo obrigação de guarda e custódia, cujos efeitos “diz respeito à [...] própria guarda da coisa sob o seu poder, [...] o dever precípuo de não se utilizar da coisa depositada e [...] o dever de respeitar o segredo da coisa sob sua guarda.” (SERPA LOPES, 1999, p. 293). “A guarda da coisa alheia é, assim, a finalidade precípua do depósito. Daí, em tese, ser vedado o uso da coisa depositada pelo depositário, pois, caso tal uso fosse permitido”, se desvirtuaria a função do contrato, não sendo apenas para o benefício do depositante, transformando-se o contrato de depósito em contrato de comodato, em vantagem para o depositário (RODRIGUES, 2002, p. 268). “A custódia no depósito não se confunde com a guarda de relações contratuais, como v. g., mandato, locação, comodato, alienação fiduciária, etc., [...]”. Nestas figuras contratuais a incumbência de custódia “não constitui sua finalidade precípua, mas acessória, acidental, e é do interesse do guardião” (MOLITOR, 2000, p. 23). 14 Têm, o contrato de depósito os seguintes elementos característicos: 1° Natureza contratual: exige mútuo consenso, sendo a) unilateral (obrigação para o depositário), podendo se converter em bilateral (obrigação do depositante de pagar as despesas de conservação); b) gratuito, podendo ser oneroso se as partes estipularem ou quando há despesas por parte do depositário com a custódia da coisa depositada; c) real, que para o aperfeiçoamento do depósito há que se ter a efetiva entrega da coisa ao depositário; d) “intuitu personae”, se funda nas qualidades pessoais do depositário, como honradez, honestidade e outros aspectos subjetivos. 2° Entrega de coisa móvel corpórea pelo depositante ao depositário: não há transferência de propriedade, nem permissão para o uso da coisa. 3° Obrigação de custódia: o depositário tem a obrigação de guarda e conservação da coisa dada em depósito. 4° Restituição da coisa pelo depositário na ocasião ajustada, ou quando reclamada. Não devolvendo será compelido mediante prisão e a ressarcir os prejuízos (art. 652 do Código Civil). 5° Termporariedade: cessará no termo prefixado ou quando o depositante exigir. 6° Gratuidade: o Código Civil assim estatui, mas as partes poderão ajustar o preço pelo serviço prestado. No art. 628 da nova lei civil, há a novidade de se estipular de acordo com os usos do lugar, quando não estipulado no contrato (DINIZ, 2003, p. 310/312). O depósito tem as seguintes modalidades: 1° depósito voluntário, art. 627 e seguintes do Código Civil; 2° depósito necessário, divide-se em: - depósito legal, - depósito miserável; 3° depósito regular e depósito irregular; 4° depósito judicial ou seqüestro 15 O depósito voluntário é aquele oriundo de livre ajuste entre as partes, depositante e depositário, que estabelecem de comum acordo sobre o depósito, estabelecendo por vezes, se despesas houver para a guarda e conservação da coisa objeto do acordo, uma remuneração para o depositário, passando neste instante de um contrato unilateral para um sinalagmático, sendo, portanto, um contrato escrito. O depositário tem como dever, conforme disposição do art. 629 do Código Civil, ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante. Tem, o depositário os direitos de retenção, de compensação e de requerer o depósito judicial da coisa. O direito de retenção da coisa depositada lhe é conferido para garantia de ser reembolsado das despesas feitas com a coisa, de ser indenizado dos prejuízos, provados imediatamente, quando a coisa depositada é embargada judicialmente ou quando pende execução e também quando suspeitar, o depositário, que a coisa foi furtada ou roubada. A compensação só se admite quando em outro depósito se fundar. Por fim, tem o depositário, o direito de requerer depósito judicial obrigatoriamente quando o depositário tiver suspeita de que está guardando coisa furtada, ou roubada; quando não puder guardar a coisa e o depositante não queira recebê-la ou quando o depositário se tornar incapaz. Neste caso seu curador terá que recolher o objeto depositado ao depósito público, se o depositante recusar-se a recebê-lo (GOMES, 2002, p. 342/343). Este é o contrato típico de depósito, que juntamente com o depósito miserável, são os únicos a ensejarem a prisão civil do depositário infiel, contratos estes que serão melhores analisados em capítulo específico. O depósito necessário é o que se faz em desempenho de obrigação legal e o que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio, ou o saque (conhecido como depósito miserável), de acordo com as letras do art. 647, I, II do Código Civil. 16 Esta modalidade de depósito, o depósito legal, vai se efetivar quando da ocorrência do que está descrito nas normas em particular. É uma modalidade que não mais encontra respaldo para se considerar o depositário infiel, devido aos tratados de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil, inobstante estar previsto no novo Código Civil o depósito legal. Isto devido a uma interpretação lógica e sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, o que se demonstrará nos capítulos subseqüentes. O depósito previsto no art. 649, parágrafo único do Código Civil está inserido nesta modalidade de depósito necessário legal. É o resultante do contrato de hospedagem onde, as bagagens dos viajantes, hóspedes ou fregueses, nas hospedarias, estalagens ou casa de pensão, são tidos como objetos depositados, estando subordinados a uma relação contratual de depósito. Os “respectivos hospedeiros ou estalajadeiros assumem automaticamente a posição de depositários, respondendo, [...], ainda pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nas suas casas”(SERPA LOPES, 1999, p.301). Outra espécie de depósito necessário é o depósito miserável, que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque (art. 647, II, do Código Civil). Desse modo, o depositante, devido a uma situação imprevista, não tem como escolher livremente a quem vai dar o seu objeto para custódia, sendo o depositário impelido pelo dever moral de receber e preservar o bem lhe dado para guarda e o depositante, impelido pela confiança natural no ser humano. Sendo assim, age o depositário sem influência, de acordo com o dever moral, universalmente reconhecido na cultura de um povo, não condicionando sua atitude a uma recompensa posterior. Por estes motivos que no depósito miserável cabe a prisão do depositário infiel, pois há uma relação entre depositante e depositário de extrema e desafastada confiança, onde agem de modo humanitário, solidário, ao contrário do depósito legal, onde há a equiparação legal de um contratante a depositário, desvirtuando o real sentido do depósito, qual seja a confiança, a solidariedade, imprescindíveis para a convivência harmoniosa da sociedade. 17 O depósito regular é aquele que incide sobre bens infungíveis e o depósito irregular é o que se dá sobre bens fungíveis, tendo o depositário que restituir coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Este tipo de depósito se regula de acordo com o mútuo, conforme descreve o art. 645 do Código Civil. Por fim, tem-se o depósito judicial, aquele que se cria por determinação judicial, para apreensão de bens tendo como objetivos fins conservatórios, acautelatórios e executórios. Esta apreensão de bens decorre, da penhora, seqüestro, arresto, busca e apreensão e “sempre que se apreendem bens, temos de designar alguém para exercer sobre os bens os mesmos direitos de guarda, custódia e vigilância, durante certo período, sob a regência do juiz ou de autoridade administrativa”. (VENOSA, 2004, p. 263/264). 2.2 DEPOSITÁRIO INFIEL - CARACTERÍSTICAS. VERDADEIRO E GENUÍNO DEPOSITÁRIO INFIEL Infiel vem do latim infidele. No dicionário Aurélio Buarque de Holanda infiel é a falta de fidelidade; desleal, inconfidente, pérfido, traiçoeiro, que não cumpre aquilo a que se obrigou ou se obriga; impontual, que não é fiel; inexato, inverídico. Indivíduo infiel é a pessoa que não tem a fé considerada a verdadeira; gentio, pagão. “Protegendo de modo particular a confiança que é o fundamento do contrato de depósito, a lei civil admite a prisão do depositário infiel, como medida coercitiva a fim de obrigá-lo a devolver a coisa depositada”(WALD, 2000, p. 452). Desse modo, infiel é o depositário que não cumpre com o contratado, com o ajustado no contrato de depósito, contrato este típico, qual seja o depósito voluntário e o depósito miserável, e não aquele a quem uma norma o faz presumir infiel depositário. Isto devido não conter nestas equiparações os elementos caracterizadores do contrato clássico de depósito, sendo, portanto, uma aberração jurídica, onde, para se enquadrar com todo o custo alguém como depositário infiel, faz-se alcançar 18 o contratante, que não é de depósito propriamente, para se assegurar o cumprimento de uma obrigação, custando para isso a supressão da liberdade da pessoa. Supressão esta que desrespeita os princípios constitucionais de liberdade e de direitos humanos, tais como os previstos nos arts. 1º, III, 3º, I e 4º, II, da Constituição da República Brasileira, apenas para citar alguns dos preceitos constitucionais contrariados. Estes dispositivos constitucionais informam que: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - ...; II - ...; III - a dignidade de pessoa humana; Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - ...; II - prevalência dos direitos humanos; Tão importante a liberdade e os respeito aos direitos humanos que o legislador constituinte, além elevar estes valores a princípios constitucionais, determinou que sejam cláusulas pétreas, não podendo ser modificadas por emenda à Constituição, conforme art. 60 §4º. O depositário infiel é, portanto, uma exceção existente no ordenamento jurídico, que deve ser visto de forma sistemática e coerente com os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, onde sua caracterização deve se reservar apenas aos casos de depósito voluntário e depósito miserável 19 Estes, portanto, são os verdadeiros e genuínos depositários infiéis, o decorrente do contrato de depósito, nas modalidades de depósito voluntário e miserável, inobstante autores como Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins (2004, p. 332) entenderem que “a expressão depositário infiel é utilizada de maneira ampla pela Constituição, dando assim margem à lei ordinária para que possa cominar a pena de prisão a modalidades diferentes de depósito”. 2.3 PREVISÃO CONSTITUCIONAL E DEMAIS DISPOSIÇÕES LEGAIS A previsão constitucional do depositário infiel está contida no art. 5º, inciso LXVII, in verbis: LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Gian Paolo Peliciari Sardini (1999, p.325) elenca uma relação de depósito necessário originário de obrigação legal, quais sejam: 1 – Lei n. 8.866/94; 2 – Dec.-Lei n. 911/69; 3 – Lei n. 4.728/65, art. 66; 4 – Lei n. 492/37; 5 – Lei n. 5.869/73, art. 150; 6 – C. Com., art. 280 a 286; [dispositivos revogados pelo novo Código Civil]; 7 – Dec.-Lei n. 413/69, art. 41; 8 – C. Civil: art. 234 (sem correspondência no novo Código Civil), art. 507, parágrafo único (sem correspondência no novo Código Civil), art. 603, parágrafo único (no Código Civil de 2002, art. 1233, parágrafo único), art. 984 (art. 345, no Código de 2002), art. 1046, parágrafo único [revogado pela lei 9,307/96], art. 1276 (art. 641 do novo Código Civil) e art. 793 (sem correspondência no novo Código Civil). 20 9 – CPP, arts. 125 e 123; 10 – Lei 1808, de 07-01-1953; 11 – Decreto-Lei 3.240, de 08-05-1941; 12 – Lei n. 3.502, de 21-09-1958; 13 – Dec.-Lei n. 58, de 10-12-1937, art. 17 e 14 – Dec. N. 3.079, de 15-09-1938, art. 17, parágrafo único. Também, no Código de Processo Civil há a figura do depositário, que disciplina no artigo 148 que “a guarda e conservação de bens penhorados, arrestados, seqüestrados ou arrecadados serão confiadas a depositário ou a administrador, não dispondo a lei de outro modo”. Assim, o depositário infiel encontra-se caracterizado na Constituição Federal Brasileira, como uma das exceções à prisão civil por dívida, respaldando, desse modo, para que a legislação infraconstitucional regulamente a matéria. Regulamento este que deve se ater apenas ao contrato strictu sensu de depósito (depósito voluntário e depósito miserável), pois como se depreende do texto constitucional, apenas citou "depositário infiel", não fazendo referência a nenhuma regulamentação como continha nas constituições anteriores e como se trata de medida extrema, deve se interpretar restritivamente, em atendimento também, aos princípios constitucionais de liberdade e dos direitos fundamentais. As legislações existentes acerca do depósito, que equiparam o contratante a depositário e havendo o descumprimento da obrigação contratual, o transforma em depositário infiel, com a pena de prisão, não tem mais aplicação, estando todas, sem exceção, esvaziadas de conteúdo em relação a este aspecto. Isto devido à ordem constitucional e aos tratados de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil, especificamente o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direito Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica, adiante estudados. Nestes termos, há na legislação brasileira dois tipos de depósito, o depósito que é a obrigação principal e o depósito de obrigação acessória. No primeiro caso, o depositário deve restituir a coisa; no segundo, o depósito reforça a obrigação de cumprimento de contrato. A prisão civil é restrita à primeira hipótese. 21 3 PRISÃO CIVIL FRENTE ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS 3.1 HISTÓRICO A legislação mais antiga a que se tem conhecimento sobre a prisão civil por dívida é o Código de Hamurabi, denominação esta devido ao rei da Babilônia, que reinou de 1.728 a 1686 a. C. Neste texto legal, o devedor de dinheiro, prata, grãos, etc, para pagamento do seu débito, poderia ser tomado como escravo ou também vender sua própria família ou dá-la para prestação de serviços ao credor. Nestes casos, após três anos de serviços prestados ao comprador ou ao credor, deveriam ser libertados, (AZEVEDO, 2000, p.15/16). Também, na doutrina, há referência à prisão civil por dívida na Índia do século XIII a.C., prevista no Código de Manu (Manava Dharma Sastra), que prescrevia a prisão como ladrão de quem não cumpria com a obrigação assumida ou não restituía o objeto depositado. Admitia-se o uso de violência pelo credor, contra o devedor, para recebimento do crédito, podendo até, se de casta inferior, “ser seqüestrado e acorrentado, bem como sua mulher, filhos e animais, para que trabalhassem até o completo pagamento da dívida” (AZEVEDO, 2000, p.16). No caso do depósito, havia a exceção a estes castigos no caso de força maior ou caso fortuito, como o roubo ou a destruição do objeto. No Egito, havia a possibilidade de escravização do devedor inadimplente de suas obrigações, sendo obrigado a servir ao credor até o adimplemento da dívida. Esta medida foi abolida, conforme informa Álvaro Villaça Azevedo (2000, p.18), entre 568 e 526 a.C., onde a obrigação só poderia, a partir de então, ser executada patrimonialmente e não pela pessoa do devedor. Os hebreus também sofreram com a pena de prisão decorrente de dívidas, que determinava a prestação de serviços ao credor por sete anos, sendo liberado após este tempo. Também era dado em garantia do pagamento da dívida, os filhos dos devedores. Na Bíblia Sagrada há passagens deste tipo de medida no Código da Aliança, descrito no Êxodo (XX: 22 a XXXIII: 23), no Deuteronômio, XV, 1 a 18, especialmente, 1 e 12 a 18 e no Levítico, XXV: 39 a 46 (AZEVEDO, 2000, p. 18/19). 22 No direito romano havia, do mesmo modo, a execução pessoal do devedor inadimplente, “mediante constrição exercida sobre o corpo devedor, que podia ser vendido como escravo, para que com o produto arrecadado, fosse efetuado o pagamento do credor.”(MOLITOR, 2000, p.8). Caio Mário da Silva Pereira (2000, p. 6/7) descreve que no direito romano, em razão da pessoalidade da obrigação assumida e do comprometimento do devedor, este respondia com o próprio corpo, “estabelecendo-se o poder do credor sobre ele (nexum), compatível com a redução do obrigado à escravidão (manus iniectio), se faltava o resgate da dívida”. Em 326 a.C. há a criação da Lex Poetelia Papiria, que inovou vedando a execução pessoal do devedor. A partir daí as dívidas eram pagas pelo patrimônio do inadimplente. No feudalismo havia também a escravidão em virtude de dívidas, sendo amenizado com o surgimento do Cristianismo, do Renascimento e de outras idéias, onde o devedor podia se libertar pagando a dívida ou cedendo bens ao credor (VITRAL, 1977, v. 61, p. 136). Na Europa, também havia o instituto da prisão por dívidas. Pinto Ferreira (1989, p. 195), descreve um “caso de uma mulher que permaneceu quarenta e cinco anos na prisão, onde morreu, por causa de uma dívida de dezenove libras”. Descreve ainda Waldir Vitral, em Enciclopédia Saraiva de Direito (1977, v. 61, p. 137), que a abolição da prisão por dívidas iniciou-se com a Ordenança de 1274, sendo, mais tarde, com Felipe, o Belo, estabelecido que os bens e não as pessoas que garantiriam as dívidas e após algumas idas e voltas do instituto, em “1867 foi outra vez extinguida a prisão pessoal, passando a existir apenas para casos raros de condenação que vigorou durante algum tempo”. Informa Álvaro Villaça Azevedo (2000, p. 43), que no Código de Napoleão de 1804, em seu art. 2.060, havia a previsibilidade da prisão civil do depositário, mas apenas aquele oriundo de depósito necessário. Isto tudo na França, que nos dias de hoje não existe mais o instituto da prisão civil, “nem mesmo para a obrigação alimentar”(MOLITOR, 2000, p. 11). 23 Na Itália, do mesmo modo, também não mais existe a prisão civil por dívida e na Inglaterra, está restrito este instituto aos casos de insolvência fraudulenta com valor acima de 50 libras e tempo de prisão de seis semanas. Foi abolido, também, o instituto da prisão civil por dívida, na Bélgica em 1871, na Alemanha em 1868, na Áustria, em 1868, na Argentina em 1872 e paulatinamente nos Estados Unidos da América do Norte (AZEVEDO, 2000, p. 178). 3.2 CONCEITO E NATUREZA DA PRISÃO CIVIL Prisão civil define-se “como a privação de liberdade de uma pessoa, com o escopo de constrangê-la ao adimplemento de uma obrigação de natureza civil ou comercial, sem qualquer conotação de punição”(MOLITOR, 2000, p. 12), sendo esta conceituação realizada por exclusão, onde o aprisionamento que não resulta de infração à legislação penal, é de natureza civil ou comercial, portanto, prisão civil. “A prisão civil é ato de constrangimento pessoal, autorizado por lei, mediante segregação celular, do devedor, para forçar o cumprimento de um determinado dever ou de uma determinada obrigação”(AZEVEDO, 2000, p. 51). Desse modo, a prisão civil é medida que o Estado toma, segregando o indivíduo da sociedade, em virtude de descumprimento de alguma obrigação do âmbito do direito privado, obrigação esta contratualmente assumida ou presumidamente adquirida. Tem como objetivos, além de inibir atos futuros que ensejariam a prisão civil, o condão de constranger, mediante o cárcere privado, que o faltoso da obrigação a honre. É uma medida extrema, vez que retira da pessoa um direito absoluto, a liberdade, para que, em tese, a sociedade possa ter uma garantia a mais do cumprimento total das obrigações que ensejam tal medida. A prisão civil é meio indireto de execução, entretanto, apesar de não visar uma pena, tem “um sabor de pena, na medida em que, para o sujeito passivo, mesmo que indiretamente, o gosto que tem a restrição de sua liberdade é o de verdadeira retribuição ao prejuízo tomado pelo credor”(MAZZUOLI, 2002A, p. 62). 24 Nestes termos, a prisão civil tem natureza jurídica de coação, sendo um “instrumento de compulsão para o adimplemento de obrigação alusiva ao pagamento de pensão alimentícia, ou restituição de coisa depositada, sem caráter de punição” (MOLITOR, 2000, p. 13), apresentando “caráter de meio de constrangimento, incompatível com o sistema jurídico contemporâneo” (AZEVEDO, 2000, p. 55). Diferentemente da prisão penal, que objetiva a repressão de crimes, para se ter uma justiça e uma paz social, segregando tais criminosos para que não rompam e não corrompam o pacto social estabelecido, a prisão civil busca o adimplemento da obrigação assumida pelo devedor, ou seja, a prisão penal tem característica de uma pena, de uma punição pelo ato praticado, enquanto que a prisão civil tem caráter de coerção sobre o devedor. Pinto Ferreira (1989, p.195) descreve que a locução constitucional prisão civil deve ser entendida diferentemente da prisão penal, pois uma é meio compulsório de execução e outra resultante de uma infração penal. “A prisão civil não decorre necessariamente de um ilícito penal, não apresenta o caráter de pena e, destarte, não é passível de detração de pena (CP, art. 42)”. “A prisão civil difere da prisão criminal, porque a civil é um meio compulsório de execução e a criminal é originada de uma infração da lei penal”(VITRAL, 1979, v. 61, p. 138). A prisão de natureza penal visa punir os delitos e a prisão de natureza civil busca coagir, impor a pessoa à prática de um ato que não foi realizado. Sendo assim, a prisão penal trata de atos já praticados e os repreendem; a prisão civil trata de impor a privação da liberdade para que os atos não praticados o sejam. Estes atos não praticados que ensejam a prisão civil são a do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Não cumprindo com a obrigação de suprir o dependente dos alimentos indispensáveis à sua sobrevivência, arcará o faltoso com a privação de sua liberdade, para que retome ou inicie o suprimento indispensável de alimentos ao seu dependente. No caso do depositário infiel, a prisão civil se aplicará também, vez que não devolvendo o bem que lhe foi confiado, é lhe imposto o rótulo da infidelidade, motivo pelo qual será compelido a devolver o objeto depositado mediante a suspensão do 25 seu direito constitucional de liberdade, encarcerando-o até que cumpra com o seu dever. Este estudo trata mais especificamente da prisão civil do depositário infiel. Em relação ao descumprimento de obrigação alimentícia há um valor maior em jogo, que é a vida do alimentante, pois sem o suprimento dos alimentos necessários à sua subsistência, não se desenvolverá adequadamente, correndo o risco de desnutrição e a própria vida. Entretanto, no tocante ao depositário infiel, o valor resguardado é a confiança, a solidariedade (no caso de depósito miserável), a organização e respeito à justiça e muitas vezes é a propriedade que se está protegendo. A liberdade é um valor muito maior que os atribuídos ao depósito (confiança, solidariedade e principalmente a propriedade). A prisão civil neste caso, em que pese opiniões em contrário na doutrina e na jurisprudência, não deveria ser aplicada. É, no entanto aplicada em virtude de preceito constitucional previsto no artigo 5º inciso LXVII, da Constituição Federal Brasileira. Sendo assim, já que infelizmente o legislador constituinte manteve este tipo de prisão em relação ao depositário infiel, e a colocou no capítulo referente aos direitos e garantias individuais, sendo cláusula pétrea (art. 60, §4º), obrigatoriamente há que ser aplicada, em respeito à ordem constitucional. Mas, que seja apenas aplicada em relação aos valores da confiança e da solidariedade, pois sendo uma medida extrema, há que se restringir o seu campo de atuação. Além desta argumentação há que se respeitar os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil que vedam a prisão civil. Estes tratados reforçam a tese exposta e serão melhores analisados em capítulo específico. À prisão civil não se aplica a prisão albergue ou a prisão domiciliar, pois conforme jurisprudência do STF (RTJ 98/684, rel Min. Cordeiro Guerra), transcrita por Valério Mazzuoli (2002A, p. 65), em virtude da natureza e finalidade da prisão civil e da penal, não se pode aplicar o “regime de prisão albergue às prisões civis, sob pena de tirar-lhes o caráter constritivo que as justifica e lhes é próprio”. Nesta linha, Joaquim Molitor (2000, p. 14/15), entende ser “paradoxal, que ao aprisionamento penal seja aplicável o regime aberto [...]”, não sendo concedido 26 esses mesmos benefícios à prisão civil “quando o sujeito passivo preencha os requisitos legais à obtenção”, esclarecendo que este tratamento diferenciado “importa tratamento muito mais rigoroso com o devedor, do que aquele dispensado pelo Estado ao criminoso, o que não é consentâneo com os princípios da justiça”. Isto porque, se fosse deferida a prisão albergue ou domiciliar, não se chegaria ao objetivo principal da prisão civil, qual seja a coerção exercida sobre o devedor para que cumpra a obrigação, coerção esta praticamente esvaziada se este devedor não se sentir enclausurado, privado de sua liberdade. 3.3 EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada a 16 de julho de 1934, foi a primeira a fazer referência a este tipo de prisão, estatuindo em seu artigo 113, inciso 30 que: “Não haverá prisão por dívidas, multas ou custas”. Desta forma, no Estado brasileiro não se podia mais usar da constrição pessoal para o adimplemento de uma dívida civil, restando sem aplicação os dispositivos do Código Civil de 1916 e do Código Comercial de 1850, referentes a tal medida. Entretanto, esta garantia não durou muito tempo, pois com a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, decretada a 10 de novembro de 1937, houve o suprimento deste dispositivo e assim, não se proibindo a prisão civil no âmbito constitucional, nem sendo feita nenhuma ressalva, sendo omissa esta Constituição, os dispositivos da lei civil e comercial poderiam ser aplicados, pois o que não foi proibido, é permitido. Com a promulgação da Constituição dos Estados Unidos do Brasil em 18 de setembro de 1946, o instituto da prisão civil retorna a ser mencionado da seguinte forma: 27 Art. 141, § 32. Não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas, salvo o caso do depositário infiel e o de inadimplemento de obrigação alimentar na forma da lei. A Constituição do Brasil, promulgada a 24 de janeiro de 1967, em seu art. 150 §17, bem como a emenda constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969, no art. 153 §17, fazem quase que com o mesmo texto a ressalva a prisão civil. Vê-se que nestas Constituições há a proibição da prisão civil, sendo feita ressalvas ao depositário infiel e ao inadimplente de obrigação alimentar. “Tais ressalvas legitimaram a coerção prevista no Código Civil e no Código Comercial” (MOLITOR, 2000, p. 16). Por fim, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, no artigo 5º, inciso LXVII, trazem também o instituto da prisão civil nos seguintes termos: LXVII – Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Há neste texto a inovação em relação às Constituições anteriores dos termos “voluntário e inescusável”, “afastando o cabimento da privação nas hipóteses de descumprimento não intencional, e quando puder o devedor escusar-se legitimamente” (MOLITOR, 2000, p. 16). Assim, “é preciso que o devedor queira descumprir sua obrigação e não tenha qualquer desculpa, para tanto” (AZEVEDO, 2000, p. 72). Também há o suprimento do termo “na forma da lei”, o que “obsta a que a legislação infraconstitucional amplie as hipóteses de cabimento da sanção, mediante equiparação ao contrato de depósito de outras figuras contratuais”(MOLITOR, 2000, p. 17). Desse modo, o legislador constituinte de 1988 transforma a prisão civil do depositário infiel de norma de eficácia contida (que precisa ser regulamentada, porque tem a expressão “na forma da lei”) em norma de eficácia plena (de aplicabilidade direta, imediata e integral), conforme classificação de José Afonso da Silva (2002, p. 116). 28 3.4 POSSIBILIDADE E PREVISIBILIDADE LEGAL DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL Nestes termos, destaca-se que as exceções feitas nas Constituições de 1946, 1967 e 1969, estavam condicionadas à lei regulamentar, pois havia a expressão “na forma da lei”, o que conforme Valério de Oliveira Mazzuoli (2002A, p.32) podia-se equiparar, por ficção, “o devedor fiduciante ao depositário infiel, pois tudo o que esta lei dispusesse sobre o assunto, estaria, segundo a Constituição, em perfeita vigência e validade, posto que com esta não conflitava”. Estava, portanto, possível e previsível as equiparações feitas pelo legislador infraconstitucional. “Não se poderia, então, cogitar de qualquer inconstitucionalidade [...], pois tudo estava – repete-se – na forma da lei”. (MAZZUOLI, 2002A, p. 32). Entretanto, o legislador constituinte de 1988 entendeu por bem não deixar com que a prisão civil fosse regulamentada pelo legislador infraconstitucional, em virtude da importância deste instituto jurídico, excluindo a locução “na forma da lei” e estatuindo a prisão civil do inadimplente voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel, ponto final, sem nenhuma ressalva a mais, “de forma que, tendo a Carta de 1988 suprimido a expressão ‘na forma da lei’, retirou do legislador ordinário a possibilidade de ‘equiparações’”(MAZZUOLI, 2002A, p. 33). Sendo assim, esta norma passa a ser de aplicação imediata, sem demais extensões, pois da forma que está atualmente na Lei Magna, o depositário infiel ali expresso, é aquele oriundo do contrato específico de depósito, porquanto, é norma de eficácia plena, a que José Afonso da Silva (1999, p. 101) conceitua como sendo “aquelas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos, situações que o legislador constituinte [...] quis regular”. Diferentemente, mas, do mesmo modo defendendo a não equiparação por ficção legal do depositário infiel, Álvaro Villaça de Azevedo (2000, p.119) pondera que “a expressão ‘na forma da lei’ não dá salvo-conduto para a desnaturação de contratos e agressão dos institutos da Ciência Jurídica”, esclarecendo que hoje não 29 é porque não há no texto constitucional a expressão “na forma da lei”, sendo mesmo despiciendo este entendimento, que não se pode criar novas situações de depósito, mas sim porque a alteração da natureza dos institutos fere não só a Constituição, mas também “as bases da própria Ciência Jurídica, que tem seus institutos criados com tradições e entendimentos entre os povos e civilizações, em um costume sólido que tem apego, mesmo, ao Direito Natural”. Assevera, ainda este mesmo autor, que “o direito cientificamente criado, ao sabor dos tempos, não pode sofrer penadas de conveniências passageiras, para atendimento de preferências, em detrimento da própria sociedade”(grifos nossos). Inobstante este entendimento, o legislador ordinário tem feito, infelizmente, equiparações por ficção do depositário infiel, estendidas a outros casos, como foi com a Lei n. 8.866 de 11 de abril de 1994, transformando em depositário a pessoa a que a legislação tributária ou previdenciária imponha a obrigação de reter ou receber de terceiro, e recolher aos cofres públicos, impostos, taxas e contribuições (art. 1º) e estabelecendo no parágrafo. 2º, que é depositário infiel aquele que não entrega à Fazenda Pública o valor referido neste artigo, nos termos e forma fixados na legislação tributária ou previdenciária. É de se registrar que esta lei teve argüida sua inconstitucionalidade (ADin 1.055-7), sendo que o STF concedeu liminar sustando os efeitos que impunha a prisão civil no início do processo, em não havendo recolhimento ou depósito da quantia discutida (art. 4º, §2º, e parte do caput do art. 7º); condicionava o exercício da defesa ao depósito da quantia discutida, sob pena de revelia (art. 4º, §3º) e estendia a prisão civil aos empregados que movimentem recursos financeiros de pessoa jurídica, quando esta fosse a depositária (parte do caput e do parágrafo único do art. 7º). “Não se suspenderam, entretanto, as regras que qualificam o substituto ou responsável tributário como depositário, cominando-lhes a prisão civil” (MAZZUOLI, 2002A, p. 54). Também houve a equiparação da figura do depositário infiel na ordem constitucional anterior, com respaldo na locução “na forma da lei”, em atendimento “à aspiração de novas garantias reais mais eficazes para a proteção do crédito do que as existentes tradicionalmente – o penhor, a hipoteca e a anticrese [...]”, sendo “criado, no direito brasileiro, um instituto jurídico singular: a alienação fiduciária em 30 garantia. Surgiu ela no art. 66 da Lei n. 4.728/65, do qual a redação foi modificada pelo Decreto-Lei n.911/69” (MOREIRA ALVES, 1987, p. 45/46). Instituto este que ainda remanesce na legislação brasileira, sendo motivo de grande controvérsia jurídica, tanto na doutrina, como principalmente nos tribunais. O instituto da alienação fiduciária transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel, equiparando o devedor-fiduciante a depositário com a posse direta da coisa móvel. Trata-se, nada mais, que um contrato de compra e venda, com esta cláusula aberrante da alienação fiduciária, como garantia ao recebimento do pactuado. Transformando o devedor-fiduciante em depositário, poderá, se não cumprir com sua obrigação, se sujeitar à prisão civil. Desse modo, o legislador infraconstitucional assim agindo, com o entendimento que o depositário infiel expresso na Carta Magna, está de forma genérica, poderá então, fazer equiparações sem limites e alcançar todo e qualquer inadimplente de dívida civil por mera ficção legal. “Ter-se-ia, nesse caso, contrariando o espírito liberal da Constituição, interpretação elástica e extensiva desse mesmo texto, o que importa absurdo”(AZEVEDO, 2000, p.114), Restaria esvaziada a segurança jurídica fundada pela Constituição Cidadã de 1988, onde a sociedade, não tendo a garantia de que ao realizar um negócio, não estará, por devaneios legislativos, restrita sua liberdade. A possibilidade de prisão civil do depositário infiel, desse modo, está restrita ao contrato típico de depósito, ou seja, o depósito voluntário e o depósito miserável. Isto porque, a Constituição Federal de 1988 estabelecendo a prisão civil do depositário infiel, como anteriormente citado, fez sem ressalvas, não remetendo à regulamentação do legislador infraconstitucional. Ademais, como se trata de uma medida extrema, a perda da liberdade, direito inerente ao todo ser humano, deve ser interpretado restritivamente, motivo pelo qual o depositário ali expresso é o que se obriga à guarda, custódia e conservação de coisa alheia, objeto do contrato de depósito tão somente. “Há certo consenso de que se interpretam restritivamente as normas que instituem as regras gerais, as que estabelecem benefícios, as punitivas em geral e as de natureza fiscal” (BARROSO, 2003, p.121/122). 31 A previsão inserta nos artigos 647, I e 648 do Código Civil, não tem aplicação, inobstante ter sido esta lei, a Lei n. 10.406/2002, entrado em vigor em janeiro de 2003. Isto porque trata-se de depósito necessário oriundo de obrigação legal e conforme a letra da lei acima, artigo 648, este depósito “reger-se-á pela disposição da respectiva lei, e, no silêncio ou deficiência dela, pelas leis concernentes ao depósito voluntário”. Ora, uma lei não poderá estabelecer como depositário uma pessoa e quando do não cumprimento das obrigações contidas nestas leis, passar a sofrer o inadimplente, da pecha da infidelidade, motivando a sua prisão para que cumpra o estatuído. A equiparação a depositário realizada por leis, com o argumento que é um depósito necessário que se tem em desempenho de uma obrigação legal, não pode ser admitida, sob pena de corromper a ordem constitucional estabelecida, qual seja a de que a prisão civil do depositário infiel está prevista no art. 5º, LXVII, sendo restrita aos contratos típicos de depósito. Ademais, há normas internacionais incorporadas pelo Direito brasileiro que proíbem taxativamente este tipo de constrição pessoal, tais como citados, o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que se incorporam no ordenamento jurídico brasileiro como normas de natureza constitucional, por força do art. 5º, §2º da Constituição Federal, o que será melhor analisado em capítulo específico. No depósito judicial não cabe também a prisão do depositário infiel, vez que não se está inadimplindo com uma obrigação do contrato de depósito, mas sim desrespeitando uma ordem judicial, se apropriando o depositário dos bens que lhe foram confiados, frutos da penhora, seqüestro, arresto ou da busca e apreensão. Caso não cumpra com a obrigação de restituir os bens confiados à sua custódia estará praticando um ilícito penal, previsto no artigo 168, do Código Penal, a apropriação indébita, que estatui a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de quem apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção. Não poderá ser preso por ser considerado depositário infiel e cometer em tese um ilícito civil, mas sim por cometer um ilícito penal, descumprindo uma ordem emanada de autoridade judicial, podendo ser além de denunciado pelo crime citado 32 de apropriação indébita, o crime de desobediência, constante no artigo 330 do Código Penal. Sendo assim, a previsibilidade da prisão civil do depositário infiel está no artigo 5º, inciso LXVII da Carta Magna Brasileira e sua possibilidade de aplicação restrita ao contrato de depósito strictu sensu, quais sejam o depósito voluntário e o depósito miserável. 3.4.1 Inconstitucionalidade se Aplicada às Garantias Constitucionais e aos Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos A Constituição da República do Brasil é clara ao definir como fundamento do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III), tendo como objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3°, I) e que nas relações internacionais primará pela prevalência dos direitos humanos (art. 4°, II), além de estabelecer um rol de direitos e garantias fundamentais do homem na sociedade, descrevendo direitos e deveres individuais e coletivos em seu art. 5°. Apesar de prescrever direitos fundamentais, é necessário também, estabelecer limites e restrições aos mesmos, objetivando ao final, a estabilidade e paz nas relações sociais. Deste modo, como as relações e o comportamento humanos são vários e muitas vezes conflitantes, faz-se necessário que com a criação do Estado, sejam impostos meios de controle social. Este controle na Constituição é realizado mediante restrições impostas aos direitos e garantias individuais e coletivos, como às referentes a limites da propriedade (art. 5°, XXIV, XXV), de liberdade de associação, (art. 5°, XVII) e liberdade de locomoção (art. 5°, LXVII), que estabelece a prisão civil nos casos excepcionados, como a do depositário infiel, objeto deste estudo. A Constituição Federal, assim, em relação à prisão civil do depositário infiel, descreve de forma clara e transparente tratar-se de uma limitação excepcional, pois é uma restrição a um direito fundamental da pessoa, qual seja a liberdade, que para 33 José Afonso da Silva (2002, p. 232) “consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal”. É, a liberdade, nas palavras de Paulo Bonavides (2002, p. 519), “sem dúvida o mais clássico direito dos direitos a que o homem aspira”. Estabelecendo a liberdade como um direito inviolável (art. 5°, caput), e também, limitando este direito fundamental através da prisão civil do depositário infiel, para, como antes descrito, buscar um controle nas relações sociais, há que se ter como conseqüência que esta limitação, sendo uma exceção ao direito inviolável da liberdade, está restrita tão somente aos termos ali utilizados, que foram “inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Em conseqüência, infere-se que a interpretação que se dá ao inciso LXVII, do artigo 5°, da Constituição Brasileira, é restritiva e não extensiva, não podendo o legislador infraconstitucional ampliar o conceito de depositário infiel constitucionalmente expresso, para equiparar qualquer pessoa e assim, priva-la de sua liberdade. “É pertinente, pois, que tenhamos sempre em mente que a liberdade, o direito de ir e vir, não é um bem passível de comércio, ou seja, de ser negociado e alienado”(MAZZUOLI, 2002A, p. 58) O legislador infraconstitucional não está autorizado e legitimado para criar novos casos de depositário infiel além daquele estatuído na Carta Magna, motivo pelo qual qualquer lei que equiparar a pessoa a depositário infiel, será inconstitucional e desrespeita os princípios basilares do Estado Democrático de Direito. “Daí se conclui que toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade restringe”(SILVA, 2002, p. 231). E, neste ponto, quem consentiu para que fosse restringida a liberdade de quem é infiel como depositário foi o constituinte originário, restrição esta apenas, repete-se, ao contrato clássico de depósito, sendo, portanto, as equiparações realizadas pelo legislador ilegítimas, imorais e inconstitucionais, em virtude de se contraporem aos direitos e garantias fundamentais. 34 Direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana, que toma como centro da atenção do Estado, o homem, a pessoa humana como objeto principal a modelar todos os demais princípios constitucionais. É o que Fernando Ferreira dos Santos (1999, p. 27), baseando-se em doutrina de Kant, descreve que “o homem, como vimos, é um fim em si mesmo e, por isso, tem valor absoluto, não podendo, de conseguinte, ser usado como instrumento para algo, e, justamente por isto tem dignidade, é pessoa”(grifos do autor). Neste diapasão, nas equiparações legislativas de infidelidade depositária, o que existe é o uso do homem, de sua liberdade, como instrumento para o atingimento de objetivos vários, conforme interesses diversos, não considerando a pessoa humana na sua dignidade: “A humanidade como espécie, e cada ser humano em sua individualidade, é propriamente insubstituível: não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma” (COMPARATO, 2004, p. 21/22). Conforme sintetiza este autor, o homem por ter dignidade não tem preço. Informa Fernando Ferreira dos Santos (1999, p. 77) que a doutrina brasileira não tem se dedicado ao estudo da dignidade da pessoa humana como tem a doutrina estrangeira e que os comentadores da Constituição, tais como Pinto Ferreira, José Afonso da Silva, em seu livro Curso de Direito Constitucional Positivo, José Cretella Júnior, além de Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Celso Ribeiro Bastos não aprofundam como é merecido, o estudo deste tema. Cita, ainda, este autor, após descrever que o princípio da dignidade humana está presente nas Constituições “da Irlanda, Índia, Peru, Bulgária e Venezuela, todas em seu preâmbulo, e Grécia (art. 2°), China (art. 38), Colômbia (art. 1°) e Cabo Verde (art. 1°), além de Namíbia [...]” (1999, p. 55/56), que as Constituições espanhola e portuguesa, do mesmo modo, dão grande importância a este princípio, afirmando com base na Constituição e na doutrina espanhola, que a “dignidade da pessoa humana é considerada, [...], o valor básico fundamentador dos direitos fundamentais, edificados, assim, em alicerce da ordem política, pois possibilitam o desenvolvimento integral do ser humano exigido por sua dignidade”(1999, 61/62). E, também, em relação à Constituição portuguesa, descreve que a “dignidade da pessoa humana – a pessoa como fundamento e fim da sociedade e 35 do Estado – aparece, assim, como o princípio que confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais”. (1999, p. 64) Nota-se então, que o princípio da dignidade da pessoa humana esculpido no inciso III, do art. 1°, da Constituição Pátria, está em harmonia com os preceitos internacionais. Não pode, em virtude desta dignidade do ser humano, atropelar o direito de liberdade para alcançar um fim econômico, pois a liberdade está inserida no conceito de dignidade humana e, limitando esta liberdade, sem amparo jurídico, está se afrontando a própria pessoa como essência da ordem constitucional. O ideal da pessoa humana é a “vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana”(BONAVIDES, 2002, p. 516). “Neste sentido, o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e informador de todo ordenamento jurídico [...]”, ou seja, “o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular”(PIOVESAN, 2006, p. 27/28). Além de todo estes valores informadores do Estado Democrático de Direito, há ainda, restrições à prisão civil em decorrência de tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. Os já citados, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida também como Pacto de São José da Costa Rica, vedam de forma expressa a privação da liberdade, nos seguintes termos: Art. 7°, nº 7, da Convenção Americana dos Direitos Humanos: “ninguém deve ser detido por dívida”: “este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. Art. 11, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos: 36 “Ninguém pode ser preso pela única razão de que não pode se executar uma obrigação contratual”. O Brasil, sendo signatário destes dois tratados internacionais, incorporou-os ao ordenamento jurídico pátrio como normas de natureza constitucional, em virtude do §2°, do art. 5°, da Constituição de 1988 e desse modo, somando-se à interpretação correta do inciso LXVII, do art. 5°, interpretação esta restritiva, excluem as pessoas da prisão em virtude do inadimplemento de alguma obrigação. O Pacto de São José da Costa Rica é taxativo ao expressar que ninguém pode ser preso por dívida, a não ser a de obrigação alimentar. Por sua vez, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, proíbe qualquer prisão em virtude de não execução de obrigação contratual. Não há, como pode parecer no primeiro momento, qualquer contradição à prisão civil do depositário infiel e inadimplente de obrigação contratual. Isto porque, apesar de adentrarem no ordenamento jurídico brasileiro como normas de natureza constitucional (o que será mais bem analisado adiante), fazem parte, por isto mesmo, do sistema constitucional, sistema este harmônico e que não comporta antinomias. Tal entendimento foi inclusive agora reforçado pela inserção, por intermédio da emenda constitucional 45/2004, do §3° ao artigo 5° da Constituição Federal, cujo teor descreve: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”. Sendo assim, “não restam dúvidas que a nossa Constituição de 1988 não se opôs à internação dos tratados internacionais acima mencionados. De fato, ela apenas limitou a sua interpretação aos limites do possível [...]”. Esta foi “a vontade do legislador constituinte. Logo, existe uma regra a delimitar expressamente a extensão assim como as possibilidades de coerção intentada” (ANDREIUOLO RODRIGUES, 2001, p. 186). 37 Correto está este autor, entretanto esta exceção está restrita aos casos do contrato típico de depósito, posição que não pactua Andreiuolo, pois defende que pode-se estender os casos, equiparando demais contratantes a depositário infiel. A interpretação correta e mais lógica, é a de que estes tratados inibem a prisão por dívidas e por descumprimento de obrigação contratual, mas, como há preceito constitucional expresso, deve-se respeitá-lo e aplicar os referidos tratados, com as suas proibições às equiparações realizadas pelo legislador infraconstitucional, como a feita na alienação fiduciária. Assim, a lei que não está condizente com a Constituição, e transforma pessoas que fazem parte de algum negócio, em infiéis depositários, sujeitando-os à prisão civil, está ferindo e desrespeitando a própria Lei Maior, bem como os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, quais sejam, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos, sendo, portanto, inconstitucionais. 4 DIREITOS HUMANOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS 4.1 – ORIGEM E CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Faz-se necessário neste momento o estudo dos direitos humanos, sua origem, sujeitos, objeto e suas características, para melhor delinear em seguida, a proteção conferida pelo tratados internacionais a estes direitos, direitos esses que respaldaram toda a normatividade constitucional brasileira, protegendo a liberdade do homem na sociedade, liberdade esta ligada ao tema da prisão civil do depositário infiel. A proteção dos direitos humanos existia antes das Grandes Guerras do século passado, mas é a partir principalmente da Segunda Grande Guerra Mundial que se dá o impulso maior à proteção destes direitos e sua exteriorização no plano internacional. 38 Hildebrando Accioly e Nascimento e Silva (2002, p. 351), informam que dentre “os documentos anteriores à segunda guerra mundial, três se destacam: a Declaração inglesa de 1689, a Declaração norte-americana de Independência de 1778 e a Declaração francesa sobre os direitos do homem e do cidadão de 1789”. Fábio Konder Comparato (2004, p. 49) salienta que a certidão de nascimento dos direitos humanos na História é a publicação da Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, em 12 de junho de 1776. Em 1778, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, traz, mais do que todas, a idéia de liberdade e igualdade como pressupostos de uma existência digna. Após a Primeira Guerra Mundial houve a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Liga das Nações e do Direito Humanitário, objetivando a salvaguarda dos direitos do ser humano e não só dos Estados contratantes destes institutos, rompendo com a noção de “soberania absoluta, na medida em que admitem intervenções no plano nacional, em prol da proteção dos direitos humanos”(PIOVESAN, 2006, p. 113/114). O direito humanitário “compreende o conjunto das leis e costumes da guerra visando a minorar o sofrimento de soldados prisioneiros, doentes e feridos, bem como das populações civis atingidas por um conflito bélico” (COMPARTATO, 2004, p. 54). Neste primeiro contexto de proteção internacional dos direitos humanos, surge a Segunda Guerra Mundial, “marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, que resultou no extermínio de onze milhões de pessoas”(PIOVESAN, 2006, p. 116), durante o nazismo da era Hitler. Nas palavras desta autora, quando “os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis [...]” e quando a lógica da destruição e abolição do valor da pessoa humana vige, é necessário “a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável”, aproximando, desse modo, o direito da moral (PIOVESAN, 2006, p. 116/117). Nasce, então, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU), que em 1948 aprova a Declaração Universal dos Direitos do Homem. 39 “A Declaração Universal dos Direitos do Homem é o estatuto de liberdade de todos os povos, a Constituição das Nações Unidas, a carta magna das minorias oprimidas, o código das nacionalidades” (BONAVIDES, 2002, p. 531). É, este documento, “a esperança, enfim, de promover, sem distinção de raça, sexo e religião, o respeito à dignidade do ser humano”, dignidade esta onde também se insere a liberdade. Direitos humanos são, assim, atributos inerentes ao homem para sua existência digna e saudável, no sentido de se resguardar sua felicidade, protegendo a liberdade, a igualdade, a solidariedade, o trabalho e tantos outros direitos advindos da vida em sociedade. Nesta “inviolabilidade, universabilidade, visão, os direitos irrenunciabilidade, efetividade, humanos têm como imprescritibilidade, interdependência e características a inalienabilidade, complementariedade [...], princípios estes que estabelecem seus lindes”(ÂNGELO, 1998, p. 18). Valério de Oliveira Mazzuoli (2002B, p. 227-230) defende que a natureza dos direitos humanos é de direito fundamental, tendo posição normativa superior, sendo titulares destes direitos todas as pessoas. Tem como princípios a inviolabilidade da pessoa humana (não podendo impor sacrifícios ao indivíduo em razão que tais sacrifícios resultarão em benefícios à outras pessoas), a autonomia da pessoa e a sua dignidade. Desse modo, criou-se a concepção de direitos do ser humano em gerações, concepção oriunda da Declaração Universal dos Direitos do Homem, onde classificam-se estes direitos em direitos de primeira, segunda, terceira. Os direitos de primeira geração são os direitos civis e políticos, “os direitos de liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional” (BONAVIDES, 2002, p. 517). Tem como titular o indivíduo e característica de resistência e oposição ao Estado quando de sua violação. “São por igual direitos que valorizam o homemsingular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil [...]”(BONAVIDES, 2002, p. 518). 40 Esta geração de direito, assim como as demais, serviram de embasamento para a normatização constitucional dos direitos e garantias fundamentais e “uma vez reconhecidos, cabe ao Estado restaurá-los coercitivamente se violados, mesmo que o violador seja órgão ou agente do Estado”(FERREIRA FILHO, 2004, p. 31). É o que não acontece com a prisão civil do depositário infiel, que o Legislativo, órgão do Estado brasileiro, edita normas contrárias à Constituição Federal, no tocante ao art. 5º, LXVII, e o outro órgão do Estado, o Judiciário, que deveria restaurar o direito de primeira geração violado, qual seja a liberdade, não o faz, desta forma além de existirem vários juízes com esta interpretação equivocada, tribunais e a própria corte suprema judicial, o STF, desrespeitam esta concepção de liberdade inaugurada na nova ordem constitucional do Brasil. Os direitos de segunda geração são os direitos sociais, culturais e econômicos, são direitos coletivos. “Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembra-los da razão de ser que os ampara e estimula”(BONAVIDES, 2002, p. 518). Por sua vez, os direitos de terceira geração dizem respeito à fraternidade, solidariedade, tendo com “destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta” (BONAVIDES, 2002, p. 523). São os direitos ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, os direitos de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e direito de comunicação, não se destinando especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de determinado Estado. Estes direitos, embora classificados em gerações, não podem ser vistos de maneira isolada, mas como um todo harmônico. É o que traz Fábio Konder Comparato (2004, p. 67), ilustrando com a declaração solene feita na Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993: “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de modo justo e eqüitativo, com o mesmo fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de base históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, 41 promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais” Neste sentido, Flávia Piovesan (1998, p. 139) nos ensina: “Não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade”. Ou seja, os direitos humanos são um todo único e indivisível, revelando-se “esvaziado o direito à liberdade, quando não assegurado o direito à igualdade e, por sua vez, esvaziado revela-se o direito à igualdade, quando não assegurada a liberdade”(PIOVESAN, 1998, p. 138). Inobstante toda esta filosofia e normatização dos direitos do ser humano, vê-se muitas vezes o desrespeito e a infração a estes direitos, principalmente nos tribunais. É o que leva a estudar sobre a prisão civil do depositário infiel, onde o que realmente existe é uma visão política e não humana. 4.2 APLICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA – SUPREMACIA COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL Importante agora frisar que a prisão civil do depositário infiel contraria os direitos humanos anteriormente comentados. A sua aplicação subsiste em respeito à Constituição Federal que expressamente elenca e delimita o campo de atuação deste instituto (art. 5°, LXVII). Na verdade, a Constituição Federal Brasileira proíbe a prisão civil. Faz, entretanto, duas exceções. Ora, se há taxativamente a proibição da prisão civil, abrindo-se espaço apenas aos dois casos ali expressos, de forma que só pode ser aplicado restritivamente, pois é uma abertura que se faz dentro de uma restrição constitucional, de um direito garantido pela mesma Constituição, o direito à liberdade, à dignidade do homem, que não pode fazer de seu corpo, de sua garantia constitucional de ir e vir, um comércio. “As pessoas não são sombras, não são aparências, são realidades concretas e vivas”(MONTORO, 1998, p. 15). As equiparações a depositário infiel, realizadas pelo legislador, objetivando alcançar devedores na sua liberdade, ferem frontalmente as garantias 42 constitucionais, os direitos fundamentais do indivíduo, expressamente elencados na Lei Maior. Os direitos humanos historicamente protegidos, foram inseridos formalmente no texto constitucional brasileiro, motivo pelo qual, transformaram-se em garantias constitucionais, porquanto não podem ser limitados ou reduzidos. O constituinte originário quando assim agiu, selou o pacto social do Estado brasileiro. A Constituição de um país é o seu pacto social. As pessoas, organizadas na sociedade, delegaram a realização deste pacto ao legislador constituinte e, desse modo, a partir de então, todos devem cumprir e respeitar o que foi pactuado. Neste acordo, estabeleceu-se, em harmonia com os preceitos de proteção dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos, os direitos e garantias fundamentais, definindo “esses direitos a fronteira entre o que é lícito e o que não o é para o Estado. E, limitando o poder, deixam fora de seu alcance um núcleo irredutível de liberdade”(FERREIRA FILHO, 2004, p. 6) Esta liberdade há que ser aplicada em decorrência das garantias constitucionais, tais como as insertas nos artigos 1°, III, 3°, I, 4°, II, 5°, cabeçalho, XLI, LIV, LXVII, LXVIII e parágrafo 3° da Carta Magna. Estes preceitos constitucionais informam que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos; que é garantido no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, punindo-se qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, além de estatuir que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal e que a prisão civil aplica-se ao depositário infiel clássico, como também sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofre violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, conceder-se-á habeas corpus. Um dos objetivos da Constituição Brasileira é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Como haverá justiça, solidariedade e liberdade na sociedade se é suprimido os direitos individuais fundamentais, para atendimento de fins econômicos? Assim agindo, o legislador e lamentavelmente, alguns membros 43 do Poder Judiciário, não se atingirá, de maneira alguma, os objetivos visados no pacto social. Observa José Afonso da Silva (2002, p. 105/106), que é a primeira vez que uma Constituição Brasileira especifica os objetivos do Estado Brasileiro, não todos eles, “mas os fundamentais, e, entre eles, uns que valem como base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana”. Não se concretizará os fundamentos, objetivos, nem tampouco os princípios e garantias estatuídos na Constituição da República Federativa do Brasil, se os desrespeitos aos direitos humanos fundamentais, continuarem a ser vistos de forma secundária pelos órgãos que deveriam primar pela sua aplicação. Por sua vez, para J. J. Gomes Canotilho (2004, p. 372) as clássicas garantias são direitos com um caráter instrumental de proteção, tendo os cidadãos direito a exigir dos poderes públicos, o reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade. Para Canotilho (2003, p. 408), os direitos fundamentais tem a função de direitos de defesa em duas perspectivas, quais sejam a de normas de competência negativa para os poderes públicos, sob um prisma jurídico-objetivo, onde proíbe-se “fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual”, bem como também, são normas de competência positiva, sob um prisma jurídico-subjetivo, quando se faz uso dos direitos fundamentais (liberdade positiva), na medida em que “exige omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”. É o que Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2004, p. 31) nos mostra, quando afirma que os direitos-liberdades uma vez reconhecidos ganham proteção, sendo garantidos pela ordem-jurídica, pelo Estado que os editou. Significa dizer que passam “a gozar de coercibilidade. Sim, porque, uma vez reconhecidos cabe ao Estado restaurá-los coercitivamente se violados, mesmo que o violador seja órgão ou agente do Estado”. Isto é o que deveria acontecer com alguns órgãos do Poder Judiciário, quando lhes são submetidos pedidos de decretação de prisão do depositário infiel 44 equiparado a tal. Entretanto, o que mais se vê, repete-se, não é a restauração do direito a liberdade, suprimida por outro órgão do Estado, no caso o Legislativo, mas sim, a sua transgressão, ao aceitar o elastério de promover a privação da liberdade, a supressão da garantia constitucional do respeito ao ser humano, em atendimentos de fins não tão nobres, fins esses econômicos. Ora, o que é mais importante, a liberdade e a dignidade do ser humano, ou o pagamento efetuado ao credor. Há, neste ponto, aparente conflito entre princípios constitucionais, quais sejam, a propriedade, a liberdade e a dignidade humana. Não se está defendendo aqui a inadimplência como meio de vida, mas sim um direito maior, pois há outros vários meios de se fazer com que o devedor cumpra a obrigação assumida; que responda com o seu patrimônio. E se não o tiver, que se penhore os créditos a que este devedor tem, durante o tempo necessário ao total pagamento da dívida. Não podendo ainda adimplir como o contratado, que o credor receba o bem e tome, então, mais cautela ao efetuar um negócio, não pensando cegamente, apenas nos valores contratados, mas, principalmente, na pessoa do contratante. O que precisa existir é um eficaz meio de execução patrimonial. Não é porque o sistema é falho, que se rasgará todos os direitos fundamentais da pessoa para, com o único objetivo de obter a pecúnia devida. 5 TRATADOS INTERNACIONAIS 5.1 BREVE HISTÓRICO A proteção à prisão civil do depositário infiel se faz também pela aplicação dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. Para se ter uma melhor clareza sobre este diploma legal, faz-se preciso, anteriormente, um breve esboço do que seja tratado internacional na sua acepção clássica, conceituando, classificando-o e descrevendo os seus objetivos. 45 Até o final do século XIX, os tratados eram cumpridos levando-se em consideração as regras costumeiras reconhecidas internacionalmente, baseando-se principalmente nos princípios do pacta sunt servanda e da boa-fé. José Francisco Rezek (2005, p. 11) informa que o primeiro registro seguro de celebração de um tratado foi o realizado entre o rei dos hititas, Hatusil III, e o faraó egípcio da XIXª dinastia, Ramsés II, para por fim à guerra nas terras sírias, nos anos prováveis entre 1280 e 1272 a.C., dispondo sobre a paz perpétua entre os dois reinos, a aliança contra inimigos comuns, comércio, migrações e extradição. Deste tempo para os dias de hoje, o que se viu foi a “codificação do direito dos tratados, tanto significando a transformação de suas regras costumeiras em regras convencionais, escritas, expressas, elas mesmas, no texto de um tratado” (REZEK, 2005, p. 12). A Convenção de Viena de 23 de maio de 1969 traz em seu bojo regras sobre os tratados, tais como aplicação e interpretação dos tratados, sua entrada em vigor, conclusão, observância, emendas, extinção e tudo o mais que diz respeito ao direito dos tratados, servindo sobremaneira na ordem internacional, como uma norma que objetiva regular a forma dos tratados realizados entre Estados soberanos e o respeito a que devem estes Estados ao cumprimento do que foi acordado internacionalmente. O Brasil ainda não aderiu à Convenção de Viena, tendo o Poder Executivo encaminhado o seu texto à apreciação do Congresso Nacional em 22 de abril de 1992. Desde então, não foi ainda apreciado, inobstante ter sido aprovado a adesão pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara e estar na ordem do dia desde 28 de outubro de 1995. 5.2 CONCEITO, NATUREZA E CLASSIFICAÇÃO “Por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais” (ACCIOLY, NASCIMENTO E SILVA, 2002, p. 28). 46 A Convenção de Viena, em seu artigo 2°, alínea a, conceitua tratado como “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”. Os tratados são normas formalizadas entre sujeitos do direito internacional, Estados, organizações internacionais, visando todo e qualquer objetivo em comum entre estas partes, desde que seja lícito e possível. Para ser válido um tratado, as partes têm que ter capacidade e seus agentes habilitados para o ato. São os chamados plenipotenciários. A Constituição Brasileira estabelece, no art. 84, VIII, a competência privativa do Presidente da República para “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Com a celebração do tratado, estabelece-se direitos e obrigações entre os pactuantes que devem ser cumpridos sob pena de se cometer um ilícito internacional e ficar, o país descumpridor, responsabilizado na ordem externa, prejudicando-o em suas relações com os demais países do mundo. “O acordo formal entre Estados é o ato jurídico que produz a norma, e que, justamente por produzi-la, desencadeia efeitos de direito, gera obrigações e prerrogativas [...]”(REZEK, 2005, p. 18). Estas obrigações são impostas ao Estado e os órgãos deste deverão aplicar o que está estabelecido no tratado, após o devido procedimento de incorporação no direito interno. Assim, “acarretam de modo indireto obrigações para os poderes estatais. O Poder Judiciário é obrigado a aplicar o tratado. O Executivo deverá cumpri-lo e o Legislativo, se for o caso, deverá elaborar as leis necessárias para a sua execução” (MELLO, 2002, p. 209). Não é o que se vê na ordem jurídica brasileira, porquanto o Poder Legislativo não adequa as leis nacionais ao que foi acordado internacionalmente e devidamente ratificado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro e ainda pior, o Poder Judiciário, que deveria zelar pela aplicação destas normas, faz, muitas vezes, uma interpretação errada e ultrapassada destes textos normativos internacionalmente redigidos. Negam sua aplicação por fundamentos jurídicos que 47 não se coadunam com a nova ordem constitucional de proteção dos direitos humanos, no tocante aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, especificamente os já mencionados, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção América de Direitos Humanos, que impedem a prisão do depositário infiel, objeto precípuo desta monografia. Há na doutrina a classificação dos tratados, sendo as mais importantes às que os classificam em tratados bilaterais e multilaterais, tratados-contratos e tratados-leis e tratados dispositivos ou transitórios e tratados permanentes. Tratados bilaterais são os celebrados entre dois sujeitos do Direito Internacional Público, podendo ser entre dois Estados, entre um Estado e uma organização internacional, ou então, entre duas organizações internacionais. Por sua vez, tratados multilaterais são os celebrados entre três ou mais Estados, tendo geralmente cláusula aberta de adesão de outros Estados. Objetivam “a produção de normas gerais de direito internacional ou tratar, de modo geral, questões de interesse comum”(MAZZUOLI, 2002B, p. 37). A classificação entre tratados-contratos e tratados-leis é a que mais sofre críticas, tendo a maioria dos autores admitida a sua inutilidade. Os tratados-contratos são os que estipulam entre as partes obrigações recíprocas de natureza contratual, havendo na celebração deste tipo de tratado uma “diversidade do objeto visado pelas partes, cada uma delas desejando justamente aquilo que a outra lhe pode dar. Exemplos muito claros deste quadro são os tratados relativos às diversas formas da compra ou da troca [...]” (REZEK, 2005, p. 29). São os tratados que visam principalmente acordos comerciais, de aliança e de cessão territorial. “A intenção última de ambos, nesse quadro, é uma só: criar o mecanismo normativo que permita a satisfação de suas necessidades comerciais, mediante o intercâmbio daqueles bens”(REZEK, 2005, p. 29). Tratados-leis, oriundos de interesses comuns, estipulam entre os Estados signatários normas de condutas; são para as partes leis a serem seguidas. “Neles, dá-se a criação de uma regra objetiva de direito internacional, pela vontade conforme (paralela) das partes, de aplicação geral aos casos pelo acordo 48 estipulados. As partes assumem o compromisso de cumprir todo o acordado, [...]” (MAZZUOLI, 2002B, p. 40). Para Celso D. Albuquerque Mello (2002, p. 211), estes tratados-leis são fonte do Direito Internacional Público, sendo nestes que é manifestada a vontade coletiva. Por fim, entre as classificações mais importantes a que a doutrina destaca, tem-se os tratados dispositivos ou transitórios e os tratados permanentes. Dispositivos seriam aqueles que são celebrados para um objetivo específico que, após a ocorrência deste, o tratado se considera resolvido. Permanentes, são os “tratados cuja execução se protrai no tempo, incluindo-se nesta categoria os tratados de cooperação, de comércio, de extradição, os de proteção dos direitos humanos etc”. (MAZZUOLI, 2002B, p. 39). Após as negociações realizadas pelos Estados, e a conseqüente assinatura do plenipotenciário, “fixando e autenticando, sem dúvida, o texto do compromisso, mas precisamente, exteriorizando em definitivo o consentimento das pessoas jurídicas de direito das gentes [...]” (REZEK, 2005, p. 46), chega-se o momento da ratificação. Este ato é realizado, no Brasil, após a aprovação do Congresso Nacional do texto assinado (art. 49, I, da CF/88), que promulgará um decreto legislativo, autorizando o Poder Executivo de finalizar a celebração do tratado. “Embora tal ato [decreto legislativo] se compreenda no processo legislativo, não tem ele o condão de transformar o acordo assinado pelo Executivo em norma a ser observada, quer na órbita interna, quer na internacional” (FRAGA, 2001, p. 56). “A manifestação do Congresso só é definitiva se concluir por negar aprovação ao texto, quando, então o Presidente da República estará impedido de concluir o acordo, ratificando-o”(FRAGA, 2001, p. 57). Aprovado o texto pelo Poder Legislativo e a conseqüente publicação do decreto legislativo, há, enfim, a ratificação, “ato unilateral com que o sujeito de direito internacional, signatária de um tratado, exprime definitivamente, no plano internacional, sua vontade de obrigar-se”(REZEK, 2005, p. 50). O chefe do poder executivo, para que as normas estabelecidas no acordo internacional tenham aplicação no âmbito jurídico interno, publica um decreto para 49 conhecimento no território nacional, autorizando sua aplicação e obediência às normas do tratado pelas pessoas do país. Melhor esclarecendo, Mirtô Fraga (2001, p. 64) sintetiza: O que acontece é o seguinte: assinado o tratado, aprovado pelo Legislativo, ratificado pelo Executivo, ele passa, conforme o que se estabeleceu no seu próprio texto, a vigorar na órbita internacional. Os indivíduos, porém, para acatá-lo e os Tribunais para aplicá-lo precisam ter conhecimento de que ele existe. Pela promulgação, o Chefe do Poder Executivo apenas declara, atesta, solenemente, que foram cumpridas as formalidades exigidas para que o ato normativo se completasse. Mas, como afirma José Afonso da Silva, fazer saber que há uma norma jurídica pouco adiantaria se não se divulgasse tal comunicação. Isso se faz com a publicação. E como é ela que dá conhecimento a todos da existência da norma recém-formulada, e como só se é obrigado à norma que se conhece (a publicação faz presumir conhecimento), o tratado só é obrigatório a partir da data de inserção, no Diário Oficial da União, do decreto de promulgação, contendo em apenso o tratado. Os Estados podem fazer reservas ao texto. São, na definição da Convenção de Viena, art. 2°, de, uma declaração unilateral, feita por um Estado, seja qual for o seu teor ou denominação, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado. Ressalva-se, porém que em relação aos tratados de direitos humanos, estes seguem as mesmas regras de aprovação da emenda constitucional, ou seja, aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional seguirá, diretamente, à fase complementar, para promulgação e publicação. A extinção dos tratados internacionais, conforme Andréa Pacheco Pacífico (2002, p. 46/47), pode se dar quando: 1. há o total cumprimento da obrigação estipulada; 2. há a expiração dos prazo estabelecido; 3. ocorre a condição resolutória pactuada; 4. pelo acordo mútuo entre os interessados; 5. tem-se a renúncia unilateral, consistente na desistência do Estado a alguns direitos que outro membro da Comunidade internacional era coagido a conceder-lhe; 6. pela denúncia unilateral, quando uma parte unilateralmente quer dar fim ao tratado ou se retirar de sua composição, sem explicar os motivos que o levaram a tanto; 7. há guerra entre os contratantes e; 8. pela impossibilidade de execução do acordo, podendo ser uma impossibilidade física ou jurídica. 50 Contudo, em relação aos tratados de proteção dos direitos humanos, não se aplicam as regras de extinção acima, haja vista, que os referidos tratados não poderão ser retirados do ordenamento jurídico pátrio, nem mesmo se o pacto que o originou foi bilateral e o outro estado o denunciou, devido previsão do artigo 60, §4°, de acordo com Francisco Rezek (2005, p. 103) “Não haverá quanto a semelhante tratado a possibilidade de denúncia pela só vontade do Executivo, nem a de que o Congresso force a denúncia mediante lei ordinária, [...], e provavelmente nem mesmo a de que se volte atrás por meio de uma repetição, às avessas, do rito da emenda à carta visto que ela mesma se declara imutável no que concerne a direito dessa natureza.”. 5.3 TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Inauguradores desta nova concepção de tratados internacionais, os que protegem os direitos do homem como fim essencial de todo sistema jurídico, político e governamental Antônio Augusto Cançado Trindade, como grande pioneiro, e Flávia Piovesan, prestam de forma enobrecedora relevante papel para o conhecimento e aplicação destes institutos no ordenamento jurídico brasileiro. Para Cançado Trindade (2006, p. XXIX), o direito internacional dos direitos humanos trata-se “essencialmente de um direito de proteção, marcado por uma lógica própria, e voltado à salvaguarda dos direitos dos seres humanos e não dos Estados”. Acentua que o “Direito dos Direitos Humanos não rege as relações entre iguais; opera precisamente em defesa dos ostensivamente mais fracos. Nas relações entre desiguais, posiciona-se em favor dos mais necessitados de proteção [...]”, buscando sanar os desequilíbrios e as disparidades entre as partes e não só obter um equilíbrio abstrato (CANÇADO TRINDADE, 2006, p. XXXI). Por seu turno, Flávia Piovesan (1998, p. 133), define que os “tratados internacionais de direitos humanos têm como fonte um campo do Direito extremamente recente, denominado ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos’”. 51 Este apresenta um caráter específico e especial, qual seja, a garantia do exercício dos direitos da pessoa humana (Piovesan, 2006, p. 15). A implementação dos tratados internacionais de proteção dos direitos do homem, para Hélio Bicudo (1982, p. 10/11), deveu-se às atrocidades contra as pessoas ou grupos e comunidades raciais inteiras e a destruição de cidades e Estados, onde evidenciou-se a necessidade de definições no campo jurídico e social, não só na esfera nacional, “mas, sobretudo, na esfera internacional, os direitos do homem e a conseqüente necessidade da imposição de normas que viessem a garantir o seu respeito pelos Estados e pelos povos”. Assim, após as violências e atrocidade cometidas pelo nazismo na Segunda Guerra Mundial, nasce este Direito Internacional dos Direitos Humanos. Para a sua aplicação e exteriorização no plano normativo internacional, necessário se faz a união dos Estados para implementação destes direitos, implementação esta que se faz mediante a assinatura e ratificação de tratados internacionais, que, por tratarem de normas cogentes de proteção dos direitos do homem, são denominados tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, dando-se, enfim, às pessoas de um país “mecanismos processuais eficazes para a salvaguarda de seus direitos internacionalmente protegidos” (MAZZUOLI, 2002B, p. 215). 5.4 INCORPORAÇÃO E APLICAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA Como analisado anteriormente, os tratados internacionais incorporam-se ao ordenamento jurídico brasileiro a partir da publicação do decreto de execução do Presidente da República (exceção para os tratados aprovados de acordo com o parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal, em decorrência de todo o processo solene e especial. Resta, contudo, aguardar um novo posicionamento do STF que atualmente exige o decreto presidencial.), após previamente aprovado o texto do tratado pelo Poder Legislativo e a publicação do decreto legislativo, autorizando a ratificação do pacto internacional, além também de, repete-se, 52 autorizar o Poder Executivo de incorporar a norma internacional ratificada na ordem interna, através da publicação do decreto presidencial. Na verdade não há duas autorizações. O que há é uma autorização do Poder Legislativo para a conclusão definitiva do tratado com a ratificação e, a obrigatoriedade do Poder Executivo de fazer com que todas as pessoas do território passem a conhecer o conteúdo do que foi acordado pelo seu país, restando daí a obrigatoriedade de obediência e aplicação pela sociedade e pelos órgãos estatais. Os dispositivos da Constituição que abordam os tratados internacionais são poucos e antes da aprovação da emenda constitucional nº 45/2004, que inseriu no artigo 5º, da Carta magna, o parágrafo 3º não havia delimitação de forma completa sobre este instituto, restando dúvidas acerca da aplicação dos tratados no território nacional, quando dos conflitos entre normas internas e os tratados internacionais. O art. 49, I, descreve que: Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; No art. 84, VIII, lê-se: Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; Também, tem-se, no parágrafo 2°, do art. 5°, a seguinte redação: Art. 5°...: § 2° Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O parágrafo 3°, do art. 5°, trouxe o seguinte teor: Art. 5°...: §3° Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três 53 quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”. No que diz respeito à incorporação dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, mesmo antes da nova regra determinada pelo recente parágrafo 3º, já havia entendimento de alguns doutrinadores, com os quais concordo, que esta incorporação ocorria de forma imediata a partir da ratificação, sem a necessidade de um decreto de execução. Isto se dava devido ao disposto no parágrafo 1º do artigo 5º, da Constituição do Brasil. Dispositivo este que descreve que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Ora, se o conteúdo dos tratados internacionais de proteção de direitos humanos versam sobre “direitos e garantias fundamentais” do ser humano, nada mais lógico e plausível que - como a própria Lei Maior estabelece esta aplicabilidade imediata dos direitos e garantias individuais – as normas inseridas nestes tratados e ratificadas pelo Brasil, sejam aplicadas de imediato, não esperando a expedição de um decreto de execução. Desse modo, existia a incorporação automática e a incorporação através das formalidades do decreto de execução, ou seja, O Direito brasileiro faz opção por um sistema misto, no qual para os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos – por força do art. 5°, parágrafo 1° - aplica-se a sistemática de incorporação automática, enquanto que para os demais tratados internacionais aplica-se a sistemática de incorporação legislativa, na medida em que se tem exigido a intermediação de um ato normativo para tornar o tratado obrigatório na ordem interna (PIOVESAN, 2006, p. 86). Contudo, a grande divergência existente na doutrina, entre autores e também entre tribunais, a respeito da aplicação dos tratados internacionais que não vinha ocupando lugar de destaque no nosso ordenamento pátrio, principalmente após a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em relação à interpretação do parágrafo 2º do artigo 5º da Lei Maior. Ensejou a elevação dos tratados de direitos humanos, na EC 45/2004, à condição equivalente de emenda constitucional. Com as divergências anteriores a emenda constitucional, no que diz respeito ao conflito de aplicação entre os tratados e as normas internas. Foram 54 formuladas, então, duas teorias, a dualista e a monista. Não é objetivo desta monografia adentrar no mérito desta questão, nem tampouco no mérito da incorporação automática dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, mas sim esclarecer sobre se pode ou não, no Brasil de hoje, privar alguém de sua liberdade por considerá-lo depositário infiel. Mesmo porque, os tratados internacionais que aqui se usa para respaldar o impedimento da prisão civil do depositário infiel, já foram devidamente ratificados e incorporados pelo ordenamento jurídico brasileiro. Incorporação esta que, apesar de ter sido automática, foi feita também, para não restar dúvidas acerca de sua aplicação, mediante decreto do Presidente da República. Com isso afastada a dúvida no que diz respeito à aplicação dos tratados, em decorrência do novo parágrafo da constituição, outra surgiu principalmente em relação à aplicabilidade dos tratados de direitos humanos já ratificados pelo Brasil. A nova dúvida surgiu principalmente em relação aos pactos descritos abaixo, que tratam diretamente das questões relacionadas aos direitos humanos. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi aprovado pelo Congresso Nacional pelo decreto legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, integrando-se à ordem jurídica nacional após a ratificação. Houve também a publicação do decreto presidencial nº 592, de 06 de julho de 1992. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) foi aprovada pelo decreto legislativo nº 27, de 25 de setembro de 1992, sendo integrada ao ordenamento jurídico brasileiro após a sua ratificação e, para que não houvesse impedimento na sua aplicação, houve, por bem, a publicação do decreto presidencial nº 678, de 06 de novembro de 1992. Vê-se, assim, que cumpriram completamente os requisitos e formalidades necessárias para que uma norma internacional passe a também vigorar no território do Brasil. Para não fugir do debate, mas apenas caracterizando de forma sintética as teorias dualista e monista, diz-se que a primeira é aquela que concebe duas ordens jurídicas distintas e independentes. “O direito internacional regularia as relações entre os Estados, enquanto que o direito interno destinar-se-ia à regulação da conduta do Estado com os indivíduos” (MAZZUOLI, 2002B, p. 115). A segunda, a 55 teoria monista, acredita que “o direito internacional e o direito interno formam, em conjunto, uma unidade jurídica, que não pode ser afastada em detrimento dos compromissos assumidos pelo Estado no âmbito internacional” (MAZZUOLI, 2002B, p. 120). Desta forma, o que interessa para este estudo, é se os tratados de proteção dos direitos humanos aqui descritos, anteriores a existência do parágrafo 3º da Constituição, após sua incorporação como lei no território brasileiro, devem ser aplicados em caso de conflito com uma lei interna pré-existente ou que venha a ser editada após a incorporação destes tratados. E a sua natureza, isto é, se, por tratarem de direitos fundamentais tem natureza diversa dos tratados tradicionais, que não tratam deste assunto. Os tratados já ratificados pelos Brasil, que embora não tenham sido ainda submetidos à aprovação nos moldes preceituados pela emenda constitucional nº 45/2004, tem a mesma força que os aprovados nos moldes do parágrafo 3º. As prováveis respostas a estas dúvidas serão dirimidas no capítulo subseqüente. 5.5 - NATUREZA CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS – INSERIDA NO §2º DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 – E A HIERARQUIA DOS TRATADOS RATIFICADOS ANTES DA INSERÇÃO DO §3º, PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N° 45/2004. Quem primeiro se ateve ao tema, da natureza constitucional dos tratados internacionais, inserido no parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição de 1988, foi Antônio Augusto Cançado Trindade (1999, p. 32), ao descrever que: A questão se situa em um problema de maior dimensão, no qual me permito insistir: o da falta de uma clara compreensão, que a meu ver continua a existir, neste final de século, na maioria dos países, quanto ao alcance das obrigações convencionais de proteção. O recurso a doutrinas ou fórmulas que na realidade não servem ao propósito de fortalecer a proteção dos direitos humanos, e que se mostram desprovidas de conteúdo, tem contribuído à perpetuação de uma falta de clareza quanto ao amplo alcance dos deveres convencionais de proteção dos direitos humanos. Uma nova mentalidade é o de que mais se necessita. Temos que proteger nosso labor de proteção dos efeitos negativos do recurso a palavras ou conceitos vazios. 56 No dia em que prevalecer uma clara compreensão do amplo alcance das obrigações internacionais de proteção, haverá uma mudança de mentalidade, que, por sua vez, fomentará novos avanços neste domínio de proteção. Enquanto perdurar a atual mentalidade, conceitualmente confusa e portanto defensiva, e insegura, persistirão as deferências indevidas ao direito interno, cujas insuficiências e deficiências ironicamente requerem a operação dos mecanismos de proteção internacional. A aplicação da normativa internacional tem o propósito de aperfeiçoar, e não de desafiar, a normativa interna, em benefício dos seres humanos protegidos. Neste mesmo raciocínio, Flávia Piovesan (2006, p. 51) esclarece: A Carta de 1988 consagra de forma inédita, ao fim da extensa Declaração de Direitos por ela prevista, que os direitos e garantias expressos na Constituição ‘não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’(art. 5°, parágrafo 2°). [...] Ora, ao prescrever que ‘os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais’, a contrario sensu, a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Este processo de inclusão implica na incorporação pelo texto constitucional destes direitos. Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a hierarquia de norma constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Esta conclusão advém ainda de uma interpretação sistemática e teleológica do texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional. Há, assim, uma natureza materialmente constitucional das normas de proteção dos direitos do homem constantes dos tratados internacionais, em razão do estatuído no parágrafo 2º do art. 5º, da Constituição da República; parágrafo este que foi inserido por proposta de quem muito se baseia este trabalho, o presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos e Professor Titular da Universidade de Brasília, Antônio Augusto Cançado Trindade. Não há, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) inserto no Recurso Extraordinário 80.004, paridade entre tratados internacionais, entendimento que foi proferido antes da inserção do parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal. Há sim, em relação aos tratados comuns, que tratam de 57 matéria que não seja de direito fundamental do ser humano, mas, frise-se, no que tange às normas internacionais de proteção, há uma adição, uma garantia a mais, um aperfeiçoamento das normas definidoras destes direitos descritas na Constituição. É o que J. J. Gomes Canotilho (2003, p. 403) esclarece. Os direitos expressamente consignados na Constituição são denominados de direitos fundamentais formalmente constitucionais, porque obedecem à forma constitucional de sua elaboração. Por outro lado, assinala este autor, com base em dispositivo constante na Constituição portuguesa (art. 16) de valor igual ao art. 5°, parágrafo 2°, da Constituição Brasileira, que as normas constantes em leis e regras internacionais, em virtude de não terem forma constitucional, denominam-se direitos materialmente fundamentais. Celso D. Albuquerque Mello (2001, p. 25), conforme ele mesmo relata, num ensaio que faz, onde analisa o parágrafo 2°, do art. 5°, da CF/88, é ainda mais radical, “no sentido de que a norma internacional prevalece sobre a norma constitucional, mesmo naquele caso em que uma norma constitucional posterior tente revogar uma norma internacional constitucionalizada”. Baseou-se, o autor, no art. 27 da Convenção de Viena que estatui que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado”. Neste sentido está também o que dispõe a Convenção sobre Tratados, assinada em Havana em 1929, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 18.596, de 22 de outubro de 1929, que no art. 10 estabelece: “Nenhum Estado pode se eximir das obrigações do tratado ou modificar suas estipulações, senão com o acordo pacificamente obtido dos demais contratantes”. E mais, em seguida, no art. 11, normatiza: “Os tratados continuarão a produzir seus efeitos ainda quando se modifique a Constituição interna dos Estados contratados”. Ainda, na mesma linha de Albuquerque Mello, Fábio Konder Comparato (2004, p. 289) afirma que, comentando o art. 5°, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que, conforme este dispositivo, em relação à matéria de direitos humanos, “não se admitem regressões, por meio de revogação normativa, ainda que 58 efetuada por diplomas jurídicos de hierarquia superior àquele em que foram tais direitos anteriormente declarados”. Diferentemente, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2004, p. 101), entende que “se o Brasil incorporar tratado que institua direitos ‘fundamentais’, estes não terão senão força de lei ordinária. Ora, os direitos fundamentais outros têm a posição de normas constitucionais”, finalizando que na ordem jurídica brasileira existiriam direitos fundamentais de dois níveis diferentes, ou seja, um em nível constitucional, instituído pelo constituinte originário e outro meramente legal. Realmente é uma tese não muito feliz, vez que, como um direito fundamental pode estar repartido em níveis, onde se há conflito de um direito fundamental que está em um “nível legal”, não se poderá aplicá-lo, porque também há uma outra norma no mesmo nível legal que deverá ser aplicada, por ser talvez posterior ou ser uma norma de caráter especial. É o entendimento da paridade entre tratados internacionais de proteção de direitos humanos e as normas infraconstitucionais. Isto é o que acontece no argumento de alguns juízes e tribunais, notadamente o Supremo Tribunal Federal, de não aplicar o Pacto de São José da Costa Rica, no que toca ao impedimento da prisão civil por dívida. Mas, na verdade, os direitos fundamentais são um só. Não se pode distribuir em níveis a liberdade, a vida, a dignidade humana, a igualdade, a segurança, a propriedade, pois são direitos invioláveis, conforme a própria Constituição estabelece no cabeçalho do artigo 5°. Ora, por este entendimento, a liberdade de quem é erroneamente equiparado por ficção legal a depositário infiel, está correta porque trata-se de uma liberdade de um nível não constitucional, mas sim um nível inferior, eis que os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos são normas de direitos infraconstitucionais. Soa a absurdo tratar a liberdade como um direito em um nível inferior ao que a Constituição estabelece. A liberdade é uma só, não podendo, por interesses econômicos privar-se alguém mediante interpretações equivocadas. 59 Aliás, o que se vê, é um problema de interpretação. Interpretação que foi objeto pioneiro de estudo de Carlos Maximiliano (2003, p. 7). Interpretar é, para ele, “explicar, esclarecer, dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto, reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair da frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém”. É o que Cançado Trindade (1999, p. 53/54) esclarece ao declarar infundada a tese clássica da paridade entre tratados internacionais de proteção de direitos humanos e a legislação infraconstitucional, senão vejamos: Foi esta a motivação que me levou a propor à Assembléia Nacional Constituinte, na condição de então Consultor Jurídico do Itamaraty, na audiência pública de 29 de abril de 1987 da Subcomissão dos Direitos e Garantais Individuais, a inserção em nossa Constituição Federal – como veio a ocorrer no ano seguinte – da cláusula que hoje é o artigo 5 (2). Minha esperança, na época, era no sentido de que esta disposição constitucional fosse consagrada concomitantemente com a pronta adesão do Brasil aos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o que só se concretizou em 1992. É esta a interpretação correta do artigo 5 (2) da Constituição Brasileira vigente, que abre um campo amplo e fértil para avanços nesta área, ainda lamentavelmente e em grande parte desperdiçado. Com efeito, não é razoável dar aos tratados de proteção de direitos do ser humano (a começar pelo direito fundamental à vida) o mesmo tratamento dispensado, por exemplo, a um acordo comercial de exportação de laranjas ou sapatos, ou a um acordo de isenção de vistos para turistas estrangeiros. À hierarquia de valores, deve corresponder uma hierarquia de normas, nos planos tanto nacional quanto internacional, a ser interpretadas e aplicadas mediante critérios apropriados. Os tratados de direitos humanos têm um caráter especial, e devem ser tidos como tais. [...] O propósito do disposto nos parágrafos 2 e 1 do artigo 5 da Constituição não é outro que o de assegurar a aplicabilidade direita pelo Poder Judiciário nacional da normativa internacional de proteção, alçada a nível constitucional. [...] A tese da equiparação dos tratados de direitos humanos à legislação infraconstitucional – tal como ainda seguida por alguns setores em nossa prática judiciária – não só representa um apego sem reflexão a uma tese anacrônica, já abandonada em alguns países, mas também contraria o disposto no artigo 5 (2) da Constituição Federal Brasileira. Não está querendo que a Soberania do Brasil seja diminuída, como enfatizam alguns autores, com a abertura dada pelo parágrafo 2°, do art. 5°, da Lei Maior. É o que afirma, por exemplo, Maurício Andreiuolo Rodrigues (2001, p. 181), entendendo que como a Constituição ainda faz o papel de lei fundamental, não 60 existe conflito entre tratado internacional de direitos humanos, inclusive o Pacto de São José da Costa Rica e Pacto Internacional dos Direitos Civis. Entende este autor, que a superioridade da Constituição deriva do seu princípio da supremacia, que deve primeiramente, respeitar a superioridade do texto constitucional em face de qualquer outro texto, mesmo de tratado internacional de proteção dos direitos humanos. Especifica que, como a Constituição organiza o Estado, tem, portanto, soberania, soberania esta colhida da vontade popular. “Não fosse assim, o quorum qualificado para a alteração dos comandos constitucionais seria objeto de perfumaria”(ANDREIUOLO, 2001, p. 167). Entretanto, não há mesmo conflito ou tentativa de as normas internacionais de proteção se sobreporem à Constituição ou derrogarem alguns de seus dispositivos. O que está se colocando é que há uma interação, uma garantia a mais, em conformidade com os próprios valores fundamentais que a Constituição estabelece para a República Federativa do Brasil, valores que foram, como frisou Andreiuolo, colhidos da vontade popular. O que pode haver, é o conflito entre normas infraconstitucionais e os tratados internacionais de direitos humanos. Neste caso, com base até na Carta Magna e nos seus fundamentos, objetivos e princípios norteadores, além dos direitos fundamentais expressamente elencados nestes tratados, “há de prevalecer sempre a regra mais favorável ao sujeito do direito, pois a proteção da dignidade da pessoa humana é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico” (COMPARATO, 2004, p. 61). “A pessoa humana é o valor fundamental da ordem jurídica. É a fonte das fontes do Direito”(MONTORO, 1998, p. 16). A negativa de se aplicar o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos em relação à prisão civil do depositário infiel, além de se contrapor à própria Constituição, que estabeleceu que os direitos e garantias nelas expresso não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, viola direito indisponível, que não poderia ser objeto de normatização infraconstitucional para atendimento de direitos disponíveis. Há uma inversão de valores. indisponíveis são suprimidos em atendimento a direitos disponíveis. Os direitos 61 Isto significa que, de acordo com Fábio Konder Comparato (1998, p. 60), como o Direito é uma criação do homem, o seu fundamento é aquele que o criou, ou seja, o próprio homem, “considerado em sua dignidade substancial de pessoa, diante da qual as especificações individuais e grupais são sempre secundárias”. Para finalizar, o entendimento de Valério de Oliveira Mazzuoli é bastante esclarecedor, face às polêmicas geradas em torno da aplicabilidade da índole e nível constitucional, aos tratados de direitos humanos ratificados, antes da introdução do parágrafo 3º do artigo 5°, da Lei Maior. Sintetiza o autor que: Para nós, cláusula aberta do § 2º, do art. 5º da Carta de 1988 sempre admitiu o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais, e não em outro âmbito de hierarquia normativa. Portanto, segundo sempre defendemos, o fato de esses direitos se encontrarem em tratados internacionais jamais impediu a sua caracterização de status constitucional. Agora, com o novo § 3º do art. 5º da Constituição a matéria precisa ser ainda melhor compreendida, pois tal dispositivo pode se prestar a interpretação dúbias ou equivocadas, sendo mais do que necessário explicar o seu real significado e seu efetivo alcance. Tecnicamente, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil já têm status de norma constitucional, em virtude do disposto no § 2º do art. 5º da Constituição. Portanto, já se exclui, desde logo, o entendimento de que os tratados de direitos humanos não aprovados pela maioria qualificada do § 3º do art. 5º equivaleriam hierarquicamente à lei ordinária federal, uma vez que os mesmos teriam sido aprovados apenas por maioria simples (nos termos do art. 49, inc. I, da Constituição) e não pelo quorum que lhes impõe o referido parágrafo. O que se deve entender é que o quorum que tal parágrafo estabelece serve tãosomente para atribuir eficácia formal a esses tratados no nosso ordenamento jurídico interno, e não para lhes atribuir a índole e o nível materialmente constitucionais que eles já têm em virtude do § 2º do art. 5º da Carta de 1988. O que é necessário atentar é que os dois referidos parágrafos do art. 5º da Constituição cuidam de coisas similares, mas diferentes. Quais coisas diferentes? Então para quê serviria a regra insculpida no § 3º do art. 5º da Carta de 1988 senão para atribuir status de norma constitucional aos 62 tratados de direitos humanos? A diferença entre o § 2º, in fine, e o § 3º, ambos do art. 5º da Constituição, é bastante sutil: nos termos da parte final do § 2º do art. 5º, os “tratados internacionais [de direitos humanos] em que a República Federativa do Brasil seja parte” são, a contrario sensu, incluídos pela Constituição, passando conseqüentemente a deter o “status de norma constitucional” e a ampliar o rol dos direitos e garantias fundamentais (“bloco de constitucionalidade”); já nos termos do § 3º do mesmo art. 5º da Constituição, uma vez aprovados tais tratados de direitos humanos pelo quorum qualificado ali estabelecido, esses instrumentos internacionais, uma vez ratificados pelo Brasil, passam a ser “equivalentes às emendas constitucionais”. Segundo ainda este autor, o que o texto constitucional reformado quis dizer é que esses tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, que já têm status de norma constitucional, nos termos do §2º do art. 5º, poderão ainda ser formalmente constitucionais (ou seja, ser equivalentes às emendas constitucionais), desde que, a qualquer momento, depois de sua entrada em vigor, sejam aprovados pelo quorum do §3º do mesmo art. 5º da Constituição. Não se pode deixar de aplicar-se uma norma internacional de proteção, por óbices tecnocráticos. O Poder Judiciário não pode se eximir de aplicar a normativa internacional protetiva dos direitos humanos, sobre o fundamento que algum ou alguns de seus dispositivos não se aplicam, pois contrariam dispositivos legais de direito interno. Assim agindo, alguns membros do Poder Judiciário estão a, de forma implícita, denunciando ao tratado, o que não é da sua competência, mesmo porque este, trata-se de direitos indisponíveis, o que, para Comparato (2004, p. 66/67), em “matéria de tratados internacionais de direitos humanos, não há nenhuma possibilidade jurídica de denúncia, ou de cessação convencional da vigência, porque se está diante de direitos indisponíveis e, correlatamente, de deveres insuprimíveis”. 5.5.1 – Antinomias e Regras de Hermenêutica para esta Conclusão 63 Esta conclusão de que os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, ratificados antes da emenda constitucional 45/2004, têm hierarquia de normas materialmente constitucionais, decorre, conforme Flávia Piovesan (2006, p. 68) sintetiza, “de uma interpretação sistemática e teleológica da Carta, particularmente da prioridade que atribui aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade da pessoa humana”. Sobre a interpretação teleológica, Carlos Maximiliano (2003, p. 128) descreve que se deve “atribuir ao texto um sentido tal que resulte haver a lei regulado a espécie a favor, e não em prejuízo de quem ela evidentemente visa a proteger”. Para a conclusão de que os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, ratificados antes do acréscimo do parágrafo 3º, do artigo 5º, da Carta Magna que não foram submetidos ainda ao quorum de aprovação exigido pela emenda constitucional 45/2004, fazem parte dos elencos materialmente constitucionais das garantias fundamentais estampadas na Constituição, basta interpretar de modo coerente com seus demais princípios, o parágrafo 2º, do art. 5º. Assim por força do parágrafo acima, todos os tratados de direitos humanos, independentemente do quorum de sua aprovação, são materialmente constitucionais. O quorum exigido serve apenas para dar o caráter formal, significando dizer que os tratados materialmente constitucionais podem ser suscetíveis de denúncia, enquanto os tratados material e formalmente constitucionais não podem ser denunciados, por serem cláusula pétrea (art. 60, §4º da Constituição Federal). Desse modo, em razão da sua natureza superior, por serem normas de caráter materialmente constitucionais, não podem ser afastadas por regras hermenêuticas simplistas, com as que usam o critério cronológico ou da especialidade, critérios estes utilizados por alguns membros do Poder Judiciário para respaldar a prisão do depositário infiel, ao se referirem ao Pacto de São José da Costa rica como sendo norma incorporada ao direito brasileiro como norma geral, ou seja, status de lei ordinária. Assim, em relação à norma do contrato de alienação fiduciária, decreto-lei 911/69, que é uma norma especial, não pode haver a revogação pelo critério da lei 64 posterior revoga lei anterior, porque neste caso, só se aplica esta regra da hermenêutica se forem ambas as leis gerais ou especiais. Esta interpretação, todavia, é uma “visão tecnicista do direito pelos órgãos encarregados de sua aplicação”, representando “um entrave tormentoso para a recepção dos Tratados Internacionais cuja disciplina versa sobre o caráter de proteção e salvaguarda dos princípios humanitários”(BOUCAULT, 1999, p. 2). Luis Roberto Barroso (2003, p. 190) analisando a interpretação de acordo com a Constituição, esclarece que o seu papel “é, precisamente, o de ensejar, por via de interpretação extensiva ou restritiva, conforme o caso, uma alternativa legítima para o conteúdo de uma norma que se apresenta como suspeita”. A interpretação deve ser feita também, sobre um prisma sistêmico, levandose em consideração o que dispõe os tratados internacionais sobre o assunto. Desta maneira, o art. 5º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos assim dispõe: Artigo 5° - 1. Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou de praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhes limitações mais amplas do que aquelas nele previstas. 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado-parte no presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau. A Convenção Americana de Direitos Humanos, também estabelece normas de interpretação e aplicação dos direitos nela enunciados, que devem ser levados em consideração na apreciação da prisão civil do depositário infiel, vez que, este Pacto estabelece em seu art. 7°, nº 7, a proibição da prisão civil por dívida, só a cabendo devido o respeito à Constituição, no caso específico de contrato clássico de depósito, que a comporta no art. 5º, LXVII. Por isto deve-se interpretar restritivamente esta limitação da liberdade. Primeiro porque apenas se dispôs sobre depositário infiel, não abrangendo outras categorias equiparadas artificiosamente. Segundo porque por se tratar de uma medida extrema, só cabe o que ali foi elencado, em obediência ao princípio da 65 dignidade humana. Terceiro porque existem normas internacionais vigentes no Brasil que vedam este tipo de coerção, que devem ser aplicadas em detrimento da legislação infraconstitucional e, sobretudo, por estas normas internacionais tratarem de direitos indisponíveis, quais sejam, os direitos do ser humano, elevados à natureza material constitucional, conforme o parágrafo 2º, do art. 5º, da Carta Política, como bem colocou Valério Mazzuoli, já transcrito anteriormente “os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil já têm status de norma constitucional”. Nesta perspectiva, a Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece no art. 29, normas de interpretação, senão vejamos: Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de: a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados; c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo; d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza. Cumpre salientar que o Brasil ao ratificar estes dois Pactos internacionais, não fez nenhuma reserva aos mesmos. Nesta linha, Antônio Augusto Cançado Trindade (1999, p. 30) afirma que, os tratados de direitos humanos não vinculam somente os governos, mas muito mais, o Estado, descrevendo que “é chegado o tempo de precisar, por conseguinte, o alcance não só das obrigações executivas, mas também das obrigações legislativas e judiciais, dos Estados-Partes nos tratados de direitos humanos”. 66 Desta forma, o Poder Executivo tem que garantir a aplicabilidade, buscando a proteção e salvaguarda dos direitos humanos reconhecidos nos tratados. Por sua vez, ao Poder Legislativo cabe adequar o ordenamento jurídico interno às normas internacionais de proteção humanitária. Há tentativas neste sentido, como o Projeto de lei nº 26/2002, do Deputado Paulo Delgado, que se encontra na Comissão de Constituição de Justiça, que retira do contrato de alienação fiduciária a equiparação a depositário do devedorfiduciante. Este projeto traz consigo reflexos sociais importantes, como por exemplo, a harmonização com o sistema consumerista vigente, na medida em que proíbe a vantagem para uma das partes na relação contratual, vantagem essa que também não se compatibiliza com a atual Constituição. Observa-se que no projeto original comparado com o atual, o artigo 66, teve supressão do seguinte trecho: "com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal", além do termo "depositário". Por fim, cabe ao Poder Judiciário a aplicação dos direitos e garantias estampados nos tratados de proteção dos direitos humanos. aplicação destes tratados, equipará-los na mesma Não se deve, na hierarquia de leis infraconstitucionais, usando-se na interpretação do caso concreto, o critério cronológico ou da especialidade. Trata-se de uma posição insustentável, e, sem sombra de dúvida, absurda, no campo da proteção internacional dos direitos humanos. Como assinala a jurisprudência internacional, os tratados de direitos humanos, diferentemente dos tratados clássicos que regulamentam interesses recíprocos entre as Partes, consagram interesses comuns superiores, consubstanciados em última análise na proteção do ser humano. Como tais, requerem interpretação e aplicação próprias, dotados que são, ademais, de mecanismos de supervisão próprios. [...] O cumprimento das obrigações internacionais de proteção requer o concurso dos órgãos internos dos Estados, e estes são chamados a aplicar as normas internacionais. É este o traço distintivo e talvez o mais marcante dos tratados de direitos humanos, dotados de especificidade própria e, permito-me insistir neste ponto, a requererem uma interpretação própria guiada pelos valores comuns superiores que abrigam, diferentemente dos tratados clássicos que se limitam a regulamentar os interesse recíprocos entre as Partes. [...] Resulta, assim, claríssimo que leis posteriores não podem revogar normas convencionais que vinculam o Estado, sobretudo no presente domínio de proteção (CANÇADO TRINDADE, 1999, p. 49/50). 67 Enfim, o que hoje impera em sede de interpretação no conflito entre direito interno e o de proteção internacional de direitos humanos é a prevalência sempre da “regra mais favorável ao sujeitos do direito, pois a proteção da dignidade da pessoa humana é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico” (COMPARATO, 2004, p. 61), ou seja, a primazia é da norma que mais proteja o ser humano. É a aplicação do método da ponderação de bens, onde, conforme acentua Mazzuoli (2002B, p. 300) “entre os valores liberdade e propriedade, seria irracional entender-se que este é o que deveria prevalecer, sob pena de retrocedermos aos tempos primevos do direito romano, a nexum, a manus infectio”. Desta forma, para se esquivar da declaração de inconstitucionalidade, a única saída hermenêutica é entender que a exigência do procedimento legislativo expresso no parágrafo 3º do art. 5º só é exigível para tratados internacionais ainda não incorporados ao nosso sistema, continuando a valer como de raiz constitucional todas as convenções anteriores de direitos humanos. Este entendimento é defendido por Francisco Rezek que afirma ser (2005, p. 103) “...sensato crer que ao promulgar esse parágrafo na emenda constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, sem nenhuma ressalva abjuratória dos tratados sobre direitos humanos outrora concluídos mediante processo simples, o Congresso constituinte os elevou à categoria dos tratados de nível constitucional.”. Sendo assim, levando-se em consideração os valores norteadores da Constituição da República Federativa do Brasil, quais sejam, a prevalência dos direitos humanos, da dignidade humana, onde se busca a construção de uma sociedade justa e solidária, além das garantias de proteção dos direitos humanos insertas em tratados internacionais, elevados a nível materialmente constitucional, não cabe a prisão civil do depositário infiel, por desrespeitar todo este aparato protetivo, abrindo-se exceção, em obediência à própria Constituição Federal, que estabelece esta exceção, à prisão do depositário infiel clássico, qual seja o oriundo de depósito voluntário ou miserável. 68 6 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL. DIVERGÊNCIAS ENTRE OS TRIBUNAIS SUPERIORES Neste capítulo final, serão analisadas as posições dos tribunais superiores, notadamente os que se encarregam da uniformização da interpretação da Constituição e da legislação infraconstitucional, ou seja, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sobre a prisão civil do depositário infiel, aquele que é equiparado por ficção legal a tal, estes dois tribunais têm visões totalmente opostas, ressalvando-se a posição de alguns Ministros que divergem da posição da maioria. Ressalte-se que a maior parte destes julgados é em relação ao contrato de alienação fiduciária. Com relação ao Supremo Tribunal Federal serão analisados os perfis dos novos Ministros, tendo em vista a nova composição da Suprema Corte, que conta hoje com todos os integrantes nomeados após a Constituição de 1988, fazendo crer na insustentabilidade da orientação outrora firmada, que tinha como maior defensor o Ministro Moreira Alves e outros já aposentados. Desta forma em decorrência da nova composição do quadro de Ministros do STF, existem diversas decisões monocráticas que demonstram tendências à mudança na atual linha seguida pela Corte. Atualmente está novamente em discussão no plenário o Recurso Extraordinário 349.703/RS, também tratando da alienação fiduciária em garantia e prisão do equiparado a depositário infiel, tendo sido o julgamento adiado a pedido do Ministro Gilmar Mendes. Faz-se, então, necessário, para uma melhor compreensão destes posicionamentos jurisprudenciais, descrever em sua totalidade os votos selecionados dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. 6.1 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ No STJ, foi com o julgamento dos embargos de divergência em Recurso Especial (ERESP) n. 149.518/GO, de 08 de abril de 1999, que ficou assentado em 69 definitivo neste tribunal - sendo que em quase todos os julgados posteriores é feita referência a ele – o não cabimento da prisão civil do devedor que descumpre contrato garantido por alienação fiduciária. Assim está, em termos gerais, o voto do relator, que foi acompanhado unanimente pelo demais, Ministro Ruy Rosado de Aguiar: 1. A meu juízo, não cabe a prisão civil do devedor em alienação fiduciária. Essa opinião é antiga e se reforça na mesma proporção em que se degrada o sistema prisional do país, transformados os cárceres em depósitos destituídos das mínimas condições de dignidade, conforme estamos diariamente, sendo informados pelo imprensa. Basta a fotografia de uma cela em que os detentos, para dormir, revezam-se na ocupação dos espaços; basta, também, ouvir o relato do que acontece no fundo dos corredores das penitenciárias e nas celas improvisadas das delegacias de polícia para se entenderem os esforços dos penalistas e dos penitenciaristas em limitar o uso da prisão apenas àqueles que, absolutamente, não podem continuar vivendo em sociedade. Nessas condições, que o juiz não pode desconhecer, parece inadmissível submeter o descumpridor de um contrato, o devedor de uma dívida civil, às agruras de um regime penitenciário fechado, durante meses, que a lei penal reserva aos delinqüentes mais perigosos, pois à maioria dos autores de crimes são, hoje, aplicadas penas alternativas. A situação ainda mais se agrava quando se sabe que o eg. Supremo Tribunal Federal já decidiu ser ‘a prisão civil incompatível coma prisão albergue ou com a prisão domiciliar’ (HC n° 74.381, 1° Turma, 26.08.97). 2. É preciso ponderar que a inserção das leis no ordenamento jurídico pode evidenciar alguma dificuldade na compatibilização das novas normas com o sistema vigente, especialmente quando a novidade bate de frente com antigos institutos, estruturadores do sistema. É o que acontece com a lei sobre a alienação fiduciária, cujo objetivo evidente foi o de reforçar as garantias do credor, inclusive com a possibilidade de o devedor ser recolhido à prisão por até m ano. Constituindo-se as nossa casas prisionais, no dizer de ex-Ministro da Justiça, ‘verdadeiras sucursais do inferno’, pode-se bem medir a gravidade da ameaça que pesa sobre o pequeno comerciante, a dona de casa que compra uma geladeira, o agricultor de cinco hectares, inadimplentes por qualquer razão, que são os que realmente sofrem essa espécie de sanção, exatamente por serem pequenos. Na realização do seu intuito, o legislador da alienação fiduciária optou por transformar o credor em proprietário do bem dado em garantia, e o devedor, em depositário, quando, na verdade, não há nem propriedade, nem depósito. Não é proprietário aquele que, ao retomar a posse do bem, através de ação de busca e apreensão, não pode ficar com a coisa para si, estando obrigado a vende-la a terceiros, cujo preço assim obtido também não é seu senão na medida do seu crédito (porque ele sempre foi apenas um credor), devendo repassar o saldo ao devedor, que o recebe somente por ser o proprietário. Não sendo o credor proprietário, não poderia ele ter dado a coisa em depósito. Ainda que o fosse, o contrato de depósito também não se constituiu porque a obrigação do depositário, que é a de restituir a coisa, igualmente não existe, pois o pagamento do débito elimina a hipótese de restituição. 70 [...] Assim, no âmbito do Direito Civil, no nível infraconstitucional, parece indispensável visualizar a alienação fiduciária em garantia de acordo com os princípios definidores da propriedade e do depósito, para concluir pela inexistência do contrato de depósito, ao menos com o fim de excluir a prisão civil como conseqüência do inadimplemento de um negócio bancário. Acrescento que s Sexta Turma, no RHC n° 4.288-5-RJ, em acórdão de lavra do em. Ministro Adhemar Maciel, decidiu no mesmo sentido: ‘...vou colocar-me ao lado da corrente minoritária, que entende que o ‘depositário infiel’só pode ser aquele do ‘contrato de depósito tradicional, (CC, art. 1.265 [hoje, art. 627]) que se torna voluntariamente inadimplente. Ora, no caso da alienação fiduciária em garantia não se tem um contrato de depósito. O credor fiduciário não tem o direito de exigir dele, a seu bel-prazer, a entrega do bem. Aliás, tecnicamente, nem mesmo de ‘proprietário o credor fiduciário pode ser rotulado, pois nem, sequer, pode ficar com a coisa. Só com o produto de sua venda, com a dedução daquilo que o devedor já lhe pagou. Também transfigurada ficou a milenar regara do res perit domino suo, que remonta ao Código de Hamurabi, pois, na alienação fiduciária em garantia, se a coisa perecer sem culpa do devedor o prejuízo é dele e não do credor. Na realidade, o que a legislação ordinária (LMC e DL n° 911/69) fez foi uma ‘equiparação’ daquilo que ao pode ser equiparado só para, no fundo, ensejar a cobrança de dívida mediante ameaça de prisão. Pôs um rótulo em frasco com conteúdo diverso’. [...] 3. Há, ainda, um argumento mais forte. A prisão civil tem sido objeto de tratados internacionais firmados pelo Brasil. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pelo Decreto Legislativo n° 226, de 12.12.91, e promulgado pelo Decreto Executivo n° 592, de 06.07.692, dispõe em seu art. 11: ‘Ninguém poderá ser preso apenas por não cumprir uma obrigação contratual’. O Pacto de São José da Costa Rica, aprovado no Brasil e promulgado pelo Decreto Executivo 592, de 06.07.92 [aqui houve um engano por parte do Ministro Relator, pois o Decreto Executivo foi o 678, de 06.11.92], reza em seu art. 7°, 7: ‘Ninguém será detido por dívidas; este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar’. O eg. Supremo Tribunal Federal ‘firmou o entendimento de que, em face da Carta Magna de 1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em se tratando de alienação fiduciária, bem como que o Pacto de São José da Costa Rica, além de não poder contrapor-se à permissão do art. 5°, LXVII, da mesma Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional geral, as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel’ (HC n° 75.306/RJ, 1ª Turma, 12.09.97, rel. em. Ministro Moreira Alves). No plano exclusivamente infraconstitucional, observa-se que a norma geral sobre a prisão do depositário infiel está no art. 1287 do Ccivil [hoje art. 627], que permite compelir o depositário a restituir o bem, sob pena de prisão não excedente a um ano: o procedimento para a sua decretação está nos arts. 902 a 904 do CPC, sobre a ação de depósito. A lei especial sobre a alienação fiduciária (Lei n° 4.728/65, art. 66, e DL n° 911/69) não contém norma específica sobre prisão do devedor, fazendo remissão ao Código de Processo Civil, regra de procedimento, que por sua fez [houve aqui, certamente um erro de digitação, pois o contexto implica que a palavra adequada seria vez] regulou o modo de o juiz decretar a prisão do depositário prevista na regra geral. No caso, o tratado revogou a regra geral do Código Civil, retirando o suporte a que fez remissão a lei 71 especial (DL n° 911/69). Daí se conclui que, no plano da legislação ordinária, a norma vigorante sobre a prisão civil é o disposto no Pacto de São José, pois que, embora permitida constitucionalmente a prisão do depositário infiel, diante da norma permissiva do texto de 1988, a regra geral que a instituiu no país (art. 1287 do CC [atualmente art. 627]) ficou derrogada pelo novo diploma (tratado aprovado), da mesma hierarquia no elenco das leis. [...] 4. No eg. Supremo Tribunal Federal, o em. Ministro Marco Aurélio proferiu a seguinte decisão no HC n° 79.010/PR (DJU de 10.03.99, Seção 1, p. 45): ‘Do rol das garantias constitucionais vem-nos a regra segundo a qual ‘não haverá prisão civil por dívida (...)’. As exceções, contempladas em preceito exaustivo da própria Carta da República – e, portanto, imunes á atuação do legislador ordinário – correm à conta do inadimplemento voluntário inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel, de modo que não abrangem a situação daquele que deixou de solver dívida concernente a contrato de compra e venda. Vale frisar que o Brasil, ao subscrever o Pacto de São José da Costa Rica, situado no mesmo patamar da legislação ordinária,veio a derrogar o Código Civil, o Código de Processo Civil e, com maior razão, o Decreto-Lei n° 911/69, alterado pelo artigo da Lei n° 6.071/74, no que disciplinavam matérias estranhas à prestação alimentícia. Fosse possível lançar, para concessão da liminar, um argumento metajurídico, assim vislumbrado ao menos nesse primeiro exame, diria do quadro teratológico de ter-se relativamente a um fusca 1600, fabricado em 1995, dívida a alcançar preço de automóvel importado ou de veículo de luxo nacional novo, ou seja cinqüenta mil reais. Algo errado parece haver nessa equação, quando de percebe, segundo os dados da inicial, que o valor do financiamento foi da ordem de três mil reais.’ 5. Por todas essas razões, conheço dos embargos e os acolho, para me filiar ao entendimento expresso no r. acórdão paradigma e considerar ilegal o decreto de prisão civil do alienante fiduciário. É o voto. Vê-se que há duas razões relatadas neste voto para o impedimento da prisão civil do depositário infiel. Uma é a que esclarece que o depositário equiparado pela lei ordinária, não pode ser estendido àquele que a Constituição Federal dispõe, vez que não se trata de proprietário, muito menos de contrato de depósito, porquanto a relação existente é de credor e devedor. Neste ponto, foi unânime a votação e a partir de então, todos os acórdãos do STJ sobre este caso, são neste sentido, citando-se, inclusive, este processo 149.518/GO, como o “divisor de águas” e o uniformizador da jurisprudência deste tribunal em relação à prisão civil do depositário infiel. Há também, como respaldo à alegação do relator, o entendimento que, como o Pacto de São José da Costa Rica adentrou no ordenamento jurídico 72 brasileiro como norma geral, revogou a norma geral do antigo art. 1287 do Código Civil, bem como o art. 902 a 904 do Código de Processo Civil, que também são normas gerais, utilizando-se para isto a regra hermenêutica de que, uma norma geral posterior, revoga uma norma geral anterior, ou seja, o critério cronológico. Neste entendimento, como a lei que regula o DL 911/69 é especial, não seria revogado por este tratado, devido o critério da especialidade, que descreve que uma lei especial só pode ser revogada por outra lei especial. Entretanto, arremata, o decreto-lei se baseia para aplicação da pena de prisão do depositário infiel nestes dois diplomas legais. Estando, assim, revogados, resta esvaziado o conteúdo normativo do dispositivo deste decreto, tornando-se, impossível a prisão civil do depositário infiel no contrato de alienação fiduciária. Neste ponto, divergiu os Ministros Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Garcia Vieira, Fontes de Alencar, Barros Monteiro, Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros. Mas, repete-se, todos foram a favor do voto do relator, entendendo descabida a prisão do depositário infiel, apenas divergindo neste ponto. Realmente, não se pode usar estes critérios de interpretação como parâmetro para o não acolhimento da prisão. Neste caso, trata-se de uma dimensão maior a ser visualizada, a de que estes tratados versam sobre a proteção dos direitos fundamentais do ser humano e por isto são normas materialmente constitucionais. Por este motivo não ficaram derrogados os dispositivos do Código Civil de 1916, nem tampouco os do Código de Processo Civil, pois não se contrapõe. Um trata de matéria infraconstitucional; outro de direitos indisponíveis, de salvaguarda dos direitos humanos, elevados à categoria de normas constitucionais. Não há antinomia que possa ensejar a derrogação destes dispositivos legais. Esta é a conclusão correta, pois, se não fosse assim, com a publicação do novo Código Civil, posterior aos Pactos citados, a prisão do depositário infiel nas equiparações legais seria novamente válida, pois as leis que ficaram esvaziadas em seu conteúdo, estariam novamente em total aplicação por terem respaldo na nova legislação geral. 73 O que acontece é que, como os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos versam sobre normas superiores, não há a revogação de nenhum dispositivo legal, muito menos constitucional, como quer Valério de Oliveira Mazzuoli (2002A, p.178), dispondo que a nova redação do art. 5°, LXVII, seria : “’Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia’”. Há que se ter em mente, que o que existe é um complementariedade deste dispositivo constitucional pela Convenção de São José da Costa Rica e pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. A Constituição é soberana, só podendo ser emendada por vias próprias (art. 60), não podendo um tratado internacional, mesmo que seja de proteção dos direitos do homem, retirar-lhe o conteúdo. Os tratados internacionais obrigam os poderes da República e só podem deixar de ser aplicados por processo próprio, a denúncia. Assim, estes tratados internacionais que versam sobre a proteção dos direitos humanos complementam e se harmonizam com os dispositivos constitucionais de proteção dos direitos e garantias fundamentais, sendo certo que, são aplicados juntamente com a Constituição em relação à prisão civil do depositário infiel. Por isto que ainda subsiste este tipo de prisão no Brasil. Porque a Lei Maior assim estabelece. Mas, em decorrência de seus princípios da dignidade humana, da liberdade, reforçados pelos tratados citados, não há como estender a outros casos, mas, tão somente, ao contrato clássico de depósito, qual seja o depósito voluntário e o necessário. Fica, então, sem aplicação os novos artigos do Código Civil, lei n° 10.406/2002, que dispõem sobre o depositário necessário, oriundo de obrigação legal, arts. 647, I e 648, por desrespeitarem os princípios e fundamentos da Constituição e os tratados internacionais protetores do homem. A posição do superior Tribunal de Justiça, desse modo, ficou assentada neste julgado do ERESP n. 149.518/GO, não cabendo, portanto a prisão do depositário infiel que é equiparado a tal pela legislação ordinária. 74 6.2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF Não é este, porém, o entendimento da maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, inobstante posições firmes de alguns Ministros, especificadamente Marco Aurélio de Mello, ex-Ministro Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e o exMinistro Francisco Rezek. Para melhor ilustração, veja-se alguns votos dos seguintes julgados, que entendem ser passível de prisão, o depositário infiel, sendo o que definitivamente assentou o entendimento da maioria, o Habeas Corpus nº 72.131/RJ, de 22.11.1995, publicado o acórdão em 23/11/2003, tornando-se precedente para os demais: RECURSO EXTRAORDINÁRIO n. 377386/RS Relator Min. MOREIRA ALVES DJ DATA-05/05/2003 P – 00104 Julgamento 01/04/2003 DESPACHO: 1. O acórdão recorrido julgou inadmissível a prisão civil para o devedor em contrato de alienação fiduciária em garantia (fls. 50/53). Interpostos recursos especial e extraordinário, somente este foi admitido (fls. 78/80). 2. Esta Corte, por seu Plenário (HC 72.131), firmou o entendimento de que, em face da Carta Magna de 1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em se tratando de alienação fiduciária, bem como de que o Pacto de São José da Costa Rica, além de não poder contrapor-se à permissão do artigo 5º, LXVII, da mesma Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional geral, as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel. Esse entendimento voltou a ser afirmado recentemente, em 27.05.98, também por decisão do Plenário, quando do julgamento do RE 206.482. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. 3. Há ainda outro fundamento de ordem constitucional - acolhido pela Primeira Turma, no julgamento do HC 79.870 - para afastar a pretendida derrogação do Decreto-Lei 911/69 pela interpretação dada ao artigo 7º, item 7, do Pacto de São José da Costa Rica (‘Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar’). Como se vê do teor desse dispositivo, que ingressou em nosso ordenamento jurídico como norma infraconstitucional, se se entender que ele, por haver apenas excepcionado da vedação da prisão civil o inadimplemento da obrigação alimentar, revogou, tacitamente, a legislação infraconstitucional interna relativa à prisão civil do depositário infiel em caso de depósito convencional ou legal (este com referência, inclusive, aos penhores sem desapossamento e à alienação fiduciária em garantia), essa interpretação advirá do entendimento, que é inconstitucional, de que a legislação infraconstitucional pode afastar exceções impostas diretamente pela Constituição, independentemente de lei que permita impô-las quando ocorrer inadimplemento de obrigação alimentar ou infidelidade de depositário. Por isso mesmo, o inciso LXVII do artigo 5º da Carta Magna é categórico ao dizer que não haverá prisão civil, salvo (o que significa dizer que haverá) a (o que significa prisão) do responsável pelo inadimplemento voluntário e 75 inescusável de obrigação alimentícia e a (o que significa prisão) do depositário infiel. Não diz esse dispositivo que não haverá prisão civil, podendo a legislação permitir que nesses dois casos, ou apenas em um deles, haja essa modalidade de prisão. Diz, sim, que, nesses casos - que independem de regulamentação infraconstitucional (a Carta Magna estabeleceu até as hipóteses em que o inadimplemento da obrigação alimentar se enquadra nessa exceção) -, haverá prisão civil, sendo que esta, sim, é que, para dar-se efetividade a esse texto constitucional na sua parte positiva (que é a das duas exceções à negativa), se não estivesse regulamentada - e o está -, teria de sê-lo. Essa mesma fundamentação serve para afastar, por ofensiva ao texto do artigo 5º, LXVII, da Constituição, o disposto no artigo 11 ("ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual") do Pacto Internacional sobre Direitos Políticos e Civis adotado pela Assembléia Geral da ONU. 4. É de observar-se, por fim, que o § 2º do artigo 5º da Constituição não se aplica aos tratados internacionais sobre direitos e garantias fundamentais que ingressaram em nosso ordenamento jurídico após a promulgação da Constituição de 1988, e isso porque ainda não se admite tratado internacional com força de emenda constitucional. 5. Em face do exposto, e com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, conheço do presente recurso e lhe dou provimento. Brasília, 01 de abril de 2003. Ministro MOREIRA ALVES Relator Neste mesmo sentido, o entendimento do Ministro Celso de Mello: RECURSO EXTRAORDINÁRIO n. 372979/SP Relator(a) Min. CELSO DE MELLO DJ DATA-30/04/2003 P – 00125 Julgamento 06/03/2003 DECISÃO: O acórdão ora impugnado diverge, frontalmente, da orientação jurisprudencial firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, em dois julgamentos sobre a matéria ora em exame (HC 72.131/RJ, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES, e RE 206.482/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), decidiu que se reveste de plena legitimidade constitucional o diploma legislativo (DL nº 911/69) que autoriza a prisão civil do devedor fiduciante, se este, sem justa causa, deixa de entregar, ao credor, o bem alienado fiduciariamente em garantia ou, então, a importância equivalente em dinheiro. Cabe assinalar, por necessário, que esse entendimento jurisprudencial tem sido reafirmado por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal (RTJ 163/312, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 164/213, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - HC 74.798/MG, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - HC 74.875/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RE 206.086/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 230.624/PR, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), cujas decisões enfatizam que a prisão civil do devedor fiduciante não transgride a Constituição da República e nem ofende o sistema de proteção instituído pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Essa mesma orientação foi reiterada em julgamento efetuado pela Colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o RE 254.544/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, assim se pronunciou: "LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. - A prisão civil do devedor fiduciante, nas condições em que prevista pelo DL nº 911/69, reveste-se de plena legitimidade constitucional e não transgride o sistema de proteção instituído pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da 76 Costa Rica). Precedentes. OS TRATADOS INTERNACIONAIS, NECESSARIAMENTE SUBORDINADOS À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NÃO PODEM LEGITIMAR INTERPRETAÇÕES QUE RESTRINJAM A EFICÁCIA JURÍDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. - A possibilidade jurídica de o Congresso Nacional instituir a prisão civil também no caso de infidelidade depositária encontra fundamento na própria Constituição da República (art. 5º, LXVII). A autoridade hierárquico-normativa da Lei Fundamental do Estado, considerada a supremacia absoluta de que se reveste o estatuto político brasileiro, não se expõe, no plano de sua eficácia e aplicabilidade, a restrições ou a mecanismos de limitação fixados em sede de tratados internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos). A ordem constitucional vigente no Brasil - que confere ao Poder Legislativo explícita autorização para disciplinar e instituir a prisão civil relativamente ao depositário infiel (art. 5º, LXVII) - não pode sofrer interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante tratado ou convenção internacional, terse-ia interditado a prerrogativa de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi outorgada, expressamente, pela própria Constituição da República. Os tratados e convenções internacionais não podem transgredir a normatividade subordinante da Constituição da República e nem dispõem de força normativa para restringir a eficácia jurídica das cláusulas constitucionais e dos preceitos inscritos no texto da Lei Fundamental. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO." (RTJ 174/335336, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Nem se diga, finalmente, que, após a sua incorporação ao sistema de direito positivo interno do Brasil, o Pacto de São José da Costa Rica - por não prever a possibilidade de decretação da prisão civil do depositário infiel (Art. 7º, n. 7) - teria derrogado, tacitamente, a legislação ordinária brasileira, no ponto em que esta, nos casos de infidelidade depositária, admite a utilização desse meio extraordinário de coerção processual. É que - tal como decidiu a Colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 79.870/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES -, ‘... o Pacto de São José da Costa Rica, além de não poder contrapor-se ao disposto no artigo 5º, LXVII, da (...) Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional geral, as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel’(grifei). Sendo assim, tendo em consideração os precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário (CPC, art. 557, § 1º - A), para, desconstituindo o acórdão recorrido, determinar que conste, do mandado a que se refere o art. 904 do CPC, c/c o art. 4º do DL 911/69, a cominação de prisão civil, caso a parte recorrida, sem justa causa, deixe de entregar, em vinte e quatro (24) horas, o bem alienado fiduciariamente em garantia ou o valor equivalente em dinheiro, mantidos os encargos financeiros decorrentes da sucumbência, nos termos da sentença proferida pelo magistrado de primeira instância. [...] Publique-se. Brasília, 06 de março de 2003. Ministro CELSO DE MELLO Relator Este é o entendimento da maioria do STF, que com uma visão extremamente positivista, não deu o devido valor aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. 77 É o que salienta o ex-Ministro Francisco Rezek, em seu voto no julgamento do Habeas Corpus nº 74.383-8/MG, de 22 de outubro de 1996: Peço todas as vênias para votar no sentido do deferimento da ordem de habeas corpus, porque até hoje não consegui entender os fundamentos da decisão majoritária do plenário sobre a prisão por dívida, num país cuja Constituição diz não tolerar a prisão por dívida. Explico meu voto. Primeiro, penso que estamos diante de um estrita questão jurídica. Os fatos são claros: alguém está preso ou na iminência de ser preso por não haver pago ao Banco Sudameris dívida resultante de penhor rural. São só estes os fatos. O restante é direito de nível constitucional e ordinário, e o que se impõe é interpretar o inciso LXVII do rol de garantias, onde está dito que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Há de se presumir equilíbrio e senso de proporções em todo legislador, sobretudo no constituinte quando trabalha nas condições em que trabalhou o constituinte brasileiro de 1988. Ele prestigia um tradição constitucional brasileira: não se prendem pessoas porque devem dinheiro. Mas abre duas exceções. E o que vamos presumir em nome do equilíbrio? Que essas duas exceções têm peso mais ou menos equivalente. No caso do omisso em prestar alimentos, a linguagem constitucional é firme: inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação. E, ao lado disso, o que mais excepciona a regra da proibição da prisão por dívida? O depositário infiel. Mas nunca se há de entender que essa expressão é ampla, e que o legislador ordinário pode fazer dela, mediante manipulação, o que quiser. O depositário infiel há de enquadrar-se numa situação de gravidade bastante para rivalizar, na avaliação do constituinte, com o omisso em prestar alimentos de modo voluntário e inescusável. Mas, num país de tantos surrealismos, inventa-se um dia a tese de que determinados devedores são “depositários infiéis”, para que o credor possa prendê-los, para que o meio de forçar a solução de uma dívida civil seja o mecanismo criminal do encarceramento. Inventa-se dizer que os devedores, em caso como o da alienação fiduciária em garantia e do penhor rural (hipótese históricas – mais que isso, hipóteses bíblicas de dívida) são “depositários infiéis”. O que compra e um dia não dispõe mais do bem, nem pode pagar, é um típico devedor civil, nunca um depositário infiel. Os mesmos civilistas que, mais tarde, ludibriando a Constituição, inventaram as figuras do depósito legal, foram os responsáveis, na origem, pela teoria de depósito voluntário, materializada naquela situação que todos nós entendemos: a de alguém que recebe, por exemplo, pela confiança do juiz, os bens da viúva ou do órfão para que os guarde fielmente e os devolva um dia; e que quando chamado a devolve-los, de modo insolvente, intolerável, os sonega. Este é o depositário infiel de que fala a tradição dos próprios civilistas, que um dia degeneraram na produção de burlas à Constituição. Este é o depositário de que fala a Carta de 1988, no inciso LXVIII do rol de direitos. Esse é o depositário infiel cuja prisão o constituinte brasileiro, embora avesso à prisão por dívida, tolera. Nunca – e me bastaria o texto da Carta para não poder admiti-lo – se dirá que o depositário infiel a que se refere a Carta, como exceção possível ao mandamento que proíbe prisão por dívida, seja aquele falso depositário produzido por legislação ordinária no Brasil dos anos recente (por sinal, os menos brilhantes da nossa história política, constitucional e legislativa). Toda norma que, no direito ordinário, quer mascarar de depositário que na realidade não o é, agride a Constituição. 78 Mas, por cima de tudo isso, ainda vem São José da Costa Rica. Essa convenção vai além, depura melhor as coisas, e quer que em hipótese alguma, senão a do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia, se possa prender alguém por dívida. O texto a que o Brasil se vinculou quando ratificou a convenção de São José da Costa Rica não tolera sequer a prisão do depositário infiel verdadeiro. O julgamento, em plenário, dessa questão jurídica, foi extremamente longo, e não pude assisti-lo até o fim. Pela leitura das atas observei que se admitiu aquilo que em certo momento eu afirmara em meu voto: o inciso LXVII proíbe a prisão por dívida e, ao estabelecer a exceção possível, permite que o legislador ordinário discipline a prisão do alimentante omisso e do depositário infiel. Permite, não obriga. O constituinte não diz: prenda-se o depositário infiel. Ele diz: é possível legislar nesse sentido. Mais algo me causou perplexidade. Ter-se-ia dito que, então, dado ao legislador ordinário o poder de optar entre permitir, ou não, a prisão do depositário infiel, o texto de São José da Costa Rica não poderia ter, a partir da sua vigência no Brasil, limitado o direito constitucional que tem o legislador ordinário de fazer sua escolha! Veja-se qual foi o raciocínio: a Constituição não obriga a prender o depositário infiel; ela diz apenas que isso é um exceção possível à regra de que não há prisão por dívida, e o legislador ordinário que delibere. O legislador ordinário poderia, então, disciplinar a prisão nessa hipótese, ou não faze-lo e assumir uma atitude mais condizente com os novos tempos. Mas afirmou-se: esse texto de São José da Costa Rica, ao proibir a prisão do depositário infiel, limita – e não poderia faze-lo – a liberdade do nosso legislador ordinário. Raciocinou-se, com todas as vênias, como se o texto de São José da Costa Rica só fosse um produto alienígena, um obra de extraterrestres, que desabou arbitrariamente sobre nossas cabeças. (grifos nossos). Procedeu-se como se São José da Costa Rica não fosse um texto de cuja elaboração o Brasil participou, e que só começou a valer no Brasil depois que o Congresso Nacional aprovou esse texto – com todos os requisitos necessários á produção de direito ordinário – e que o Chefe de Estado o ratificou. O necessário para que a República se envolva num tratado é, no mínimo, igual ao necessário para produzir direito ordinário. Entretanto, havendo-se raciocínio como se a convenção não fosse obra que só nos vincula por causa da nossa vontade soberana, exorcisou-se a convenção como coisa estranha à brasilidade... Parece-me que o texto vincula, sim, o Brasil, em moldes perfeitamente conformes à Constituição da República, e que há que prestarlhe a devida obediência, sob pena de nos declararmos em situação de ilícito internacional, porque nos obrigamos a fazer uma coisa e os tribunais fazem outra. Mas se não houvesse nada disso, se nunca se tivesse feito o tratado de São José da Costa Rica sobre direitos humanos, a simples leitura da Constituição, no inciso LXVII do rol de garantias, bastar-me-ia para dizer que o depositário infiel, cuja prisão aqui se autoriza, não é nunca uma figura de amplitude bastante para que o legislador civil, no plano da produção legislativa ordinária, invente situações de todo diversas daquela verdadeira e autêntica do depósito; e, em frontal agressão ao preceito constitucional maior, diga que na República é possível, sim, a prisão por dívida, a prisão daquele que plantou e não colheu, ou colheu e perdeu, e não pagou ao banco; daquele que comprou e não pagou as prestações devidas a tempo, não tendo como devolver o bem. Situações lamentáveis, reprováveis no plano civil, mas que não poderiam ter – volto a dizer, em frontal agressão ao preceito maior da Carta – tratamento igual ao da prática de crimes. Meu voto, com todas as vênias, é no sentido de conceder a ordem. 79 Neste mesmo julgado, o Ministro Marco Aurélio, também, reprovando a prisão civil do depositário infiel, se manifesta da seguinte forma em seu voto: Senhor Presidente, há pouco, depois da decisão do Plenário, fiquei vencido na Turma ao enfrentar situação praticamente idêntica a dos autos, em que jogo também se fez um penhor e se teve determinação, pelo juízo cível, da prisão do devedor. Senhor Presidente, compreendo que é salutar o efeito vinculante. Todavia, tomo-o como a decorrer de um gesto espontâneo, resultante de idéias harmônicas com princípios básicos, com a ordem jurídica em vigor, que se impõe por si sós. Sou daqueles magistrados que entendem que, quando não puder me expressar de acordo com o meu próprio convencimento, fundão em interpretação por mim conferida ao arcabouço jurídico-normativo, devo, simplesmente, requerer aposentadoria e deixar o ofício judicante. Assim continuarei, enquanto tiver assento nesta Corte. Recordo-me de uma professora da Faculdade Nacional de Direito que me acompanhou nos cinco anos do curso, sempre aludindo à circunstância de que cada um de nós tem freios inibitórios. Da observância desses freios inibitórios resulta o próprio conhecimento sobre si mesmo, sobre as reações passíveis de ocorrerem. Quando V. Exa. Indagou-me, fisionomicamente, se participaria do julgamento, eu já estava certo de que o faria, em fazer a preceito inserto no nosso Regimento Interno, artigo 134, § 2°, categórico ao revelar que, declarando-se o Ministro habilitado a proferir voto, ainda que não tenha ouvido o relatório ou assistido aos debates, poderá participar do julgamento. Senhor Presidente, entendo o texto do inciso LXVII do artigo 5° da Constituição Federal como a encerrar duas regras. A primordial, para mim, é que vem em primeiro lugar, a revelar, até mesmo, a colocação geográfica do preceito; a demonstrar que a norma encerra uma garantia constitucional do cidadão e não de simples credores. Que regra é essa? “Não haverá prisão civil por dívida...” A segunda parte, Senhor Presidente – como ressaltado pelo Ministro Francisco Rezek -, cuida de exceção. Por isso mesmo, temos o emprego do vocábulo “salvo”. “...salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;” Ora, há o envolvimento, no caso dos autos, de obrigação alimentícia? Não. E de depositário infiel? Também não, porque o depósito a que se refere o inciso, a figura do depositário infiel é aquela retratada no Código Civil; é a da pessoa que recebe um determinado bem, com a obrigação precípua não de pagar o valor desse bem, vez que não há uma compra e venda, mas de restituí-lo tão logo solicitado pelo depositante. Pois bem, é possível potencializar-se a nomenclatura em detrimento do fundo, do princípio da realidade? É possível entender-se que essa exceção, aberta justamente no rol das garantias constitucionais, comporta o elastecimento pretendido pelo legislador ordinário? É claro que não, pois, caso contrário, a exceção deixará de ser exceção para consubstanciar-se em verdadeira regra, criando-se até mesmo, como temos hoje em dia, uma casta toda especial de credores. A par desse enfoque, e para mim seria 80 bastante o teor desse inciso, temos que o Brasil subscreveu o Pacto de São José da Costa Rica que, todos sabemos, coloca-se no mesmo patamar da legislação ordinária, o que implica dizer que esta, no que previa a prisão de certos devedores, ficou revogada, quando passou a ser obrigatório o Pacto no território brasileiro. Para ser mais preciso, restou ab-rogada. Não posso, Senhor Presidente, desconhecer esse contexto. Reiterando o voto que proferi não caso que mencionei, acompanha o Ministro Francisco Rezek, para conceder a ordem. É o meu voto. O ex-Ministro Carlos Veloso, engrossando as vozes dos defensores de um Estado Democrático de Direito, onde o valor da dignidade humano prevalece, também defende a não prisão do depositário infiel equiparado por ficção legal, nos termos do seguinte voto, proferido no RE 206.482-SP e várias vezes repetido em seus votos nos julgamentos posteriores, tais como o RE 371423/SP, julgado em 11.02.2003, de onde se retirou esta parte: Quando do julgamento do HC 72.131-RJ, proferi voto sustentando que a prisão civil do devedor-fiduciante não tem amparo na Constituição, art. 5º, LXVII, e, mais, diante da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de São José da Costa Rica, assinada pelo Brasil em 1969 e ratificada em 25.09.92, a referida prisão civil do devedor-fiduciante está afastada da ordem jurídica brasileira. Infelizmente, até o presente momento, não pude revisar as notas taquigráficas do referido voto, dado que elas estão retidas no gabinete de um dos eminentes Colegas, para revisão de apartes que me foram dados. Registro que o julgamento do citado HC 72.131-RJ ocorreu em 23.11.1995. No voto, que proferi no julgamento do mencionado HC 72.131-RJ, pretendi demonstrar que a alienação fiduciária em garantia, ao transferir ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada (art. 66 da Lei 4.728, de 1965, com a redação do art. 1º do DL. 911, de 1969), e, ao tornar o devedor-fiduciante em depositário, estabelece mera ficção jurídica. Vejamos. Alguém compra coisa móvel. O vendedor transfere, pela tradição, ao comprador, o domínio e a posse da coisa objeto da compra e venda. Em certos casos, para garantia do recebimento do preço, a venda se faz mediante o contrato de alienação fiduciária em garantia (Lei 4.728/65, art. 66, com a redação do art. 1º do DL 911/69). Esse instituto estabelece uma ficção: a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornandose o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário (D.L. 911, de 1º/10/69, que alterou a redação do art. 66 da Lei 4.728, de 14.07.65). E foi mais longe o D.L. 911/69: transformou o comprador ou devedor em depositário do bem, sujeitando-o à prisão civil, vale dizer, equiparando-o ao depositário infiel, sem que exista, na verdade, um contrato de depósito, na forma estabelecida nos arts. 1265 e seguintes do Cód. Civil, de modo a permitir a prisão civil prevista no art. 1287 do mesmo Código -- esta, sim, autorizada pela C.F., art. 5º, LXVII. No verdadeiro contrato de depósito, recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositário o reclame (Cód. Civil, art. 1265). É dizer, pelo contrato de depósito, o depositante, proprietário da coisa, a entrega ao depositário, para o fim de ser guardada, devendo o depositário restituí-la quando reclamada pelo proprietário. Destarte, depositário é aquele que, aceitando, expressamente, a obrigação de guardar certo objeto móvel, assume, em conseqüência, o dever de devolver esse objeto ao proprietário deste, quando este o 81 reclamar. A finalidade do contrato de depósito, está-se a ver, é a guarda do objeto móvel. É fácil verificar, de outro lado, que a entrega (tradição) da coisa móvel ao depositário não transfere a este a propriedade da coisa. O depositário transforma-se, na verdade, em mero detentor da coisa, com a obrigação de restituí-la ao proprietário (depositante), logo que este a reclamar. O que acontece, entretanto, na alienação fiduciária em garantia? Orlando Gomes ensina que 'o fiduciário passa a ser dono dos bens alienados pelo fiduciante. Adquire, por conseguinte, a propriedade desses bens, mas, como no próprio título de constituição desse direito, está estabelecida a causa de sua extinção, seu titular tem apenas propriedade restrita e resolúvel. O fiduciário não é proprietário pleno, senão titular de um direito sob condição resolutiva'. ("Alienação Fiduciária em Garantia", Ed. Rev. dos Tribs., 1970, p. 22). Assim também a lição do nosso colega, Ministro Moreira Alves: 'Examinando-se a estrutura da alienação fiduciária em garantia, quer no teor original do art. 66 da Lei nº 4.728, quer na nova redação que a esse dispositivo deu o art. 1º do Decreto-lei nº 911, verificase, de imediato, que se trata de negócio jurídico bilateral, que visa a transferir a propriedade da coisa móvel com fins de garantia (propriedade fiduciária)'. ("Da alienação fiduciária em garantia", 2ª. ed. Forense, p. 37). Todavia, esclarece José Paulo Cavalcanti, 'da chamada alienação fiduciária em garantia na verdade não resulta para o credor a aquisição de propriedade alguma'. ("O Penhor Chamado Alienação Fiduciária em Garantia", Recife, 1989, pág. 4). É dizer, na realidade, não há transferência de propriedade para o credor, nem antes e nem depois de vencido o crédito. Leciona José Paulo Cavalcanti: o que o credor pode fazer é 'apenas vender extrajudicialmente a propriedade da coisa, se o contrato não excluir essa venda extrajudicial (art. 2º do Decreto-lei 911/1969); e efetuada a venda judicial ou extrajudicial, ao credor caberá apenas o valor correspondente a seu crédito, cabendo toda a parte porventura excedente ao devedor (art. 1º, § 4º, art. 2º do Decreto-lei 911/1969); que somente a recebe porque efetivamente era a ele, e não ao credor, que pertencia a propriedade móvel objeto da venda'. (José Paulo Cavalcanti, ob. cit., págs. 5/9). Noutras palavras: o § 6º do art. 1º do DL 911/69 torna nula a cláusula do contrato que reserva para o credor a propriedade do bem. A única coisa que o credor pode fazer é vender o bem. Efetuada a venda judicial ou extrajudicial, ao credor caberá apenas o valor correspondente ao seu crédito, certo que o excedente será do devedor (DL. 911/69, art. 2º). Ora, se o credor fosse, na verdade, proprietário, poderia ele dispor da coisa. O credor, bem leciona José Paulo Cavalcanti, na alienação fiduciária em garantia, não é proprietário nem antes e nem depois do inadimplemento do devedor. O que o credor-fiduciário tem, na verdade, o que é, aliás, acentuado por José Paulo Cavalcanti, é a posse indireta da coisa (D.L. 911/69, art. 1º). Todavia, posse não é propriedade e posse indireta não é posse, é uma ficção. É de Gondim Neto a lição: 'Discutem vivamente os juristas tedescos a respeito da natureza jurídica da posse indireta. Alguns pensam que se trata de uma relação artificial – [...] pura criação da lei, com o fim de atribuir ao chamado possuidor indireto certos efeitos jurídicos da posse.' E acrescenta: 'A posse indireta não é, na realidade, aquilo que as palavras parecem indicar, não é posse como a dos outros possuidores, constitui unicamente uma ficção, que se reduz ao direito de exercer, subsidiariamente, as ações possessórias, para reprimir atos ilegais praticados contra o verdadeiro possuidor. Não vai além a importância da posse indireta.' ("Posse Indireta", Univ. Federal do Rio de Janeiro, 1972, págs. 15/17). A posse indireta, portanto, não passa de uma ficção. E as ficções, adverte Ferrara, citado por José Paulo Cavalcanti, se 'são toleráveis na lei, das ficções deve fugir a ciência. Ficções são mascaramentos da verdade, e a ciência, que tem por missão descobrir a verdade não pode contentar-se com um artifício. Toda ficção doutrinária é um problema não resolvido (Bulow, Civilprozess. Fictionem und Wahreiten) (Arq. f. civ. Prax, 62, p. 1-6. Biermann, B.R.92)' ("Trattato", Athen., Roma, 82 1921, nº 9, pág. 50; apud José Paulo Cavalcanti, ob. cit., págs. 13-14). Temos, então, na alienação fiduciária em garantia, mais de uma ficção: a ficção que leva à falsa propriedade do credor-fiduciário, a ficção do contrato de depósito, em que o devedor é equiparado ao depositário, certo que o credor tem, apenas, a posse indireta do bem, posse indireta que não passa, também, de outra ficção. E a partir dessas ficções, fica o compradordevedor, na alienação fiduciária, sujeito à prisão civil. Mas o que deve ficar esclarecido é que a Constituição autoriza a prisão civil apenas do depositário infiel, ou seja, daquele que, recebendo do proprietário um certo bem para guardar, se obriga a guardá-lo e a devolvê-lo quando o proprietário pedir a sua devolução (Cód. Civil, arts. 1265 e segs., art. 1287). A Constituição, no art. 5º, LXVII, não autoriza a prisão civil de quem não é depositário e, porque não é depositário, na sua exata compreensão jurídica, não pode ser depositário infiel; noutras palavras, a Constituição autoriza a prisão civil -- art. 5º, LXVII -- apenas do depositário infiel, vale dizer, daquele que se tornou depositário mediante contrato de depósito, não de devedor que se torna depositário em razão de uma equiparação baseada numa mera ficção legal. Se isso fosse possível, amanhã, mediante outras equiparações, fortes em outras ficções legais, poderíamos ter uma prisão excepcional -- CF, art. 5º, LXVII -- transformada em regra, fraudando-se, assim, a Constituição. Mas o que deve ser acentuado é que a prisão civil do devedor-fiduciante, mediante a equiparação mencionada, não é tolerada pela Constituição, art. 5º, LXVII. Com efeito. Ressalte-se, por primeiro, que a ficção instituída pelo D.L. 911/69 nem foi objeto de discussão no Congresso Nacional. Trata-se de decreto-lei editado por uma Junta Militar que foi levada a isso, certamente, pelos que tinham interesse econômico na questão, o interesse de resolver uma obrigação civil com a prisão do comprador inadimplente. Não basta, para o D.L. 911/69, as garantias próprias da alienação fiduciária. Inventou-se a prisão do devedor, equiparado, por mera ficção legal, ao depositário infiel. [...]. Mas, repete-se, a prisão civil é autorizada, em caráter excepcional, pela Constituição, art. 5º, LXVII. Ora, a Constituição vigente, reconhecidamente uma Constituição liberal, que estabelece uma série de garantias à liberdade, não tolera, certamente, equiparações com base em ficções, para o fim de incluir na autorização constitucional, a prisão. O que deve ser entendido é que a prisão civil somente cabe relativamente ao verdadeiro depositário infiel, não sendo toleradas equiparações que têm por finalidade resolver, com a prisão, uma obrigação civil. As normas infraconstitucionais interpretam-se no rumo da Constituição. No caso, permitir a prisão do alienante fiduciário, equiparado ao depositário infiel, é interpretar a Constituição no rumo da norma infraconstitucional. A Constituição, que deixa expresso que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento, dentre outros, o princípio da dignidade da pessoa humana, -- art. 1º, III --, não pode tolerar que, em seu nome, seja autorizada a prisão do comprador de um bem móvel, que se tornou inadimplente (grifos nossos). Não vale, é bom fazer o registro, a afirmativa no sentido de que a prisão, tratando-se de alienação fiduciária em garantia, do devedor-alienante, vem sendo autorizada pelo Supremo Tribunal. É que, após a promulgação da CF/88, a questão somente foi posta por ocasião do julgamento do HC 72.131-RJ, e vários foram os votos pela ilegitimidade constitucional dessa prisão. A prisão, portanto, do devedoralienante, no contrato de alienação fiduciária em garantia, com base no D.L. 911/69, viola a Constituição, o art. 5º, LXVII. Uma palavra a respeito da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada na Conferência Interamericana sobre Direitos Humanos, de São José da Costa Rica, em 22.11.1969, que teve depositada sua ratificação em 25.09.1992. No art. 7º, item 7, da citada Convenção, está escrito: '7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.' São três as vertentes, na 83 Constituição de 1988, dos direitos e garantias: a) direitos e garantias expressos na Constituição; b) direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição; c) direitos e garantias inscritos nos tratados internacionais firmados pelo Brasil. (C.F., art. 5º, § 2º). Se é certo que, na visualização dos direitos e garantias, é preciso distinguir, mediante o estudo da teoria geral dos direitos fundamentais, os direitos fundamentais materiais dos direitos fundamentais puramente formais, conforme deixei expresso em voto que proferi nesta Corte, na ADIn 1497DF e em trabalho doutrinário que escrevi -- "Reforma Constitucional, Cláusulas Pétreas, Especialmente a dos Direitos Fundamentais e a Reforma Tributária", "Direito Administrativo e Constitucional", estudos em homenagem a Geraldo Ataliba, organizado por Celso Antônio Bandeira de Mello, Malheiros Ed., 1997, pág. 162 -- se é certo que é preciso distinguir os direitos fundamentais materiais dos direitos fundamentais puramente formais, não é menos certo, entretanto, que, no caso, estamos diante de direito fundamental material, que diz respeito à liberdade. Assim, a Convenção de São José da Costa Rica, no ponto, é vertente de direito fundamental. É dizer, o direito assegurado no art. 7º, item 7, da citada Convenção, é um direito fundamental, em pé de igualdade com os direitos fundamentais expressos na Constituição. Se se entender, entretanto, que o inciso LXVII, do art. 5º, da C.F., subsiste, na sua 2ª parte -- a prisão do depositário infiel -- diante do art. 7º, item 7, da Convenção, que somente admite a prisão civil em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar, emprestando-se, então, ao referido art. 7º, 7, status de norma infraconstitucional -- o tratado, quando ratificado e incorporado ao direito brasileiro tem força de lei -- forçoso é convir que as normas legais que realizam equiparações de devedor inadimplente a depositário infiel não têm aplicação, convindo registrar que a norma inscrita no art. 5º, LXVII, da C.F., não é norma que determina a prisão do depositário infiel, mas é norma que simplesmente autoriza essa prisão, tratando-se, evidentemente, de autêntico depositário infiel. Noutras palavras, as equiparações, feitas por normas infraconstitucionais, de devedor inadimplente a depositário infiel não têm aplicação diante do que está disposto na Convenção. Do exposto, porque não é possível ao legislador ordinário alargar, mediante ficções legais, as hipóteses de depósito, para o fim de sujeitar o devedor-fiduciante à prisão civil, sob pena de ofensa à C.F., art. 5º, LXVII, e porque não tem aplicação, na ordem jurídica brasileira, diante do que estabelece o art. 7º, 7, da Convenção de São José da Costa Rica, de equiparações, feitas por normas infraconstitucionais, de devedor inadimplente a depositário infiel, meu voto é no sentido de não conhecer do recurso. Não conheço do recurso." Não estou convencido do desacerto do entendimento acima exposto. Ao contrário, hoje, mais do que ontem, entendo que a prisão do devedor-fiduciante é uma violência à Constituição e ao Pacto de São José da Costa Rica, que está incorporado ao direito interno. Não devo, entretanto, arrostar o decidido pelo Plenário. Assim, com a ressalva do meu entendimento pessoal a respeito do tema, forte no disposto no art. 557, § 1ºA, do C.P.C., com a redação da Lei nº 9.756/98, conheço do recurso e doulhe provimento. Publique-se. Brasília, 11 de fevereiro de 2003. Ministro CARLOS VELLOSO – Relator. Com estes posicionamentos, resta claro que há divergências na Corte Suprema, sendo necessário no Brasil, conforme ensinamento de Antônio Augusto Cançado Trindade (1999, p. 62) uma mudança de mentalidade, deixando, o Poder Judiciário, de “se apegar a construções e silogismos jurídico-formais e a um 84 normativismo hermético”, para enfim, imbuídos nesta nova mentalidade de proteção dos direitos humanos, construir uma sociedade justa e solidária, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil. Desta forma, decorridos alguns anos da decisão do Plenário do STF que definiu o entendimento da maioria a favor da prisão do infiel depositário, houve a renovação do quadro de ministros, em decorrência da aposentadoria, com isso, observa-se que as decisões monocráticas mais recentes sobre o tema prisão civil do depositário infiel, com origem na alienação fiduciária, não estão sendo mais bem aceitas na Corte Maior. Os Ministros Marcos Aurélio de Mello, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence, tem optado por negarem a concessão da prisão do equiparado a depositário infiel. Com relação aos Ministros Eros Grau, Cármen Lúcia e Ellen Gracie, em processos deste tipo tem determinado o sobrestamento dos autos até a decisão definitiva do Plenário, sobre o Recurso Extraordinário 349.703/RS. De todos os Ministros, em atividade no STF, somente Celso de Mello tem concedido a prisão civil, do equiparado a depositário infiel, na alienação fiduciária. Cabe então encerrar este capítulo com um trecho da recente decisão do HC 88240/SP, do Ministro relator Gilmar Mendes que bem demonstrou a necessidade de renovação do debate sobre o tema deste trabalho, conforme transcrição abaixo: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sido no sentido de que, ainda que se trate de coisa fungível, o depositário infiel pode ter sua prisão decretada (HC n° 81.813/GO, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.06.2002; HC n° 74.473/PR, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ 3.12.1996; HC n° 73.058/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19.03.1996; HC n° 71.097/PR, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 13.02.1996; RHC n° 58.475/SP, Rel. Min. Rafel Mayer, DJ 12.12.1980). Porém, é preciso levar em conta que a problemática da prisão civil do depositário infiel impõe a reflexão detida sobre a causa. Algumas recentes decisões monocráticas proferidas neste Tribunal revelam a necessidade de se renovar o debate sobre o tema (HC n° 88.173/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 15.3.2006; HC 83.499/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 17.9.2003). 7 CONCLUSÃO Ao final deste trabalho, tem-se como conclusão que o estudo da prisão civil do depositário infiel é uma matéria cuja complexidade faz surgir posições totalmente 85 opostas, de juristas de alto gabarito, que de acordo com suas convicções jurídicas, filosóficas e pessoais, concordam ou não com a prisão civil decorrente da infidelidade depositária. Isto, por tratar o tema, de ramos do Direito diversos, quais sejam o Direito Civil, o Constitucional e o Direito Internacional Público. Desse modo, ficou evidenciado no trabalho, os seguintes aspectos: O contrato de depósito é regulado nos artigos 627 a 652 do Código Civil de 2002, sendo classificado em depósito voluntário e depósito necessário. O depósito voluntário é aquele em o depositário recebe algum objeto móvel para guardar e conservar até que o depositante o reclame. Assim depositário é a pessoa que recebe de outra algo para guarda, devendo devolver quando requerido pela outra parte, o depositante. Desse modo, depositário infiel é quem não devolve o bem objeto da guarda, quando o depositante o requere. O depósito necessário é o que a lei o estipula como tal. É, então, o oriundo de alguma calamidade pública, como o incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque (art. 647, II, do Código Civil), conhecido como depósito miserável e também, o que a lei estipula, ou seja, conforme a letra do artigo 647, I, o que se faz em desempenho de alguma obrigação legal. Neste caso, foge este tipo de depósito necessário legal, das verdadeiras características do contrato de depósito, pois o legislador, para satisfação de interesses diversos, faz equiparações legais de pessoas que, na realidade não são depositárias, para alcançar o fim desejado nestas leis. Pode-se citar as equiparações feitas no contrato de alienação fiduciária, o de penhor rural e o devedor da Fazenda Pública, que tem como obrigação reter ou receber de terceiros, para recolhimento aos cofres públicos, taxas e contribuições. Há o cabimento da prisão civil do depositário infiel apenas no depósito voluntário e no miserável. Isto porque a Constituição assim determina no art. 5°, LXVII. Nestes dois tipos de depósito, os valores em discussão são a confiança, a solidariedade que as pessoas têm na sociedade. No tocante às equiparações legais, os valores são outros, que não se sobrepõe ao valor liberdade, esculpido como princípio inviolável pela Constituição Federal de 1988. 86 A prisão civil advém dos primórdios, sendo primeiramente caracterizada no Código de Hamurabi, na Babilônia, no de Manu, na Índia, como também, dentre outros, na Lei das Doze Tábuas, no direito romano. É um meio de coerção sobre o devedor para que adimpla com sua obrigação, sendo certo que, a sua aplicação deve respeitar os ditames dos direitos humanos, notadamente o respeito à dignidade humana. Não se pode privar alguém de sua liberdade pelo simples fato de não poder cumprir com uma dívida civil. Este tipo de coerção exercida sobre o devedor, além de contrariar dispositivo constitucional que não autoriza a prisão civil - apenas restritivamente a do depositário infiel típico - contraria os princípios e fundamentos da própria Lei Maior, bem como os tratados internacionais de proteção de direitos humanos. A Constituição do Brasil ao estabelecer como fundamento a dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como objetivo da República, respeitando e tendo como princípio nas relações internacionais, a prevalência dos direitos humanos, traz de forma clara, que toda e qualquer interpretação que se faça de seus dispositivos, têm que se coadunar com estes preceitos. O mesmo acontece com a prisão civil do depositário infiel, que, deve ser interpretado restritivamente a privação desta liberdade, pois é uma exceção na ordem constitucional. Os direitos fundamentais do homem não podem estar condicionados à apreciação do legislador infraconstitucional. Ademais, tem-se os tratados internacionais de proteção dos direitos do homem, que complementam e se harmonizam com estes ditames constitucionais. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos não se contrapõe à Constituição. Ao contrário, servem de complemento e depuração dos princípios e garantias constitucionais. São normas de direitos fundamentais, de natureza materialmente constitucional e se incorporam no ordenamento jurídico brasileiro como tais, em obediência ao parágrafo 2° do artigo 5°, que não exclui os direitos e garantias expressos na Constituição, outros decorrentes de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 87 Ora, o Brasil é signatário destes dois diplomas internacionais, que se incorporaram ao sistema jurídico nacional respeitando todos os requisitos. Se a Constituição assim delimitou e o legislador aprovou estes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, nada mais lógico e coerente que se aplicar aos casos que desrespeitam estes direitos consagradores da dignidade humana e da liberdade, os Pactos citados. Afirmar que a alteração constitucional, após inclusão do §3º do artigo 5º, que definiu o procedimento legislativo para a internacionalização dos tratados como emenda constitucional, dar aos tratados de direitos humanos, ratificados antes da emenda constitucional 45/2004, o status de lei ordinária federal não condiz com a realidade dos fatos. Pois com a inserção do parágrafo acima surgiram duas categorias de tratados internacionais de proteção de direitos humanos. O primeiro estaria fundamentado no §2º do artigo 5º, que seria o materialmente constitucional, ou seja, os tratados ratificados antes da inovação do §3º do artigo acima, que não foram ainda submetidos ao quorum exigidos para aprovação de emendas constitucionais. O segundo tipo de tratado seria aquele material e formalmente constitucional, em decorrência da aprovação está de acordo com o instituído no §3º do artigo 5º da Carta Magna. Desta forma, com este parágrafo a tendência é que se diminuam as discussões da jurisprudência e da doutrina surgidas em torno do alcance do §2º do artigo 5º da Lei Maior. Além do mais não seria sensato que os tratados ratificados anteriormente fossem recepcionados com lei ordinária, tendo em vista apenas a ausência do quorum de aprovação qualificado. A prisão civil do depositário ainda subsiste no Brasil por respeito à soberania da Constituição, que assim limitou no inciso LXVII, art. 5º. Em relação aos demais casos, que não sejam o que a Carta Magna dispôs, ou seja, o depósito necessário e o miserável, há flagrante infração aos princípios do Estado Democrático de Direito, fundado nesta nova ordem constitucional, bem como total desprestígio aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, que por versarem de matéria constitucionalmente material, são superiores às leis ordinárias e limitam também, a prisão civil do depositário infiel. O que se deve ter em mente, são os valores da dignidade humana, da liberdade. Só assim, se chegará ao objetivo proposto pela nossa Constituição 88 Cidadã. Só assim, se concretizará um de seus objetivos, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Não são os bens econômicos que devem estar em primeiro plano, mas sim, os bens pessoais, tais como a liberdade, a justiça, a dignidade. No conflito entre liberdade e direito de crédito, prevalece a primeira. Primeiro o ser, depois o ter. Finalizando, enfim, este trabalho, feito com muito esforço e sempre tendo presente a pessoa humana como núcleo essencial do Estado brasileiro, fica a lição de Ruy Barbosa, trazido por Hélio Bicudo (1982, p. 105/106): Na verdade, a tendência do Direito caracteriza-se pela ampliação das liberdades individuais e pelas restrições das pressões econômicas. Deste modo, o exercício da advocacia assume o caráter de função social quando profissional observa as normas da ética, tendo em vista o resguardo da ordem jurídica e a tutela da pessoa humana, defendendo intransigentemente os postulados da liberdade, tão bem sintetizados pela grande figura de advogado que foi Rui Barbosa, ao proclamar: “Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na lei, emanação dela, o seu órgão capital, a primeira das suas necessidades; creio que neste regime não há outros poderes soberanos, e o soberano é o Direito, interpretado pelos tribunais; creio que a própria soberania popular necessita de limites, e que estes limites vêm a ser as suas Constituições, por ela mesma criadas, nas suas horas de inspiração jurídica, em garantia contra os seus impulsos de paixão desordenada; creio que a República decai porque se deixou estragar, confiando no regime da força; creio que a federação perecerá, se persistir em não acatar e elevar a justiça; porque na justiça nasce a confiança, da confiança a tranqüilidade, da tranqüilidade o trabalho, do trabalho a produção, da produção o crédito, do crédito a opulência, da opulência a respeitabilidade, a duração, o vigor; creio no governo do povo, creio, porém, que o governo do povo, pelo povo tem a base da sua legitimidade na cultura da inteligência nacional pelo desenvolvimento nacional do ensino, para o qual as maiores liberalidades do Tesouro constituíram sempre o mais reprodutivo emprego da riqueza pública; creio na tribuna sem fúrias e na imprensa sem restrições, porque creio no poder da razão e da verdade; creio na moderação e na tolerância, no progresso e na tradição, no respeito e na disciplina, na impotência fatal dos incompetentes e no valor insuprimível das capacidades. Rejeito as doutrinas de arbítrio: abomino as ditaduras de todo gênero, militares ou científicas, coroadas ou populares; detesto os estados de sítio, as suspensões de garantias, as razões de estado, as leis de salvação pública; odeio as combinações hipócritas do absolutismo dissimulado sob as formas democráticas e republicanas; oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, aos governos de ignorância; e quando esta se traduz pela abolição geral das grandes instituições decentes, isto é, pela hostilidade radical à inteligência do país nos focos mais altos da sua cultura, a estúpida selvageria dessa fórmula administrativa impressiona-me como o bramir de um oceano de barbárie ameaçando a fronteira de nossa nacionalidade. 89 8 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ACCIOLY, Hildebrando e NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual de Direito Internacional Público, 15 ed., São Paulo: Saraiva, 2002. AGUIAR, Ruy Rosado de. Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 149.518/GO. 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