Ação da atividade física de endurance sobre a glicemia, durante o exercício prolongado em corrida de 24 horas. 1-Contribuição dos substratos energéticos durante o exercício. A musculatura esquelética é, quantitativamente, um dos mais importantes tecidos envolvidos na homeostasia glicêmica, devido a sua capacidade de captar grandes quantidades de glicose após a infusão ou ingestão da mesma. No estado de repouso, a principal fonte de energia para a musculatura esquelética resulta da oxidação dos ácidos graxos livres (AGL). A transição do estado de repouso para o exercício é mediada por inúmeras respostas fisiológicas, destinadas primariamente a atender ao aumento da demanda energética pelos músculos. Essas respostas envolvem o sistema cardiovascular, respiratório, nervoso central e endócrino. No início do exercício os carboidratos assumem maior importância e tornam-se fontes eficazes de produção energética. Os níveis de glicose permanecem dentro de uma estreita faixa de variação quando o exercício praticado é de baixa a moderada intensidade (entre 30% a 60% do VO2 máximo). Essa condição é alcançada graças ao sincronismo da produção de glicose com a sua utilização pelos tecidos, associadas a utilização de outras fontes de energia. Dos primeiros segundos até aproximadamente 5 minutos de exercício, quando o aumento de transporte de oxigênio está apenas começando, a utilização anaeróbia do glicogênio muscular com formação de lactato representa fonte imediata dos compostos altamente energéticos, necessários para a contração muscular. A contribuição dos carboidratos como fonte primária energética para a contração muscular eleva-se à medida que a intensidade do exercício aumenta, contudo durante o exercício submáximo (65-75% do VO2 max) a glicose derivada do glicogênio muscular é o substrato mais importante durante as primeiras 2 horas; conforme o exercício prolongado continua, aumenta a importância da glicose plasmática. As reservas iniciais de glicogênio muscular são determinantes primárias da habilidade do indivíduo de manter o exercício moderado ou pesado prolongadamente. O depósito de glicogênio muscular é amplamente dependente do nível de condicionamento físico e do estado agudo e prolongado da nutrição à base de carboidratos. Os músculos esqueléticos treinados possuem depósitos maiores de glicogênio que são depletados numa frequência menor durante o exercício moderado. Entretanto o glicogênio muscular oferece fonte limitada de energia ( para adulto de 70 kg, 6400 kilojoules ou 1500 Cal), portanto, uma vez mantido o exercício, outros substratos energéticos oriundos do fígado e tecido adiposo necessitam ser então utilizados. Os principais substratos energéticos oxidativos de origem plasmática para a contração muscular são a glicose hepática e os ácidos graxos do tecido adiposo, enquanto a contribuição de aminoácidos e corpos cetônicos para o balanço energético é relativamente insignificante. O padrão de utilização desses substratos e a resposta metabólica ao exercício são determinados por diversas variáveis, tais como: duração e intensidade do exercício, grau de condicionamento físico cardiovascular, estado nutricional e hormonal do indivíduo. Embora as atividades contráteis induzam aumentos significativos na captação de glicose pelo músculo em exercício, a homeostase da glicose sanguínea é mantida em decorrência da concomitante elevação da produção hepática de glicose pela glicogenólise e gliconeogênese, sendo a contribuição relativa de cada uma das vias dependente da duração e da intensidade do exercício. Na fase inicial do exercício, a glicogenólise hepática é primariamente responsável pelo aumento na produção de glicose; à medida que o exercício continua, a via gliconeogênica torna-se progressivamente mais importante, sendo os três compostos de carbono (lactato, piruvato e alanina) provenientes do músculo e o glicerol, proveniente do tecido adiposo, os principais precursores neoglicogênicos. Essas complexas alterações metabólicas no fluxo energético durante o exercício ocorrem de maneira sincrônica e previsível, pois as respostas são em grande parte regidas por alterações nos níveis de insulina e seus hormônios contra-reguladores: glucagon, adrenalina, noradrenalina, cortisol e hormônio do crescimento. No início do exercício de intensidade moderada, observa-se uma queda de 50% na concentração de insulina circulante, fenômeno decorrente da inibição alfa-adrenérgica da secreção de insulina pelas células beta do pâncreas. O decréscimo de insulina promove mobilização de substrato pela diminuição dos efeitos inibitórios da insulina sobre a produção hepática de glicose, tanto no estado basal como em resposta aos hormônios contra-reguladores. Adicionalmente, a baixa concentração de insulina provoca lipólise de tecido gorduroso, resultando na quebra de triglicérides em ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos são transportados para os músculos ligado à albumina, servindo como substrato energético, enquanto o glicerol é conduzido para o fígado e utilizado para a gliconeogênese hepática. Tais efeitos são mediados pela redução na secreção de insulina como pelo concomitante aumento nos hormônios contra-reguladores. O glucagon atua no sentido de elevar a produção de glicose, contribuindo em 75% do aumento na produção hepática de glicose durante o exercício. As catecolaminas, paralelamente aos seus efeitos cardiovasculares, estimulam a lipólise e aumentam a disponibilidade de ácidos graxos como fonte alternativa para os músculos em exercício. O aumento do cortisol e o hormônio de crescimento durante o exercício exercem efeitos metabólicos importantes nos exercícios prolongados. A medida que o exercício de intensidade moderada evolui para uma intensidade maior, a necessidade de uma alta concentração de glicose -6-fosfato (proveniente do glicogênio muscular e da glicose muscular) inibem a hexoquinase, enzima que converte a glicose muscular em glicose-6-fosfato. Portanto nos exercícios de alta intensidade o glicogênio muscular, estocado previamente, torna-se o substrato energético principal, poupando parcialmente a glicose muscular e consequentemente a glicose sanguínea. 2-Caracteríticas do transporte de glicose O mecanismo pelo qual o exercício provoca acentuado aumento na captação de glicose pelo músculo está relacionado com a contração muscular e a insulina que induzem a translocação do GLUT4 do pool intracelular para a membrana plasmática. O transporte da glicose através das membranas das fibras musculares é mediado por uma família de transportadores denominados GLUT1 e GLUT4. Sabemos que o GLUT1 é responsável pela captação basal de glicose, enquanto o GLUT4 participa efetivamente no controle glicêmico, promovendo a captação de grandes quantidades de glicose, sendo passível de ser translocado de reservatórios citosólicos em direção à membrana. No repouso, a proporção entre o GLUT1 e o GLUT4 é de 1:1, no entanto na presença de insulina ou frente à elevação na atividade contrátil, a proporção passa a ser de 1:5. O GLUT1 e o GLUT4 estão presentes nos adipócitos e na fibras musculares. O GLUT1 do adipócito responde à insulina aumentando de 2 a 5 vezes a translocação para a membrana celular do adipócito, favorecendo a captação de glicose pelo adipócito quando a insulina eleva-se após ingestão de carboidratos em repouso; entretanto, o GLUT1 da fibra muscular não depende da insulina ou da contração muscular. O GLUT4 do adipócito depende da insulina e o GLUT4 da fibra muscular depende da insulina e da contração muscular e o treinamento aumenta o conteúdo de GLUT4 no músculo. Após o exercício a captação da glicose ocorre em duas fases. a) Na primeira fase (45 a 60 minutos imediatamente após o término do exercício) a captação da glicose pela fibra muscular está aumentada devido a quatro fatores: - O fluxo sanguíneo e a permeabilidade sarcolemal está aumentada, facilitando a chegada de nutrientes para a fibra muscular. - Os receptores de insulina na membrana celular estão mais sensíveis. - O número de GLUT4 que foi translocado para membrana celular (devido ao estímulo dos receptores de insulina sensibilizados e ao exercício) permanece elevado por cerca de 4 horas após o término do exercício, promovendo maior captação de glicose pela fibra muscular. - A enzima glicogênio-sintetase está com sua atividade maximizada por 2 horas, sintetizando glicogênio a partir da glicose e repletando o glicogênio depletado durante o exercício. Esta repletação do glicogênio muscular será utilizado posteriormente na próxima atividade física. b) Na segunda fase a captação de glicose é mais lenta e depende da concentração de insulina, e prossegue até que a concentração de glicogênio muscular esteja próxima dos níveis normais (geralmente dentro de 24 horas). 3-O exercício físico no diabetes não-dependente de insulina Ao contrário do portador de diabetes melito dependente de insulina, exercícios praticados regularmente no portador de diabetes melito não-dependente de insulina associam-se a melhora do perfil metabólico, diminuindo a resistência insulínica com aumento da sensibilidade periférica à insulina devido à ação do exercício sobre a translocação do GLUT4 para a periferia da membrana da fibra muscular. Como o exercício nos portadores de diabetes não-dependente de insulina diminui a resistência periférica à insulina, quando tratados com dieta e/ou sulfaniluréia em exercícios de moderada intensidade por mais de 45 minutos, resulta em queda aguda da concentração plasmática de glicose, devido à maior captação de glicose pelo músculo em comparação com a produção hepática. Entretanto, no caso da metformina, sua ação anti-hiperglicemiante tem sido atribuída à combinação da redução na glicogenólise e na neoglicogênese hepática, associada à elevação na utilização de glicose por tecidos periféricos, principalmente no tecido muscular, sem elevar a secreção de insulina ou promover hipoglicemia. 4- Glicemia durante o exercício prolongado de 24 horas. Nos exercícios de longa duração a intensidade do exercício determina a contribuição das fontes energéticas primárias, na provas de endurance como a “V Ultramaratona 24 hs Corpore – Fuzileiros Navais - R. Janeiro” (14 e 15 de julho de 2012), cujo objetivo é percorrer o máximo de distância durante 24 hs, a contribuição energética dos ácidos graxos muscular e plasmáticos torna-se preponderante. Contudo, ainda que em menor proporção, ocorre a oxidação aeróbia do glicogênio muscular, da glicose plasmática e também a glicogenólise e a neoglicogênese hepática. Nos exercícios de longa duração a intensidade do exercício determina a contribuição das fontes energéticas primárias. Nas provas como a “V Ultramaratona 24 hs Corpore – Fuzileiros Navais - R. Janeiro” (14 e 15 de julho de 2012), cujo objetivo é percorrer o máximo de distância durante 24 hs, a contribuição energética dos ácidos graxos muscular e plasmáticos torna-se preponderante. Contudo, ainda que em menor proporção, ocorre a oxidação aeróbia do glicogênio muscular, da glicose plasmática e também a glicogenólise e a neoglicogênese hepática. Nosso propósito é analisar as variações glicêmicas em 4 corredores durante as 24 horas, durante 12 hs de exercício contínuo, seguidos de 6 a 8 hs de repouso e completando o restante ( 4 a 6 hs) em exercício, finalizando um monitoramento de 24 hs. Desta forma, poderemos avaliar a eficácia da resposta fisiológica durante o exercício para a manutenção da estreita faixa de variação dos níveis de glicose e também o comportamento da repleção do glicogênio muscular na fase de repouso (depletado durante o exercício prolongado), visto que manteremos a ingestão de carboidratos na necessidade “ad libitum”. 5- Materiais e métodos. Materiais a) Quatro corredores com histórico de pré-diabetes ou diabetes tipo 2, sem uso de insulina ou sulfaniluréias. b) Monitores de frequência cardíaca com GPS. c) Monitores contínuo de glicemia subcutâneo. d) Consulta médica para avaliação clínica e laboratorial pré-competição. e) Palestra para orientação nutrológica do protocolo alimentar antes da prova e durante o exercício e o período de repouso. f) Analisador bioquímico de eletrólitos “Point of Care” 1-Stat – Abbott. g) Vinte Cartuchos CG8+ da Abbott para dosagem de eletrólitos (5 cartuchos para cada corredor) e seringas e agulhas descartáveis para cada coleta. h) Quatro inscrições na “V Ultramaratona 24 hs Corpore - Fuzileiros Navais, Rio de Janeiro”. i) Meio de locomoção e estadia para os participantes. j) Percurso fechado com assistência médica 24 horas em qualquer ponto da pista. Métodos a)Na avaliação médica, clinica e laboratorial, das condições de saúde dos participantes os seguintes exames serão necessários: 123456789- Hemograma completo Colesterol, frações e triglicérides Curva glicêmica e insulinêmica de 3 horas Peptídeo C de jejum e pós-prandial T4-livre, TSH, antitireoglobulina e antiperoxidase tiroideana Cortisol às 8 e 16 hs Testosterona total e livre TGO, TGP. DHL, Gama GT, CK, aldolase, amilase Sódio, potássio, magnésio, fósforo, zinco, cobre, cálcio ionizado, ferro, ferritina, selênio 10- Dosagens das vitaminas: tiamina, riboflavina, piridoxina, ácido fólico, cianocobalamina, E, A, C, 25-OH-vitamina D 11- Uréia e creatinina 12- Urina tipo I 13- Ultrassonografia de tireóide com estudo Dopller colorido (se necessário, Classificação de Chammas) 14- Ultrassonografia de carótidas com estudo Doppler colorido. 15- Ultrassonografia de abdômen total e estudo Doppler de aorta abdominal. 16- Densitometria óssea de colo fêmoral e coluna lombar 17- Densitometria de corpo inteiro para determinar composição corporal. 18- Ergoespirométrico com VO2 max. , limiares ventilatórios, em protocolo de rampa com tempo de esforço maior que 10 minutos e tempo de recuperação maior que 6 minutos. 19- Ecocardiograma bidimenssional com estudo Doppler colorido. 20- M.A.P.A. 21- Exame de fundo de olho. b) Na palestra de orientação serão abordados aspectos dos temas: 1- “Reposição do Carboidrato e ressíntese de Glicogênio Muscular no Rendimento Físico” –Dr. Milton Mizumoto (XV Congresso Brasileiro de Nutrologia- 2011, São Paulo, S.P.) . 2- “Manipulação do Carboidrato no Exercício Físico do Diabético”–Dr. Milton Mizumoto (23º Congresso Brasileiro de Medicina do Exercício e Esporte – 2011, Petrópolis, R.J.). 3- “Cuidados com os pés”, objetiva a proteção prévia dos pés; ver também no link: http://www.corpore.org.br/cws_exibeconteudogeral_3257.asp Estas palestras auxiliam a compreensão das variações metabólicas que ocorrem durante o exercício, de tal forma a esclarecer os procedimentos de ingestão de alimentos, hidratação e repouso durante as 24 horas, a intensidade do ritmo aeróbio em função do frequencímetro (definido pelo ergoespirométrico), o tempo máximo para alongamentos ou troca de curativos protetores dos pés, diminuindo assim fatores que podem interferir com o metabolismo durante o exercício de forma individual. c) Durante as 24 horas serão coletados amostras de sangue de cada participante nos tempos: zero(início), 6ª hora, 12ª hora, 18ª hora e 24ª hora; para análise com o i-Stat Point-of-Care, cartucho CG8+ dos elementos sódio, potássio, cloro, cálcio ionizado, glicose, ureia, creatinina, hematócrito e hemoglobina. Desta forma qualquer indício de hiponatremia ou insuficiência renal , orientará a conduta médica imediata. Assegurando assim a saúde do corredor. d) Entre a 12ª e 18ª hora os corredores farão uma pausa na corrida para descansar e observar a variação da glicemia nas primeiras duas horas, momento em que se espera a repleção do glicogênio muscular. e) A pista do prova será em circuito fechado, realizada no CEFAN- Centro de educação Física Almirante Adalberto Nunes – Marinha do Brasil. Ver no link abaixo, onde e como foi a prova de 2011: http://www.corpore.org.br/cws_exibeconteudogeral_3906.asp A organização e realização é feita pela CORPORE BRASIL, entidade de utilidade pública municipal e estadual, tem como Diretor Médico da prova Dr. Milton Mizumoto que juntamente com a equipe médica da CORPORE, trabalham em conjunto com a equipe médica da Marinha do Brasil, oferecendo estrutura médica constante durante as 24 horas da prova. Ao lado da pista de corrida são permitido em local pré-determinado que as equipes que assessoram os corredores possam montar sua tendas para assistência do participante. 6- Objetivo. Como trata-se de um exercício de leve para moderada intensidade e de longa duração, executado em ambiente circunscrito com toda a estrutura médica necessária para este tipo de evento, queremos demonstrar que mesmo indivíduos com pré-diabetes ou diabéticos não-insulino dependentes, podem participar de tais eventos; desde que toda a avaliação médica prévia, a orientação alimentar pelo Nutrólogo do Esporte, os limiares ventilatórios da intensidade do exercício definido pela ergoespirometria prévia, o ritmo da corrida monitorada pelo frequencímetro permitem que o atleta diabético não-insulino dependente possa participar deste tipo de evento. 7- Resumo. A avaliação médica clinica e laboratorial prévia orienta quanto aos procedimentos antes e durante a prova, tanto para o Médico do Esporte e/ou Nutrólogo, como para o participante diabético não-insulino dependente. Contudo no transcorrer das 24 horas, alterações bioquímicas inesperadas podem ocorrer (hipo ou hipergligemia, desidratação ou hiponatremia) que poderão ser diagnosticadas se a avaliação bioquímica imediata (Point-of-Care) dos principais elementos que podem variar durante exercício prolongado e o sistema de monitoramento contínuo de glicose TM (CGMS ) forem nossos principais aliados, oferecendo maior segurança para o atleta. S. Paulo, 01 de abril de 2012. Material preparado para Sr. Marildo Manoel do Nascimento, Diretor Financeiro e Contábil da Equipe 4corredores, para captação de recursos para projeto acima descrito. Dr. Milton Mizumoto Médico do Esporte e Nutrólogo. Diretor Médico da Corpore Brasil