Caso em Análise
ENRON CORPORATION
Rodrigo Fragoso
Rio de Janeiro, outubro de 2008
ESCOLA DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
AULA 3
(1) Sonegação de energia elétrica (“apagão”) para
manipulação de preços e valores mobiliários.
(2) A Lei “Sarbanes-Oxley” de 2002 (Sarbox). A
governança corporativa no Brasil e os novos
“níveis de mercado” na BM&F-Bovespa.
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O fato:
ENRON manipulou preços de energia elétrica
suspendendo o fornecimento para as
companhias de distribuição situadas no
Estado da Califórnia, resultando em
“apagões” nos anos de 2000 e 2001, com
prejuízo para milhares de domicílios e
indústrias locais.
Também “seguraram” o envio de energia para
forjar contas excessivas.
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As fitas
Apreenderam na ENRON fitas com gravações telefônicas de um
diretor de nome “Bill” com um funcionário de nome “Rich”, que atuava
na estação de Las Vegas, dizendo para tirar a estação do ar com uma
desculpa inventada:
“Queremos que vocês, rapazes, sejam um pouco criativos e
encontrem uma razão para a queda de energia”, disse Bill em uma
das fitas.
“Qualquer tipo de procedimento”, prossegue Bill
“OK, então nós vamos derrubar para algum tipo de manutenção, um
tipo de apagão forçado”, reponde Rich.
“Penso que é um bom plano, Rich”, diz Bill, “Eu sabia que podia
contar com você”.
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Em 17 de janeiro de 2001, as distribuidoras de energia,
dependentes da ENRON para fazer a eletricidade chegar
às residências, denunciaram que a industria só dispunha
de 55% da energia necessária para vender.
A pressão fez com a energia chegasse a ser vendida em
sistema de bolsa para elevar mais ainda os preços através
de leilões. Em janeiro de 2001 foi denunciado que as
tarifas cresceram mais de 1000%, em um ano passando
de 30 para 333 dólares o megawatt/hora.
Essa é a “face negra” da desregulamentação federal da
eletricidade nos EUA.
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Hipótese em exame:
Concessionária de energia elétrica que
suspende o fornecimento com o fim de
manipular o mercado e/ou majorar preços.
Qual seria a conseqüência jurídica no Brasil?
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Lei de Concessões de Serviços Públicos - Lei 8.987 de
13.2.95.
Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a
prestação de serviço adequado ao pleno atendimento
dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas
normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de
regularidade, continuidade, eficiência, segurança,
atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e
modicidade das tarifas.
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Em suma, o serviço deverá ser prestado:
(a) indiscriminadamente para todos os usuários
(generalidade),
(b) constantemente (permanência/continuidade),
(c) satisfatoriamente qualitativa e quantitativamente
(eficiência),
(d) com preços razoáveis (modicidade) e
(e) com bom tratamento ao público (cortesia).
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Em caso de descumprimento:
Desatendido qualquer destes requisitos será o concessionário
exposto as sanções regulamentares ou contratuais
estabelecidas na concessão, além da extinção da concessão
por caducidade*.
*é a rescisão do contrato de concessão por inadimplência do
concessionário (art.38 Lei 8987/95). A caducidade deverá ser
declarada por decreto do poder concedente, após a
comprovação da inadimplência do concessionário, mediante
processo administrativo, respeitando o princípio do
contraditório.
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Enquadramento jurídico-penal:
-crime contra a economia popular (Lei 1.521/51),
-crime contra a ordem econômica (Lei 8.137/90, artigos
4 a 6)
ou
-crime contra as relações de consumo (CDC, artigos 61
a 74 e Lei 8.137/90, artigo 7)?
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Lei 1.521/51 – Lei de Economia Popular
Art. 3º. São também crimes desta natureza:
...
IV - reter ou açambarcar matérias-primas, meios de
produção ou produtos necessários ao consumo do
povo*, com o fim de dominar o mercado em qualquer
ponto do País e provocar a alta dos preços;
Pena - detenção, de 2 (dois) anos a 10 (dez) anos, e
multa, de vinte mil a cem mil cruzeiros.
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*Produtos necessários ao consumo do povo: Lei 1.521/51, art. 2o.,
parágrafo único:
“Parágrafo único. Na configuração dos crimes previstos nesta Lei, bem
como na de qualquer outro de defesa da economia popular, sua
guarda e seu emprego considerar-se-ão como de primeira
necessidade ou necessários ao consumo do povo, os gêneros,
artigos, mercadorias e qualquer outra espécie de coisas ou bens
indispensáveis à subsistência do indivíduo em condições higiênicas e
ao exercício normal de suas atividades. Estão compreendidos nesta
definição os artigos destinados à alimentação, ao vestuário e à
iluminação,
os terapêuticos ou sanitários, o combustível, a
habitação e os materiais de construção.”
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Lei 1.521/51
(Economia popular)
Lei 8.137/90
(Tributária, Econômica e
Consumo)
• Art. 3º. São também crimes
desta natureza:
• Art. 4° Constitui crime contra a
ordem econômica:
IV - reter ou açambarcar
matérias-primas, meios de
produção ou produtos
necessários ao consumo do
povo, com o fim de dominar o
mercado em qualquer ponto
do País e provocar a alta dos
preços;
REVOGADO
IV - açambarcar, sonegar, destruir
ou inutilizar bens de produção
ou de consumo, com o fim de
estabelecer monopólio ou de
eliminar, total ou parcialmente,
a concorrência;
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Lei 8.137/90 – art. 7º., VI
“Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
....
VI - sonegar insumos ou bens, recusando-se a vendêlos a quem pretenda comprá-los nas condições
publicamente ofertadas, ou retê-los para o fim de
especulação.”
Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
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A energia elétrica é um insumo ou um bem?
Insumo: matéria-prima e serviços empregados nas etapas de produção.
Bem: aquilo que tem utilidade para satisfazer uma necessidade ou suprir
uma carência.
Código Penal, art. 155, § 3º - “Equipara-se à coisa móvel a
energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor
econômico”.
Energia elétrica → coisa móvel → res furtiva → BEM ECONÔMICO
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Objetividade jurídica: tutela dos interesses econômicos
ou sociais do consumidor.
Sujeitos do delito:
Ativo
fornecedor (crime próprio)
Passivo consumidores (coletividade)
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Co-autoria e participação – Lei 8.137/90, artigo 11
“Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa
jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas
penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.
Parágrafo único. Quando a venda ao consumidor for efetuada por
sistema de entrega ao consumo ou por intermédio de outro em
que o preço ao consumidor é estabelecido ou sugerido pelo
fabricante ou concedente, o ato por este praticado não
alcança o distribuidor ou revendedor.”
distribuidor ou revendedor
→
comerciante
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Tipo objetivo:
(1) sonegar: ocultar, esconder, recusar-se a vender após
anunciar publicamente.
(2) reter “para o fim de especulação”: armazenamento.
Especulação: “operar comercialmente com o intuito de lucros
exagerados, em conseqüência de ausência de
determinado bem no mercado consumidor.”
(Paulo Sandroni, Dicionário de administração e finanças. Ed. Bestseller, 2001)
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Tipo subjetivo:
Na modalidade de “sonegação”: dolo genérico
Na modalidade de “retenção”: dolo genérico + especial
fim de agir (especular)
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(2) SARBANES-OXLEY ACT (“SARBOX” ou “SOX”)
- Promulgada em 30.07.2002.
- Estabeleceu novos deveres e responsabilidades aos
altos executivos.
- Objetivo: recuperar a credibilidade do mercado de
capitais, através da valorização da transparência da
atividade empresarial, tanto no processo decisório
como nos mecanismos internos de controle.
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Alterações na lei penal norte-americana (US CODE):
(1) Incriminação da “fraude com valores mobiliários”.
(2) Incriminação da “certificação falsa de demonstrativos
financeiros”,
responsabilizando
penalmente
o
Presidente (CEO) e o Diretor Financeiro (CFO).
Pena- multa de USD 5MM e prisão até 20 anos. Se
culposo, multa de USD 1MM e 10 anos de prisão.
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(3) No crime de “conspiração”, igualdade de penas se
consumado ou tentado.
(4) No crime de “obstrução da justiça”, majoração da
pena até 20 anos de prisão.
Pena também para auditores e contadores pela
“não-manutenção de documentos por cinco anos”.
(5) Delação premiada para funcionários que forneçam
informações sobre fraudes (“whistle-blowing
employees”).
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Fraude com valores mobiliários
(US CODE, Title 18, Chapter 63, #1348):
“realizar ou tentar realizar esquema ou artifício para
fraudar qualquer pessoa relacionada a valores
mobiliários, ou obter, por meios falsos ou
fraudulentos, dinheiro ou propriedade em conexão
com a compra ou venda de título mobiliário.”
Pena – multa e privativa de liberdade até 25 anos.
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US CODE
(Title 18, Chapter 63, #1348):
Fraude com valores mobiliários
“realizar ou tentar realizar
esquema ou artifício para
fraudar qualquer pessoa
relacionada a valores
mobiliários, ou obter, por
meios falsos ou fraudulentos,
dinheiro ou propriedade em
conexão com a compra ou
venda de título mobiliário.”
Lei 10.303/2001
(art. 27-C)
Manipulação do Mercado
“Art. 27-C. Realizar operações
simuladas ou executar outras
manobras fraudulentas, com a
finalidade de alterar artificialmente
o regular funcionamento dos
mercados de valores mobiliários
em bolsa de valores, de
mercadorias e de futuros, no
mercado de balcão ou no
mercado de balcão organizado,
com o fim de obter vantagem
indevida ou lucro, para si ou para
outrem, ou causar dano a
terceiros.”
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Principais exigências societárias a partir da “SOX”:
(1) Governança corporativa
(2) Auditor externo independente
(3) Comitê de auditoria obrigatório e independente
(4) Controle interno obrigatório (novas exigências para
o Departamento Jurídico).
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Princípios da governança corporativa:
http://www.ibgc.org.br
“Transparência: mais que a obrigação de informar, é o desejo de
disponibilizar, para as partes interessadas, as informações que sejam
de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de
leis ou regulamentos;
- Eqüidade: respeito pelos direitos de todas as partes interessadas;
- Prestação de Contas: responsabilidade integral pelos atos
praticados no exercício dos mandatos;
- Responsabilidade corporativa: zelar pela perenidade das
organizações, incorporando considerações de ordem social e
ambiental no longo prazo na definição dos negócios e operações
(sustentabilidade empresarial).”
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GOVERNANÇA CORPORATIVA NA BMF-BOVESPA
A Bolsa de Valores de São Paulo aderiu às práticas de
governança corporativa, criando segmentos especiais de
“listagem” destinados a empresas com padrões superiores de
governança corporativa.
Além do mercado tradicional, passaram a existir três segmentos
diferenciados de governança: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado.
Objetivo: "estimular o interesse dos investidores e a valorização
das empresas listadas".
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Níveis de mercado na BMF-BOVESPA
Nível 1- Exigência de práticas adicionais de liquidez das
ações e disclosure (divulgação de fatos relevantes).
Nivel 2- Adoção de práticas adicionais relativas aos direitos
dos acionistas e Conselho de Administração.
Novo Mercado- Diferencia-se do Nível 2 pela exigência para
emissão exclusiva de ações com direito a voto.
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Exemplos:
Nível 1 – Petrobrás*, Bradesco, Itaú S/A.
Nível 2 – TAM, GOL, Eletropaulo.
Novo Mercado – B2W, BMF Bovespa
*Ver relatório de certificação sobre Governança Corporativa.
(www.bovespa.com.br)
Resultados esperados:
(1) redução das incertezas no processo de avaliação, investimento e de
risco;
(2) aumento de investidores interessados; e, conseqüentemente, o
fortalecimento do mercado acionário.
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Desafios:
- Serão eficazes no exercício de “controle” as regras de
governança?
. O problema da efetivação dos controles dos
comitês de auditoria e de riscos internos. O
“engessamento” das empresas.
Ex.: Em outubro de 2008, SADIA e ARACRUZ, ambas
listadas no nível 1, divulgaram prejuízos com exposição
cambial acima dos limites internos.
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Análise crítica:
A responsabilização criminal exigida pela “SOX”
viola o princípio da responsabilidade penal
subjetiva ?
Análise do uso abusivo da figura do “garantidor”.
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PROXIMA AULA
INÍCIO DO CASO
BANCOS SANTOS x CREFISUL x EXCELECONOMICO
Texto de apoio: “Os empréstimos vedados na Lei
7.492/86”,Nilo Batista.
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ENRON-AULA_3 - Acadêmico de Direito da FGV