Hospital Regional da Asa Sul Residência Médica em Pediatria Coartação de Aorta: Relato de Caso Clínico Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do certificado de conclusão da residência médica em Pediatria Juliana Palis Horta da Silva Orientador: Maurício Jaramillo Hincapie (INCOR, Brasília) www.paulomargotto.com.br 23-10-2008 Introdução Malformação congênita 5 a 8% das cardiopatias congênitas Associada a outras malformações cardíacas Obstrução justaductal Manifestações clínicas de acordo com idade de apresentação Diferença de pulso e pressão arterial entre membros superiores e inferiores BEEKMAN, R.H. Coarctation of the aorta. Moss an Adams’s heart disease in infants, children and adolescents. 6. ed. Philadelphia: Lippincott, Williams & Wilkins, 2001. v.2, 1111-1132. Introdução Importância do conhecimento das peculiaridades da doença Diagnóstico precoce Sobrevida Prognóstico Objetivo Relato de caso de criança acompanhada pela equipe de cardiologia pediátrica do InCor-DF. Revisão de literatura Relato de Caso Identificação RRSA, 10 anos, sexo feminino, parda, natural, residente e procedente de Brasília-DF. HDA Aos 7 meses de idade, durante internação devido à pneumonia, foi observado cardiomegalia à radiografia de tórax. Realizou, na época, ecocardiograma que evidenciou disfunção e dilatação ventricular esquerda. Desde então fazia acompanhamento regular com especialista, em hospital secundário, com diagnóstico de miocardiopatia dilatada, em uso de diuréticos (furosemida e espironolactona), vasodilatador (captopril) e inotrópico (digoxina). Permaneceu durante todo esse período assintomática, exceto por dores ocasionais nas pernas aos esforços (claudicação intermitente). Realizava atividades habituais para idade. Há um ano foi encaminhada ao INCOR para avaliação de possível transplante cardíaco. Antecedentes Nascida de parto cesárea (DHEG), a termo, sem intercorrências. P: 2700g Vacinação completa Desenvolvimento neuropsicomotor normal Alimentação adequada para idade 5 episódios de pneumonia Nega outras doenças Nega alergias ou hemotransfusões Exame Físico Peso: 24kg (p5) Estatura 1,34m (p25-50) PA: MSD 122x66 mmHg (> p95) MSE 123x 62 mmHg (>p95) SpO2 100% aa MID 80x58 mmHg MIE 88x57 mmHg BEG, hidratada, corada, afebril, acianótica, eupnéica AR: MV simétrico sem ruídos adventícios. FR: 20 irpm ACV: Precórdio hiperdinâmico. Ictus globoso, palpável no 6º EICE com 4 polpas digitais. RCR em 2T, BNF, sopro diastólico +/6+ em foco mitral, hiperfonese de B2 em foco pulmonar. FC: 74 bpm ABD: flácido, fígado no RCD, indolor, RHA normoativos EXTR: pulsos periféricos com boa amplitude em MMSS e impalpáveis em MMII Exames Complementares Radiografia de tórax Eletrocardiograma Ecocardiograma - Coarctação de aorta após a emergência da artéria subclávia esquerda -gradiente sistólico máximo de 45mmHg -hipoplasia do istmo (11mm) - Valva mitral com cordoalhas inseridas em músculo papilar único - valva mitral em pára-quedas discreta estenose (área valvar 2cm²) - Átrio esquerdo - dilatação moderada - Ventrículo esquerdo - dilatação muito acentuada - Disfunção sistólica biventricular de grau muito acentuado - Disfunção diastólica de VD. - Coronárias com origem e trajeto habitual. - Ausência de derrame pericárdico. - Sinais de hipertensão pulmonar Ecocardiograma AE AD VD VE VE Ao AE Musc papilar Corte paraesternal eixo longo VD septo VE Modo M: função e diâmetros Ao CoA Angio-ressonância de Aorta Torácica Aorta ascendente e arco aórtico sem alterações Aorta descendente: estreitamento luminal focal de grau acentuado (3mm), seguido de dilatação pós-estenótica (18,5mm) Exuberante circulação colateral Direcionadas para região pós estenótica Dilatação do tronco pulmonar Angio-ressonância de Aorta Torácica Evolução Decisão terapêutica: Intervenção cirúrgica Risco elevado Hipertensão no pós-operatório Piora da disfunção ventricular Maior morbidade Intervenção percutânea Menos invasivo Menor morbidade Evolução Tratamento intervencionista percutâneo com angioplastia e implante de stent discreta hipoplasia do istmo aórtico e começo da aorta descendente (diâmetro 10mm). Coartação de aorta localizada: 3 mm de orifício efetivo. Dilatação pós-estenótica da aorta descendente (14mm). Presença de múltiplas colaterais para a aorta. Pré dilatação da coartação de aorta com balão Power Flex 10 x 40 mm, seguido de implante de stent montado no mesmo balão. Bom posicionamento do stent e ausência de lesões secundárias como dissecção, ruptura ou aneurisma da aorta Cateterismo Cardíaco CoAo Aorta descendente Cateterismo Cardíaco Pré dilatação com balão 10 x 40 mm Liberação do stent Cateterismo Cardíaco Resultado final Evolução Sem intercorrências Alta em boas condições no segundo dia pós angioplastia Pulsos simétricos e de amplitude normal, sem diferença da pressão arterial entre os membros Em uso de furosemida, captopril e digoxina. Ecocardiograma de controle: Stent bem posicionado em aorta descendente. Gradiente residual máximo de 21 mmHg. Valva mitral com cordoalhas inseridas em músculo papilar único (valva mitral em pára-quedas), com discreta estenose. Disfunção sistólica biventricular de grau muito acentuado, especialmente de ventrículo esquerdo que apresenta também disfunção diastólica. Ausência de derrame pericárdico. Comentário do caso Atraso no diagnóstico Acompanhamento irregular Ecocardiograma Miocardiopatia dilatada Diagnóstico de exclusão Palpação de pulsos e aferição da pressão arterial Rotina no atendimento pediátrico Pediatra geral Comentário do caso Sintomatologia pobre Apesar da disfunção cardíaca Circulação colateral exuberante Atraso diagnóstico em crianças maiores Opção terapêutica: Cirurgia Angioplastia percutânea por balão Menor morbidade e tempo de internação Resolução do defeito de base Revisão bibliográfica Prevalência 5 a 8% de todos os pacientes com cardiopatias congênitas Incidência de 0,2 a 0,6 por 1000 nascidos vivos Ocorre duas vezes mais em homens que em mulheres Ocorre em aproximadamente 35% das meninas com síndrome de Turner É comum a associação a outras anormalidades cardíacas, como uma valva aórtica bicúspide, persistência do canal arterial e comunicação interventricular OLIVEIRA. A.S.A., e col. Tratamento cirúrgico da coartação da aorta: experiência de três décadas. Rev Bras Cir Cardiovasc, v. 22, n. 3, 2007. p. 317-321. Fisiopatologia Discreta estenose da aorta torácica, próxima a inserção do canal arterial Defeito na camada média do vaso, levando a um estreitamento posterior ou circunferencial da artéria Aorta ascendente ou abdominal: excluir outras etiologias CASPAÑEDA, A. Congenital Heart Defects and Procedures : aortic coarctation.Cardiac Surgery of the Neonate and Infants. 1. ed. atual. EUA: WB Saunders-Company, 1994. p.333-352. HO, S. I., e col. Color of Congenital Heart Disease. Morphologic and Clinical Correlations. 1. ed. atual. Barcelona: Hosby-Wolff, 1995. Fisiopatologia Etiologia desconhecida Duas teorias: tecido ductal ectópico: migração de células ductais de músculo liso dentro da aorta periductal, com subseqüente estreitamento do lúmen aórtico. teoria hemodinâmica: a coartação se desenvolve como resultado de distúrbio hemodinâmico que reduz o volume sanguíneo que passa pelo arco aórtico e istmo. Essa teoria ajuda a explicar a associação comum com defeito do septo ventricular, obstrução da via de saída ventricular esquerda e hipoplasia tubular do arco transverso. Apresentação clínica Período neonatal: Quadro catastrófico ICC e choque Coartação complexa Crianças maiores: Sopro cardíaco ou hipertensão arterial Diagnóstico acidental Palpação de pulsos e aferição de PA pelo pediatra BEEKMAN, R.H. Coarctation of the aorta. Moss an Adams’s heart disease in infants, children and adolescents. 6. ed. Philadelphia: Lippincott, Williams & Wilkins, 2001. v.2, 1111-1132. Diagnóstico Exame físico: Sinal clássico: diferença na pulsação Sopros contínuos ou frêmito nos espaços intercostais: circulação colateral Sinais de ICC: palidez, irritabilidade, desconforto respiratório, taquicardia e hepatomegalia. NELSON .TRATADO DE PEDIATRIA. In: coartação de aorta. 5. ed.atual. São Paulo : Saraiva, 2005. v.2, p.1616-1619. Diagnóstico Eletrocardiograma: Normal ou sobrecarga direita em neonatos Sinais de sobrecarga esquerda em crianças e adolescentes Radiografia de tórax Cardiomegalia Sinal do 3 Erosão costal Diagnóstico Ecocardiograma Avaliação da anatomia e fisiologia da coartação Avaliação de lesões associadas Ressonância magnética: Imagens de alta qualidade Gradientes pressóricos Imagens seriadas Diagnóstico Tomografia computadorizada UTUK, O., e col. Coarctation of the aorta evaluated with 64-row multislice computed tomography. International Journal of Cardiology, v. 111, 2006. p. 169-171. Diagnóstico Cateterismo cardíaco e angiografia definir a localização anatômica e severidade da coartação. determinar o estado do canal arterial, se patente ou fechado, e a direção e magnitude do shunt ductal, se presente; definir a presença e extensão da circulação arterial colateral; documentar a presença e severidade de lesões intracardíacas associadas; acessar a função ventricular esquerda e; acessar a pressão arterial pulmonar e resistência, particularmente importantes na presença de lesões intracardíacas. BEEKMAN, R.H. Coarctation of the aorta. Moss an Adams’s heart disease in infants, children and adolescents. 6. ed. Philadelphia: Lippincott, Williams & Wilkins, 2001. v.2, p. 1111-1132. Diagnóstico diferencial Neonatos Doenças que levem a ICC e choque Sepse Outras cardiopatias (síndrome de hipoplasia do coração esquerdo e interrupção do arco aórtico) Crianças maiores Hipertensão arterial secundária Hipertrofia ventricular: conseqüente a sobrecargas pressóricas Dilatação ventricular: esgotamento dos mecanismos compensatórios Alteração de pulsos: arterite de Takayasu (coartação invertida) Tratamento Menores de um ano de vida Tratamento agressivo e imediato Estabilização inicial Correção cirúrgica Infância e adolescência Assintomáticas Correção eletiva conforme gradiente e sintomas Tratamento Cirurgia 1945: ressecção e anastomose términoterminal Risco de recorrência (sutura circunferencial) Escolha em coartação discreta 1961: aortoplastia com enxerto Coartação de longo segmento Material protético 1966: Aortoplastia com flap de subclávia Reduzir re-estenoses Tratamento Cirurgia Remoção do tecido embriologicamente relativo ao canal arterial Ressecção mais ampliada do segmento de aorta acometido e anastomose términoterminal com fio absorvível Escolha da técnica Anatomia de cada paciente Familiaridade com a técnica ALBUQUERQUE, L.C., e col. Correção cirúrgica da coartação de aorta nos primeiros seis meses de vida. Rev Bras Cir Cardiovasc, v. 17, n. 2, 2002. p. 29-35. Tratamento Tratamento Angioplastia percutânea com balão Estudos experimentais e pós-mortem 1982: tratamento da coartação de aorta por angioplastia Coartações nativas e recorrentes Complicações: lesões no acesso vascular, eventos neurológicos, comprometimento hemodinâmico, arritmias, formação de aneurismas (6%) Menor morbidade e tempo de internação Walhout, R.J., e col. Angioplasty for coarctation in different aged patients. American Heart Journal, v. 144, n. 1, 2002. p. 180-186. WARD, K.E. Complications of balloon coarctation angioplasty. Progress in Pediatric Cardiology, v. 14, 2001. p. 59-71. Tratamento Angioplastia Stents intravasculares Crianças maiores e adolescentes Diminui incidência de recoartações e aneurismas Prognóstico Excelente a curto prazo A longo prazo: Recoartações (30%) Hipertensão arterial residual (correção tardia) Eventos cardiovasculares ateroscleróticos Hipertrofia ventricular esquerda Aneurisma de aorta Eventos cerebrovasculares Lesões intra-cardíacas associadas RODÉS-CABAU, J., e col. Comparison of surgical and transcatheter treatment for native coarctation of the aorta in patients ≥ 1 year old. The Quebec Native Coarctation of the Aorta Study. American Heart Journal, v. 154, n. 1, 2007. p. 186-192. OU, P., e col. Increased central aortic stiffness and left ventricular mass in normotensive young subjects after successful coarctation repair. American Heart Journal, 2008. p. 187-193. Conclusão A coartação de aorta consiste tipicamente em uma estenose da aorta torácica proximal. Essa aparente simplicidade anatômica, entretanto, não é condizente com os complexos desafios que a coartação traz para o pediatra e cardiologista pediátrico. Apresentação clínica e opções terapêuticas variáveis Prognóstico não inteiramente benigno Obrigada!