PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM DIREITO – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS LINHA DE PESQUISA POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL Daiana Malheiros de Moura A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO ESTADO FISCAL: FUNÇÃO SOCIAL DOS TRIBUTOS Santa Cruz do Sul, maio de 2011 Daiana Malheiros de Moura A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO ESTADO FISCAL: FUNÇÃO SOCIAL DOS TRIBUTOS Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Direito – Mestrado e Doutorado – Área de concentração em Políticas Públicas da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Hugo Thamir Rodrigues Santa Cruz do Sul, RS, janeiro de 2011. Daiana Malheiros de Moura A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO ESTADO FISCAL: FUNÇÃO SOCIAL DOS TRIBUTOS Esta Dissertação foi submetida ao Programa de PósGraduação em Direito – Mestrado, na Área de Concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas, da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Prof. Dr. Hugo Thamir Rodrigues Professor Orientador Prof. Dr. Clovis Gorczevski Prof. Dr. César Augusto Módena Para minha família, em especial, para meu filho amado Lucas. AGRADECIMENTOS Certo que o desenvolvimento desse trabalho só foi possível graças à ajuda de muitas pessoas, as quais não posso deixar de agradecer. Primeiramente, agradeço a minha mãe, Marina, que foi vó e mãe do meu pequeno Lucas, possibilitando, assim, que eu me dedica-se à elaboração desse estudo, com certeza sem o seu apoio não teria conseguido. Agradeço ao meu pai, Irineu, que contribuiu de várias formas para que essa realização fosse possível. Obrigada pela compreensão e pelo incentivo, sem os quais jamais poderia ter obtido êxito nessa caminhada. Ao meu esposo Marcelo pelo companheirismo e por todo o apoio, bem como por compreender e entender as horas que tive de abdicar de sua companhia para me dedicar à elaboração do meu trabalho. A todos os funcionários do Mestrado em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul que não mediram esforços para tornar essa caminhada mais fácil, meu muito obrigada. Agradeço a Coordenação do Mestrado e professores do Mestrado, os quais contribuíram para que eu crescesse intelectualmente, seja pela suas lições de vida, pelo conhecimento transmitido e pela dedicação. Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Hugo Thamir Rodrigues, por todo o apoio e incentivo que recebi durante a elaboração do presente trabalho. Aos amigos, pelo carinho e pela confiança. Aos colegas do Mestrado, agradeço os bons momentos vividos juntos, o coleguismo, a parceria e a oportunidade de crescimento pessoal e profissional. A todos, meu sincero respeito e admiração. Em todas as coisas, e especialmente nas mais difíceis, não se pode pretender que alguém, ao mesmo tempo, semeie e recolha, dada a necessidade de um estágio de preparação, a fim de que os frutos almejados possam amadurecer gradativamente. (Bacon) RESUMO A presente Dissertação tem como objetivo fazer uma abordagem da função social do tributo, isto é, o tributo como instrumento de políticas públicas para a efetivação dos direitos fundamentais pelo Estado Contemporâneo. A função social do Estado consiste na busca do bem comum, que é representado pela soma dos direitos fundamentais, os quais se refletem na dignidade da pessoa humana. Pretende o presente estudo pensar nos tributos como mecanismos que possibilitem que ele atenda a sua função através da implementação de políticas públicas capazes de permitir aos cidadãos o alcance aos direitos fundamentais. Para tanto, num primeiro momento aborda-se a função social do Estado Contemporâneo, delimitando essa função e demonstrando seu conteúdo, posteriormente aborda-se as funções dos tributos, dando ênfase a função extrafiscal, demonstrando exemplos dessa função nos tributos, e por fim uma abordagem dos tributos como instrumentos de políticas públicas enquanto mecanismos capazes de garantir a efetivação dos direitos fundamentais. O trabalho foi desenvolvido em três capítulos e o método de abordagem foi o dedutivo, através de pesquisa bibliográfica. Palavras-chave: Função social, Políticas públicas, Tributos. ABSTRACT The present dissertation has the purpose of doing an approach of the social function of the taxes, that is, the tax as an instrument of public policies to the effectiveness of the fundamental rights by the contemporary State. The social function of the State consists in the search for the common wellness, which is represented by the amount of fundamental rights, among them we emphasize the dignity of the human being. The presente study aims to think on the taxes as mechanisms that can make possible the accomplishment of its function through the implementation of public policies, which enable the citizens to reach their fundamental rights. Thus, a first time it is approached the social function of the State Contemporary, delimiting this function and demonstrating its content, subsequent approaches to the role of taxes, emphasizing the role extrafiscal, showing examples of this function in taxes, and finally an approach to taxes as instruments of public policies and mechanisms capable of ensuring the effectiveness of fundamental rights. The work was carried out in three chapters and the method of approach was the deductive, through literature search. Key-words: Social function, Public policies, Taxes. LISTA DE ABREVIATURAS Art Artigo CF Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CIDE Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos de Natureza Financeira CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CTN Código Tributário Nacional FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ICMS Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações IE Imposto de Exportação II Imposto de Importação IOF Imposto sobre Operações Financeiras IPI Imposto sobre Produtos Industrializados IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano IPVA Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor IR Imposto sobre a Renda ISS Imposto Municipal sobre Serviços ITBI Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis ITCD Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos ITR Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural PIS Programa de Integração Social SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................10 1 FUNÇÃO SOCIAL DO ESTADO CONTEMPORÂNEO..........................................13 1.1 Conceito e função social do Estado Contemporâneo..........................................13 1.2 Conteúdo do Bem Comum...................................................................................22 1.2.1 Conceito de dignidade da pessoa humana.......................................................27 1.2.2 O Princípio da dignidade da pessoa humana como valor unificador dos Direitos e Garantias Fundamentais na Constituição Federal de 1988....................................31 1.2.3 O bem comum como a função social do Estado Contemporâneo representado pela soma dos direitos fundamentais.........................................................................41 2 FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO............................................................................43 2.1 Tributos e suas funções.......................................................................................43 2.1.1 Função fiscal.....................................................................................................51 2.1.2 Função Extrafiscal.............................................................................................53 2.1.3 Função social dos tributos.................................................................................66 3 TRIBUTOS COMO INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS........................71 3.1 Política Pública.....................................................................................................71 3.1.1 Conceito, características e tipos de Políticas Públicas.....................................72 3.2 Tributos como instrumentos de políticas públicas................................................85 3.3 A efetivação dos direitos fundamentais pelo Estado Fiscal através dos tributos enquanto instrumentos de políticas públicas.............................................................91 CONCLUSÃO.............................................................................................................94 REFERÊNCIAS..........................................................................................................97 10 INTRODUÇÃO A presente dissertação tem como objetivo demonstrar a função social dos tributos, isto é, os tributos enquanto instrumentos de políticas públicas capazes de garantir a efetivação dos direitos fundamentais. O Estado Contemporâneo tem função eminentemente social, é o Estado das prestações, tem como função garantir aos seus cidadãos o bem comum, que consiste na efetivação dos direitos fundamentais, porém tal papel não vem sendo desempenhado de forma satisfatória, uma vez que constantemente o Estado, que deveria garantir a efetivação de tais direitos, os tem violado. Dentre os direitos fundamentais que o Estado tem o dever de garantir, destacamos o direito a dignidade da pessoa humana, que consiste no princípio maior do Estado Democrático de Direito, visto que a efetivação de tal princípio garante a pessoa o direito a uma vida digna que só se reflete diante de condições mínimas de subsistência, ou seja, através da efetivação de direitos fundamentais como o direito à vida, a saúde, a educação, a moradia, dentre outros imprescindíveis. O Estado tem o dever de garantir ao indivíduo o acesso aos direitos que lhe são concedidos, para tanto necessita de uma estrutura que lhe permita agir em defesa dos direitos dos seus cidadãos, conseqüentemente, para manter essa estrutura necessita de recursos financeiros e esses são obtidos pela imposição de tributos, assim manifesta-se o Estado Fiscal. É por meio da imposição de tributos que o Estado obtém recursos para atingir seus fins, a isso se denomina função fiscal dos tributos, entretanto a função fiscal não é a única função que pode ser exercida pelos tributos, não se limitam a amealhar recursos para o Estado, possuem uma função que vai além dos objetivos meramente arrecadatórios, a essa função dos tributos se denomina função extrafiscal, que consiste em o Estado fazer uso dos tributos para estimular ou inibir determinadas condutas, por meio de intervenção no domínio econômico e social. 11 A função extrafiscal dos tributos pode ocorrer através do aumento, diminuição ou progressividade de alíquotas, da concessão de isenção, incentivos e benefícios fiscais, bem como vários são os tributos usados com essa finalidade, dentre eles destacamos os impostos, nos quais a maior incidência do uso extrafiscal, uma vez que são tributos não vinculados, o que facilita o uso extrafiscal. Nesse contexto se busca a extrafiscalidade como mecanismo capaz de implementar políticas públicas tributárias que visem à efetivação dos direitos fundamentais. As políticas públicas são mecanismos de ação do governo e é por meio delas que ele atende as demandas da sociedade. Assim, os tributos “surgem” como instrumentos de políticas públicas que visam garantir os direitos fundamentais, ou seja, como meio de efetivação dos direitos fundamentais pelo Estado. Dessa forma, no primeiro capítulo o presente estudo trata sobre o que consiste a função social do Estado Contemporâneo, partindo-se de uma conceituação de Estado Contemporâneo na visão de Cezar Luiz Pasold, para posteriormente abordar o bem comum que consiste na sua função, e consequentemente qual o conteúdo do bem comum, o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os direitos fundamentais, uma vez que o princípio da dignidade da pessoa humana consiste na soma dos direitos fundamentais, para tanto se faz referência às quatro gerações de direitos fundamentais. No segundo capítulo, se faz uma abordagem dos tributos e suas espécies, sendo que tal abordagem é sucinta, para posteriormente abordar-se as funções dos tributos, a fiscal, extrafiscal e social, com maior ênfase na função extrafiscal, conceituando-a e exemplificando de que forma ela ocorre no sistema tributário brasileiro. Por fim, no terceiro e último capítulo, aborda-se as políticas públicas, estabelecendo um conceito de políticas públicas, classificando-as em três tipos: redistributivas, distributivas e regulatórias, bem como estabelecendo a necessidade da participação da sociedade, através da gestão pública compartilhada como um 12 dos meios de buscar políticas públicas efetivas, uma vez que permitem que a sociedade participe do processo de escolha, execução e avaliação das políticas públicas, deixando de ter um papel inerte, garantindo dessa forma que as políticas públicas desenvolvidas atendam as demandas dessa Sociedade. Definida as políticas públicas, passa-se ao estudo dos tributos como instrumento de políticas públicas, trazendo exemplos de tributos nos quais a função extrafiscal está presente, como o Imposto Predial e Territorial Urbano, o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, o Imposto sobre Produtos Industrializados, entre outros. Destacando que tais tributos não servem só como meio de arrecadação, mas também como instrumentos de políticas públicas que visem à efetivação dos direitos fundamentais. Para tal estudo, utilizou-se o método dedutivo, por importar na análise do geral para o particular, partindo-se de certas premissas, como que a função social do Estado Contemporâneo é o bem comum, que o bem comum é representado pela soma dos direitos fundamentais, que os tributos têm função fiscal e extrafiscal, para depois se deduzir que essa função extrafiscal permite que o Estado desenvolva políticas públicas com o objetivo de garantir os direitos fundamentais aos cidadãos. Sendo a técnica utilizada a pesquisa bibliográfica em livros, periódicos, publicações eletrônicas, leis etc. 13 1 FUNÇÃO SOCIAL DO ESTADO CONTEMPORÂNEO Pretende este capítulo tratar da função social do Estado Contemporâneo, para tanto, primeiramente presta-se a conceituá-lo, com base na posição defendida por Pasold, sendo que sua teoria servirá como embasamento para desenvoltura desse capítulo, para após se definir em que consiste a função social, e nos subtítulos seguintes tratar especificamente do conteúdo dessa função e onde está estabelecida no ordenamento jurídico. 1.1 Conceito e função social do Estado Contemporâneo Num primeiro momento cumpre destacar quando surgiu esta forma de Estado 1, ou seja, qual momento histórico contribuiu para que surgisse, para logo após estabelecer um conceito e por último constituir uma definição da sua função, fazendo referência ao seu conteúdo. Segundo Pasold o Estado Contemporâneo surgiu a partir da Constituição Mexicana de 1917, pelo fato de que foi a primeira Constituição a expressar os elementos que caracterizam o surgimento de tal Estado, os quais, nas palavras do autor são: 1) mantém consagrados os Direitos Individuais; 2) insere como Direitos Fundamentais também os Direitos Sociais e/ou os Direitos Coletivos; e 3) para assegurar a efetiva realização desses direitos estabelece e 2 disciplina a intervenção do Estado nos domínios econômico e social. 1 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 118. O termo Estado é usado no sentido que conceitua Dallari: “como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado num determinado território”. 2 PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 57. 14 A partir da inserção desses elementos no texto constitucional, representados pelos artigos 25 e 26 da referida Constituição, para Pasold, resta caracterizado o Estado Contemporâneo, uma vez que se evidencia o reconhecimento dos direitos sociais como direitos fundamentais, bem como se estabelece a possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico e social, com uma conseqüente disciplina dessa intervenção com o intuito de assegurar que os direitos reconhecidos pelo texto constitucional possam ser efetivados. Assim, o Estado Contemporâneo é marcado por uma maior intervenção do Estado na Sociedade. Seguem os artigos: ART. 25. – Corresponde ao Estado o compromisso com o desenvolvimento nacional para garantir que este seja integral, que fortaleça a soberania da Nação e sue regime democrático e que, mediante o fomento do crescimento econômico e o emprego de uma mais justa distribuição de ingresso e da riqueza, permita o pleno exercício da Liberdade e da dignidade dos indivíduos, grupos e classes sociais, cuja segurança protege esta Constituição O Estado planejará, conduzirá, coordenará e orientará a atividade econômica nacional, e levará a cabo a regulação e fomento das atividades que demandem o interesse geral no marco de Liberdades que outorga esta Constituição. Ao desenvolvimento econômico nacional concorrerão, com responsabilidade social, o setor público e o setor privado, sem menosprezo de outras formas de atividade econômica que contribuam ao desenvolvimento da Nação. ART. 26. – O Estado organizará um sistema de planejamento democrático do desenvolvimento nacional que imprima solidez, dinamismo, permanência e equidade ao crescimento da economia para a 3 independência e a democratização política, social e cultural da Nação. Tais artigos, segundo Pasold, refletem o surgimento dessa forma de Estado, lecionando que “é o Estado Contemporâneo compondo-se em suas características fundamentais”.4 Entende o autor ser possível dividir alguns aspectos relevantes sobre este Estado em duas dimensões, quais sejam a descritiva e prescritiva, do ponto de vista descritivo apresenta como características a conformação jurídica; a sua submissão a sociedade expressa nos discursos Constitucionais; o seu compromisso em atender 3 MÉXICO. Constitucion Política de los Estados Unidos Mexicanos. 75. ed. México: Editora Porrua, 1984. 4 PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 59. 15 os anseios da sociedade; a estrutura tentacular e a primazia absoluta do econômico sobre as questões sociais e ecológicas. Já quanto à dimensão prescritiva as características são: as conformações jurídicas devem representar a realidade; a realização dos princípios que sustentam a sua submissão à sociedade; o reconhecimento constitucional e infra-constitucional de forma prática dos seus compromissos para com a sociedade; a submissão de todo o conjunto tentacular as demandas da sociedade e por fim a submissão do econômico à força do social.5 Após a Constituição Mexicana segue-se o surgimento de outras constituições com esses elementos que caracterizam o Estado Contemporâneo, dentre elas a Constituição alemã de 19196 e a brasileira de 19347. Quanto à evolução do Estado Pasold, leciona que a sua participação evoluiu de uma mera tolerância, ou seja, de uma posição de inércia, até uma participação efetiva, representada por uma maior atuação na sociedade, que veio a se consolidar com a conformação da figura do Estado Contemporâneo: A participação maior do Estado na vida da Sociedade, historicamente, evoluiu de uma fase de tolerância crescente até a de exigência da participação, de modo que, hoje são poucos os que admitem um comportamento omissivo do Estado frente ao encaminhamento e à solução dos grandes problemas sociais. Em minha opinião, no século XXI que se inicia, a necessária relação entre Estado e Sociedade é, sem dúvida, a de um instrumento que deve ser 8 utilizado para servir a sua mantenedora, ou seja, a própria Sociedade. 5 PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 61-62. 6 Cf. BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p. 40. A indicação de Estado Contemporâneo é feita por Berti ao definir quatro fases distintas do processo de evolução do Estado enquanto forma de organização do poder político até sua atual configuração: Estado Antigo na Grécia e em Roma; o Estado Medieval; o Estado Moderno; e o Estado Pós-moderno ou Contemporâneo. O Estado Contemporâneo surgiu a partir da Constituição de Weimar (1919), com o fim do Império alemão, quando surge a segunda categoria de direitos, os direitos sociais e de representação, fase em que aparece o direito de exigir a garantia dos direitos. 7 Com a Constituição de 1934, a questão social passou a assumir grande destaque no país: direitos democráticos foram conquistados, a participação popular no processo político aumentou, foi instituída a Justiça Eleitoral (art. 82 e seguintes) e o voto secreto (art. 52, 1º), abrindo os horizontes do constitucionalismo brasileiro para os direitos econômicos, sociais e culturais (art. 115 e seguintes, art. 148 e seguintes). 8 PASOLD, op. cit., p. 43-44. 16 Desse modo, pode-se definir como uma das características do Estado Contemporâneo uma maior participação, ou seja, atuação na Sociedade, o Estado da situação de expectador passou a condição de agente, que deve agir no intuito de concretizar os direitos contidos na sua Carta Constitucional. Pasold define o Estado Contemporâneo como: [..] espectro de variações dos diversos Estados que se apresentam na contemporaneidade, os quais, independentemente da motivação ideológica de suas Constituições, têm alguns denotativos essenciais que lhe são 9 comuns e, principalmente, possuem uma função que lhes é essencial. Segundo o conceito do autor essa forma de Estado se caracteriza por possuir denotativos essenciais e principalmente uma função essencial, que é eminentemente social. A sua principal característica é agir no intuito de fornecer e garantir aos indivíduos acesso aos direitos fundamentais, assim se reflete no Estado das prestações, incumbe a ele garantir e preservar os direitos de seus cidadãos 10, bem como agir em favor de toda a Sociedade na busca do bem comum, entendido aqui conforme leciona Rodrigues “a soma dos direitos fundamentais presentes na CF/88” 11. Nesse sentido, Moura leciona que a função precípua do Estado é zelar pelo bem estar social, que consiste tanto em fornecer aos seus cidadãos a prestação de 9 PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 35. 10 Cf. LEAL, Rogério Gesta. Estado, administração pública e sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 19. Para efeito deste estudo cidadão deve ser entendido como ser que vive nos limites territoriais da cidade/Estado e, dentro dele, tem direitos e obrigações. Importante referir à definição de cidadania elaborada por José Casalta Nabais: “A cidadania pode ser definida como a qualidade dos indivíduos que, enquanto membros ativos e passivos de um Estadonação, são titulares ou destinatários de um determinado número de direitos e deveres universais e, por conseguinte, detentores de um específico nível de igualdade. Uma noção de cidadania, em que, como é fácil de ver, encontramos três elementos constitutivos, a saber: 1) a titularidade de um determinado número de direitos e deveres numa sociedade específica; 2) a pertença a uma determinada comunidade política (normalmente o Estado), em geral vinculada a idéia de nacionalidade; e 3) a possibilidade de contribuir para a vida pública dessa comunidade através da participação”. Em GRECO, M. A.; GODOI, M. S. (Coordenadores). Solidariedade Social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 119. 11 RODRIGUES, Hugo Thamir, Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 890. 17 serviços que visam atender aos direitos fundamentais, como zelar pela segurança nacional do território. Essa função social do Estado Contemporâneo contribui para a redistribuição de renda através da implantação e o funcionamento de serviços públicos que visam atender as necessidades da Sociedade, os quais são desenvolvidos mediante organizações complexas que confiam a eficiência de tais serviços à responsabilidade coletiva, visando a confiança no bem público, na propriedade de todos e de ninguém.12 Segundo Pasold o Estado Contemporâneo tem como principal característica o compromisso com o bem comum e a interferência na vida da Sociedade, ou seja, tem que agir em cumprimento dos direitos fundamentais e para tanto se possibilita que tenha uma atuação mais presente, intervenha objetivando propiciar a todos o alcance aos elementos necessários a uma vida digna.13 Por este Estado deve se entender a existência de uma prevalência do social, onde se busca atender aos interesses do coletivo, privilegiando-se os direitos fundamentais expressos no texto constitucional, refletindo-se a sua função social. Assim, conceituado o Estado Contemporâneo é importante que se esclareça em que consiste essa função social. Primeiramente é importante que se defina o que se entende pelo termo função na expressão função social, segundo Pasold o termo função deve ser compreendido com uma “ação” e um “dever de agir”, nas palavras do autor: Para a minha concepção de FUNÇÃO SOCIAL aplicada ao Estado Contemporâneo, parto de um significado para a palavra função comprometido com dois elementos semânticos distintos entre si mas mutuamente complementares, quais sejam, a AÇÃO e o DEVER DE AGIR, 14 este último resultante da natureza do agente. 12 MOURA, Carmem de Carvalho e Souza. O Estado contemporâneo. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=54>. Acesso em: 12 de abril de 2006. 13 PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 22. 14 Ibidem, p. 92. 18 Os termos “ação” e “dever de agir” revelam a obrigação do Estado para com a Sociedade, sendo que este assume direções fundamentais e deverá executar as atividades necessárias para atingir os objetivos que devem refletir os anseios da Sociedade que representa. Assim, refere o autor que “a causa da função social é, pois a necessária interação continuada entre Sociedade e Estado”.15 Também, segundo o autor o “dever agir” é elemento indispensável à compreensão de Estado Contemporâneo, se coloca como implícito a sua função social, assim, esse dever de agir deve ser compreendido como um compromisso que o Estado tem para com a Sociedade que o mantém, que deve se refletir numa atitude e não só num discurso por parte do Estado e dos detentores do Poder Governamental.16 Definido o que se entende pelo termo função se passa a determinar o que se compreende pela função social, ou seja, ao se defender que o Estado tem uma função social é importante que a mesma seja identificada, bem como estabelecer de que forma ela deve ser desenvolvida. Para Pasold o Estado Contemporâneo deve ter e exercer uma função social: [...] – a qual implica em ações que – por dever para com a Sociedade – o Estado tem a obrigação de executar, respeitando, valorizando e envolvendo o seu SUJEITO, atendendo o seu OBJETO e realizando os seus OBJETIVOS, sempre com a prevalência do social e privilegiando os 17 Valores fundamentais do Ser Humano. O conteúdo dos termos objeto, sujeito e objetivo dependerá da realidade social de cada Estado, uma vez que as realidades sociais é que vão definir o que cada Sociedade necessita, bem como de que forma o Estado vai atender essas necessidades, por óbvio que estes termos estarão sempre sujeitos a variações, as 15 PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 92. 16 Ibidem, p. 101. 17 Ibidem, p. 92-93. 19 quais sofrerão influência direta da realidade enfrentada pela sociedade em dado momento histórico.18 Ainda, refere o autor que para que se possa compreender melhor essa relação quatro pontos importantes devem ser destacados, são eles: a) a Função Social – em abstrato – para o Estado Contemporâneo, conforme exposto, diz respeito a uma fórmula doutrinária que conecta a condição instrumental do Estado com o compromisso com o Bem Comum ou Interesse Coletivo, e principalmente, com a dignidade do Ser Humano; b) em concreto, a Função Social haverá de consolidar-se conforme cada Sociedade e seu Estado, de acordo com a realidade, e através de ações que cumpram a sua destinação; c) a Função Social do Estado Contemporâneo não é concebida com uma dádiva dele mesmo; antes, constitui-se numa dinâmica que supões e requer a cooperação social, a mobilização solidária dos componentes da Sociedade considerada, sustentando, verificando e participando do dever de agir e do agir do próprio Estado; d) a Função Social pressupõe uma conveniente administração da oposição entre a “atividade livre” e a “atividade regulada” na Sociedade 19 e, entre a “atividade Autoritária e a”atividade social” no Estado. Desse modo, a função social do Estado Contemporâneo consiste em uma busca pela realização do bem comum da Sociedade, que será concretizado através de ações que serão executadas de acordo com a realidade de cada Sociedade, respeitando as necessidades dos indivíduos que a compõe, os quais deverão contribuir para tanto atuando como fiscalizadores da ação e do dever de agir do Estado. Nesse sentido Dallari leciona que a Sociedade humana tem como finalidade o bem comum de todos os seus indivíduos, isso significa dizer que ela busca permitir que cada cidadão busque a consecução de seus fins particulares. Uma Sociedade que atende apenas os fins de parte de seus integrantes é mal organizada, visto que está afastada da sua finalidade, ou seja, daquilo que justifica a sua existência.20 18 PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora; Editora Diploma Legal, 2003, p. 93. 19 20 Ibidem, p. 93. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 24. 20 Rodrigues, ao tratar especificamente da função social do Município, que pode perfeitamente ser inserida nesse contexto, uma vez que o mesmo faz parte do Estado na acepção usada para fins desse estudo, leciona que: Entende-se, respeitados os pressupostos acima, bem como a idéia de que o conjunto de munícipes não pode ser visto com uma massa amorfa e sem individualidades, mas, sim, aceitando-se a posição de Pasold de que o homem deve ser individualmente considerado enquanto ente inserido em uma sociedade, bem como a idéia, retirada também do mesmo autor, de que se deve objetivar a eliminação da injustiça econômica e a falta de participação social, que a Função Social do Município busca seu melhor 21 sentido na expressão Bem Comum. Para Pasold o Estado tem um compromisso intrínseco com o bem comum, consistindo em fundamento da existência do mesmo, não sendo sua criação justificável senão para busca do bem comum. Assim, deve haver por parte da criatura um compromisso com a sua criadora, a Sociedade, sob pena de se perder a razão pela qual o Estado foi criado, isso se configura na sua dedicação à consecução do bem comum.22 Em outra passagem da obra refere o autor que diante dessa perspectiva o Estado deve ser entendido como um conjunto de ações legítimas efetivamente comprometidas com uma função social, a qual deve ser entendida como ações que praticadas por dever para com a Sociedade o Estado executa, as quais valorizam e envolvem o sujeito e correspondem ao seu objeto, cumprindo assim, o seu objetivo, qual seja, o bem comum.23 Menciona Pasold que para que a função social possa existir devem estar presentes dois requisitos básicos, são eles: 21 RODRIGUES, Hugo Thamir. O Município (ente federado) e sua Função Social. In: LEAL, R. G.; REIS, J. R. dos (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 4. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004, p. 1036-1037. 22 PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora co-edição Editora Diploma Legal, 2003, p. 47. 23 Ibidem, p. 111. 21 1° - prioridade para a realização de valores fundamentais do Homem (com a coerente atuação em favor do Meio Ambiente, Saúde, Educação, Liberdade, Igualdade); 2° - ambiente político-jurídico de constante Legitimidade, portanto, com prática permanente das medidas clássicas de Legitimidade dos detentores de Poder governamental e das ações estatais (isto é, eleições diretas, 24 secretas, universais e periódicas, plebiscitos e referendos). Presentes estes dois requisitos é possível falar em uma função social do Estado, a qual só é admitida com a conjunção desses dois requisitos, ou seja, Estado e Sociedade trabalhando juntos, na busca do bem comum. A Constituição Federal em seu art. 3º25 determina que a função social do Estado Contemporâneo é a busca do bem comum, segundo leciona Bulos, a enumeração contida nesse artigo não é taxativa, mas sim exemplificativa, uma vez que não exaure os objetivos a que se destina a República Federativa do Brasil.26 Rodrigues ao traçar considerações sobre o Estado Contemporâneo brasileiro leciona que o mesmo está atrelado aos princípios fundamentais estabelecidos pela CF/88 em seu título I. Desse modo, afirma Rodrigues que as ações do Estado devem ser norteadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana, devendo ter como objetivos a busca da construção de uma sociedade justa, livre e solidária e a promoção do bem-estar social, além de agir pautado pelos Direitos e Garantias Fundamentais.27 24 PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3.ed. Florianópolis: OAB/SC Editora co-edição Editora Diploma Legal, 2003, p. 111. 25 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 26 27 BULOS, Uadi Lâmmego. Constituição Federal Anotada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, passim. RODRIGUES, Hugo Thamir. Harmonização solidária das políticas tributárias municipais: um princípio constitucional geral, implícito, delimitador das ações tendentes ao cumprimento da função social dos municípios. Dissertação (Curso de Pós-Graduação em Direito Programa de Doutorado – Área de Concentração em Direito, Política e Sociedade/Centro de Ciências Jurídicas) – Universidade de Santa Catarina, Florianópolis/SC, 2003. 22 Determinado que a função do Estado, como já dito, é a busca do bem comum, é imperioso que se defina o que se entende por bem comum, que se verifique qual o seu conteúdo, tal aspecto será analisado no próximo subtítulo. 1.2 Conteúdo do bem comum A primeira idéia sobre o bem comum foi desenvolvida por Aristóteles, afirmava que todo organismo vivo tende para o bem, nas palavras do autor: “Toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo propósito, visam a algum bem; por isto foi dito acertadamente que o bem é aquilo a que todas as pessoas visam”28. Esse bem, no entanto, não é um bem em particular, mas o ligado aos outros, um bem maior, qual seja, um bem que seja “comum”, vejamos: Se há, então, para as ações que praticamos, alguma finalidade que desejamos por si mesma, sendo tudo mais desejado por causa dela, e senão escolhemos tudo por causa de algo mais (se fosse assim, o processo prosseguiria até o infinito, de tal forma que nosso desejo seria vazio e vão), evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o melhor dos 29 bens. Bittar e Almeida ao traçar comentários acerca da teoria Aristotélica, lecionam que “o Bem que a todos alcança afeta o bem de cada indivíduo, assim como o bem de cada indivíduo acaba convertendo-se no Bem de toda a comunidade quando comungado socialmente”30. Para fins desse estudo entende-se como conteúdo do bem comum a soma dos direitos fundamentais inseridos no texto Constitucional, nesse sentido Rodrigues afirma que: 28 ARISTÓTELES. Ética e Nicômacos. Tradução de Mário da Gama Kury. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001, p. 17. 29 30 Ibidem, p. 17. BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A de. Curso de Filosofia do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 96. 23 Tem-se, então, que, necessariamente, os Direitos Fundamentais são parte componente do conteúdo do Bem Comum, bem como que este deve ser balizado pelos Princípios Constitucionais, pode-se afirmar que o conteúdo atual do Bem Comum está consagrado pelo princípio da dignidade da 31 pessoa humana, [...]. Entendido que o conteúdo do bem comum são os direitos fundamentais, conseqüentemente a função do Estado Contemporâneo consiste em assegurar esses direitos aos indivíduos, ou seja, garantir que seus cidadãos tenham acesso a eles, dentre esses direitos destacamos a dignidade da pessoa humana, que consiste no princípio maior do Estado Democrático de Direito, visto que a efetivação de tal princípio garante a pessoa o direito a uma vida digna que só se reflete diante de condições mínimas de subsistência, ou seja, através da concretização de direitos fundamentais como o direito à vida, a saúde, a educação, dentre outros imprescindíveis. Dallari ao se referir ao conceito de bem comum menciona a definição dada pelo Papa João XXIII: “O bem comum consiste no conjunto de todas as condições de vida social que consistam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”.32 Nessa idéia de integral desenvolvimento da personalidade estão inseridos os valores materiais e espirituais necessários a expansão da personalidade do homem. Para Pasold o bem comum não reflete a soma dos bens individuais ou dos desejos isolados, mas sim a efetivação dos interesses coletivos, deve refletir os anseios de uma determinada Sociedade em um dado momento e em um dado território, ou seja, o conteúdo do bem comum deve ser contextualizado e limitado, vejamos: 31 RODRIGUES, Hugo Thamir. O Município (ente federado) e sua Função Social. In: LEAL, R. G.; REIS, J. R. dos (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 4. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004, p. 1038. 32 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 24. 24 Em síntese, a noção de Bem Comum, apreciada sob a ótica da estimulação, estrutura e conteúdo é circunstanciada à Sociedade, considerada no tempo e no espaço e deve atender, de maneira dinâmica, à Legitimidade, ocupando-se permanentemente com o efetivo atendimento aos anseios sociais. É esta noção de Bem Comum que deve determinar as ações do Estado, fixado na sua condição instrumental, balizando as suas interferências na 33 vida da Sociedade. Essa idéia em nada contraria as definições trazidas até então, apenas as complementa, ao se definir como conteúdo do bem comum a soma dos direitos fundamentais, nada impede que haja uma delimitação de acordo com o contexto em que vive a Sociedade, uma vez que não se deve entender esses direitos de forma isolada, mas sim no sentido de que o Estado tem como função garantir a toda a sociedade os direitos fundamentais, que são representados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, que consiste num princípio maior, o qual engloba os demais direitos fundamentais, pois só se pode pensar numa vida digna se direitos como saúde, educação e moradia, dentre outros, forem garantidos. Em outra passagem de sua obra Pasold menciona que o Estado Contemporâneo tem um compromisso com o bem comum, o qual compreende “além da satisfação das necessidades materiais, a dimensão do respeito aos Valores Fundamentais da Pessoa Humana, que devem sustentar o Interesse Comum”34. O Estado tem o dever de garantir ao indivíduo o acesso aos direitos que lhe são concedidos, para tanto necessita de uma estrutura que lhe permita agir em defesa dos direitos dos seus cidadãos, conseqüentemente, para manter essa estrutura necessita de recursos financeiros e esses são obtidos pela imposição de tributos, assim manifesta-se o Estado Fiscal. Segundo Martins o Estado, com fundamento em sua soberania, exige que seus cidadãos transfiram parte de seus rendimentos para que possa custear as despesas com a realização da sua finalidade, uma vez que tem custos para manutenção de 33 PASOLD, Cezar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora co-edição Editora Diploma Legal, 2003, p. 54. 34 Ibidem, p. 86. 25 seus fins, que consistem, entre outros, na manutenção de repartições públicas, no pagamento de seus funcionários, limpeza das ruas, segurança pública etc. Assim, é através do tributo que obtém receita para custear os seus gastos. “O poder de tributar do Estado consiste justamente em uma parcela de soberania estatal, de poder exigir tributo dentro do seu território.”35 Os tributos se constituem na forma que o Estado tem de arrecadar receitas que lhe possibilite formar a estrutura capaz de garantir aos seus cidadãos o direito de viver com dignidade, ou seja, que possibilite que tenham acesso aos direitos fundamentais e conseqüentemente realizar a sua função social. Desse modo, o sustento da atividade estatal se dá mediante a arrecadação de tributos, o Estado Contemporâneo é marcado pela característica de Estado fiscal, significando “uma separação fundamental entre estado e economia e a conseqüente sustentação financeira daquele através da sua participação nas receitas da economia produtiva pela via do imposto”36. Para Gouvêa “[...] a tributação tem dupla finalidade: a) auferir recursos para que o Estado subsista; e b) garantir a realização dos direitos fundamentais dos cidadãos, os verdadeiros fins do Estado.”37 Em outra passagem o autor leciona que: Dessa forma, consideramos que o Estado pode se colocar em situação de superioridade em relação ao indivíduo, fazendo incidir tributos sobre ele, por razões que constituem o próprio fundamento da tributação: a) a necessidade de receitas para subsistência do Estado e b) a consecução dos fins estatais, que se confundem com a efetividade dos direitos fundamentais, com a implementação da forma federalista de Estado e com a 38 realização dos direitos dos cidadãos. 35 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Atlas, 2002, p. 34. 36 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 196. 37 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A Extrafiscalidade do Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 38. 38 Ibidem, p. 40. 26 Nesse sentido Machado leciona que a tributação é o instrumento que a economia capitalista tem se valido para sobreviver. Através dela o Estado obtém os recursos necessários para consecução do seu fim social. Diante da possibilidade de cobrar tributo o Estado não necessita estatizar a economia, assim, o tributo se reflete como talvez a única arma contra essa estatização.39 É através da imposição de tributos que o Estado obtém recursos para realizar a sua função social, por este motivo o exercício da tributação é fundamental aos interesses do Estado, vejamos o que leciona Coêlho: O poder de tributar, modernamente, é campo predileto de labor constituinte. A uma, porque o exercício da tributação é fundamental aos interesses do Estado, tanto para auferir as receitas necessárias à realização de seus fins, sempre crescentes, quanto para utilizar o tributo como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é 40 pródigo. O autor refere outra característica dos tributos, ou seja, que estes não se resumem só a necessidade de arrecadar, os tributos também se prestam a servir de instrumento ao Estado para que possa intervir nas esferas econômicas e sociais, objetivando a promoção do social, ou seja, atuam como instrumento extrafiscal. Nesse sentido Gouvêa leciona que pela fiscalidade o Estado faz uso da tributação para suprir-se de recursos necessários para financiar suas finalidades estabelecidas constitucionalmente e, pela extrafiscalidade ao tributar afasta, se necessário, o caráter arrecadatório, porém o objetivo é o mesmo, as mesmas finalidades constitucionais.41 39 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de DireitoTributário. 14. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 26. 40 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 37. 41 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A Extrafiscalidade do Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 39. 27 O Estado faz uso da tributação para obter recursos necessários à consecução do seu fim, que, como já mencionado, é o bem comum, representado pela soma dos direitos fundamentais, compreendidos pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Desse modo, é importante para fins desse estudo que se analise então tal princípio, bem como os direitos fundamentais que representam o conteúdo do princípio maior da dignidade da pessoa humana. 1.2.1 Conceito de dignidade da pessoa humana A função do Estado Contemporâneo consiste em garantir aos seus cidadãos o bem comum, que se reflete em assegurar os direitos fundamentais, que se constituem em um único princípio, a dignidade da pessoa humana, princípio maior do Estado Democrático de Direito, visto que a efetivação de tal princípio garante a pessoa o direito a uma vida digna que só é possível diante de condições mínimas de subsistência, ou seja, através da efetivação de direitos fundamentais como o direito à vida, a saúde, a educação, dentre outros imprescindíveis. O princípio da dignidade da pessoa humana consiste em um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, está previsto no artigo 1° do texto constitucional, o qual prescreve: Art. 1° A República Federativa do Brasil , formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, consitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. [...] Desse modo, referido princípio é extremamente importante, pois consiste num dos fundamentos do nosso Estado que norteia todo o arcabouço constitucional e infra-constitucional, constituindo-se em um valor unificador dos Direitos e Garantias 28 Fundamentais corporificados na Carta Magna, bem como determinante da imposição de limites positivo e negativo da atuação do Estado. Segundo Sarlet isso revela que o Estado existe em função do ser humano, e não o contrário, nas palavras do autor: Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como uma dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1°, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha -, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui 42 a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal. Leciona Novelino: A dignidade da pessoa humana não é um direito concedido pelo ordenamento jurídico, mas um atributo inerente a todos os seres humanos, independentemente de sua origem, raça, sexo, cor ou quaisquer outros requisitos. A consagração no plano normativo constitucional significa tãosomente o dever de promoção e proteção pelo Estado, bem como de 43 respeito por parte deste e dos demais indvíduos. Portanto, o ser humano não é o meio da atividade estatal, mas sim a sua finalidade, o Estado só tem razão de ser se agir objetivando atender aos interesses da Sociedade que o compõe. Ao longo da história foram se desenvolvendo correntes de concepções da dignidade da pessoa humana, segundo Reale, constatamos, historicamente, a existência de, basicamente, três concepções, são elas: individualismo, transpersonalismo e personalismo.44 Segundo o autor caracteriza-se o individualismo pelo entendimento de que cada homem, cuidando dos seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os 42 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 66. 43 NOVELINO, Marcelo. O conteúdo jurídico da dignidade a pessoa humana. Disponível em: <http://www.editorametodo.com.br/marcelonovelino/>. Acesso em: 03 de abril de 2010. 44 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 277. 29 interesses coletivos. Seu ponto de partida é, portanto, o indivíduo. Estes serão, antes de tudo, direitos inatos e anteriores ao Estado, e impostos como limites à atividade estatal, que deve, pois, se abster, o quanto possível, de se intrometer na vida social. Assim, são direitos contra o Estado. O transpersonalismo é o oposto, pois busca a realização do bem coletivo, ou seja, é realizando o bem coletivo, o bem do todo, que se salvaguardam os interesses individuais, se não houver harmonia espontânea entre o bem do indivíduo e o bem do todo, devem preponderar, sempre, os valores coletivos. Assim, a dignidade da pessoa humana realiza-se no coletivo. Quanto ao personalismo rejeita quer a concepção individualista como a transpersonalista, nega as duas outras correntes, ou seja, nega seja a existência da harmonia espontânea entre indivíduo e sociedade, resultando, como vimos, numa preponderância do indivíduo sobre a sociedade, seja a subordinação daquele aos interesses da coletividade. Marcante nesta teoria, em que se busca, principalmente, a compatibilização, a interrelação entre os valores individuais e valores coletivos, o homem é uma forma do mais alto gênero, uma pessoa, em sentido amplo. Em conseqüência, não há que se falar, aprioristicamente, num predomínio do indivíduo ou no predomínio do todo. A solução há de ser buscada em cada caso, de acordo com as circunstâncias. Para fins deste estudo se adota a teoria do individualismo, nesse sentido, defende-se que a pessoa humana, enquanto valor, e o princípio correspondente, de que aqui se trata, é absoluto, e há de prevalecer, sempre, sobre qualquer outro valor. Quanto ao conceito de dignidade da pessoa humana não há uma delimitação precisa na definição do que seja, mas acredita-se que compreende todos os direitos referentes às condições básicas de vida para o homem e sua família (moradia, alimentação, educação, saúde etc), ou seja, tudo aquilo que o homem necessita para uma vida digna. 30 Na lição de Sarlet temos por dignidade da pessoa humana uma qualidade intrínseca e distintiva de cada indivíduo, o que lhe garante respeito e consideração por parte do Estado e da Sociedade, bem como que seus direitos fundamentais sejam reconhecidos, impedindo assim que seja alvo de qualquer ato degradante e desumano, que firam as suas condições mínimas de uma vida saudável, “além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”45. Nesse sentido Silva refere que: Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana a defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendoa nos casos de direitos sociais, ou invoca-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trata de garantir as bases da existência humana”. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores 46 do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana. Assim, a dignidade da pessoa humana é o elemento aglutinador dos Direitos e Garantias Fundamentais, servindo como princípio básico a toda interpretação de qualquer norma constitucional. 45 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60. 46 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 105. 31 1.2.2 O princípio da dignidade da pessoa humana como valor unificador dos Direitos e Garantias Fundamentais na Constituição Federal de 1988 Como já mencionado a dignidade da pessoa humana se constitui em um princípio maior do Estado Democrático de Direito que engloba todos os demais direitos fundamentais, não se pode pensar em dignidade sem que os demais direitos estejam presentes e vice-versa. Para Moraes: [...] a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparecem como conseqüência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da 47 República Federativa do Brasil. Nesse mesmo sentido leciona Novelino: Há uma relação de dependência mútua entre a dignidade e dos direito fundamentais. Ao mesmo tempo que os direitos fundamentais surgiram como exigência da dignidade de proporcionar um pleno desenvolvimento da pessoa humana, é certo que somente através da existência desses direitos a dignidade poderá ser respeitada, protegida e promovida. Por essa razão, a exigência de cumprimento e promoção dos direitos fundamentais, encontra-se estreitamente vinculada ao respeito à dignidade da pessoa humana. A dignidade deve ser vista aqui como a qualidade de se ter respeitado os direitos fundamentais, esta diretamente ligada ao reconhecimento dos direitos inerentes à pessoa humana, sem os quais não é possível a subsistência, nesse sentido Bonavides leciona: 47 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1998, p. 60. 32 A vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e a dignidade humana, enquanto valores históricos e filosóficos, nos conduzirá sem óbices ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal 48 da pessoa humana. Também, quanto a essa relação da dignidade da pessoa humana com os direitos fundamentais Sarlet defende que tal relação não ocorre em caráter subsidiário, uma vez que uma agressão a direito fundamental pode ao mesmo tempo atingir a dignidade da pessoa humana, nesse sentido tal princípio deve servir como elemento de fundamentação dos demais direitos fundamentais, nas palavras do autor: Nesta linha de raciocínio, sustenta-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, em relação aos direitos fundamentais, pode assumir, mas apenas em certo sentido, a feição de lex generalis, já que, sendo suficiente certo recurso a determinado direito fundamental (por sua vez impregnado de dignidade), inexiste, em princípio, razão para invocar-se autonomamente a dignidade da pessoa humana, que, no entanto, não pode ser considerada como sendo de aplicação meramente subsidiária, até mesmo pelo fato de que uma agressão a determinado direito fundamental simultaneamente poderá constituir ofensa ao seu conteúdo em dignidade. A relação entre a dignidade da pessoa humana e as demais normas de direitos fundamentais não pode, portanto, ser corretamente qualificada como sendo, num sentido técnico-jurídico, de cunho subsidiário, mas sim, caracterizada por uma substancial fundamentabilidade que a dignidade 49 assume em face dos demais direitos fundamentais. Entendida a dignidade da pessoa humana como princípio maior do Estado Democrático de Direito que engloba todos os direitos fundamentais, é importante que se faça uma análise dos direitos fundamentais, uma vez que constituem conteúdo da dignidade da pessoa humana e conseqüentemente do bem comum que constitui a função social do Estado. O princípio da dignidade da pessoa humana possui uma dupla função, uma vez que atua como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, bem como 48 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 516. 49 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 103. 33 confere uma unidade de valor e interpretação a todos os demais direitos fundamentais, na lição de Sarlet: Consoante já anunciado, dentre as funções exercidas pelo princípio da dignidade da pessoa humana, destaca-se, pela sua magnitude, o fato de ser, simultaneamente, elemento que confere unidade de sentido e legitimidade a uma determinada ordem constitucional, constituindo-se, de acordo com a significativa fórmula de Haverkete, no “ponto de Arquimedes de estado constitucional”. Como bem lembrou Jorge Miranda, representando expressiva parcela da doutrina constitucional contemporânea, a Constituição, a despeito de seu caráter compromissário, confere uma unidade de sentido, valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais, que, por sua vez, repousa na dignidade da pessoa humana, isto é, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado, razão pela qual se chegou a afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana atua como o “alfa e omega” do sistema das liberdades constitucionais e, portanto, dos direitos 50 fundamentais. No que se refere à conceituação, são várias as definições de direitos fundamentais apresentadas pelos estudiosos, vejamos algumas. Segundo Jiménez os direitos humanos são faculdades ou prerrogativas da pessoa ou grupo social que regulam a dignidade e existência da pessoa, que se encontram emaranhadas dentro do contexto do Estado de Direito, permitindo a seus titulares exigir da autoridade respectiva a satisfação das necessidades básicas nelas incluídas.51 Alexy define os direitos fundamentais como “aquelas posições jurídicas que, do ponto do direito constitucional, são tão relevantes que seu reconhecimento ou nãoreconhecimento não pode ser deixado à disposição do legislador ordinário” 52. Para Canotilho, os direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídicoinstitucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente, sendo, portanto, direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.53 50 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 79. 51 52 JIMÉNEZ, Eduardo Pablo. Los derechos humanos de la tercera generación. Ed. Ediar, 1997, p. 62. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p. 407. 34 Moraes leciona que os direitos fundamentais, os quais o autor chama de direitos humanos fundamentais, se constituem no meio de imposição de limites ao poder Estatal, uma vez que este ao agir tem que respeitar os direitos fundamentais, leciona: O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade 54 humana. Já para Silva os direitos fundamentais “são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado”55. Carl Schmitt citado por Bonavides refere que existem dois critérios formais para caracterização dos direitos fundamentais, bem como um do ponto de vista material, pelo primeiro, se entende que podem ser designados por direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional, já pelo segundo, os direitos fundamentais são aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança ou são imutáveis (unabaenderliche) ou pelo menos de mudança dificultada (erschwert), são direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição, este é tão formal quanto o primeiro. Já do ponto de vista material, os direitos fundamentais, “segundo Schmitt, variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra. Em suma, cada Estado tem seus direitos fundamentais específicos”56. 53 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 359. 54 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1998, p. 39. 55 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. 56 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 515. 35 Ainda que haja diversas conceituações do que se entende por direitos fundamentais, não resta dúvida quanto a um aspecto, para ser considerado direito fundamental deve haver a previsão do mesmo no texto constitucional e tal direito é essencial ao desenvolvimento do indivíduo. Silva leciona que: Direitos Fundamentais do Homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resultam a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo Fundamentais acha-se a indicação de que trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e , às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e 57 materialmente efetivados. Assim, a expressão direitos humanos aplica-se àqueles direitos inerentes à própria existência do ser humano, que são anteriores ao Estado e por isso inclusive por ele devem ser reconhecidos e respeitados, restando positivados na esfera constitucional de cada Estado Nacional, quando então ganham a roupagem de direitos fundamentais. Após uma breve noção do que se entende por direitos fundamentais, o próximo tema abordado trata das gerações de direitos fundamentais, que se originam da evolução histórica desses direitos, ou seja, como resultado de conquistas históricas da humanidade frente à opressão, desigualdade e injustiça de toda sorte. A abordagem das gerações de direitos tem como base à classificação de Bonavides que estabelece a existência de quatro categorias de gerações de direitos. Salienta-se que alguns autores são contrários ao uso do termo gerações sob o argumento de que esta expressão dá a idéia de que uma geração substitui a outra e na verdade o que ocorre é que os direitos com o passar do tempo vão se acumulando, dentre eles Ingo Wolfgang Sarlet. Porém, Bonavides reconhece que o termo dimensão substitui com vantagem lógica o vocábulo “geração”, caso este seja usado no sentido de significar sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade 57 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 178. 36 dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade, pois os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, “permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia”58. Os direitos fundamentais de primeira geração surgem nas primeiras constituições, objetivando a proteção do indivíduo frente ao Estado, determinando a não intervenção deste, tem por titular o indivíduo, são os chamados direitos de liberdade. Segundo Bonavides: Os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o 59 Estado. São os direitos de oposição perante o Estado, traduzindo-se como faculdades ou atributos da pessoa, tem como traço mais característico a subjetividade, enfim são os direitos de resistência ou oposição perante o Estado. Nesse sentido Bucci leciona: Como se sabe, os chamados direitos humanos de primeira geração, os direitos individuais, consistem em direitos de liberdade, isto é, direitos cujo exercício pelo cidadão requer que o Estado e os concidadãos se abstenham de turbar. Em outras palavras, o direito de expressão, de associação, de manifestação do pensamento, o direito ao devido processo, todos eles se realizariam pelo exercício da liberdade, requerendo, se assim se poder falar, garantias negativas, ou seja, a segurança de que nenhuma 60 instituição ou indivíduo irá perturbar seu gozo. 58 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 178. 59 60 Ibidem, p. 517. BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direito humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de 2006. 37 São os direitos de liberdade, os primeiros a constarem da norma constitucional, são eles os direitos civis e políticos. Importante referir que nessa fase a figura do indivíduo preponderava. Segundo Bonavides “são por igual direitos que valorizam primeiro o homemsingular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica mais usual”.61 No que se refere aos direitos de segunda geração exigem do Estado um comportamento ativo na realização da justiça social, são direitos econômicos, sociais e culturais, que outorgam ao indivíduo direitos e prestações sociais estatais. Nas palavras de Bonavides: Os direitos de segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste 62 século. Segundo Bucci são os direitos cuja principal função é assegurar que todos tenham condições de concretizar os direitos de primeira geração, ou seja, os direitos sociais, ditos de segunda geração, foram formulados para garantir o exercício em sua plenitude dos direitos de primeira geração.63 É representada pelo reconhecimento dos direitos sociais, são conhecidos como os direitos da igualdade, a figura do indivíduo deixa de ser o centro, há uma maior 61 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 518. 62 63 Ibidem, p. 518. BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direito humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de 2006. 38 preocupação com o social, percebeu-se que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo era proteger a instituição, descobria-se assim um novo conteúdo aos direitos fundamentais: as garantias institucionais. Essas garantias revalorizam os direitos de liberdade, que até então eram concebidos da relação de oposição do indivíduo ao Estado, passando dessa concepção de subjetividade para uma de objetividade, no que concerne aos princípios e valores da ordem jurídica existente, sendo que essa foi sua maior importância. Os direitos de terceira geração englobam os direitos de fraternidade ou solidariedade, se distinguem dos demais porque não se referem à proteção do indivíduo mas sim de grupos humanos, como povos, a família, a nação etc. Leciona Bonavides: Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por distinção o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua 64 afirmação com valor supremo em termos de existencialidade concreta. Tais direitos emergiram da reflexão sobre temas como a paz, o meio-ambiente, à comunicação e o patrimônio comum da humanidade, sendo que estes são tidos como os direitos da terceira geração. Segundo Bucci, assim como os de segunda geração, surgiram com o objetivo de garantir os direitos individuais: Da mesma forma os direitos de terceira geração, tais como o direito ao meio-ambiente equilibrado, à biodiversidade e o direito ao desenvolvimento, foram concebidos para garantia mais extensa dos direitos individuais, também em relação aos cidadãos ainda não nascidos, 64 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 523. 39 envolvendo cada indivíduo na perspectiva temporal da humanidade, por 65 isso intitulados ‘direitos transgeracionais’. São direitos que exigem uma ação do Estado e estão ligados ao princípio da fraternidade, congregam setores da sociedade, uma vez que são direitos de grupos, que protegem uma gama de pessoas. Os direitos de quarta geração se referem aos direitos à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo, bem como aos direitos que surgiram contra as novas tecnologias como manipulação genética, mudança de sexo, etc. Nas palavras de Bonavides: São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de 66 convivência. Os direitos de quarta geração reafirmam a idéia de objetividade dos direitos das duas gerações anteriores, como também absorvem a subjetividade dos direitos individuais da primeira geração. Dessa afirmação tem-se que os direitos da segunda, terceira e quarta gerações não se interpretam, mas sim, concretizam. Desse modo, afirma Bonavides “os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política”67. Segundo Bucci, na medida em que as gerações de direitos vão surgindo novos direitos vão sendo agregados ao conteúdo jurídico da dignidade humana, pois 65 BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direito humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de 2006. 66 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 525. 67 Ibidem, p. 526. 40 novos direitos vão sendo reconhecidos e agregados ao rol dos direitos fundamentais.68 Não obstante a classificação que se adote o que deve se ter em mente é que os direitos fundamentais constituem todos aqueles necessários a uma vida digna por parte dos cidadãos, entendida essa como composta por tudo que é necessário a subsistência humana. Os direitos e garantias fundamentais são meros instrumentos de realização da pessoa humana, que devem ser colocados em prática e isso é possível através da criação de políticas públicas as quais possibilitam a plena realização do homem, é o fim a ser atingido. Nesse sentido Dallari refere que: Em conclusão, pode-se afirmar que a proclamação dos Direitos do Homem, com a amplitude que teve, objetivando a certeza e a segurança dos direitos, sem deixar de exigir que todos os homens tenham a possibilidade de aquisição e gozo dos direitos fundamentais representou um progresso. Mas sua efetiva aplicação ainda não foi conseguida, apesar do geral reconhecimento de que só o respeito a todas as suas normas 69 poderá conduzir a um mundo de paz e justiça social. Após uma breve noção do que se entende por direitos fundamentais, o próximo tema abordado trata especificamente da função social do Estado Contemporâneo, que é a obtenção do bem comum, que é representado pela soma dos direitos fundamentais. 68 BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direito humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de 2006. 69 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 213. 41 1.2.3 O bem comum como a função social do Estado Contemporâneo representado pela soma dos direitos fundamentais De tudo que foi exposto pode-se concluir que a função social do Estado Contemporâneo consiste em uma busca pela realização do bem comum da Sociedade, que será concretizado através de ações que serão executadas de acordo com a realidade de cada Sociedade, respeitando as necessidades dos indivíduos que a compõe, os quais deverão contribuir para tanto atuando como fiscalizadores da ação e do dever de agir do Estado. O bem comum é representado pela soma dos direitos fundamentais constitucionais, e estes se caracterizam por serem os direitos que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado, se constituem no meio de imposição de limites ao poder Estatal, uma vez que este ao agir tem que respeitar os direitos fundamentais. Como leciona Silva no termo fundamentais tem-se a indicação de que trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, são imprescindíveis a sua sobrevivência; fundamentais do homem no sentido de que todos os direitos devem ser de igual forma reconhecidos, e materialmente efetivados. Compreendido o conteúdo do bem comum como os direitos fundamentais, conseqüentemente a função do Estado Contemporâneo consiste em assegurar esses direitos aos indivíduos, ou seja, garantir que seus cidadãos tenham acesso a eles, dentre esses direitos merece destaque o princípio da dignidade da pessoa humana, que conforme já exposto, consiste no princípio maior do Estado Democrático de Direito. A dignidade deve ser vista aqui como a qualidade de se ter respeitado os direitos fundamentais, uma vida digna só é possível diante de condições mínimas de subsistência, ou seja, através da concretização de direitos fundamentais como o direito à vida, a saúde, a educação, dentre outros imprescindíveis. 42 Determinado que a função social do Estado Contemporâneo é o bem comum e este é representando pela soma dos direitos fundamentais, os quais por seu turno, são aglutinados pela dignidade da pessoa humana, incumbe ao Estado agir objetivando a busca do bem comum, a concretização dos direitos dos seus cidadãos. Para agir garantindo esses direitos aos seus cidadãos o Estado necessita de recursos financeiros que o mantenham e permitam que monte estruturas capazes de garantir a concretização dos direitos, esses recursos são obtidos por meio da tributação, pela imposição de tributos, isso representa a função fiscal dos tributos. A concretização de direitos pelo Estado não ocorre só pela obtenção de recursos, mas também por meio de ações de intervenção no domínio econômico que visem de certa forma permitir a uma parte da coletividade o acesso aos direitos fundamentais, isso é a função extrafiscal dos tributos, ao desenvolver essa função os tributos deixam de ter caráter apenas arrecadatório e passam a ter uma função social. Desse modo, no próximo capítulo trata-se da função social dos tributos, iniciando-se pela abordagem dos tributos em espécie e posteriormente pelas suas funções fiscal, extrafiscal e social. 43 2 FUNÇÃO SOCIAL DO TRIBUTO Nesse capítulo se aborda a questão principal deste estudo, a função social do tributo, para tanto primeiramente se fará uma breve abordagem dos tributos e suas espécies, para depois tratarmos das suas funções, fiscal e extrafiscal e por fim a sua função social. 2.1 Tributo e suas funções Os tributos são prestações obrigatórias compulsórias exigidas pelo Estado em função da sua soberania, tem como objetivo obter recursos para o funcionamento do Estado, é o mecanismo que o Estado detém para obter suporte financeiro necessário ao seu fim, que é o bem comum. Apesar de trazer a idéia de coerção na sua essência os tributos não têm caráter sancionatório, isto é, não podem ser vistos como uma sanção imposta em decorrência da prática de um ilícito. Quanto ao conceito de tributo vamos corroborar algumas conceituações doutrinárias e sua definição legal em nosso direito positivo. Segundo Difini: Tributos são prestações obrigatórias, em espécie, exigidas pelo Estado, em função do seu poder de império, sem caráter sancionatório. Normalmente visam à finalidade fiscal: obter recursos necessários para o regular funcionamento do Estado. Modernamente, porém, a isso se agrega finalidade extrafiscal: estimular (ou desestimular) certas atividades, como 70 forma de intervenção do Poder Público no domínio econômico. Ataliba define tributo “como a obrigação jurídica pecuniária ex lege, que não se constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é, em princípio, uma pessoa pública, e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei”.71 70 71 DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 17. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 31. 44 Amaro conceitua-o como “prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público”.72 Machado, por seu turno, ao tratar da conceituação de tributo afirma que obstante não ser função da lei conceituar, no caso dos tributos, o legislador, afastando as divergências da doutrina, conceituou tributo no art. 3º do Código Tributário Nacional, desse modo, segundo o autor, “agora se mostra de nenhuma utilidade, no plano do direito positivo vigente, o exame dos diversos conceitos de tributo formulados pelos juristas e pelos financistas”.73 Portanto, o conceito legal de tributo está disposto no CTN, em seu art. 3º, o qual prescreve: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Quanto às espécies de tributos o CTN em seu at. 5º prescreve: “os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”. Do mesmo modo, dispõe a Constituição Federal, em seu art. 145, caput74, os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria, ainda, no artigo portanto a classificação legal de tributos em face do nosso direito positivo se faz em três espécies. De acordo com Sabbag na doutrina hoje prepondera à aceitação de cinco espécies do gênero tributo no atual sistema tributário constitucional brasileiro, 72 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 25. 73 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 54 e 55. 74 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. 45 adotando-se, assim, a Teoria Pentapartida, as espécies são: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições.75 Como o presente estudo não tem como finalidade específica o tratamento de cada espécie, será feita apenas uma sucinta análise de cada uma, limitando-se a explanar algumas noções. Os impostos são tidos como tributos não vinculados, o que significa dizer que sua imposição independe de qualquer prestação estatal específica em favor do contribuinte, uma vez que na hipótese de incidência dos impostos não está especificada nenhuma ação estatal.76 O CTN, em seu art. 16 define imposto: “é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Por certo que ao se afirmar que não há uma prestação específica não importa dizer que o Estado não está obrigado a usar o dinheiro em benefício do contribuinte, o que há é que o serviço estatal prestado não será individualmente para a pessoa que o paga, mas sim será realizado através da prestação de serviços públicos indivisíveis, como segurança, manutenção das forças armadas, do aparelho estatal etc.77 Ainda, segundo Difini os impostos são classificados como: a) reais e pessoais, sendo reais aqueles que incidem sobre um objeto material, uma coisa, os pessoais aqueles em que a tributação incide devido a certas características da pessoa do sujeito passivo; b) diretos e indiretos, onde diretos são tidos como os impostos suportados em definitivo pelo contribuinte, sem possibilidade de transferir a terceiro o respectivo ônus econômico, e os indiretos são aqueles cujo o ônus econômico é ou pode ser transferido pelo contribuinte a terceiro, que poderá repassá-lo a outro, 75 SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 89. 76 DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 25. 77 Ibidem, p. 26. 46 até o consumidor final; e c) fixos, proporcionais, progressivos e regressivos, os fixos são aqueles onde o quantum é estabelecido em valores fixos e determinados, os proporcionais são aqueles em que o valor a pagar é obtido pela aplicação de alíquota em percentual constante sobre a base de cálculo, nos impostos progressivos a alíquota cresce à medida que aumenta a respectiva base de cálculo, já os regressivos a alíquota decresceria à medida que aumentasse a base de cálculo.78 No que se refere às taxas, estas diferentemente dos impostos, são tributos vinculados, assim, pressupõem uma atividade estatal específica prestada aquele contribuinte que a paga. Sabbag, leciona que: A taxa é tributo imediatamente vinculado à ação estatal, atrelando-se à atividade pública, e não à ação do particular. É gravame com hipótese de incidência plasmada em atividade da Administração Pública – uma ação 79 referida direta e imediatamente ao contribuinte. Tanto a CF/88, em seu art. 145, II80, como o CTN, em seu art. 7781, ao se referir as taxas estabelecem os requisitos para sua exigência, podendo ser exigidas por qualquer das pessoas jurídicas de direito público desde que presentes tais requisitos. Dos textos mencionados é possível se extrair que existem dois tipos de taxas: de serviço, que se caracteriza por ter como fato gerador a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível82, prestado ao contribuinte ou 78 DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 27 a 31. 79 SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 93. 80 Art. 145, II. – ver nota de rodapé da p. 45. 81 Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. 82 O art. 79 do CTN refere: [...] II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou necessidade públicas; III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários. 47 posto à sua disposição, isto é, a contraprestação estatal é um serviço público; e pelo exercício do poder de polícia83 além da prestação de serviços públicos as taxas podem ter como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, onde poder de polícia é o poder que tem a Administração Pública de limitar direitos individuais em função do interesse coletivo na manutenção da segurança, ordem, higiene e sossego públicos. A contribuição de melhoria é definida por Machado como: [...] a espécie de tributo cujo fato gerador é a valorização de imóvel do contribuinte, decorrente de obra pública, e tem por finalidade a justa distribuição dos encargos públicos, fazendo retornar ao Tesouro Público o valor despendido com a realização de obras públicas, na medida em que 84 destas decorra valorização de imóveis. Tem como princípio norteador o da “proporcionalidade ao benefício especial recebido” em conseqüência da obra pública realizada, assim, o proprietário favorecido pela obra deve indenizar o Estado por essa vantagem econômica recebida.85 A contribuição de melhoria está disciplinada detalhadamente no CTN nos seus arts. 8186 e 8287, sendo que o primeiro dispõe que o tributo pode ser cobrado 83 O art. 78 do CTN define o conceito de poder de polícia: considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e os direitos individuais ou coletivos. 84 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 435 e 436. 85 SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 103. 86 Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelo Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. 87 Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos: I – publicação prévia dos seguintes elementos: a) memorial descritivo do projeto; b) orçamento do custo da obra; c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição; d) delimitação da zona beneficiada; 48 indistintamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios para fazer face ao custo de obras públicas das quais decorram valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como individual o acréscimo de valor que a obra resultar para cada imóvel beneficiado, já o segundo fixa os requisitos a ser necessariamente observados pela lei ordinária que instituir a contribuição de melhoria. O quarto tipo de tributo são os empréstimos compulsórios que tem previsão legal no art. 14888 da Carta Constitucional, segundo Sabbag, é uma espécie autônoma de tributo que se diferencia dos demais devido a exigência de previsão legal da sua restituibilidade.89 Tal tributo tem como pressuposto, isto é, hipóteses condicionantes, nos termos do art. 148 da CF, despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência ou investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Por calamidade pública entende-se como sérias catástrofes da natureza, como terremotos, maremotos, incêndios, enchentes catastróficas etc., a guerra externa refere-se apenas aos conflitos externos, cuja deflagração tenha sido praticada pela nação estrangeira, já o investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, traduzem-se em antecipação de receita, isto é, arrecada-se aquilo que seria arrecadado em mais tempo em um período menor para ser e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas nela contidas; II – fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação, pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior; III – regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo de sua apreciação judicial. 88 Art. 148 A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b. 89 SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 110. 49 devolvido depois, devendo o investimento reverter em benefício de todo o território nacional.90 E por último, temos as contribuições que tem supedâneo constitucional no art. 14991 e § 1º da CF/88, estas também são chamadas de contribuições parafiscais, contribuições sociais ou contribuições especiais. De acordo com Sabbag: As contribuições são tributos destinados ao financiamento de gastos específicos, sobrevindo no contexto de intervenção do estado no campo social e econômico, sempre no cumprimento dos ditames da política do 92 governo. A CF em seu art. 149 descrimina as seguintes contribuições: contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas. As contribuições denominadas sociais são todas aquelas destinadas ao custeio de seguridade social (contribuições previdenciárias), ou as que forem destinadas a custear projetos sociais, como os de saúde, assistência social, educação, habitação etc. Quanto às contribuições de intervenção no domínio econômico ou CIDEs, como o próprio nome diz, são aquelas em que o Estado intervém na economia nacional com o fim de ora promover um controle fiscalizatório com o intuito de regular o fluxo de produção, ora fomentar determinada atividade, visando uma distribuição de 90 SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 111 e 112. 91 Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. 92 SABBAG, op. Cit., p. 117. 50 renda, isso evidencia o caráter extrafiscal das contribuições interventistas, uma vez que funcionam como nítidos instrumentos de planejamento, buscando corrigir certos segmentos onde há abusos ou distorções, e não somente como meio de arrecadação de recursos para os cofres públicos.93 Machado ao tratar das CIDEs leciona: Esta espécie de contribuições sociais caracteriza-se por ser instrumento de intervenção no domínio econômico. É certo que todo e qualquer tributo interfere no domínio econômico. Mesmo o tributo considerado neutro, vale dizer, com função predominantemente fiscal, posto que a simples transposição de recursos financeiros do denominado setor privado para o setor público, que realiza, configura intervenção no domínio econômico. Por isto se há de entender que a intervenção no domínio econômico que caracteriza essa espécie de contribuições sociais é apenas aquela que se produz com o objetivo específico perseguido pelo órgão estatal competente 94 para esse fim, nos termos da lei. Ainda refere o autor que a finalidade de intervenção no domínio econômico caracteriza a essa contribuição como tributo de função nitidamente extrafiscal, a finalidade deve manifestar-se de duas maneiras: na função da própria contribuição, como um instrumento de intervenção estatal no domínio econômico, e ainda, na destinação dos recursos arrecadados com a intervenção, devendo os mesmos serem aplicados no financiamento da intervenção que justificou a sua instituição.95 Quanto às contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas são as contribuições carreadas aos respectivos sindicatos (contribuição sindical) e aos conselhos e ordens de fiscalização do exercício profissional, são destinadas a propiciar a organização dessas categorias, fornecendo recursos financeiros para sua manutenção. Ainda, o art. 149-A da CF/88 prevê a possibilidade de os Municípios e o Distrito Federal instituírem a contribuição para custear os serviços de iluminação pública 93 SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 121 e 122. 94 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 411. 95 Ibidem, p. 412. 51 (CIP), que foi fruto da Emenda Constitucional (EC) n. 39, de 19/12/02, espécie de tributo que incidirá sobre a prestação do serviço de iluminação pública, efetuada pelo Município, no âmbito do seu território. A EC n. 39 originou-se da pressão que os Deputados Federais e Senadores sofriam, em seus respectivos Estados, dos Prefeitos, os quais instituíam a taxa de iluminação pública, mas o Poder Judiciário sempre a declarava inconstitucional e, então, tinham que embutir essa taxa na alíquota de outros tributos. Portanto, hoje, os Municípios da federação encontram base e fundamentação jurídica para a instituição da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP), no artigo 149-A da Constituição Federal, para desespero dos contribuintes, ainda mais porque o dispositivo constitucional deixou, a cargo dos Municípios, a instituição da CIP, através de Lei Complementar Municipal. Tratado de forma bastante breve os tipos de tributos, uma vez que este estudo não tem o fim de abordá-los de forma exaustiva, passa-se a abordar as funções dos tributos, tema que tem suma relevância ao que se presta a discorrer. Os tributos possuem função fiscal e extrafiscal, a primeira se refere à idéia de arrecadação, ou seja, transferir o dinheiro do setor privado para os cofres públicos. O Estado quer apenas obter recursos financeiros. Já a segunda tem como objetivo o desenvolvimento social através da intervenção nos domínios econômico e social, o legislador fiscal, poderá estimular ou desestimular comportamentos, de acordo com os interesses da sociedade, por meio de uma tributação regressiva ou progressiva, ou quanto à concessão de incentivos fiscais, passa-se a uma abordagem mais detalhada de cada uma. 2.1.1 Função fiscal Como já mencionado a função fiscal do tributo consiste na finalidade de amealhar recursos para o Estado fazer frente as suas despesas. 52 De acordo com Schoueri o Estado Contemporâneo tem como característica ser a sua fonte de financiamento de origem predominantemente tributária, especialmente decorrente de impostos, tanto que menciona a expressão “Estado do Imposto”.96 Para manter-se o Estado necessita de receita e essa é obtida através da imposição de tributos, toda a estruturação do Estado tem um custo, bem como para atingir o seu fim, que é o bem comum, o Estado necessita de recursos para atender as demandas da sociedade, são os tributos que fornecem esses recursos. Rodrigues leciona: Quanto à fiscal, resta latente a idéia de arrecadação, buscando-se junto ao contribuinte os recursos necessários para o sustento da máquina estatal. Aqui, qualquer que seja a espécie tributária , a idéia é de amealhar junto ao bolso privado as somas que permitam às diversas esferas federativas (caso do Brasil) a manutenção de suas engrenagens executivas, 97 legislativas e judiciárias. Machado afirma que quanto ao seu objetivo o tributo pode ser “fiscal quando seu principal objetivo é a arrecadação de recursos financeiros, para o Estado.” 98 Gouvêa ao tratar da fiscalidade leciona: Sabemos que o Direito Tributário tem a finalidade de arrecadar recursos para suprir as necessidades dos cofres públicos e que esta atividade decorre da supremacia do interesse público sobre o interesse do particular. No Estado Democrático de Direito, que obedece a regime constitucional, que valoriza a livre iniciativa e o direito de propriedade, que adota o capitalismo como sistema econômico, cujas regras impedem, ou limitam severamente a atividade econômica estatal, seja como proprietário dos meios de produção, seja como agente econômico, é axiomático adotar-se a 96 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 01. 97 RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 902. 98 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 67. 53 tributação como forma de obtenção de recursos para financiar a 99 concretização dos fins estatais. Assim, a função fiscal dos tributos consiste em servirem estes como meio de arrecadação de receitas para custear a manutenção do Estado, bem como para que possa atender as demandas da sociedade. Entretanto a função fiscal não é a única função que pode ser exercida pelos tributos, não se limitam a amealhar recursos para o Estado, possuem uma função que vai além dos objetivos meramente arrecadatórios, a essa função dos tributos se denomina função extrafiscal, que consiste em o Estado fazer uso dos tributos para estimular ou inibir determinadas condutas, por meio de intervenção no domínio econômico e social. 2.1.2 Função extrafiscal Leciona Berti que a tarefa de identificar a origem histórica da extrafiscalidade não é simples, pois se escreveu pouco sobre isso. No entanto, existem registros de fatos históricos marcantes em que governos fizeram uso de tributos para viabilizar objetivos distintos da simples arrecadação para o Estado, como, por exemplo, os incentivos estabelecidos na Europa pós-guerra, para a reconstrução dos países mediante o uso extrafiscal de impostos variados, o mesmo ocorreu na Alemanha após a primeira Guerra Mundial.100 Em períodos mais distantes há notícias de incentivos fiscais estabelecidos pelas Coroas de Portugal e da Espanha, para o fim de financiamento de viagens em busca do desbravamento de novas terras, o que se verificou também com ingleses e holandeses.101 99 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 40. 100 BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p. 37. 101 Ibidem, p. 37-38. 54 O estudo da extrafiscalidade revela sua presença em épocas diversas da civilização, com sua utilização de maneira variada por sociedades, com o propósito de atingir interesses diversos da mera arrecadação, dirigidos à correção de situações sociais e econômicas anômalas. A função extrafiscal dos tributos ganhou maior destaque a partir do momento em que o Estado passou a assumir maiores atribuições por força das carências e necessidades da sociedade, o que ocorreu com o advento do Estado Social. Para atender as demandas da sociedade faz uso de instrumentos políticos, econômicos e legais, nesse contexto o uso extrafiscal dos tributos ganha destaque e resulta em reflexões, tanto dogmáticas como pragmáticas.102 Segundo Berti o tema da extrafiscalidade tem grande relevância na atualidade à luz de todas as discussões sobre o direito tributário, em especial no contexto moderno em que as demandas sociais são crescentes, e as crises econômicas crônicas e a dinâmica sócio-política apresenta complexidade importante.103 A extrafiscalidade é corolário do Estado Social e sua missão é criar condições para que o Poder Público tenha facilitada sua tarefa de preservar certos direitos que são de suma importância ao interesse público, que sempre deve preponderar sobre o interesse privado, na lição de Berti: [...] a extrafiscalidade é corolário do Estado Social e tem por missão criar condições para que o Poder Público tenha facilitada a sua tarefa de preservar alguns valores que são muito caros à sociedade, cuja realização é de fundamental importância, sobretudo com forma de satisfazer ao interesse público que sempre deve preponderar sobre o interesse privado. Tal escopo é o fim do Estado e também o meio para o desenvolvimento efetivo de um Estado de Direito que realize a justiça fiscal. Evidentemente, há parâmetros para a realização destes fins, todos muito bem definidos na Constituição, geralmente sob a forma de enunciados conhecidos como “Princípios Constitucionais Tributários” ou “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”. Desta forma, é possível afirmar que a extrafiscalidade foi objetivada pelo legislador constituinte, tanto que o mesmo previu regras 102 BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p. 34. 103 Ibidem, p. 11. 55 específicas para estimular seu uso, contudo sempre guardados o respeito e 104 a adequação ao Sistema Tributário como um todo. Segundo Gouvêa “a extrafiscalidade impõe a tributação para que o Estado obtenha efeitos não arrecadatórios, mas econômicos, políticos e sociais, na busca dos fins que lhe são impostos pela Constituição.”105 Baleeiro ao tratar da extrafiscalidade disserta: Costuma-se denominar de extrafiscal aquele tributo que não almeja, prioritariamente, prover o Estado dos meios financeiros adequados ao seu custeio, mas antes visa ordenar a propriedade de acordo com a sua função social ou a intervir em dados conjunturais (injetando ou absorvendo a moeda em circulação) ou estruturais da economia. Para isso, o ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estimular ou desestimular comportamentos, de acordo com os interesses prevalentes da coletividade, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva ou da concessão de 106 benefícios e incentivos fiscais. O uso extrafiscal do tributo tem como princípio inspirador a supremacia do interesse público sobre o particular, isto é, o Estado usa o tributo com a finalidade de prestigiar determinadas situações tidas como social, política ou economicamente valiosas, com o objetivo de atingir fins distintos do arrecadatório, desse modo, privilegia determinadas situações em detrimento de outras, tendo como fundamento o princípio mencionado, os interesses particulares cedem espaço ao interesse da coletividade, permitindo que a segurança da sociedade seja resguardada.107 Nesse sentido Gouvêa leciona que o Estado com fundamento no princípio da supremacia do interesse público sobre o do particular pode exigir o sacrifício de recursos dos indivíduos, visando à realização das suas metas constitucionais.108 104 BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p. 36 - 37. 105 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 46. 106 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 576. 107 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 35. 108 Ibidem, p. 36. 56 Ao definir a extrafiscalidade o autor disserta: A extrafiscalidade é o princípio ontológico da tributação e epistemológico do Direito Tributário, que justifica juridicamente a atividade tributante do Estado e a impele, com vistas à realização dos fins estatais e dos valores constitucionais, conforme as políticas públicas constitucionalmente estabelecidas. Ainda, a atividade estatal é delimitada pelos princípios que 109 revelam as garantias fundamentais do contribuinte. Falcão leciona que “[...] a extrafiscalidade é atividade financeira que o Estado exercita sem o fim precípuo de obter recursos para o seu erário, para o fisco, mas sim com vistas a ordenar ou re-ordenar a economia e as relações sociais. [...]”110. Rodrigues ao tratar do aspecto extrafiscal dos tributos leciona que seu objetivo é à busca do desenvolvimento social a partir, fundamentalmente da intervenção nos domínios econômicos e sociais, o qual pode ser efetivado através do fomento à produção, que pode gerar como conseqüência o aumento dos postos de emprego, ou de reconhecimento de parcelas da sua população que, em razão de seu alto grau de pobreza, devem ficar protegidas (via isenções) da incidência de determinados tributos.111 Nesse contexto Yamashita afirma que as normas extrafiscais podem ser “[...] i) desestimulantes a um comportamento socialmente indesejável, mediante oneração tributária; ou ii) estimulantes a um comportamento socialmente desejável mediante desoneração tributária [...]”112. 109 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 80. 110 FALCÃO, Raimundo Bezerra. Tributação e Mudança Social. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 196. 111 RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 902. 112 YAMASHITA, Douglas. Princípio da solidariedade em Direito Tributário. In: GRECCO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra (coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 62. 57 A extrafiscalidade traduz-se no conjunto de normas que têm por finalidade principal ou dominante a obtenção de determinados resultados econômicos ou sociais, por meio do instrumento tributário. Para Nabais: A extrafiscalidade traduz-se no conjunto de normas que, embora formalmente integrem o direito fiscal, tem por finalidade principal ou dominante a consecução de determinados resultados econômicos ou sociais através da utilização do instrumento fiscal e não a obtenção de receitas. Trata-se assim de normas (fiscais) que, ao preverem uma tributação, isto é, uma ablação ou amputação pecuniária (impostos), ou uma não tributação ou uma tributação menor à requerida pelo critério da capacidade contributiva, isto é, uma renúncia total ou parcial a essa ablação ou amputação (benefícios fiscais), estão dominadas pelo intuito de actuar directamente sobre os comportamentos econômicos e sociais ou fomentando-os, ou seja, de normas que contêm medidas de política 113 económica e social. Em outra passagem disserta que a extrafiscalidade se expande por dois grandes domínios, sendo que cada um traduz uma técnica de intervenção ou conformação social, são eles: a dos impostos extrafiscais, que são orientados para desestimular a prática de determinados comportamentos e a dos benefícios fiscais dirigidos ao fomento, incentivo ou estímulo de determinados comportamentos.114 Segundo Nunes a extrafiscalidade pode ser vista como uma forma de revolução social por meio do Direito, “[...] porque a intenção é obrigar ao pagamento de tributos para mudar o modo-de-ser da sociedade [...]”115. Assim, a função extrafiscal dos tributos tem como finalidade interferir na economia, ou seja, nas relações de produção e de circulação de riquezas, visando à consecução dos fins estatais, que se confundem com a efetividade dos direitos fundamentais. 113 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 629. 114 Ibidem, p. 630. 115 NUNES, Cleucio Santos. Direito tributário e meio ambiente. São Paulo: Dialética, 2005, p. 105. 58 Segundo leciona Gouvêa a diversidade de tributos existentes em nosso sistema tributário, permite que haja uma universalidade de fontes de receitas tributárias e do mesmo modo, uma universalidade de efeitos não arrecadatórios, decorrentes dos tributos.116 Isso implica dizer que a extrafiscalidade pode se manifestar de várias formas, o autor aborda a extrafiscalidade num primeiro momento segundo o nosso sistema tributário, fazendo referência à existência de dois elementos que diferenciam as figuras tributárias, são eles o fato gerador e a destinação dos recursos arrecadados, afirma que esses dois elementos estão sempre presentes em todas as exações tributárias.117 Diante desses dois elementos o autor aborda a extrafiscalidade em cada um deles, com subsídio nos impostos e nas contribuições (sociais e interventivas), por entender que ambas tem maior relevância tanto na área jurídica como econômica. Em relação ao fato gerador a extrafiscalidade se revela na situação onde há indução de comportamentos pela maior ou menor incidência tributária sobre as atividades humanas que o legislador elege como fatos geradores de tributos. O CTN elenca as seguintes categorias de fatos geradores: patrimônio, renda, produção e circulação e comércio exterior.118 No que se refere à renda, segundo Gouvêa, a sua tributação permite efeitos extrafiscais, é o fato gerador de dois tributos, o Imposto sobre a Renda (IR) (CF/88, art. 153, II)119 e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) (CF/88, art. 195, 116 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 135. 117 Ibidem, p. 141. 118 Ibidem, p. 144. 119 Art. 153. Compete a União instituir impostos sobre: [...] III – renda e proventos de qualquer natureza; [...] . 59 I)120, no caso do IR a extrafiscalidade se infere ao fato de o imposto poder incidir de forma progressiva, onerando quem aufere maior renda, já quanto a CSLL a extrafiscalidade está presente na seletividade, que permite que as contribuições onerem de forma diversa os contribuintes em virtude da atividade econômica desempenhada e a intensidade de mão-de-obra que empregam.121 Quanto ao patrimônio, são tributos sobre o patrimônio o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD) e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). No que se refere ao ITR e ao IPTU a extrafiscalidade se revela na progressividade das alíquotas, visando o cumprimento da função social da propriedade, a propriedade improdutiva será mais onerada, de forma a inibir tal atuação. No IPVA é possível efeitos extrafiscais mediante a manipulação de suas alíquotas e com o uso de mecanismos para onerar ou desonerar, com vistas a favorecer ou desfavorecer a propriedade de veículos, fazendo um juízo de seletividade, e ainda com alíquotas progressivas, incidindo mais duramente em veículos mais caros, que em veículos mais baratos.122 O ITBI e o ITCD também ensejam algum efeito extrafiscal através da progressividade de alíquotas e da seletividade, porém de forma bastante tímida, segundo Gouvêa.123 120 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; [...] 121 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 148-151. 122 Ibidem, p. 153. 123 Ibidem, p. 154. 60 Em relação à produção, circulação e consumo, esse é o fato gerador que mais implica em receitas para os cofres públicos, Gouvêa leciona: Por tributação sobre o consumo compreende-se aquela que incide em alguma etapa do processo produtivo, mas que é totalmente repassado via preços ao consumidor final. Por tributação sobre a circulação e a produção, aquela que não é juridicamente repassado para consumidor final. Aquele 124 vai onerar apenas o consumo, este vai onerar o processo produtivo. No caso desses tributos os efeitos extrafiscais são obtidos através da incidência de alíquotas diferentes para produtos concorrentes, alíquota zero ou alguma forma de exoneração que atinja apenas parte desses produtos. São tributos que incidem sobre o consumo o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), o Imposto Municipal sobre Serviços (ISS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), o Programa de Integração Social (PIS), as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE combustível e CIDE royalites.125 Quanto à produção – operações financeiras têm elevada carga extrafiscal, os exemplos de tributos que tem esse fato gerador são o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a já extinta Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF). No IOF o caráter extrafiscal esta na possibilidade de flexibilização da manipulação da alíquota, concedida pela CF/88 e pelo CTN que possibilitam o afastamento dos princípios da anterioridade e a mitigação do princípio da legalidade.126 124 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 155. 125 Ibidem, p. 161. 126 Ibidem, p. 168. 61 E por último os tributos que têm como fato gerador o comércio exterior, são o Imposto de Importação (II) e o Imposto de Exportação (IE), que se apresentam como eficazes instrumentos de política econômica, sua função extrafiscal se revela na proteção e regulação do mercado interno, em face da concorrência internacional.127 Abordada de forma sucinta a questão da extrafiscalidade no fato gerador, passamos agora a uma breve análise da extrafiscalidade na destinação do produto arrecadado, “[...] a ligação entre o fim constitucionalmente valorado que ganha prestígio na norma tributária e a arrecadação dela decorrente. [...]” 128. Gouvêa leciona: De fato, a extrafiscalidade nos tributos tem dois vieses: um pertinente à arrecadação, que reside no fato gerador, outro pertinente à destinação do tributo arrecadado, que corresponde ao aspecto finalístico do tributo, voltado à realização dos fins do Estado e dos direitos fundamentais do 129 cidadão. Os efeitos extrafiscais nesses casos ficam limitados aos contribuintes possíveis do tributo, isso em relação ao fato gerador e no que diz respeito à finalidade das contribuições, também há delimitação subjetiva quanto aos destinatários da norma, que deve coincidir com o grupo de contribuintes ou com o grupo a ele relacionado.130 Como exemplo de contribuições que exercem uma função extrafiscal temos o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), as Contribuições para a Seguridade Social, as Contribuições para o PIS/PASEP, a CIDE combustíveis e a CIDE royalites. Desse modo, conforme leciona Gouvêa o nosso sistema tributário é baseado em dois elementos que permitem verificar variações nos efeitos extrafiscais dos tributos, são o fato gerador e a destinação específica do produto arrecadado. Assim: 127 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 170. 128 Ibidem, p. 173 129 Ibidem, p. 176. 130 Ibidem, p. 182. 62 Cada modalidade de fato gerador guarda potencialidade extrafiscal distinta. O efeito extrafiscal segundo o fato gerador relaciona-se, em regra, com a indução ou repressão de comportamentos, visando à consecução indireta dos fins do Estado. Nas contribuições, a extrafiscalidade decorre tanto do fato gerador, que nem sempre é rigidamente definido pela Constituição, havendo, assim, alguma liberdade legislativa quanto a destinação do 131 produto arrecadado. Ainda, Gouvêa aborda a extrafiscalidade em relação aos institutos do Direito Tributário como as isenções, as imunidades, as reduções de alíquotas e de base de cálculo, os créditos presumidos, as restituições de tributos, as facilidades no cumprimento deveres formais (acessórios), as restituições de tributo, algumas compensações, fenômenos denominados de benefícios, alívios ou prêmios fiscais.132 Nesse contexto o legislador extrafiscal seleciona um meio, que é o instituto tributário, para atingir um fim valorizado pela CF/88, isso ocorre principalmente nos impostos, já que no caso das contribuições o finalismo imposto a estas predeterminado pelo legislador diminui a margem de manobra de que dispõe o legislador ordinário.133 Dentre os institutos citados, daremos maior atenção à isenção, que é tida como dispensa de pagamento do tributo devido, e a imunidade, que consiste na limitação ao poder de tributar, em geral, exercem a função extrafiscal quando atuam estimulando comportamentos mediante a redução da carga tributária.134 Segundo Coêlho, a isenção, tal qual a imunidade, é “simples previsão legislativa de intributabilidade”, é regra que atua juntamente com as previsões impositivas, no aspecto material da norma tributária, definindo sua dimensão. Assim, propõe o autor que a hipótese da norma tributária seja composta por “fatos tributáveis” (segundo a regra impositiva), subtraídos os fatos isentos e imunes, sendo que distingue a isenção da imunidade, por aquela atuar no campo da hipótese da norma tributária, enquanto que esta atua na conseqüência da norma. Ainda, 131 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 189-190. 132 Ibidem, p. 191. 133 Ibidem, p. 192. 134 Ibidem, p. 211-214. 63 Coêlho refere que a distinção essencial entre a imunidade e a isenção é o status constitucional da imunidade, inexistente na isenção.135 Cassone define a isenção como a dispensa do tributo devido, ou que normalmente deveria ser pago, dispensa esta que se dá através de lei ordinária, dentro do campo de incidência do imposto. Nas palavras do autor, é: "[...] a dispensa legal do pagamento do tributo, via de regra concedida face relevante interesse social ou econômico regional, setorial ou nacional [...]”136. Com relação ao fundamento ontológico, isenções e imunidades também apresentam aspectos em comum. Podem existir, segundo Gouvêa: [...] (1) como instrumento em favor da capacidade contributiva, para adequar a previsão genérica e abstrata da norma impositiva, ou (2) como instrumento de política pública, independente da capacidade econômica dos contribuintes. No primeiro caso, tem-se a imunidade recíproca e aquela que beneficia particulares que exercem munus público, como a dirigida a instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos e a isenção da primeira faixa de renda do IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física), que protege o chamado mínimo existencial. No segundo grupo, encontra-se a imunidade dos livros, revistas e periódicos, que, não obstante possam representar mercado promissor, constituem-se veículos de cultura que o Estado pretende preservar, assim como isenções a 137 determinados produtos, cujo mercado incipiente o Estado quer estimular. Segundo Gouvêa as isenções podem ser classificadas em condicionais e incondicionais, temporárias e por prazo indeterminado, gerais e individuais, regionais ou irrestritas. A isenção incondicional é aquela que independe da comprovação do preenchimento de qualquer requisito pelo contribuinte, a ser avaliada pelo fisco. É o caso da isenção da primeira faixa de renda do imposto de renda da pessoa física. A isenção condicional é que depende do preenchimento de algum requisito pelo contribuinte, seja a realização de uma conduta, seja uma situação jurídica, seja uma situação fática. Fundamentalmente, as isenções incondicionadas serão gerais, alcançando todos os contribuintes ou fatos, conforme seja o benefício subjetivo ou 135 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 153. 136 137 CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. Atlas: São Paulo, 1990, pág. 70. GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 211-212. 64 objetivo, já as isenções condicionais serão individuais e dependerão da análise de cada caso pela Administração Tributária.138 Ainda, a isenção pode ser temporária, com prazo preestabelecido, mas pode ser fixada por tempo indeterminado, facultando-se sua revogação por lei posterior ou sua extinção por ato administrativo, se o beneficiário deixou de cumprir os requisitos para sua concessão.139 O CTN, em seu art. 176, parágrafo único, dispõe que “a isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares”. Em regra, restringe-se aos impostos, conforme disposição do art. 177 do mesmo diploma legal.140 As imunidades aplicam-se, em regra, aos impostos. Algumas são gerais, sem a imposição de condições. Por exemplo, as dos partidos políticos, que têm efeito extrafiscal ligado à organização política nacional. Outras, como as das instituições de educação sem fins lucrativos, que prestigiam a finalidade extrafiscal de incentivo à educação, são reconhecidas apenas àqueles que comprovem o preenchimento dos requisitos legais (art. 14 do CTN). Peres define imunidades como: [...] a competência tributária em sentido negativo, prevista no texto constitucional, como direito e garantia fundamentais de certas pessoas em razão de sua situação material ligada a uma atividade essencial e relevante interesse social voltada à prestação de serviços públicos, merecendo a não imponibilidade tributária e afastando a competência do poder de tributar do 141 Estado, nos termos capitaneados pela Carta Política. 138 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 212. 139 Ibidem, p. 212 140 Ibidem, p. 212. 141 PERES, João Bosco. Competência Tributária Negativa - As imunidades Tributárias. Disponível em: <http://www.fiscosoft.com.br/main_index.php?home=home_artigos&m=_&nx_=&viewid=110016>. Acesso em 03: de janeiro de 2008. 65 No mesmo sentido Sabbag disserta: As imunidades representam uma delimitação negativa da competência tributária. Se esta atrela-se ao mister legiferante da instituição de tributos, pode-se dizer que a regra imunitória se traduz em elemento de “incompetência tributária”. De fato, há determinados campos competenciais, nos quais não poderá haver a tributação: são áreas de 142 incompetência tributária, delimitadoras de zonas de intributabilidade. Podemos concluir que de uma forma geral a justificativa doutrinária para a existência das normas imunizantes e isencionais está ligada a conceitos de natureza política e social de determinada sociedade em dado período histórico, com a finalidade de garantir as liberdades individuais, via exoneração de tributos, para não embaraçar a existência de direitos socialmente relevantes. Assim, as normas de impedimento da competência tributária voltam-se para a liberdade de expressão, o acesso à cultura e à liberdade religiosa. Além disso, voltam-se às atividades desempenhadas pelas instituições de educação e assistência social sem lucratividade, às entidades sindicais de trabalhadores, partidos políticos e suas fundações. As imunidades e isenções são meios de realização de extrafiscalidade no âmbito infraconstitucional. Nesse sentido o magistério de Geraldo Ataliba assenta que a extrafiscalidade: [...] consiste no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não-arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros 143 valores constitucionalmente consagrados. Então, pode-se afirmar que os princípios mais valorosos inseridos na Constituição, tais como a segurança jurídica, a justiça e o bem comum, relacionados 142 SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito tributário. 9. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 49. 143 ATALIBA, Geraldo. IPTU – Progressividade in: Revista de Direito Público n. 93, p. 223. 66 aos direitos fundamentais, estão presentes essencialmente na imunidade e isenção tributária, cuja natureza é extrafiscal. A função extrafiscal é desenvolvida pelo Estado através da implementação de políticas públicas, que se constituem no mecanismo de ação do Estado, é por meio delas que o Estado age com o intuito de atender as demandas da sociedade. A utilização da extrafiscalidade (isenção ou imunidade) na implementação de políticas públicas tem por finalidade estimular ações afirmativas, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista a realização de valores constitucionalmente consagrados, como o direito à educação, sobretudo no que diz respeito à sua forma de acesso. Assim, pode-se dizer que as políticas públicas representam os instrumentos de ação dos governos, é através delas que o Estado Contemporâneo busca o implemento dos direitos fundamentais positivos, ou seja, aqueles que exigem uma prestação positiva do Poder Público, sua maior área de concretização em relação aos tributos se refere a sua função extrafiscal, que como mencionado tem como finalidade a intervenção no domínio econômico e social, dessa forma se presta como meio de implementação de políticas públicas, vários são os exemplos da extrafiscalidade dos tributos na esfera constitucional. Entendida a função extrafiscal, bem como seu uso na implementação de políticas públicas, passamos agora a tratar da função social dos tributos, que vai ao encontro de tudo que já foi explanado até o presente momento. 2.1.3 Função social dos tributos A função social dos tributos consiste em afirmar que o tributo não possui só uma finalidade, que é a arrecadatória, mas também tem por finalidade proporcionar ao Estado o alcance das suas metas, ou seja, realização dos seus fins, isso representa a sua função social. 67 Segundo Ribeiro e Gesteiro para fins da compreensão do termo função social do tributo: [...] deve-se primeiramente, considerar que, do preâmbulo da Constituição Federal, constam, como destinação do Estado Democrático, por meio dela constituído, assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Já o artigo 1º da Constituição Federal, em seu inciso III, dispõe que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, enquanto o artigo 170 a coloca como fundamento da ordem econômica brasileira. O 3º da Constituição Federal dispõe que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil consistem na construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos . Dessa forma, os tributos, que são a fonte de recursos do Estado, devem lhe proporcionar o alcance das metas previstas no preâmbulo da Constituição Federal, observando os fundamentos da República Federativa do Brasil e seus objetivos, nunca se limitando à simples arrecadação de valores, ou seja, os tributos devem cumprir com sua função arrecadatória e 144 com sua função social simultaneamente. Isso implica dizer que o produto da arrecadação do tributo deve ser usado para garantir aos cidadãos os direitos assegurados pela Constituição, devem ter como destinação assegurar os direitos fundamentais, possibilitando assim, que o Estado cumpra com a sua função social, com o fim a que se destina, que é a garantia do bem comum. Desse modo, podemos afirmar que a função social do tributo constitui na satisfação das necessidades sociais essenciais da população, destacando-se a alimentação, saúde, vestuário, moradia, educação, acesso ao trabalho, livre iniciativa, livre concorrência, bem como na distribuição do patrimônio e das rendas. 144 RIBEIRO, M. F. e GESTEIRO, N. P. A busca da cidadania fiscal no desenvolvimento econômico: função social do tributo. Disponível em: <http://www.hechosdelajusticia.org/N007/funcion%20social%20tributo.htm>. Acesso em: 25 de abril de 2006. 68 O tributo deve ter como finalidade proporcionar políticas de investimentos e de incentivos, objetivando obter o maior benefício social possível, por meio da mais justa alocação dos recursos públicos. É com a socialização dos tributos, ou seja, o tributo desempenhando a sua função social através da sua aplicação como instrumento social é que será possível desenvolver uma política social justa e distributiva, que alcance as aspirações dos cidadãos e como forma de se alcançar às finalidades a que o Estado se prestou a desenvolver através de sua Carta Constitucional, ou seja, o bem comum. Durante muito tempo a tributação foi vista somente como um instrumento de receita do Estado, aos poucos se descobriu essa outra faceta não menos importante na tributação. Atualmente, com a predominância do modelo do Estado Contemporâneo, não se pode abrir mão do uso dos tributos como eficazes instrumentos de políticas públicas e de atuação estatal, nas mais diversas áreas, sobretudo na social e na econômica. Nesse sentido Ribeiro e Gesteiro lecionam que o tributo é uma ferramenta indispensável ao Estado Contemporâneo, vejamos nas suas palavras: O tributo como instrumento de política econômica conjuntural e estrutural tornou-se uma ferramenta indispensável no Estado contemporâneo. Em realidade, no estabelecimento das políticas de estabilização macroeconômica, de crescimento, de pleno emprego, de estabilidades de preços e de equilíbrio exterior, o tributo surge como um dos mecanismos indispensáveis para a atuação do Estado. Essa perspectiva permite um quadro interno estável a partir do qual a inserção internacional ocorrerá em 145 bases sólidas. Atualmente muito se tem debatido sobre a questão da função social dos tributos, tanto que o Governo Federal e vários governos estaduais146 têm lançado 145 RIBEIRO, M. F. e GESTEIRO, N. P. A busca da cidadania fiscal no desenvolvimento econômico: função social do tributo. Disponível em: <http://www.hechosdelajusticia.org/N007/funcion%20social%20tributo.htm>. Acesso em: 25 de abril de 2006. 146 Como exemplos temos o programa lançado pelo governo federal denominado Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF), realizado em parceria com o Ministério da Fazenda e Ministério da 69 projetos de educação fiscal que visam esclarecer a população que o pagamento de tributos é a maneira que o Estado tem de obter recursos para garantir direitos como saúde, educação, moradia, entre outros. Nesse sentido Ribeiro e Gesteiro dissertam: Além da fundamental importância dos ditames das políticas tributária e social, deve ser destacado que o sistema tributário justo é aquele que contempla a sua implementação com base nos princípios constitucionais tributários. Nessa linha de informação, as Fazendas Públicas desenvolvem Programas de Educação Fiscal visando, acima de tudo, sensibilizar o cidadão para a função social do tributo, possibilitando conhecimentos sobre Administração Pública, incentivando o acompanhamento pela sociedade da aplicação dos recursos públicos. Assim, o governo busca, em suas campanhas, fazer com que a sociedade seja mais participativa e que possa opinar e fiscalizar a ação pública. Embora com o intuito de esclarecer à população sobre a finalidade social do tributo, tais programas, constituem-se de tímidas e 147 incipientes medidas de aproximação entre o fisco e o contribuinte. Desse modo, é através da política tributária, que como visto pode ter caráter fiscal ou extrafiscal, onde a fiscal consiste na atividade de tributação desenvolvida com a finalidade de arrecadar, ou seja, transferir o dinheiro do setor privado para os cofres públicos e a extrafiscal o legislador fiscal, poderá estimular ou desestimular comportamentos, de acordo com os interesses da sociedade, por meio de uma tributação regressiva ou progressiva, ou quanto à concessão de incentivos fiscais, que o Estado obtém recursos financeiros com o intuito de se manter e atingir sua função social. Educação, e coordenado pela Escola de Administração Fazendária – ESAF, que tem como objetivo despertar na população a consciência do que é cidadania e, assim, transmitir-lhe conhecimentos para torná-la apta a fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos. Além da conscientização, a Educação Fiscal pretende, ainda, harmonizar a relação Estado/Cidadão, combatendo a sonegação e sensibilizando a população quanto à função sócio-econômica dos tributos (Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/EducacaoFiscal/PrimeiroSeminario/15PlanejEstrategicodoP NEFePlanejdaSRF.pdf.; o programa lançado pela Secretaria de Estado e Fazenda do Rio de Janeiro chamado educação fiscal no Rio de Janeiro, composto de quatro cadernos didáticos (Disponível em: http://www.educacaofiscal.rj.gov.br/cadernos.shtml) e o Programa Consciência Fiscal lançado pela Secretaria da Fazenda do Estado do Mato Grosso (Disponível em: conscienciafiscal.mt.gov.br/html/noticia.php?codigoNoticia=69 - 26k). 147 RIBEIRO, M. F. e GESTEIRO, N. P. A busca da cidadania fiscal no desenvolvimento econômico: função social do tributo. Disponível em: <http://www.hechosdelajusticia.org/N007/funcion%20social%20tributo.htm>. Acesso em: 25 de abril de 2006. 70 Cabe ao Estado garantir o acesso aos direitos assegurados pela CF/88, porém, nem sempre tal objetivo é atingido, uma vez que, não obstante obter recursos pela imposição de tributos, esses não são suficientes ou então não são distribuídos da melhor maneira, o que faz com que muitos dos direitos que deveriam ser garantidos fiquem a mercê das ações do Estado. Isso leva a pensar na implementação de políticas públicas que permitam uma maior efetivação dos direitos dos cidadãos, assim os tributos “surgem” como instrumentos de políticas públicas que visam garantir os direitos fundamentais, ou seja, como meio de efetivação da função social do Estado. Nesse sentido Rodrigues disserta: A utilização de políticas tributárias, de forma instrumental, tanto em seu aspecto fiscal quanto extrafiscal, visando o cumprimento das funções do Estado, e principalmente de sua função social, qual seja à busca do bem comum, entendido este como de conteúdo dinâmico, entende-se ser da maior relevância prática, mostrando-se como indispensável à 148 administração pública, em qualquer das esferas da Federação brasileira. Assim, o Estado através de políticas tributárias garante aos cidadãos acesso aos direitos fundamentais, são os tributos como instrumentos de políticas públicas, tema abordado no próximo capítulo. 148 RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 891. 71 3 TRIBUTOS COMO INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS Nesse capítulo se aborda a questão principal deste estudo, de que forma os tributos podem servir como instrumentos de políticas públicas possibilitando a efetivação dos direitos fundamentais pelo Estado, para tanto primeiramente se estabelece o conceito de política pública, bem como suas características e os seus tipos, para posteriormente tratar-se especificamente dos meios que o Estado dispõe para usar os tributos como instrumentos de políticas públicas, e por último da efetivação dos direitos fundamentais através das políticas públicas. 3.1 Política Pública Antes de adentrarmos ao estudo da política pública, mais precisamente na definição de política pública, há uma questão que deve ser analisada previamente: a política não é uma norma nem um ato jurídico; contudo, tanto as normas, como os atos jurídicos são componentes da mesma, uma vez que pode ser entendida como "um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado.”149 Segundo Bucci “[...] políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.”150 Para a autora as políticas públicas constituem uma temática oriunda da ciência política, o estudo das políticas públicas está relacionado com a preocupação do Estado em concretizar ações que contemplem os direitos humanos, em particular os direitos sociais. 149 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais, ano 86, n. 737, março, São Paulo, 1997, p. 18. 150 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 240. 72 3.1.1 Conceito, características e tipos de políticas públicas Primeiramente, cumpre conceituar o que convencionalmente denominou-se política pública. Segundo Bobbio a palavra política151 encontra-se associada a tudo o que se relaciona à cidade, civil, sociável ou social. Segundo Bucci o adjetivo “pública”, justaposto ao substantivo “política”, sinaliza tanto os destinatários como também os autores da política. Para a autora, podemos afirmar que uma política será pública quando efetivamente contemplar interesses públicos, ou seja, interesses voltados à coletividade. Ainda, leciona que uma política pública também deve ser expressão de um processo público, no sentido da possibilidade de participação de todos os interessados, diretos e indiretos, permitindo manifestação clara e transparente dos interesses respectivos.152 Desse modo, é possível afirmar que a política pública tem como pressuposto a participação dos cidadãos na tomada de decisões acerca de projetos e atividades que irão influenciar diretamente as suas vidas. Nesse sentido leciona Derani: São políticas públicas porque são manifestações das relações sociais refletidas nas instituições estatais e atuam sobre campos institucionais diversos, para produzir efeitos modificadores na vida social. São políticas públicas porque empreendidas pelos agentes públicos competentes, destinadas a alterar as relações sociais estabelecidas. Evidentemente, tratando-se de ações promovidas pelo agente público, destinadas à sociedade, as finalidades destas políticas serão sempre – para serem aceitas 153 pelo direito – em função do interesse coletivo. 151 “Derivado do adjetivo de pólis (politikós), significa tudo aquilo que se refere à cidade, e, portanto, ao cidadão, civil, público e também sociável e social, o termo ‘política’ foi transmitido por influência de grande obra de Aristóteles, intitulada Política, que deve ser considerada o primeiro tratado sobre a natureza, as funções, as divisões do Estado, e sobre as várias formas de governo, predominantemente no significado de arte ou ciência do governo, isto é, de reflexão, não importa se com intenções meramente descritivas ou também prescritivas (mas os dois aspectos são de difícil distinção), sobre as coisas da cidade”. BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. A filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 159. 152 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 269. 153 DERANI, Cristiane. Privatização e serviços públicos: as ações do Estado na produção econômica. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 239. 73 Para Bontempo as políticas públicas estão diretamente ligadas à implementação dos direitos sociais, enfatizando que o Estado deve ter uma postura ativa para garantir a constitucionalização de tais direitos sociais, com a finalidade de promover condições para que eles possam ser efetivamente usufruídos, e, segundo a autora, estas condições, que devem ser produzidas pelo Estado, nada mais são do que as chamadas “políticas públicas”.154 Importante referir que a visão de política pública está ligada à concepção de Estado que se adota, ou seja, o ideário do modelo de Estado é que irá determinar a política pública a ser adotada. Nesse sentido Bucci disserta: Uma primeira dificuldade em se trabalhar com a noção de política pública em direito diz respeito à relação entre o direito e o modelo de Estado. Pois, se se concebe a política pública como criação do Estado de bem-estar, expressa sempre como forma de intervenção do Estado, e se adota como premissa a exaustão do Estado de bem-estar – o que é uma constatação não apenas de autores neoliberais – seria, discutível definir o Estado contemporâneo como “fundamentalmente, Estado implementador de políticas públicas”. Teria sentido falar em Estado implementador de 155 políticas públicas no caso da era do Estado de bem-estar? No mesmo sentido é a lição de Azevedo, ao afirmar que as políticas públicas, do mesmo modo que qualquer ação humana, são definidas, implementadas, reformuladas ou desativadas com base na memória da sociedade ou do Estado. Afirma que tais políticas são formuladas a partir das representações sociais que cada sociedade desenvolve a respeito de si própria, assim, são ações que guardam intrínseca vinculação com o universo cultural e simbólico, que é próprio de uma determinada realidade social.156 154 BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos sociais. Eficácia e acionabilidade à luz da Constituição de 1988. Curitiba: Juruá. 2005, p. 210. 155 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 244-245. 156 AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. Polêmicas do nosso tempo. Campinas, SP: Autores Associados, 2001. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 08-09. 74 Cada vez mais os estudiosos do direito tem se interessado por essa questão, segundo Bucci: Definir como campo de estudo jurídico o das políticas públicas é um movimento que faz parte da onda, relativamente recente, de interdisciplinariedade no direito. Alguns institutos e categorias tradicionais do direito hoje rarefeitos buscam novo sentido ou nova força restabelecendo contato com outras áreas do conhecimento, das quais vinha se apartando desde a caminhada positivista que se iniciou no século XIX. Ter-se firmado como campo autônomo, dotado de “objetividade” e “cientificidade” — desafios do positivismo jurídico — é hoje um objetivo até 157 certo ponto superado. No Brasil é recente a preocupação com implantação de políticas públicas, um produto do processo do estabelecimento de uma nova organização política do Estado, fundamentada na descentralização, passando o Município a ser reconhecido pela Constituição de 1988 ao lado da União, como um dos membros da Federação, como os Estados e Distrito Federal. As políticas públicas têm, em cada Estado, o respaldo legal da Constituição Federal, da Constituição Estadual e Lei Orgânica do Município. Podem ser definidas como o conjunto de programas de ação governamental voltados à concretização de direitos sociais. Caracterizam-se como um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular. Ainda, segundo Bucci: A necessidade do estudo das políticas públicas vai se mostrando à medida que se buscam formas de concretização dos direitos humanos, em particular os direitos sociais. Como se sabe, os chamados direitos humanos de primeira geração, os direitos individuais, consistem em direitos de liberdade, isto é, direitos cujo exercício pelo cidadão requer que o Estado e os concidadãos se abstenham de turbar. Em outras palavras, o direito de expressão, de associação, de manifestação do pensamento, o direito ao devido processo, todos eles se realizariam pelo exercício da liberdade, requerendo, se assim se pode falar, garantias negativas, ou seja, a segurança de que nenhuma instituição ou indivíduo irá perturbar o seu 158 gozo. 157 BUCCI, Maria Pula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direito humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de 2006. 158 Ibidem. 75 Feitas estas observações, quanto ao conceito de políticas públicas a autora refere uma definição provisória de políticas públicas como sendo “programas de ação governamental voltados à concretização de direitos”. Tais direitos abrangem os direitos fundamentais, inclusive os estabelecidos em pactos internacionais, depois ratificados e internados nas ordens jurídicas nacionais, assim, tal entendimento vem sendo ampliado, a ponto de abranger hoje o direito síntese do desenvolvimento. Para essa definição, mesmo as políticas públicas relacionadas apenas medianamente com a concretização de direitos, tais como a política industrial, a política energética etc., também carregam um componente finalístico, que é assegurar a plenitude do gozo da esfera de liberdade a todos e a cada um dos integrantes do povo.159 Políticas públicas é o conjunto de ações políticas voltadas ao atendimento de demandas sociais, são sempre uma resposta as demandas apresentadas por atores políticos e sociais, como instituições, organizações, grupo de interesses ou lideranças. Azevedo leciona que “política pública é tudo o que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e de suas omissões”160. Também Heringer leciona que política pública “se refere a princípios de ação de determinado governo, orientado para atingir fins e população específicos, ou seja, é um meio para se atingir determinada meta econômica ou social” 161. 159 BUCCI, Maria Pula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direito humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de 2006. 160 AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. et al. (org.) Políticas públicas e gestão local. Rio de Janeiro: Fase, 2003, p. 38. 161 HERINGER, Rosana Rodrigues. Estratégias de descentralização e políticas públicas. In: MUNIZ, J.N; GOMES, E. C. (ed.) Participação Social e gestão pública: as armadilhas da política de descentralização. Belo Horizonte, 2002, p. 85. 76 Boneti ao estabelecer uma definição de políticas públicas leciona: [...] é possível compreender como políticas públicas as ações que nascem do contexto social, mas que passam pela esfera estatal como uma decisão de intervenção pública numa realidade social, quer seja para fazer investimentos ou para uma mera regulação administrativa. Entende-se por políticas públicas o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder, relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil. Tais relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição estatal, que provocam o direcionamento (e/ou o redirecionamento) dos rumos de ações de intervenção administrativa do 162 Estado na realidade social e/ou de investimentos”. As políticas públicas acabam por apresentar-se como uma forma de Estado socialmente forte, na medida em que sua preocupação reside na efetivação de direitos sociais que até o momento apenas estão formalmente previstos, promovendo uma nítida substituição do governo das leis pelo governo das políticas públicas, nas palavras de Bucci: As políticas públicas são instrumentos de ação dos governos – o government by policies que desenvolve e aprimora o government by law. A função de governar – o uso do poder coativo do Estado a serviço da coesão social – é o núcleo da idéia de política pública, redirecionando o eixo de organização do governo da lei para as políticas. As políticas são uma evolução em relação à idéia de lei em sentido formal, assim como esta foi uma evolução em relação ao government by men, anterior ao constitucionalismo. E é por isso que se entende que o aspecto funcional inovador de qualquer modelo de estruturação do poder político caberá 163 justamente às políticas públicas. Assim, se as políticas públicas têm por fim orientar a atuação governamental para um objetivo constitucionalmente previsto, devem estar dirigidas ao cumprimento das tarefas correspondentes à concretização de direitos sociais, como é o caso dos direitos à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia. 162 163 BONETI, Lindomar Wessler. Políticas públicas por dentro. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006, p. 74. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 252. 77 Nesse sentido leciona Schmidt: [...] configuram decisões de caráter geral que apontam os rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população e aos formadores de opiniões as intenções do governo no planejamento de 164 programas, projetos e atividades. As políticas públicas deverão buscar sempre a implementação dos direitos sociais, de sorte que a própria oportunidade e conveniência deverá ser perquirida tomando-se como referencial a ordem social. E na medida em que se compreende o papel imprescindível de tais políticas na vida social e na promoção dos interesses e anseios públicos, percebe-se a importância da participação do cidadão na tomada de decisões que lhe irão afetar diretamente. Bucci refere que uma política pública somente terá êxito se garantido um processo democrático de participação popular: [...] o processo administrativo de formulação e execução das políticas públicas é também processo político, cuja legitimidade e cuja “qualidade decisória”, no sentido da clareza das prioridades e dos meios para realizálas, estão na razão direta do amadurecimento da participação democrática dos cidadãos. O sucesso da política pública, qualquer seja ela, está relacionado com essa qualidade do processo administrativo que precede a sua realização e que a implementa. As informações sobre a realidade a transformar, a capacitação técnica e a vinculação profissional dos servidores públicos, a disciplina dos serviços públicos, enfim, a solução dos problemas inseridos no processo administrativo, com o sentido lato emprestado à expressão pelo direito americano, determinarão, no plano concreto, os resultados da política pública como instrumento de 165 desenvolvimento. Em outra passagem Bucci refere que: As políticas públicas funcionam como instrumentos de aglutinação de interesses em torno de objetivos comuns, que passam a estruturar uma 164 SCHMIDT, João Pedro. Para entender as Políticas Públicas: aspectos conceituais e metodológicos. In: REIS, J. R., LEAL, R. G. Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8, Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2313. 165 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 269. 78 coletividade de interesses. Segundo uma definição estipulativa: toda política pública é um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular. Os elementos das políticas públicas são o fim da ação governamental, as metas nas quais se desdobra esse fim, os meios alocados para a realização das metas e, finalmente, os processos de sua 166 realização. A Sociedade deve ter uma atuação participativa nesse processo de implementação de políticas públicas, no sentido de fiscalizar as políticas existentes e cobrar a elaboração de outras consubstanciando assim, segundo Leal, o que se chama de gestão pública compartida, onde a Sociedade deixa de ter um papel inerte e passa a fazer parte da tomada de decisões, nas palavras do autor: Tal perspectiva condiciona a legitimidade da Administração Pública no Estado Democrático de Direito, à existência de um processo democrático de comunicação política, que institui um espaço permanente de construção de entendimentos racionais, sobre o que se pretende em termos de sociedade e governo, a partir da organização de mecanismos e instrumentos de cogestão que garantam a visibilidade, compreensão e debate das questões comunitárias relevantes (inclusive na definição de quais sejam), para em seguida, se passar ao nível dos seus dimensionamentos em políticas públicas efetivadoras das demandas que elas representam. Ao depois, de maneira não menos importante, mister é que o processo democrático de co-gestão se estenda ao plano da executoriedade e avaliação daquelas políticas públicas definidas, eis que momento particular de esvaziamento do que até então se estabeleceu como tal (por expedientes de cooptação ideológica ou desvio de finalidade 167 político). A construção dessa gestão pública compartida, segundo Leal, pressupõe três bases epistemológicas, são elas: um novo conceito de sociedade, tido aqui como um conjunto de pessoas espacial e temporalmente identificadas como conformadoras de uma comunidade política, de início, agregada em um território de circunscrição nacional-estatal, constituída de múltiplas e polissêmicas culturas e práticas de vida coletiva, norteadas, porém, pelo mesmo plexo axiológico de prerrogativas e deveres individuais e coletivos (dentre os quais, os Direitos Humanos e Fundamentais). 166 BUCCI, Maria Pula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direito humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/politicapublica/mariadallari.htm>. Acesso em: 20 de abril de 2006. 167 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 40. 79 Bem como, uma nova conceitualização de Estado, onde este não se atém a uma ação política e a democracia representativa cede espaço a uma democracia participativa, que consiste numa participação efetiva do cidadão na gestão pública, determinando as políticas a serem adotadas por meio de um diálogo, onde se objetiva atender as reais necessidades dos indivíduos e a terceira base consiste em um diálogo entre todos os atores sociais afetados pela administração, “resgatando o seu lugar histórico neste âmbito, i. é, os mais legítimos fundadores do Estado, do Mercado e da Administração Pública”168. É com base nessa gestão pública compartilhada que o Estado conseguirá atender as demandas de forma mais satisfatória desenvolvendo políticas públicas que possibilitem a inclusão social, uma vez que participarão do processo de determinação dessas políticas, bem como de sua execução e avaliação. Segundo Leal: Tal participação não é formal ou circunstancial, mas fundacional, eis que na ação de gestar a cidade, o cidadão a constitui enquanto lugar de civilização, comunhão e existência digna; é nesta cidade que o homem se torna ser no mundo, porque co-responsável pela sua criação e desenvolvimento, e tudo que diz respeito à cidade diz respeito a ele, 169 simbólica, formal e materialmente. Nesse mesmo sentido Heringer refere que em recentes estudos sobre a questão da gestão pública destacaram pontos que devem ser observados, pois apontam novas alternativas de concepção de prática de política, são eles: 1. É preciso fortalecer as formas democráticas de relacionamento entre Estado e Sociedade, aumentando o grau de responsabilização e de participação do sistema. O conceito e divisão do “público” como um setor reservado e excludente da sociedade civil é hoje uma visão estreita da administração pública. 2. Além da democratização, é necessária a criação de um corpo técnico e político com nova mentalidade, sintonizado com essas novas tendências da administração pública, em outras palavras, uma reforma gerencial com a profissionalização da burocracia, e com funcionários públicos qualificados e permanentemente treinados e imunes das interferências políticas. 168 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 51. 169 Ibidem, p. 56. 80 3. É preciso criar reais condições de sustentação financeira para os municípios, uma vez que o processo de descentralização tem se caracterizado pelo acirramento da competição por recursos, entre os níveis de governo, com evidentes prejuízos para os municípios. 4. A “nova política pública” deve incorporar elementos que passam a se tornar obrigatórios de acordo com as tendências mais recentes: a questão ética; a questão da autosustentabilidade com preservação ambiental; princípios de mais justiça social; e incorporação de segmentos sociais 170 geralmente excluídos, como as mulheres e idosos. Em síntese leciona a autora que se “busca um acordo básico que um ‘bom governo’ se refere a colocar em prática um estilo de governar no qual a separação rígida entre setor público e o setor privado deixa de existir, predominando um espírito de colaboração mútuo”171. O fortalecimento da cidadania participativa se dá com a conquista de canais de comunicação, que veiculam o poder democrático do centro para a periferia. Deste modo, o papel da Constituição é o de assegurar a existência desses canais ou procedimentos de ação comunicativa dos cidadãos, para que os mesmos criem seu próprio direito, uma vez que a lei não pode ser vista como a vontade direta do povo. O que se busca é um novo modelo experimental de Estado e Sociedade Civil, onde a função do Estado é tanto garantir a igualdade de oportunidades aos diferentes projetos de institucionalidade democrática, como também garantir padrões mínimos de inclusão que tornem possível, à cidadania ativa, criar, monitorar, acompanhar e avaliar o desempenho dos projetos de governo e proteção da comunidade. Esses padrões mínimos de inclusão são indispensáveis para transformar a instabilidade institucional em campo de deliberação democrática. Nesse sentido Carvalho leciona: Há consciência de que não bastam políticas. As premissas e as estratégias que embasam seu desenho são fundamentais: O direito social como fundamento da política social. Não há mais espaço para se conduzir à política de forma clientelística, paternalista ou tutelar. O reconhecimento da cidadania implica a adoção de programas e estratégias 170 HERINGER, Rosana Rodrigues. Estratégias de descentralização e políticas públicas. In: MUNIZ, J.N; GOMES, E. C. (ed.) Participação Social e gestão pública: as armadilhas da política de descentralização. Belo Horizonte, 2002, p. 90-91. 171 Ibidem, p. 91. 81 voltadas ao fortalecimento emancipatório (empowerment) e automização dos grupos e populações-alvo das ações públicas. Uma pedagogia emancipatória põe acento nas fortalezas dos cidadãos usuários dos programas e, não mais tão-somente, nas suas vulnerabilidades. Potencializa talentos, desenvolve autonomia e fortalece 172 vínculos relacionais capazes de assegurar inclusão social. Deve se buscar essencialmente um maior entendimento, no sentido de comunicação, entre o Estado, a Administração Pública e Sociedade, para que assim, se possa pensar numa implementação maior de políticas públicas efetivas, que realmente garantam aos cidadãos a efetivação dos seus direitos fundamentais. Certamente, na medida em que este processo democrático for sendo construído, com a participação do cidadão efetivamente se solidificando, possível será a identificação e a escolha de políticas públicas mais eficientes e, por isso, mais acertadas. Isto porque, entre outros fatores, o cidadão consciente da sua fundamental presença no meio social, saberá também dizer o que lhe parece necessário para que seus direitos sejam concretizados. Segundo Azevedo as políticas públicas têm duas características gerais, são elas: a busca do consenso em torno do que se pretende fazer ou deixar de fazer, sendo que, quanto maior for o consenso, mais facilmente as políticas propostas serão implementadas e a definição de normas e o processamento de conflitos, essa definição de normas pode ser tanto para a ação como para a resolução dos conflitos entre os indivíduos e agentes sociais. 173 Tais características se aplicam a todas políticas públicas, que são classificadas em três tipos, segundo Azevedo, são elas: redistributivas, distributivas e regulatórias.174 172 CARVALHO, Maria do Carmo B. de. Gestão social: alguns apontamentos para o debate. In: RICO, E.M; RAICHELIS, R. (org.) Gestão social: uma questão em debate. São Paulo: EDUC; IEE, 1999, p. 27. 173 AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. et al. (org.) Políticas públicas e gestão local. Rio de Janeiro: Fase, 2003, p. 38 174 Ibidem, p. 38. 82 As políticas públicas redistributivas, como o próprio nome já diz, têm como objetivo redistribuir renda na forma de recursos e/ou de financiamento de equipamentos e serviços públicos. Quanto ao financiamento os responsáveis por essa modalidade de política são os estratos sociais de alta renda, sendo que os beneficiados são os de baixa renda, ou seja, se retira dos mais ricos para dar aos mais pobres. Um exemplo de política pública redistributiva é a isenção ou diminuição do IPTU para camadas sociais mais pobres, e o conseqüente aumento do imposto para as classes mais ricas. Assim, segundo Azevedo: Com os recursos da cobrança do IPTU, o município passa a financiar políticas urbanas e sociais com o imposto pago pelos estratos de média e alta renda, promovendo uma redistribuição de renda por meio da maior tributação dos mais ricos e da redução dos encargos dos mais pobres, sem 175 diminuir a arrecadação geral. O problema enfrentado por esse tipo de política é a resistência das classes de alta renda, nas palavras de Azevedo: Uma dificuldade na implementação de políticas redistributivas provém do fato de os setores sociais penalizados pelo financiamento de tais políticas tenderem a se organizar com mais força do que a numerosa parcela social 176 que vai ser beneficiada. A solução para este problema, propõe o autor, é a implementação de políticas mais brandas, onde a redistribuição as classes mais pobres não se de na forma de recursos financeiros, mas sim como serviços e equipamentos fornecidos pelo setor público, ou seja, os recursos orçamentários são compostos majoritariamente pelos estratos de média e alta renda, porém estes são repassados aos estratos mais 175 AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. et al. (org.) Políticas públicas e gestão local. Rio de Janeiro: Fase, 2003, p. 39. 176 Ibidem, p. 39. 83 pobres por meio de programas sociais, visto que esse tipo de política redistributiva mais branda (mediante a realocação de verbas orçamentárias) “tem a vantagem de apresentar menor resistência dos estratos de média e alta renda da sociedade, uma vez que os recursos desses programas são provenientes do orçamento público já existente”177. As políticas distributivas segundo Azevedo são as políticas que possuem objetivos pontuais ou setoriais ligados à oferta de equipamentos ou serviços públicos. São financiadas pela sociedade como um todo através do orçamento público e os beneficiários são pequenos grupos ou indivíduos de diferentes estratos de baixa renda.178 Apresenta como característica não ser universal, uma vez que atende demandas pontuais de grupos sociais específicos. Como exemplo temos a pavimentação e a iluminação de ruas. Porém, diferentemente das políticas redistributivas são de fácil implementação porque raramente há oposição ao atendimento dessas demandas, isso se deve ao fato de serem as mesmas fragmentadas, pontuais e muitas vezes individuais. É o tipo predominante no Brasil, porém em muitos casos ela acaba tendo conotação clientelista, isso se deve ao fato, segundo Azevedo, de que grande parte das políticas desenvolvidas pelo Poder Legislativo tem caráter distributivo, isso se deve a duas razões principais: a primeira é que a população pobre em razão das carências sociais existentes apresenta demandas pontuais e individuais, a segunda é que a implantação dessas políticas reproduz o poder dos parlamentares, que fazem uso das mesmas para trocar por votos nas eleições.179 Exemplos desse tipo de política são as políticas de pavimentação e iluminação de ruas, de auxílio a deficientes físicos e de auxílio a vítimas de interpéries. 177 AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. et al. (org.) Políticas públicas e gestão local. Rio de Janeiro: Fase, 2003, p. 39. 178 Ibidem, p. 39. 179 Ibidem, p. 40. 84 Quanto as políticas regulatórias como o próprio nome já diz, tais políticas têm como objetivo regular determinado setor, isto é, criar normas com o objetivo de fazer funcionar serviços e implementar equipamentos urbanos. Assim, segundo Azevedo, “a política regulatória se refere à legislação e é um instrumento que permite regular (normatizar) a aplicação de políticas redistributivas e distributivas, como por exemplo a Lei do Uso do Solo e o Plano Diretor”. Tem efeito a longo prazo e não traz benefício imediato, uma vez que precisa ser implementada.180 A característica das políticas regulatórias é que atingem as pessoas enquanto indivíduos e não como membros de um grande grupo social, isto é, afetam de maneira diferenciada pessoas pertencentes a um mesmo segmento social, isso dificulta a defesa dessas políticas, pois impossibilita a formação de alianças duradouras e bem definidas para defendê-las. Segundo Azevedo, ainda que distribuam benefícios para a maioria da população, tais políticas também ocasionam perdas e limitações para certos indivíduos ou pequenos grupos, o que pode inviabilizar a implementação da política em questão, vejamos: Embora distribuam benefícios difusos para a maioria da população-alvo, as políticas regulatórias acabam por redundar em perdas e limitações para indivíduos ou pequenos grupos. Isso incentiva a reação pontual dos que se sentem prejudicados. Quando estes pequenos grupos possuem grande “poder de fogo” quase sempre representado pela disponibilidade de recursos econômicos e/ou pela capacidade de articulação política, podem ameaçar a viabilidade da política em questão. Em geral, os cidadãos só percebem a existência das políticas regulatórias quando se sentem 181 prejudicados. Como exemplo desse tipo de política temos a lei do plano diretor, a lei de uso do solo etc. 180 AZEVEDO, Sérgio de. Políticas públicas: discutindo modelos e alguns problemas de implementação. In: SANTOS JR., Orlando A. et al. (org.) Políticas públicas e gestão local. Rio de Janeiro: Fase, 2003, p. 40. 181 Ibidem, p. 41. 85 De todo o exposto podemos concluir que as políticas públicas constituem um campo de estudo descoberto recentemente pelo Direito, especialmente no que diz respeito às especializações, e isso se deve ao fato de que cada vez mais se tem buscado em todos os campos da sociedade uma maior participação desta no processo de Administração Pública. Após essa breve análise das políticas públicas em geral, agora se passa ao estudo das políticas públicas tributárias, suas características, bem como as formas possíveis de sua implementação. 3.2 Tributos como instrumentos de políticas públicas Conforme exposto no capítulo anterior a denominada tributação extrafiscal é aquela orientada para fins outros que não a captação de recursos para o erário. Dessa forma, inserem-se como objetivos da extrafiscalidade: a redistribuição da renda e da terra, a defesa da economia nacional, a orientação dos investimentos para setores produtivos ou mais adequados ao interesse público, a promoção do desenvolvimento regional ou setorial e, sobretudo, como mecanismo de implementação de políticas públicas. Dentro dessa perspectiva, observa-se que a implementação de políticas públicas por intermédio do tributo, subretudo em face da sua finalidade extrafiscal, tem a propriedade de corrigir externalidades, positivas e negativas. Nesse sentido, a tributação, como mecanismo de implementação de políticas públicas, pode ter como propósito, por exemplo, incentivar a geração de empregos, ser utilizada como instrumento para viabilizar o ingresso de estudantes carentes ao ensino superior, incentivar o uso da propriedade com a finalidade de atingir sua função social, garantir o direito ao meio ambiente, conseqüentemente a uma vida digna. De acordo com tais entendimentos, pode-se inferir que a extrafiscalidade constitui-se na aplicação de um modelo jurídico-tributário para a consecução de 86 objetivos que preponderam sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos financeiros para o Estado. O valor finalístico da extrafiscalidade que o legislador incute na lei tributária, portanto, deve atender às necessidades na condução da economia ou correção de situações sociais indesejadas ou mesmo possibilidade de fomento a certas atividades ou ramo de atividades de acordo com os preceitos constitucionais. Conforme abordado no capítulo anterior os tributos podem atingir a função extrafiscal de diversas formas, seja em relação ao fato gerador, situação na qual a extrafiscalidade se revela na indução de comportamentos pela maior ou menor incidência tributária sobre as atividades humanas que o legislador elege como fatos geradores de tributos, sendo considerados fatos geradores de acordo com o CTN o patrimônio, a renda, a produção e a circulação e comércio exterior, seja na destinação do produto arrecadado, nesse caso referindo-se mais especificamente as contribuições. Ainda, abordamos os institutos da isenção e imunidade, concluindo que podem ser usados com a finalidade extrafiscal, por meio da concessão de isenções e imunidades que visem fim diverso do arrecadatório, consistentes na intervenção no domínio econômico e social, visando permitir ao Estado atingir a sua função social. Diante dessas considerações nesse subtítulo faremos menção a tributos que são usados com fim a função extrafiscal, ou seja, exemplos práticos de políticas públicas tributárias com fim a extrafiscalidade. Nesse sentido, primeiramente destacamos o art. 150, § 1º182 da Constituição, que excepciona as regras de 182 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; [...] § 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. 87 anterioridade do exercício e de anterioridade nonagesimal aos impostos de importação, de exportação e operações financeiras; o art. 153, VI e seu § 4º, I 183, que prevê o Imposto Territorial Rural e determina que será progressivo e terá a fixação de alíquotas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; e o art. 182, § 4º184 que estabelece o Imposto Predial e Territorial Urbano, com vistas a constranger o proprietário do imóvel a fazer cumprir sua função social. Quanto ao IPTU, Rodrigues, menciona como exemplo a possibilidade de se conceder isenção em relação a esse imposto com base em fatores pessoais, no que diz respeito a pessoas de baixa renda ou ainda de idade avançada, vejamos: Exemplificativamente cita-se a possibilidade de os Municípios isentarem de IPTU (com embasamento dado pela Súmula 539 do STF), por fatores pessoais, determinados grupos de pessoas, como ocorre em Guaporé/RS, o qual isenta, de acordo com seu Código Tributário, quem: a) tenha mais de 60 (sessenta) anos de idade; b) seja proprietário de um único imóvel urbano ou rural e o utilize exclusivamente para sua residência e de seus familiares; c) comprove, na data do requerimento do benefício, a título de salários federais, renda familiar ou equivalentes, importância não superior a 02 (dois) salários mínimos federais mensais e não tenha qualquer outra renda. d) o tamanho da casa não poderá ser superior a 70 m² e do terreno 185 em 312 m². 183 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] VI - propriedade territorial rural; [...] § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; 184 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. [...] § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. 185 RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 902-903. 88 Nesse mesmo sentido temos também como exemplo o caso do Município de Rio Pardo que determina a isenção nos casos em que o imóvel seja único ou unificado com área edificada não superior a 70 m² (setenta metros quadrados) e área total do terreno não superior a 1.000 m² (um mil metros quadrados) pertencentes a proprietário que o utilize para moradia sua e de sua família cuja renda familiar não seja superior a 02 (dois) salários mínimos estabelecido pelo Governo Federal, no mês anterior ao do lançamento do tributo.186 Berti, ao mencionar exemplos do uso extrafiscal de impostos leciona: Como ilustração deste uso extrafiscal dos impostos, observe-se o que ocorre com aqueles que gravam a propriedade, vale dizer, os impostos que tributam única e exclusivamente a propriedade, tais como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) os quais podem sofrer uma progressividade no tempo, tendo aumentadas suas alíquotas ano após ano a fim de estimular o proprietário do bem objeto da tributação a dar um uso social ao imóvel ou aliená-lo para que outrem o faça, sob pena de sofrer repercussão do aumento da tributação. Também o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) possui uma função extrafiscal sobretudo porque através do aumento de suas alíquotas é possível desestimular investimentos no mercado financeiro canalizando assim os recursos disponíveis para que sejam investidos diretamente na produção; referido imposto tributa também operações de câmbio, pelo que pode ser usado de modo a desestimular a procura por moeda estrangeira na medida em que torne mais onerosa sua aquisição em razão de tributação mais elevada. A extrafiscalidade pode dar-se ainda em relação a impostos aduaneiros, tudo conforme as regras estabelecidas no art. 153, § 1º e no art. 150, § 1º, 187 ambos da Constituição de 1988, [...]. Segundo Berti o uso extrafiscal do IPTU não decorre somente de objetivos de natureza social, como já mencionado, consistente na função social do imóvel expressa por sua utilização correta e legítima, este também pode se orientar por fins econômicos.188 Assim, mediante o uso extrafiscal do IPTU é possível, de acordo com Berti, a Administração pública local promover: o desenvolvimento e ocupação de bairros 186 RIO PARDO, Lei Complementar nº 1.302 promulgada em 30 de dezembro de 2003. Rio Pardo: [s.n.], 2003 187 BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p. 36. 188 Ibidem, p. 112. 89 mais distantes e até então pouco habitados; desocupação de determinada área da cidade congestionada; a preservação e recuperação de prédios antigos; o aumento do número de vagas de postos de trabalho no âmbito municipal; o uso racional do solo e subsolo etc.189 Rodrigues refere outros casos em que a extrafiscalidade desempenha um papel social, o seu uso em campanhas públicas pela redução da poluição ambiental, como exemplo o autor cita o princípio do poluidor-pagador, ou do “imposto verde”, bem como para programas públicos de redução de acidentes, que tem como exemplo o desconto fornecido no Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) aos motoristas que não possuem multa no seu veículo.190 O IPI também possui caráter extrafiscal, nas palavras de Berti: Neste sentido, será possível ao Estado através da alteração para mais ou para menos das alíquotas do IPI alcançar objetivos importantes, distintos daqueles relativos tão-somente á arrecadação de receita tributária ou, ao menos, instrumentalizar e auxiliar a realização de tais objetivos, como verdadeiras metas da Administração Pública, cujo objetivo final sempre é, ou ao menos deveria ser, a realização do bem público mediante um conjunto de medidas contidas em políticas mais amplas que tenham como 191 destinatário final o cidadão e a pessoa humana. Como exemplo o autor menciona a possibilidade de preservar empregos com a redução da alíquota do IPI incidente sobre os produtos da indústria automobilística, quando esta ameaça promover demissões em massa, ainda, fomentar o desenvolvimento de uma determinada região com a concessão de isenções para eventuais indústrias que venham se instalar nessa região, também como forma de estímulo a indústria nacional, aumentando-se as alíquotas dos produtos importados, estimulando, assim, o consumo de produtos nacionais.192 189 BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p. 112. 190 RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta (Org.) Direitos sociais & políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 3. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003, p. 903. 191 BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p. 57-58. 192 Ibidem, p. 60. 90 No que se refere ao IOF, Berti, ao tratar da extrafiscalidade inerente a esse imposto, leciona: [...] o governo dispõe de alguns instrumentos importantes para fomentar políticas desenvolvimentistas que venham a combater tal estado de coisas, procurando retomar os investimentos diretos em detrimento do mercado financeiro, cujo capital é flutuante e de trânsito imediato e imediatista. Um destes instrumentos é justamente o uso extrafiscal do IOF, sobretudo porque, ao elevar consideravelmente as alíquotas deste imposto sobre as operações financeiras ofertadas pelos bancos e demais instituições ao mercado, obviamente em consonância com outras medidas que constituiriam um verdadeiro “plano de ações governamentais”, seria possível tornar menos atrativo aos empresários e grandes agentes da economia, o investimento no mercado financeiro, canalizando recursos, os quais em princípio seriam levados aos bancos e demais instituições financeiras, para o investimento direto na aquisição de máquinas e equipamentos para as indústrias, no desenvolvimento de novas tecnologias, no aumento da produtividade, na contratação de mais mão-deobra e na qualificação daquela já existente, enfim injetando dinheiro 193 diretamente nas empresas e não nas aplicações financeiras. Como demonstrado em alguns exemplos os tributos podem ser usados como instrumentos de políticas públicas contribuindo, assim, para a efetivação dos direitos fundamentais pelo Estado, possibilitando que este alcance a sua função social. Nessa concepção os tributos desempenham o seu papel social, não se limitando apenas ao fim arrecadatório, mas também na promoção de programas de políticas públicas que objetivem permitir aos cidadãos uma vida mais digna alcançando aos mesmos a possibilidade de ter os seus direitos fundamentais concretizados. Assim, as políticas públicas podem ser entendidas como o conjunto de planos e programas de ação governamental voltados à intervenção no domínio social, por meio dos quais são traçadas as diretrizes e metas a serem fomentadas pelo Estado, sobretudo na implementação dos objetivos do Estado e dos direitos fundamentais dispostos na Constituição. 193 76. BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p. 91 3.3 A efetivação dos direitos fundamentais pelo Estado Fiscal através dos tributos enquanto instrumentos de políticas públicas Das considerações tecidas até aqui é possível tirar algumas conclusões: 1ª) a função social do Estado Contemporâneo consiste na busca do bem comum, que é representado pela soma dos direitos fundamentais, entendido que o conteúdo do bem comum são os direitos fundamentais, conseqüentemente a função do Estado Contemporâneo consiste em assegurar esses direitos aos indivíduos, ou seja, garantir que seus cidadãos tenham acesso a eles, dentre esses direitos destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana, que consiste no princípio maior do Estado Democrático de Direito, visto que a efetivação de tal princípio garante a pessoa o direito a uma vida digna que só se reflete diante de condições mínimas de subsistência, ou seja, através da concretização de direitos fundamentais como o direito à vida, a saúde, a educação, dentre outros imprescindíveis. 2ª) o Estado para garantir aos cidadãos os direitos fundamentais necessita de recursos e estes são obtidos por imposição da tributação, é o Estado Fiscal; Leciona Schoueri que o Estado Contemporâneo tem como característica ser a sua fonte de financiamento de origem predominantemente tributária, especialmente decorrente de impostos, tanto que menciona a expressão “Estado do Imposto”.194 3ª) Ao exercer a tributação o Estado a faz pela imposição de tributos, os quais não tem só a finalidade arrecadatória, mas também a finalidade extrafiscal, que implica dizer que os tributos são mecanismos de intervenção no domínio econômico e social com vistas a atingir os objetivos constitucionais aos quais o Estado se propõe, dentre eles destacamos o bem comum; Nesse sentido Meirelles leciona que a extrafiscalidade, portanto, fica adstrita ao interesse público que, “são as aspirações ou vantagens licitamente almejadas por 194 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 01. 92 toda a comunidade administrativa, ou parte expressiva de seus membros”.195 A finalidade da extrafiscalidade da lei tributária, aplicada em vários campos de atuação do homem, repousa no bem comum revestido de utilidade coletiva. Enfim, os efeitos extrafiscais da norma tributária utilizam-se do instrumento financeiro para a provocação de certos resultados econômico-sociais, como reprimir inflação e o desemprego, restaurar a prosperidade, proteger a indústria nacional, promover o desenvolvimento econômico ou o nivelamento das fortunas ou a correção da iniquidade na distribuição da renda nacional, entre outros objetivos. 4ª) Essa função extrafiscal é exercida por meio de políticas públicas, que consistem no mecanismo de ação do governo para atender as demandas da sociedade, as quais devem ter na sua escolha e implementação uma participação da sociedade garantindo, assim, o atendimento dos reais anseios da sociedade. Se as políticas públicas constituem o mecanismo de ação do Estado e é por meio delas que ele atende as demandas da sociedade, que consistem nos direitos fundamentais, ao fazermos uso dos tributos de forma extrafiscal, ou seja, como mecanismo de intervenção no domínio econômico e social, visando à efetivação desses direitos, é possível afirmar que os tributos são instrumentos de políticas públicas, pois o Estado estabelece formas de ações (políticas públicas) por meio de incentivos, isenções, imunidades ou benefícios fiscais, as quais incidem sobre os tributos de modo geral, sendo mais presentes no caso dos impostos. Conforme os exemplos mencionados no subtítulo anterior são diversos os casos em que os tributos podem servir como instrumentos de políticas públicas, em todos eles os tributos são os meios que o Estado se utiliza para atingir um fim distinto da arrecadação de recursos, tem como objetivo a garantia aos cidadãos dos direitos fundamentais. Ao determinar a isenção do IPTU a pessoas de baixa renda está se possibilitando que estas pessoas tenham acesso ao direito à moradia, uma vez que 195 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Editora Malheiros, 1997, pág. 80. 93 caso fossem obrigadas a pagar o imposto, certamente não teriam condições de fazêlo e correriam o risco de perder sua moradia, o mesmo ocorre com a progressividade das alíquotas estabelecida com o intuito constranger o proprietário do imóvel a fazer cumprir sua função social, caso semelhante ao do ITR que é progressivo e tem a fixação de alíquotas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas; Ainda, a extrafiscalidade desempenha um papel social, com o seu uso em campanhas públicas pela redução da poluição ambiental - o princípio do poluidorpagador - ou do “imposto verde”, que visam garantir a sociedade o direito a um meio ambiente limpo, bem como para programas públicos de redução de acidentes, que tem como exemplo o desconto fornecido no IPVA aos motoristas que não possuem multa no seu veículo, protegendo, assim, o direito a vida. Nota-se que, mediante a redução da alíquota do IPI é possível preservar empregos das indústrias que ameaçam fazer demissões em massa, garantindo assim, o direito ao pleno emprego, bem com a concessão de isenções a indústrias que se estabelecem em regiões menos favorecidas, garantindo assim, a abertura de postos de empregos nessa região. Como demonstrado diversos são os exemplos em que os tributos podem servir como instrumentos de políticas públicas visando à concretização dos direitos fundamentais. Diante de todo o exposto pode-se afirmar que os tributos constituem-se em um importante mecanismo de ação do governo no intuito de atender as demandas da Sociedade, o desenvolvimento de políticas públicas por meio dos tributos mostra-se como um mecanismo eficaz de que o Estado dispõe para obter a consecução do seu fim, que é a busca do bem comum. 94 CONCLUSÃO Tendo em vista os aspectos observados, somos levados a crer que o tema das políticas públicas tributárias tem despertado muito a atenção dos estudiosos do direito, que se mostram preocupados não só com o estudo das leis, bem como dos direitos concedidos aos cidadãos, mas também com a forma que esses direitos serão assegurados pelo Estado, a nosso ver isso se deve ao fato de que diante do mau desempenho do Estado de sua função social, com uma conseqüentemente violação constante aos direitos fundamentais, cumpre aos estudiosos do direito, bem como aos demais estudiosos das ciências humanas, buscar soluções para essa questão. Esse foi o motivo da escolha desse tema para desenvolver a pesquisa, com o objetivo de despertar o interesse de mais estudiosos, com o intuito de que se pense cada vez mais nos tributos como mecanismos de desenvolvimento do social e não só como forma de arrecadação, possibilitando assim, ao Estado desenvolver a sua função social, que consiste na busca do bem comum, uma vez que esta não tem sido desempenhada de forma satisfatória. Buscou-se no decorrer da pesquisa demonstrar esta “outra faceta” dos tributos, que devem além de servir como forma de arrecadação para o Estado, servir como mecanismo de desenvolvimento do social, buscando sempre atingir ao fim social do Estado. Dessa forma, num primeiro momento vimos que a característica principal do Estado Contemporâneo é a preocupação com o social, é o Estado das prestações, deve garantir e preservar os direitos de seus cidadãos, sua função social consiste em garantir o bem comum, representado pela soma dos direitos fundamentais. Assim, o direito a uma vida digna só é possibilitado aos cidadãos através da garantia de acesso aos direitos fundamentais, que representam os direitos imprescindíveis à subsistência humana, dentre eles o direito a vida, a liberdade, a saúde. 95 Direitos esses que como vimos foram sendo reconhecidos através do tempo, sendo classificados como gerações de direitos, que são quatro e refletem a maneira com que esses direitos vêm sendo reconhecidos ao longo do tempo. O Estado para garantir esses direitos, bem como manter-se necessita de recursos financeiros e esses com vimos são obtidos através da imposição de tributos, é o estado Fiscal que se manifesta. Os tributos são as prestações pecuniárias pagas pelos cidadãos, como vimos são classificados em cinco tipos, os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições, possuem além da função arrecadatória a função extrafiscal, que consiste no uso dos tributos como mecanismos de intervenção no meio econômico e social, através do estimulo ou desestímulo a certas ações, ou ainda, por meio de aumento ou diminuição de alíquotas, ou pela sua progressividade obedecendo certos fatores, pela concessão de isenções, benefícios ou incentivos, sempre objetivando fins sociais. Como sabemos cabe ao Estado garantir e possibilitar o acesso aos direitos fundamentais consubstanciados na nossa Carta Magna, nesse contexto, os tributos como instrumentos de políticas públicas desempenham um papel fundamental, pois possibilitam que os cidadãos tenham uma maior efetivação dos seus direitos fundamentais. Cada vez mais devem ser desenvolvidas políticas públicas nesse sentido, não podemos ficar limitados às poucas políticas existentes, cada vez mais se deve buscar meios que permitam uma maior efetivação dos direitos fundamentais. Desse modo, as políticas públicas devem consistir em uma ação governamental que vise efetivamente atender as demandas da sociedade, sob pena de se tornar inócua, por não estar ligada a consecução dos fins do Estado. Para que isso seja possível é necessário que haja uma participação da Sociedade no processo de escolha, implementação e fiscalização dessas políticas, tal idéia tem sido defendida arduamente pelos estudiosos do direito, que vêem na 96 gestão pública compartida uma forma de possibilitar que o Estado desenvolva políticas que atendam aos reais anseios da Sociedade, assim, devem trabalhar juntos na busca do bem comum. Dessa forma o Estado estará desempenhando a sua função social, pois sua atuação atenderá as demandas da Sociedade, a sua atuação deve ter sempre como objetivo principal o interesse coletivo, a garantia e a efetivação dos direitos fundamentais sem os quais o ser humano não tem condições de viver uma vida digna e é através da implementação de políticas públicas efetivas, ou seja, que atendam as demandas sociais, que o Estado estará desempenhando a sua função social. 97 REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997. ARISTÓTELES. Ética e Nicômacos. Tradução de Mário da Gama Kury. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997. ______. IPTU e progressividade. RDP 93/223. ______. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998. 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