Eu não tenho culpa, não!
Deixamos a Sirley com o olho roxo
Nelito Fernandes
As famílias têm culpa, sim!
Junia de Vilhena
O Globo - Edição de 29 de junho de 2007
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Já disse isto antes: se prevalece a tese de que todos somos
culpados por este contrato social entre violação legal e
violência social que caracteriza a cultura de impunidade
brasileira, não haverá nunca culpados!
Pois o maroto princípio de que os costumes ou a cultura tudo
justificam é que nos levará à barbárie e nos impede de crescer
e acontecer enquanto civilização!
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A empregada doméstica Sirley Dias de Carvalho
Pinto, de 32 anos, teve a bolsa roubada e foi
espancada por cinco jovens moradores de
condomínios de classe média alta da Barra da
Tijuca, na madrugada do dia 23/06/2007. Os
golpes foram todos direcionados à sua cabeça.
Presos, os rapazes confessaram o crime. Como
justificativa para o que fizeram, alegaram ter
confundido a vítima com uma prostituta.
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Eu não aceito a parte da culpa que o jornalista Nelito
Fernandes e a psicanalista Junia de Vilhena querem me
impor em seus respectivos artigos da última sexta-feira aqui
mesmo neste jornal!
Eu não espanquei ninguém! Minha família me educou
dentro do mais rigoroso temor e respeito à lei! Como aposto
que os pais do jornalista Nelito Fernandes e da psicanalista
Junia de Vilhena, também! Se não, não estariam a participar
do debate nacional escrevendo artigos sobre a violência
social e a cultura de impunidade brasileira!
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Só que estão a pensar torto, uma idéia fora de lugar, como já
me referi num artigo aqui mesmo! Como, aliás, é típico da
mentalidade de nossa mais privilegiada elite social!
Estão a diluir a culpa de um bando de jovens delinqüentes
para toda a sociedade e não para os verdadeiros culpados
que, em primeira instância, são eles mesmos e, em segunda
instância, o Estado brasileiro nas pessoas de suas
autoridades judiciárias e políticas que não garantem
minimamente a vida, a segurança e a justiça para os
cidadãos apesar dos altos impostos que cobram!
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Eu não sou culpado, não! Eu não aceito esta generalização de
transformar culpa pessoal, caracterizada e tipificada no código
penal, em culpa social diluída por toda a sociedade e pela fatídica
cultura brasileira. Assim como as belas metáforas dos textos dos
artigos do jornalista e da psicanalista explicam fenômenos mas não
apontam direções a seguir.
Fenômenos econômicos que fazem um bom vinho custar mais do
que o salário de um emprega doméstica, não apenas no Brasil, mas
em todo o mundo, não justificam a cultura de impunidade
praticada pelas mais altas autoridades públicas brasileiras!
Fenômenos lingüísticos como eufemismos da mídia também não,
pois ocorrem em todos os sistemas de reprodução simbólica da
cultura de impunidade para além da mídia. Como nas famílias, nas
escolas, mas sobretudo nos governos, nos legislativos e nos
tribunais!
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Assim como não me satisfaz mais as antropologias de
botequim que querem “explicar” no retorno à nossa história
colonial as mazelas de nossa atual cultura de impunidade, não
posso mais admitir a diluição da culpa para toda a sociedade,
pois faço parte dela, pago meus impostos com sacrifício e luto
diariamente no campo de minha profissão para contribuir com
o fortalecimento de uma cultura de cidadania, que entendo ser
a única solução para por limites concretos à cultura de
impunidade brasileira.
Pois preconceitos culturais de chamar trabalhadora pobre de
prostituta e índio de mendigo não justificam não tomarmos
nenhuma atitude concreta para além de nos indignar e
continuarmos a chamar ladrão indecoroso de dinheiro público
de senador ou deputado!
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A pauta das reformas imprescindíveis é clara e inadiável!
Reformas integrais do sistema político e não o pastiche da
reforma eleitoral em pauta e de interesse dos mesmos caciques
demagogos de sempre. Reforma do código de processo penal com
adição, às penas privativas de liberdade, pesadas penas
pecuniárias e de prestação de serviços, sobretudo para crimes
difusos contra o interesse público.
E, por fim, reforma de nossa mentalidade cultural de achar que
cultura não se muda, que estamos condenados de ante-mão à
fatalidade histórica e ao fracasso civilizatório, nós mesmos que
somos os únicos que podemos mudar: a elite social dos
profissionais de comunicação, dos profissionais liberais e dos
empresários brasileiros que tem acesso à mídia, um dos mais
eficazes sistemas de (re)produção de valores na sociedade.
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Temos de parar de sentir esta ancestral culpa cristã que nos faz
confundir caridade, solidariedade e boa conduta social com
plena cidadania; nos faz trocar responsabilidade política
empresarial por responsabilidade social empresarial; nos faz
acreditar que a autoridade pública, de um estado forte e
eficiente em suas estritas atribuições de garantia da vida, da
segurança, dos contratos, da propriedade e da justiça, pode
continuar sendo usurpada pelos demagogos de sempre de uma
classe política desonrada que quer apenas engordar mais ainda
um estado-mamute, falso provedor de riqueza e renda, para
perpetuar poder, mentira, enganação, corrupção, impunidade,
patrimonialismo e uma miséria milenar, que é muito mais da
cultura política das elites que pensam torto do que da miséria
social e econômica de toda a sociedade.
Jorge Maranhão
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