THARP’S FOOD TECHNOLOGY
O EFEITO DA
CONCENTRAÇÃO POR
CONGELAMENTO NAS
PROPRIEDADES DOS
SORVETES
SORVETES & CASQUINHAS
Um elemento básico do processo de
concentração por congelamento está ligado
ao papel dos solutos no decréscimo do ponto
de congelamento da água.
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O termo concentração por congelamento refere-se ao conceito pelo qual a
conversão de água líquida para gelo
aumenta progressivamente a concentração de materiais dissolvidos na porção
não congelada de um sistema em fase de
congelamento. Este conceito tem um papel
importante no comportamento do sorvete.
Este artigo revê a natureza básica da
concentração por congelamento e a
forma como influência nas propriedades
dos sorvetes.
Fundamentos
Um elemento básico do processo de
concentração por congelamento está
ligado ao papel dos solutos no decréscimo do ponto de congelamento da
água. Como most ra a teoria da
calorimetria, a água pura, sem qualquer
material dissolvido, congela a uma
temperatura de 0ºC (32ºF). Acima do
ponto de congelamento, o calor removido
da água pura é o calor sensível, isto é,
sua remoção resulta em um decréscimo
na temperatura. Quando a água pura
atinge seu ponto de congelamento e o
gelo começa a formar-se, todo o calor
removido é o calor latente i.e., o calor
removido quando se envolve uma
mudança de estado físico, tal como
quando a água é convertida de líquida
para sólida. Quando o calor latente é
removido da água pura em seu ponto de
congelamento, nenhuma redução adicional na temperatura ocorre até que toda
a água esteja congelada e a temperatura
novamente diminui, à medida que todo o
calor removido torna-se calor sensível.
Quando a água contém um soluto, isto
é, um material contido em solução real,
os íons e moléculas dos materiais
dissolvidos interferem com a formação dos
cristais de gelo. O resultado desta interferência é tal que o calor adicional deve ser
removido, a fim de se formar o gelo.
Portanto, a presença de um soluto faz com
que, necessariamente, a água deva atingir
temperatura abaixo do ponto de congelamento da água pura para que o congelamento ocorra, ou seja, de forma resumida,
os solutos abaixam o ponto de congelamento da água. Este decréscimo de
temperatura é uma conseqüência inevitável
da presença de materiais dissolvidos,
como os açúcares e os sais de leite
presentes em uma mistura para sorvete
(ice cream mix). Como resultado, o ponto
de congelamento de uma típica mistura
para sorvete é empurrado para abaixo
de 0ºC (32ºC), para cerca de -2,7ºC
(27ºF) - dependendo da composição da
mistura -, em uma amplit ude que é
relacionada com a quantidade de material
dissolvido.
Existe uma relação direta entre a
quantidade de material dissolvido presente
e o ponto, em Cº, para o qual o ponto de
congelamento é abaixado. Essa relação
não envolve o peso percentual do
material, mas sim o número de partículas
– íons ou moléculas – em solução. Quanto
maior o número de partículas dissolvidas,
maior o decréscimo do ponto de congelamento. Por esta razão, a relação envolve
o peso molecular do material dissolvido.
À medida que o peso molecular diminui,
o efeito de certo peso do material no
decréscimo do ponto de congelamento
aumenta, porque mais partículas por
unidade de peso estão contidas na
solução.
Um exemplo prático da relação entre
o peso molecular e o decréscimo do ponto
de congelamento pode ser encontrado no
uso comum de adoçantes de milho com
alta frutose (HFCS, do inglês High Frutose
Bruce Tharp tem toda uma vida de
envolvimento com as indústrias de laticínios e
sorvetes. Desde suas primeiras experiências no
negócio de sorvetes de sua família - a Tharp’s Ice
Cream, em Shamokin, PA -, Bruce partiu para
completar três diplomas acadêmicos em Ciências
Alimentares, com especialização em Produtos
Lácteos. Após exercer cargos letivos e de pesquisa
na Universidade de Wyoming e na Universidade
Estadual de Ohio, Bruce passou 35 anos
gerenciando os aspectos técnicos das duas
maiores e mais modernas fornecedoras de
ingredientes para sorvetes e laticínios do mundo.
Dr
..S SS.,
., ., M.S
Dr.. Bruce W
W.. Tharp B
B..S
Foi Diretor Técnico Internacional da Germantown
S., ., Ph.D D
D.. . em Ciências
Alimentares, com especialização
International Limited. Forneceu serviços técnicos
em Produtos rodutos Lácteos, P
para uma vasta gama de empresas de sorvetes e
Penn em State University
University..
laticínios ao redor do mundo, incluindo
desenvolvimento de produtos, garantias de qualidade, solução de problemas, avaliação
sensorial e programas educacionais concentrados em companhias específicas. Desenvolveu
métodos sofisticados de geração e interpretação de dados objetivos a respeito da estrutura
de sobremesas geladas, assim como seu comportamento no freezer e durante seu
endurecimento, distribuição e derretimento. Concebeu e desenvolveu programas de
computador para o cálculo da quantidade de água congelada em sobremesas geladas em
várias temperaturas, e a aplicação e análise de dados gerados para auxiliar o desenvolvimento
de produtos, solução de problemas e avaliação dos efeitos de mudanças em composição.
Apresentou numerosos ensaios em encontros técnicos e científicos nos seis continentes.
Contribuiu com mais de 150 artigos técnicos para publicações do ramo, incluindo uma
coluna técnica sobre sorvetes para a Dairy Foods. Através destas realizações, Bruce obteve
reconhecimento internacional de seu conhecimento técnico e consolidou sua reputação de
palestrante entusiasmado e talentoso em uma variedade de cursos, seminários, workshops e
conferências técnicas ao redor do mundo. Hoje, Bruce Tharp tem presença obrigatória em
todo e qualquer evento de porte ligado ao mundo sorveteiro. Há 25 anos é palestrante do
curso de sorvetes da Penn State University, ministra cursos nas universidades de Wisconsin,
de Maryland, da Califórnia e na Politécnica da Califórnia, em Rudgers, no Utah, etc.
Finalmente, é co-organizador e apresentador do curso comercial “Tharp &Young : On Ice
Cream”, junto com o Dr. Steven Young, da Steven Young Worldwide. O Dr. Bruce Tharp é
presidente da Tharp’s Food Technology.
SORVETES & CASQUINHAS
Introdução
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Corn Syrup), para substituir a sacarose
em sorvetes. A sacarose é um dissacarídeo, ou seja, sua estrutura química
consiste em uma molécula formada pela
ligação glicosídica de dois monossacarídeos, a f rutose e a glicose (ou
dextrose). Nestes adoçantes (HFCS),
mais de 90% dos sólidos são constituídos
por quantidades aproximadamente
iguais de frutose e de dextrose, porém,
estes componentes estão presentes como
monossacarídeos individuais. Portanto,
um determinado peso de HFCS conterá
cerca do dobro de moléculas quanto ao
mesmo peso de açúcar. Disto resulta que
o decréscimo do ponto de congelamento
pelo uso de HFCS é cerca do dobro que
o da sacarose, o que vem a ser uma
consideração importante na seleção dos
níveis de HFCS e de outros ingredientes
solúveis aplicados na confecção de
sorvetes.
SORVETES & CASQUINHAS
Efeitos diretos da
concentração por
congelamento
22
Existem dois fatores fundamentais no
conceito de concentração por congelamento. O primeiro, é a relação entre o
número de partículas em solução e o
decréscimo do ponto de congelamento.
O segundo fator, é o fato que a água
cristalizada, ou seja, o gelo, não é mais
capaz de agir como um solvente para
materiais dissolvidos. Juntos, esses dois
fatores combinam-se para criar uma
sucessão de eventos repetitivos que
interferem na temperatura de um sistema como o da mistura para sor vete -, e
reduzem o seu ponto de congelamento.
Vejamos como funciona.
Assim que as primeiras partículas de
gelo se formam, as partículas do soluto
que estavam dissolvidas naquela água
são excluídas dos cristais de gelo. Elas,
então, tornam-se partes da solução que
permanece não congelada, onde sua
presença aumenta o número de partículas
dissolvidas e, por isso, cria uma redução
adicional no ponto de congelamento do
material ainda não congelado. Como a
transferência de calor para fora do mix
congelado continua, a temperatura é
reduzida a um novo ponto de congelamento. Quanto mais gelo é formado, mais
uma vez as partículas excluídas desta
porção adicional de gelo migram para a
porção não congelada e produzem novas
concentrações e maiores decréscimos no
ponto de congelamento. Este processo
continua em incrementos infinitos durante
o congelamento normal e armazenamento
de sorvetes, por todo o tempo que o calor
continua a ser removido do sistema e o
gelo continua a ser formado.
Da mesma maneira que as moléculas
de soluto são excluídas dos cristais de
gelo, o mesmo ocorre com os componentes suspensos na mistura líquida. Estes
componentes incluem partículas coloidais,
como gomas e estabilizantes, ou
par tículas suspensas maiores, como
glóbulos de gordura, micelas de caseína
e grandes moléculas de carboidratos
insolúveis que são introduzidas através
de adoçantes de milho (ou de outras
fontes) e agentes de carga ou volume.
O efeito da concentração por congelamento na composição é mostrado na
Tabela 1 e demonstrado graficamente na
Figura 1. Na Tabela 1, a segunda coluna
Mix, apresenta a composição da mistura
não congelada, enquanto que as duas
colunas seguintes representam dois pontos
importantes no manuseio de sorvetes. A
coluna três reflete uma típica temperatura
de saída do congelador, ou seja, -5,6ºC
(22ºF), enquanto que a coluna quatro
apresenta o efeito em uma temperatura
comum para porcionamento e consumo, 15ºC (5ºF).
Os valores para a composição do
líquido remanescente, chamado aqui de
soro, não congelado apresentados na
Tabela 1 foram derivados, primeiramente,
pelo cálculo das quantidades de água
congelada nas temperaturas apropriadas,
usando os métodos descritos por Tharp
(9). Esses números foram, então, utilizados
para calcular o peso percentual da
quantidade de soro não congelado e o
nível percentual de cada componente.
As duas linhas de dados na seção
inferior da Tabela 1 tencionam chamar
atenção especial para o efeito de
concentração por congelamento no
componente estabilizante. Esta seção
mostra o nível de estabilizante na fase
aquosa da mistura, não na mistura em
si, como está most rado na seção
superior. Este tipo de informação é
importante, porque a funcionalidade dos
ingredientes estabilizantes está mais
relacionada com sua concentração na
fase aquosa do que com o nível global
na mistura total. Como será visto, este
conceito cresce em importância à medida
que aumenta o grau de concentração por
congelamento.
TABEL
A 1 - EFEITO DA CONCENTR
AÇÃO POR CONGEL
AMENTO NA
ABELA
CONCENTRAÇÃO
CONGELAMENTO
COM
PO
SIÇÃO DA PORÇÃO NÃO CONGEL
ADA DE SORVE
COMPO
POSIÇÃO
CONGELADA
SORVETT E
Sor
vete
Sorvete
COM
PO
SIÇÃO DE SORO NÃO CONGEL
ADO (%)
OMPO
POSIÇÃO
CONGELADO
MIX
@ -5.6ºC (22ºF)
@ -1
5ºC (5ºF)
-15ºC
Gordura
10,00
14,67
19,79
MSNF*
10,00
14,67
19,79
Sacarose
12,00
17,61
23,75
6,00
8,80
11,88
CSS** (36 DE)
Estabilizante
0,15
0,22
0,30
Sólidos Totais
38,15
55,97
75,51
8,03
15,26
30,39
Lactose (% em água)
Estabilizante em água
Nível (%)
0,24
0,50
1,20
Fator de concentração
—-
2,1 X
5,0 X
(*) Milk Solids Not Fat (Sólidos do leite não gordurosos)
(**) Corn syrup solids (Sólidos de xarope de milho)
A Figura 1 ilustra graficamente os
efeitos da concentração por congelamento. O efeito concentrador do congelamento sobre os níveis de gordura, dos
MSNF, da sacarose e dos CSS no sistema
não congelado é mostrado pela
marcação do nível de cada componente,
através da faixa de temperatura normal
encontrada em sorvetes.
Os dados da Tabela 1 e da Figura 1
ilustram claramente o efeito direto da
concentração por congelamento. No
estado líquido, a água atua como um
soluto e como um agente de suspensão
para componentes insolúveis. A água que
é convertida em gelo torna-se, de fato, um
agente de volume que, por estar
substituindo a água líquida, concentra
todos os componentes não aquosos da
mistura, como delineado na tabela e
ilustrado no gráfico. O efeito dessa
concentração é um aumento direto da
viscosidade e, geralmente, uma modificação da reologia 1 da porção não
congelada, fatores que contribuem
diretamente com as propriedades
estruturais do sor vete – corpo total,
propriedades de porcionamento e
percepções de consumo, como cremosidade e substância.
1
A reologia é o ramo da mecânica dos fluidos que estuda as
propriedades físicas que influenciam o transporte de quantidade de
movimento em um fluido. A viscosidade é a propriedade reológica
mais conhecida e a única que caracteriza os fluidos newtonianos.
Efeitos indiretos da
concentração por
congelamento
Os efeitos indiretos são mais
complicados que seus impactos diretos e
têm uma maior influência nas propriedades do sorvete. Em geral, estes efeitos
envolvem modificações no estado físico
de todos os componentes do sorvete e
afetam sua influência em todas as
características do sorvete, como descrito
a seguir.
Efeitos indiretos envolvendo gordura.
As pesquisas de Bolliger e outros (2,3)
comprovaram que a aglomeração
controlada de glóbulos de gordura traz
uma contribuição signif icante às
características estruturais do sorvete, tanto
no congelador como durante o consumo.
Em alguns casos, a aglomeração de
gordura chega ao ponto de formar uma
matriz semi-contínua, que contribui para
a manutenção de uma estrutura seca e
firma no congelador e em uma melhor
retenção de forma quando o sorvete
derrete. Também promove a percepção
de cremosidade e riqueza de duas
maneiras. A primeira pelo fato dos glóbulos de gordura, sendo eles aglomerados
ou parcialmente dispersos, contribuem
diretamente para a percepção de um
paladar cremoso. Na segunda maneira,
eles fornecem um efeito indireto propiciando maior estabilidade a uma estrutura
de células de ar muito pequenas, que, por
sua vez, contribuem à cremosidade e à
substância.
A aglomeração ocorre durante o
processo de congelamento/batimento no
tambor da sorveteira. A alta agitação
laminar aplicada durante o processo cria
uma infinidade de colisões entre os
glóbulos de gordura. Quando a natureza
das superfícies dos glóbulos em choque
permite, algumas colisões resultam na
adesão de glóbulos, uns aos outros,
formando os aglomerados. A amplitude
da aglomeração e o tamanho e funcionalidade da estrutura aglomerada estão
relacionadas com a natureza da superfície
dos glóbulos de gordura e o número de
colisões que ocorre.
À medida que aumenta a concentração de glóbulos de gordura na parte
líquida não congelada, a maior proximidade dos glóbulos uns dos outros, resulta
em um número maior de colisões e,
portanto, em um grau mais elevado de
aglomeração. Esta é a explicação primária para o fato de que a taxa de
aglomeração torna-se maior em baixas
temperaturas no congelador. Também é,
aparentemente, responsável pela taxa de
aglomeração relativamente baixa que
ocorre quando a mistura de sorvete por
si é agitada e que, sem os efeitos da
concentração por congelamento, a
aglomeração é limitada pelo relativamente baixo número de colisões entre os
glóbulos.
Efeitos indiretos envolvendo proteína.
A estabilidade do sistema protéico do leite
é mantida por um delicado equilíbrio de
fatores. Alguns desses, como o equilíbrio
de sal e influências do pH, são
relacionados à concentração. Como a
concentração por congelamento aumenta
os níveis de íons envolvidos no pH e no
próprio balanço de sal, qualquer instabilidade é ampliada. O resultado pode ser
uma desestabilização do sistema protéico, que pode ter somente uma ou toda
uma variedade de efeitos, positivos e
negativos. Os efeitos positivos incluem:
influências na imobilização da água, que
pode acentuar o controle dos cristais de
gelo; aumento da viscosidade, que
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A solubilidade
limitada de alguns
dos açúcares
presentes no sorvete,
os tornam bastante
sensíveis aos efeitos
da concentração por
congelamento.
24
aumenta a percepção de corpo; e formação de géis de proteína desestabilizada,
o que contribui para estrutura. Os efeitos
negativos envolvem primariamente:
modificação do papel importante da
proteína na aglomeração de gordura;
perda da contribuição da proteína
parcialmente desestabilizada para a
estrutura do sorvete; e, mais visível, a
liberação de soro, que pode ocorrer tanto
no sor vete derretido ou, sob cer tas
influências como baixo endurecimento, na
própria embalagem de sorvete.
Efeitos indiretos envolvendo
açúcares. A solubilidade limitada de
alguns dos açúcares presentes no sorvete,
particularmente a lactose, os tornam
bastante sensíveis aos efeitos da
concentração por congelamento. Até
hoje, não foi publicado nenhuma pesquisa
com resultados relevantes quanto à
limitação da solubilidade dos vários
açúcares em temperaturas abaixo do
ponto de congelamento. Entretanto,
algumas idéias das diferenças em
solubilidade podem ser obtidas observando os dados para solubilidade em
temperaturas acima do ponto de congelamento; esses dados são apresentados na
Figura 2.
A reconhecida baixa solubilidade da
a-lactose, a menos solúvel das duas formas
isoméricas de lactose, é apresentada
claramente na Figura 2. No ponto de
congelamento da água, 0ºC (32ºF), a
solubilidade máxima da a-lactose é menos
de 5%, comparada aos cerca de 36% da
glicose (um importante componente de
adoçantes de milho de alta frutose) e aos
mais de 60% da sacarose. Os dados para
glicose e sacarose foram relatados por
Belitz e Grosh, para lactose, e por Jenness
e Patton.
A cristalização da lactose não é uma
questão simples, particularmente em um
sistema complexo como o de sorvetes.
Hipoteticamente, quando a concentração
de um soluto excede o limite de solubilidade em uma dada temperatura, ocorrerá
uma cristalização espontânea. Na
prática, porém, o nível de lactose pode
atingir um ponto bem acima do limite
nominal de solubilidade, sem o desenvolvimento de cristalização. Quando isso
ocorre, diz-se que a solução está em
estado de supersaturação ou supersolubilidade. Nesta condição, a cristalização
pode não ocorrer por um período de
tempo considerável. Como indicado na
Figura 2, o limite de solubilidade para
lactose aumenta com a temperatura. O
mesmo é válido para o grau de supersolubilidade. Foi relatado por Holsinger (7),
que a supersolubilidade da lactose a uma
dada temperatura é equivalente ao valor
máximo de solubilidade por uma
temperatura de cerca de 30ºC (54ºF) mais
elevada.
Alem disto, o ponto no qual ocorrerá
a cristalização dependerá também das
influências de outros fatores, tais como o
tipo e nível de outros materiais em solução
e suspensão. Como resultado, não é
possível prever com alguma precisão as
condições sob as quais a cristalização
da lactose ocorrerá como um resultado
da concentração por congelamento, em
dada situação qualquer. Apesar disso, é
razoável extrair-se algumas conclusões
gerais.
A curva para o limite de solubilidade
da lactose é relativamente achatada,
quando a temperatura passa abaixo do
ponto de congelamento. Portanto, é
aparentemente razoável assumir que os
dados de solubilidade para a lactose
acima do congelamento podem ser
extrapolados para estimar os efeitos
abaixo do ponto de congelamento. Tal
conjetura é a base para as curvas do
gráfico da Figura 3, as quais promovem
uma base para a avaliação dos fatores
de solubilidade relacionados à
cristalização da lactose.
O gráfico da Figura 3 mostra a curva
de limite de solubilidade da lactose e uma
segunda curva representando uma faixa
de supersaturação relatada por Jenness e
Patton. Ambas as curvas são ampliadas
por linhas pontilhadas para mostrar a
extrapolação dos dados abaixo do
ponto de congelamento. Uma terceira
curva mostra o efeito da concentração
por congelamento sobre o nível de lactose
na água do soro não congelado no
referido sorvete.
Nota-se que inicialmente no processo
de congelamento/batimento, em uma
temperatura em torno de -2,7ºC (27,1ºF),
a concentração por congelamento
compreende o nível de lactose na faixa de
supersaturação. O nível excede à faixa
de supersaturação em uma temperatura
de cerca de -6ºC (21,2ºF). De qualquer
forma, a cristalização da lactose naquela
temperatura dependerá de uma gama de
fatores, particularmente da influência de
outros materiais em solução, como
adoçantes, por exemplo. Porém, mesmo
considerando a possibilidade de inexatidão na extrapolação dos dados de
solubilidade acima do ponto de congelamento, parece claro que a composição
típica do sorvete usada como referência
nesta análise excede a faixa de supersaturação, enquanto ainda está no tambor
do congelador, ou logo após. Assim,
parece lógico esperar que ao tempo que
o sorvete alcance sua temperatura de
endurecimento, a concentração por
congelamento terá levado o nível de
lactose para um ponto onde a
cristalização está iminente, ou já tenha
ocorrido. Assim, parece claro afirmar,
que o objetivo de se cont rolar o
desenvolvimento de granulosidade está
mais relacionado no controle de tamanho
dos cristais de lactose do que na própria
prevenção da cristalização.
Efeitos indiretos envolvendo
estabilizantes. Um dos efeitos mais
evidentes da presença de ingredientes
estabilizantes em um mix para sorvete é a
influência destes materiais na viscosidade
da mistura. Entretanto, a funcionalidade
primária dos estabilizantes está
diretamente envolvida com o seu
comportamento ou resposta ao fenômeno
de concentração por congelamento.
Como mencionado na explanação da
Tabela 1, a funcionalidade de estabilizantes é melhor avaliada considerando
seu nível na água não congelada, e não
no mix em si.
O nível do estabilizante na água não
congelada da mistura de referência na
Tabela 1, antes do congelamento, é de
cerca de 0,25%. O que é relativamente
baixo em termos de sua contribuição para
a viscosidade da mistura. Naquele nível,
quase todos os ingredientes usualmente
utilizados como estabilizantes teriam
efeitos similares na viscosidade. Como a
concentração por congelamento aumenta
o nível de estabilizante na porção não
congelada – por um fator de cerca de 5
vezes em uma temperatura de -15ºC (5ºF)
– sua influência nas propriedades chaves
do sorvete, relacionadas com a mobilidade
da água, começam a aumentar. Estes
efeitos podem ser avaliados pela medição
da viscosidade da porção não congelada
de acordo com o progresso da
concentração por congelamento.
Tal avaliação foi relatada por Goff e
outros e a Figura 4 mostra os dados deste
estudo. O gráfico aponta os efeitos da
concentração por congelamento em três
sorvetes com vários níveis de estabilizante
(goma guar), 0%, 0,10% e 0,20%. A
composição básica de sorvete usada foi
a mesma daquela apresentada na Tabela
1. Para estudar o efeito da concentração
por congelamento, os sistemas foram
preparados para representarem a
composição da porção não congelada
que seriam produzidos pela conversão da
água líquida em gelo. O conjunto inferior
de dados no gráfico mostra que o efeito
da concentração por congelamento na
viscosidade de misturas não estabilizadas
produz uma linha relativamente reta.
Todavia, na presença de goma guar
ocorre um desvio acentuado da curva de
viscosidade uma vez que a concentração
por congelamento resulta na remoção de
20 a 30 g de água por 100 g. Este
fenômeno, ou seja, uma mudança marcante
na inclinação da curva representando a
viscosidade associada com o aumento da
concentração por congelamento, foi
observada em todos os níveis de goma
guar estudados. Também foi observado em
trabalhos correlatos envolvendo goma
alfarroba (LBG). O fenômeno é reportado
como ponto de ruptura (breakpoint). O grau
de concentração que produz este ponto
de ruptura aumenta com o nível de
estabilizante, como pode ser visto na Figura
4. Um dos achados mais importantes deste
estudo foi a existência de uma correlação
útil entre o ponto de ruptura da viscosidade
normalizado dos sistemas estudados e a
taxa de recristalização do gelo.
Um outro aspecto do efeito da
concentração por congelamento na
funcionalidade do estabilizante é
fornecido por um estudo mais antigo, de
natureza similar, realizada pelo grupo de
Goff na Universit y of Guelph. Nesta
pesquisa, foi estudada a viscosidade de
sistemas representando as porções não
congeladas de sor vetes com e sem
estabilizante. Os resultados são mostrados
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na Figura 5. O eixo X do gráfico indica a
água percentual removida como gelo.
Portanto, a viscosidade é plotada para
cada mistura, em vários níveis de
concentração por congelamento. A linha
paralela abaixo do eixo X indica a
temperatura correspondente para cada
incremento de remoção de água. Por
26
exemplo, observando o ponto no qual uma
linha vertical a partir de -7ºC (19,4ºF)
intersecciona o eixo X, nota-se que pouco
mais de 60% da água nesta mistura seria
removida (ou seja, congelada) naquela
temperatura.
A observação dos dados da Figura 5
fornece uma perspectiva útil do efeito da
concentração por congelamento no
estabilizante. Nota-se que em temperaturas logo abaixo da temperatura de
congelamento, onde ocorreu pouca
concentração por congelamento, as
curvas para as porções não congeladas
dos sor vetes estabilizados e não
estabilizados, são bem difíceis de ser
distinguidas umas da outras. Isto
consubstancia a visão que os ingredientes
estabilizantes têm relativamente pouca
influência nas características reológicas
da porção não congelada da mistura. A
interpretação prática destes dados, para
sistemas representando quantidades
crescentes de água congelada, demonstra
claramente que a influência da concentração por congelamento é a responsável
pelas principais diferenças de viscosidade
entre os produtos estabilizados e não
estabilizados.
Diferenças similares podem ser
demonstradas em sistemas utilizando
materiais estabilizantes diferentes. Em
baixas concentrações, não existe virtualmente nenhuma diferença no comportamento reológico. Entretanto, em altos
níveis, que seriam produzidos pela
concentração por congelamento, podese observar uma variação significante na
reologia, a qual é associada com efeitos
variáveis nas propriedades do sorvete.
Tais observações confirmam a validade
de que toda pesquisa nos efeitos variáveis
de ingredientes estabilizantes envolveria
concentrações que representam seu nível
na porção não congelada do sorvete nas
temperaturas de interesse, e não no
próprio mix em si.
Na Figura 5, que mostra os dados da
pesquisa conduzida antes do conceito de
ponto de ruptura haver sido identificado e
estudado, pode-se observar um indício deste
conceito, que é indicado em um ponto
representando a concentração por
congelamento na temperatura de cerca de 7ºC (19,4ºF). Neste ponto, ocorre um nítido
aumento na ascendência da curva de
viscosidade representando a mistura
estabilizada. Já na curva da mistura não
estabilizada, não existe nenhuma ocorrência
deste tipo, digna de ser notada. Esses
elementos, visíveis nos dados, são totalmente
consistentes com as mais recentes pesquisas
sobre o ponto de ruptura.
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CALOR, CALOR LATENTE, CALOR SENSÍVEL
E CALOR ESPECÍFICO
Os resultados das pesquisas mencionadas, em conjunto com observações
empíricas, demonstram claramente que a
concentração por congelamento do
sistema estabilizante contribui para a sua
função de fornecer proteção contra o
desenvolvimento de uma textura mais
grosseira, granulosa, resultante do
crescimento de cristais de gelo. Esse
mecanismo de proteção é ilustrado na
Figura 6. Nos níveis relativamente baixos
de estabilizante na água que são
encontrados acima do ponto de ruptura,
as partículas de estabilizante movem-se
mais ou menos livremente, com pequeno
contato entre elas, conforme indicado na
seção A. Neste estágio, a influência do
estabilizante na viscosidade é mais ou
menos associada ao efeito das partículas
individuais. À medida que a concentração
por congelamento remove a água do
sistema não congelado, as partículas de
estabilizante são empurradas para um
volume menor de água, decorrendo em
uma distância menor entre elas, o que se
identifica nas seções B e C da Figura 6.
Quando isto ocorre, a interação direta
entre as partículas inicia a formação de
uma estrutura matricial, cuja força
aumenta conforme o progresso da
concentração por congelamento, o que é
ilustrado pela diferença na proximidade
relativa das partículas de estabilizante
entre as seções B e C.
Empiricamente, é bem reconhecido
que nem todos os materiais estabilizantes
respondem a concentração por congelamento na mesma forma. Os sistemas
diferem no grau de proteção por choque
térmico que fornecem e na contribuição
às propriedades gustativas. Existem
pesquisas científicas em curso visando
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O calor (abreviado por Q) é a energia térmica transferida entre dois corpos que estão a
temperaturas diferentes. Logo, não há sentido em dizer que um corpo tem mais calor que outro.
O calor é uma energia que se transfere de um sistema para outro, sem transporte de massa, e
que não corresponde à execução de um trabalho mecânico. A unidade do Sistema Internacional
(SI) para o calor é o joule (J). Todo corpo tem uma certa quantidade de energia interna que está
relacionada ao movimento aleatório de seus átomos ou moléculas. Esta energia interna é
diretamente proporcional à temperatura do objeto. Quando dois corpos ou fluidos em diferentes
temperaturas entram em interação (por contato, ou radiação), eles trocam energia interna até a
temperatura ser equalizada. A quantidade de energia transferida é a quantidade de calor
trocado, se o sistema for isolado de outras formas de transferência de energia. Termodinamicamente
falando, o calor não é uma função de estado, mas depende do caminho, no espaço de estados,
que descreve o sistema em uma evolução quase-estática ou reversível (no sentido termodinâmico)
de um estado inicial A até um estado final B.
Calor latente é a quantidade de calor que a substância troca por grama de massa durante
a mudança de estado físico. Representado pela letra L, é medido em caloria por grama (cal/g).
Para calcular o calor latente é necessário utilizar a seguinte expressão:
L = Q / m ¨ Q = m . L (onde L é o calor latente em cal/g, Q é a quantidade de calor
recebida ou cedida pelo corpo em cal e m e a massa do corpo em g).
Calor sensível é aquele que provoca variação da temperatura. A capacidade térmica, que
é uma característica do corpo, corresponde à quantidade de calor (recebida ou cedida) que leva
a uma variação de 1°C na temperatura do corpo. É dada pela relação da quantidade de calor
recebida por um corpo e a variação de temperatura sofrida pelo mesmo. É representada pela
letra C e é medida em calorias por grau Celsius (cal/°C) ou calorias por Kelvin (cal/K).
C = Q / )t (Onde C é a Capacidade térmica, Q é a quantidade de calor recebida ou
cedida pelo corpo e )t é a variação de temperatura sofrida pelo corpo).
Q ) que um corpo de massa m recebe é diretamente
A quantidade de calor sensível (Q
proporcional ao seu aumento de temperatura. Logo, podemos calcular a quantidade de calor
sensível usando a seguinte fórmula: Q = C . )t .
Calor específico , ao contrário da capacidade térmica, não é característica do corpo, mas
sim característica da substância. Corresponde à quantidade de calor recebida ou cedida por 1g
da substância que leva a uma variação de 1°C na temperatura do corpo em questão. É dado
pela relação da capacidade térmica do corpo pela sua massa. É representado pela letra c
(minúscula) e é medido em cal/g . °C ou cal/g . K.
c = C / m (Onde c é o calor específico, C é a capacidade térmica e m é a massa).
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sorvete, desde o ponto onde se inicia o
congelamento até o momento de seu
consumo final. Um bom entendimento dos
efeitos da concentração por congelamento é, conseqentemente, um elemento
fundamental no controle das características e qualidade dos sorvetes.
SORVETES & CASQUINHAS
Referências
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esclarecer os elementos específicos
destas diferenças. Um bom exemplo de
esclarecimento é fornecido pelo trabalho
de Gof f e outros, que estudaram os
efeitos da concentração por congelamento em sistemas modelo contendo
diversos componentes de mistura para
sorvete e goma alfarroba ou goma guar.
A pesquisa consistiu em um processo
permitindo dar visibilidade microscópica
as gomas, utilizando-se cont raste
fluorescente, incorporando aqueles
materiais em vários sistemas e, então,
examinando microscopicamente os
sistemas com microscópio, enquanto
congelados e depois de descongelados.
Ent re out ras coisas, a pesquisa
esclareceu as conhecidas características
criogênicas da goma alfarroba. Sob a
influência da concentração por congelamento, foram notadas as formações de
células ou câmaras nos sistemas
contendo a goma alfarroba. A identidade
destas células manteve-se mesmo após o
descongelamento dos sistemas,
demonstrando que a interação entre as
partículas da goma alfarroba ocorrida
como resultado da concentração por
congelamento era irreversível. É fácil
visualizar que, durante as fases de
choque térmico, é mais provavel que o
gelo que se fundiu naquelas células
durante o aquecimento se recristaliza nas
mesmas quando a temperatura volta a
ser reduzida, en vez de migrar e resfriar-
se em outros cristais de gelo existentes, o
que implicaria no aumento de tamanho
dos cristais, cont ribuindo assim à
aspereza da textura.
A ausência de tais estruturas em
sistemas usando a goma guar é consistente com o reconhecimento geral da
superioridade da goma alfarroba em
promover um melhor controle no crescimento de cristal de gelo e, desta forma,
contribuir no aumento do shelf life da
textura, em comparação com a goma
guar.
Parece então claro, em função dos
estudos comentados no corpo do presente
artigo que, devido ao efeito de concentração por congelamento, o envolvimento
dos sistemas estabilizantes em afetar
importantes propriedades do sorvete é
mais significativo em temperaturas abaixo
daquelas normalmente envolvidas no
processo de congelamento/batimento. Tal
interpretação reforça o conceito que a
funcionalidade de estabilizantes é mais
relevante para a proteção da qualidade
de textura após o congelamento, ou seja,
durante o armazenamento e a
distribuição.
Conclusão
A concentração por congelamento
tem se mostrado como um fenômeno
extremamente importante, que afeta o
comportamento e as propriedades do
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