PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Faculdade Mineira de Direito
A EQUIDADE JUDICIAL E O ARBITRAMENTO DOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Carolina Fagundes Cândido
Belo Horizonte
2011
Carolina Fagundes Cândido
A EQUIDADE JUDICIAL E O ARBITRAMENTO DOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Direito da Faculdade Mineira de
Direito da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção
do título de Mestre em Direito.
Área de Concentração: Direito Processual
Linha de pesquisa: O processo na construção do
Estado Democrático de Direito
Orientador: Prof. Dr. Fernando José Armando
Ribeiro
Belo Horizonte
2011
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
C217e
Cândido, Carolina Fagundes
A equidade judicial e o arbitramento dos honorários advocatícios. / Carolina
Fagundes Cândido. Belo Horizonte, 2011.
115f.
Orientador: Fernando José Armando Ribeiro
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Direito.
1. Equidade (Direito). 2. Advogados - Honorários. I. Ribeiro, Fernando José
Armando. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de PósGraduação em Direito. III. Título.
CDU: 347.965.7
Carolina Fagundes Cândido
A equidade judicial e o arbitramento dos honorários advocatícios
Dissertação defendida e aprovada em 28/03/2011 pela banca examinadora constituída
pelos professores:
____________________________________________________
Prof. Dr. Fernando José Armando Ribeiro - Orientador
____________________________________________________
Prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho Marques
____________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Gonzaga Jayme
____________________________________________________
Prof. Dr. José Marcos Rodrigues Vieira (Suplente)
Agradeço primeiramente a Deus por me guiar,
Aos meus pais pelo incentivo,
Ao Fernando, pelas preciosas considerações,
Ao Kléber pelo apoio,
Aos amigos do mestrado pela força.
RESUMO
O ordenamento jurídico brasileiro estabelece no art. 20, §4º do CPC a possibilidade do uso de
equidade pelo juiz ao arbitrar os honorários sucumbenciais. Todavia, a discricionariedade à
que se refere deve vir amparada por condicionantes objetivas, tais como consta do mesmo
artigo em seu §3º. No entanto, na prática forense, os magistrados não estão a observar esses
parâmetros que, por sua vez, devem ser verificados dentro da perspectiva de uma
processualidade democrática, com estrita observância aos seu princípios instituintes,
principalmente o do contraditório e o da fundamentação das decisões.
Palavras-chave: Equidade.
Condicionantes. Objetivas.
Judicial.
Arbitramento.
Honorários.
Sucumbenciais.
ABSTRACT
The Brazilian legal system provides in art. 20, § 4 of the CPC the possible use of equity by the
judge to arbitrate the fees defeat. However, the discretion of the case must come supported by
objective constraints such as set out in that article in its § 3. However, in forensic practice,
judges are not watching those parameters which, in turn, should be checked within the
perspective of a democratic processivity, with strict adherence to principles of instituting
decision, especially that of the adversary and the reasons for decisions
Key-words: Equity. Judiciary. Arbitration. Fees. Defeat. Constraints. Objective.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................
8
2 A EQUIDADE JUDICIAL ............................................................................................
11
2.1 Noções sobre equidade ................................................................................................
11
2.2 A equidade vislumbrada na perspectiva do Estado Liberal e do Estado
Social ...................................................................................................................................
20
2.3 Livre arbítrio judicial em face da processualidade democrática ............................
24
3 A INDISPENSABILIDADE DO ADVOGADO À ADMINISTRAÇÃO DA
JUSTIÇA ............................................................................................................................
32
3.1 Administrar a justiça ..................................................................................................
32
3.2 Exercício da advocacia ................................................................................................
35
3.3 Natureza contratual da prestação do serviço do advogado .....................................
40
4 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS..............................................................................
45
4.1 Origem teórica .............................................................................................................
46
4.2 Espécies.........................................................................................................................
48
4.2.1 Honorários convencionais ou convencionados........................................................
48
4.2.2 Honorários fixados por decisão judicial...................................................................
50
4.2.3 Honorários sucumbenciais........................................................................................
53
4.2.3.1 Origem teórica .......................................................................................................
53
4.2.3.2 A observância aos requisitos do art. 20 do CPC.................................................
55
5 A EQUIDADE JUDICIAL E O ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS..............................................................................................................
69
5.1 A falsa ideologia do ativismo e decisionismo judiciais .............................................
69
5.2 O princípio jurídico da igualdade no processo e no acerto da decisão...................
73
5.3 A legitimidade decisória e o devido processo legal ...................................................
83
5.4 A responsabilização do Estado pelas decisões judiciais arbitrárias .......................
94
6 CONCLUSÃO................................................................................................................. 101
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 106
8
1 INTRODUÇÃO
Têm sido cada vez mais frequentes as decisões judiciais que fixam aos advogados
honorários sucumbenciais1 em valores irrisórios, não condizentes com os parâmetros objetivos
estabelecidos pela lei e em desacordo com uma processualidade democrática.
O artigo 20 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece um mínimo de 10% e o
máximo de 20% sobre o valor da condenação. Todavia, nas causas de pequeno valor, nas de
valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública,
e nas execuções embargadas ou não, estabelece referido artigo em seu parágrafo quarto, que
os honorários devem ser fixados conforme apreciação equitativa do juiz, levando, todavia, em
consideração o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação de serviço, a natureza e
importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu
serviço (conforme alíneas a, b e c do § 3º do referido artigo).
No entanto, existem julgados diversos, em todo o país, nos quais os magistrados, ao
interpretarem a legislação a respeito, não estão a observar as garantias processuais
asseguradas constitucionalmente, que deveriam permear a avaliação acerca dos itens definidos
legalmente, quando da apreciação judicial da quantificação dos honorários.
Ao contrário, o que se verifica no contexto atual é uma gama enorme de decisões
desprovidas de fundamentação legítima, nas quais resta desrespeitado, sobretudo, o princípio
do contraditório, que confere às partes interessadas a possibilidade isonômica de discutir os
honorários sucumbenciais fixados.
É que o arbitramento de honorários pelos magistrados sem uma decisão participada
dos interessados não traz a possibilidade de formação de um provimento legítimo, no qual
seja assegurado o debate indispensável dentro de uma processualidade democrática.
O desrespeito constante dos julgadores ao proferirem decisões arbitrando
indevidamente os honorários sucumbenciais, sem a observância de uma argumentação
1
Importante destacar que existem duas espécies de honorários: os convencionais que advêm do contrato de
prestação de serviços, relacionados à situação extrajudicial, englobando assessoria, consultoria ou
planejamento jurídico e os judiciais, tendo como objeto a representação em juízo e os honorários fixados
judicialmente, dos quais são exemplo aqueles previstos pelo art. 20 do CPC. São estes últimos que nos
interessam neste momento.
9
constitucionalmente adequada traduz-se em ofensa ao princípio da fundamentação das
decisões e em flagrante desprestígio à classe dos advogados.
Observamos, ainda, que a prestação do serviço feita por advogado tem caráter público,
nos termos do parágrafo 1º do art. 2º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem
dos Advogados do Brasil - EAOAB), constituindo-se, portanto, como um “múnus público”,
consoante igualmente preceitua o parágrafo 2º do mencionado artigo, expressão que pode ser
definida como “o que procede de autoridade pública ou da lei, e obriga o indivíduo a certos
encargos em benefício da coletividade ou da ordem social” (FERREIRA, 1999, p. 1381).
Percebe-se, pois, a relevância da prestação do serviço advocatício, que, conforme
disposto no art. 133 do diploma constitucional, é indispensável à administração da justiça
(DIAS, 2004, p. 83).
Ademais, a verba honorária tem natureza de prestação alimentar, motivo pelo qual
deve ser arbitrada levando-se em consideração a dignidade da profissão, o que não está a
ocorrer em muitos julgados de nossos tribunais pátrios, principalmente se verificarmos a
remuneração de outros profissionais liberais auxiliares do juízo, como, por exemplo, os
peritos.
Todavia, a despeito disso, parece estar havendo uma desvirtuação do instituto da
equidade no âmbito do Processo Democrático, uma vez que sua aplicação errônea
proporciona decisões arbitrárias, em ofensa aos princípios constitucionais, com o que não se
pode coadunar.
Nesse sentido, da forma como se está a aplicar o disposto no art. 20, § 3º e § 4º do
Código de Processo Civil, acobertando uma série de subjetivismos, há uma forte tendência em
se consolidar, de um lado, uma exacerbação de poderes do magistrado, bem como, de outro, o
aviltamento da profissão advocatícia.
O estudo desenvolvido tem como fundamento a Processualidade Democrática no viés
pesquisado no programa de pós-graduação em Direito Processual da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. O estudo parte, pois, de duas vertentes, a verificação dos poderes
do juiz no Estado Democrático de Direito quando da utilização de equidade como parâmetro
para a fixação dos honorários advocatícios devidos em virtude do procedimento jurisdicional
realizado e, em contrapartida, a adoção do princípio da igualdade jurídica na decisão, com
ofensa às garantias processuais pelo magistrado quando do uso da equidade no arbitramento
dos referidos honorários.
10
A linha de pesquisa adotada é, então, o Processo na construção do Estado Democrático
de Direito. E, nesse contexto, torna-se necessária a análise da prática que vem se tornando
constante na utilização equivocada da equidade, importada do sistema da common law, em
nossa jurisdição pátria. Ocorre que a equidade quando utilizada em uma perspectiva
ultrapassada, do Estado Liberal e do Estado Social, muitas vezes é colocada à frente do
devido processo constitucional, registrando-se, portanto, a utilização indevida do referido
instituto.
Ademais, torna-se importante fazer uma análise crítica das decisões a respeito, com
destaque para a indispensável tomada de consciência pelo magistrado acerca da importância
de se observar os aspectos práticos acerca do tema, considerando a adoção de uma visão
constitucionalizada e democrática do Processo, uma vez que o uso equivocado do juízo de
equidade em detrimento do juízo de direito não pode ser concebido no Estado Democrático de
Direito.
Durante todo o trabalho será enfocada a principiologia processual constitucional, com
destaque para o princípio jurídico da igualdade no processo e as bases instituintes da decisão,
em face do arbítrio judicial, que deve ser revisto com rígida verificação das circunstâncias
fáticas face aos parâmetros objetivos estipulados por lei.
11
2 A EQUIDADE JUDICIAL
No presente capítulo, primeiramente far-se-á uma abordagem sobre o instituto da
equidade com breve referência histórica às diferenciadas noções da mesma ao longo do tempo
em variadas localidades.
Em seguida será feita uma análise sobre a utilização da equidade em face dos
paradigmas ultrapassados do Estado Liberal e do Estado Social, nos quais se evidenciam
ideologias incompatíveis com o atual Estado Democrático de Direito.
Por derradeiro, apontar-se-á a importância da utilização do arbítrio judicial, quando da
aplicação da equidade, em conformidade com uma processualidade democrática.
2.1 Noções sobre equidade
À análise e estudo do tema proposto é necessário tecer algumas considerações básicas
sobre equidade e seus desdobramentos. É bom que se diga, desde logo, que não se pretende
aqui esgotar a matéria, mas, sim, traçar linhas gerais para a compreensão da ideia que se quer
passar sobre a sua aplicação no contexto jurídico atual.
Para tanto, fundamental que se faça uma rápida contextualização das noções de
equidade ao longo da história, uma vez que de acordo com o período e com a localização
temporal, existirão diferenças ou semelhanças em relação à terminologia adotada em uma
concepção atual.
A exploração dessas noções numa perspectiva histórica tem como intuito,
primeiramente, possibilitar sua compreensão em face do pano de fundo do horizonte de vida e
de conceitos que circundou cada uma de suas manifestações. Ademais, visa-se com isso
alcançar uma compreensão paradigmática dos mesmos, compreensão esta que possa nos
conferir hoje uma mais adequada percepção dos limites e possibilidades de sua utilização em
nossa realidade.
A primeira noção de equidade encontra raiz histórica na cultura grega, nas conhecidas
tragédias, de natureza mítica, em especial em Antígona de Sófocles (19--, p. 212) em que há
12
forte confronto entre a lei dos homens e a lei divina, gerando, por assim dizer, um contraponto
para o alcance contextual da equidade.2
Nesse sentido, aquele que faz a lei e a aplica, utilizando-se eminentemente de juízo de
valores, extrapolando eventuais critérios jurídicos é a divindade, o senhor, que tem o poder de
deixar de lado, quando do conflito entre a lei divina e a letra da lei, ou seja, quando do
conflito entre o ius strictum e o ius aequum.
Ainda na Grécia, o filósofo Platão, em uma passagem de sua obra Político, traduzida
por Carlenton Kemp Allen, traz a seguinte noção de equidade:
Estrangeiro: As diferenças entre os homens e suas ações e os infinitos movimento
irregulares das ações humanas, não admite uma norma universal e única. Nenhuma
ciência pode estabelecer uma norma que dure sempre, isso devemos admitir.
O jovem Sócrates: Certamente
Estrangeiro: Mas isso é que pretende fazer a lei, como um obstinado ignorante
tirano, que não permite que se faça nada contra os seus desígnios nem que se lhe
formule pergunta alguma, nem sequer quando houver mudanças nas circunstâncias,
quando resulta ser melhor para alguém de modo diverso do que ordenado. (ALLEN,
1969 apud LOPES, 1993, p. 49, tradução nossa).3
Platão, referencial da cultura grega, no trecho acima citado deixa evidente a
contraposição do ius aequm ao ius strictum, a qual se torna perene na evolução do Direito.
Nesse sentido, a leitura da obra de Platão nos leva a crer que estaríamos a ver lançada a
semente da equidade que posteriormente seria desenvolvida por Aristóteles em sua Ética a
Nicômano (LOPES, 1993, p. 42).
Aristóteles, por sua vez, estabeleceu o conceito primevo de epiêiqueia-epiéikeia, em
que adota a equidade como meio de complementar a lei, colocando o julgador no lugar do
legislador, na medida em que se faz legislador para o caso concreto, em perspectiva criativa,
2
3
Com bem ressalta Mônica Sette Lopes: “O conflito instala-se entre a letra da lei e a concepção cultural
dominante que não admitia o sentido da norma vigente, tal como editada por Creonte”. É que o édito impedia
fosse enterrado o corpo de Polinices, irmão de Antígona, comando que se situava em flanco contrário à lei
divina, na qual tal direito estaria garantido (LOPES, 1993, p. 43).
“Extrangeiro: Las diferencias de los hombres y de las acciones, y de los infinitos movimentos irregulares de
las cosas humanas, no admite uma norma universal y única. Ningún arte puede estabelecer una norma que
dure siempre, esto debemos admitirlo.
El joven Sócrates: Ciertamente.
Extrangeiro: Pero esto es que pretende hacer la ley: como un obstinado ignorante tirano, que no permite que
se haga nada en contra de sus desígnios ni que se le formule pregunta alguna: ni siquiera em respectivos
câmbios de circunstancias, cuando resulta ser mejor para alguen al diferente de lo que ordeno”.
13
alheia a qualquer ditame legal (ARISTÓTELES, 1973, p. 336 apud LOPES, 1993, p. 46).4
Na concepção aristotélica, a justiça é definida como virtude (dikaiosýne), objeto de
uma ciência prática, designada ética, que por sua vez cumpre investigar, por exemplo, o que é
o justo e o injusto, o bom e o mal, através da prática de uma conduta diária em que se irá
construir um comportamento dito “virtuoso”.
Segundo Aristóteles, a equidade não é o justo segundo a lei, de acordo com o que está
consignado na lei e foi posto pela vontade humana como vinculativo da conduta social, mas sim,
é um corretivo do justo legal. Para ele, equidade é, portanto, uma correção dos rigores da lei.
É que a necessidade da aplicação da equidade decorre do fato de que as leis
prescrevem conteúdos de modo genérico, dirigindo-se a todos indistintamente, sem
diferenciar variações concretas, fáticas ou quaisquer outras.
Nesse sentido, surgem casos para os quais se aplicada a lei (nômos) em sua
generalidade, estar-se-á a causar injustiça por meio do justo legal. É aí que surge a equidade,
com o fito de superar os problemas da impossibilidade de haver uma lei detalhada, uma vez
que a lei escrita, imperativa, tem fórmula impessoal para tutelar uma série de casos.
A equidade, em Aristóteles, é vista, então, como medida corretiva da justiça legal, que
deve ter em conta não a letra da lei, mas a intenção do legislador, não a parte, mas o todo,
sendo que a tarefa do juiz seria a de tentar ajustar uma à outra.
Para tanto, o estagirita faz uma comparação entre a régua de Lesbos e a equidade.
Segundo ele: “Com efeito quando a coisa é indefinida, a regra também é indefinida, como a
régua de chumbo usada para ajustar as molduras lésbicas: a régua adapta-se à forma da pedra
e não é rígida, exatamente como o decreto que se ajusta aos fatos” (ARISTÓTELES, 1973, p.
337 apud LOPES, 1993, p. 46).
Wolfgang Friedman também se referindo a Aristóteles afirmou que é: “Necessariamente,
genérica e implacável suas aplicações nos casos individuais. Toda discussão do problema de
equidade, da interpretação correta de um precedente deriva daquela explicação fundamental do
problema” (FRIEDMAN, 1965, p. 12 apud LOPES, 1993, p. 45, tradução nossa).5
4
5
Em sua Ética a Nicômano, Aristóteles afirma que “o eqüitativo é o justo, superior a uma espécie de justiçanão a justiça absoltuta, mas ao erro proveniente do caráter absoluto da disposição legal. É essa a natureza do
eqüitativo: uma correção da lei quando ela é deficiente em razão de sua universalidade” (ARISTÓTELES,
1973, p. 336 apud LOPES, 1993, p. 46).
“Nécessairement généralisateur et souvent impitoyable dans son application au cas individual. Toute
discussion du problem de l’équité, de l’interprétation correcte d’un précédent derive de cet énoncé
fondamental du problème”.
14
Gustav Radbruch, por sua vez, diz que a justiça “considera o caso individual no ponto
de vista da norma geral”, ao passo em que a equidade “procura achar a própria lei do caso
individual, para depois transformar também em uma lei geral, visto ambas tenderem por
natureza para a generalização”. Referido autor também enfatiza que a equidade é a “justiça de
cada caso particular, mas esta noção não nos obriga a modificar a definição de direito que já
demos quando chamamos a este a realidade que tem o sentido de se achar ao serviço da
justiça” (RADBRUCH, 1979, p. 91 apud LOPES, 1993, p. 46).
Na metáfora invocada, não se pode perder de vista como lembra Mônica Sette Lopes,
que:
Tanto a régua de Lesbos quanto a pedra, a que ela se amolda para medir, mantêm
íntegra sua natureza _ régua como régua, pedra como pedra, ambas submetidas ao
critério apreciador daquele que se incumbe da definição da medida. (LOPES, 1993,
p. 46).
E é o apreciador, no caso, o juiz, quem vai dizer como deverá ser esse ajustamento. Ou
seja, ele fará nascer o molde para aquela decisão.
De outro lado, temos como contraponto à comparação com a régua de lesbos feita por
Aristóteles, a crítica aos tribunais de equidade, Courts of Equity, feita por Lord Selden,
segundo o qual “Equity varies as the lenght of the Chancellor’s foot” (EDER, 1950, p. 67;
WALKER, 1980, p. 45 apud LOPES, 1993, p. 46).
As cortes de equidade criadas no século XIV no Direito inglês, em contraposição às
cortes legais (common law), tinham por objetivo possibilitar novo julgamento àqueles que não
conseguiam por algum motivo alcançar a justiça pela letra fria da lei. Nesse sentido, entendeu
o ordenamento jurídico inglês como adequado criar uma justiça paralela flexível, na qual os
pretores julgariam segundo a sua própria consciência, fazendo valer “a justiça praeter ou
mesmo contra legem” (CARBASSE; DEPAMBOUR-TARRIDE, 2009, p. 315).
Foi nesse período que se originou a expressão célebre, acima citada, criada por Lord
Selden, “the chanceler’s foot”, traduzida para o português como “pé do chanceler”, ao criticar
a utilização de equidade nos julgamentos. Segundo Selden:
A equidade é um mau negócio, porque o Direito é uma medida pela qual sabemos a
que nos atermos. A equidade, ao contrário, depende da consciência daquele que é
chanceler, e, como esta pode ser mais larga ou mais estreita, o mesmo acontece com
a equidade. É como se a medida de comprimento, que chamamos um pé, dependesse
do comprimento do pé do chanceler. Que medida incerta seria: um chanceler tem um
15
pé grande, outro um pé pequeno, e um terceiro um pé médio. A situação é a mesma
com a consciência do chanceler. (CAENEGEM, 2009, p. 311).6
Osmar Brina Corrêa Lima, todavia, esclarece em artigo publicado na revista da
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que julgar por
equidade não significa julgar contra legem:
A criação das Cortes de Eqüidade nos países de direito angloamericano ocorreu, em
determinada época histórica, para suprir lacunas da lei, quando ainda prevalecia,
entre os magistrados, uma visão muito estreita e formalista do Direito; uma visão
superada com a evolução dos tempos.
A palavra ‘eqüidade’, contida na expressão ‘julgar por eqüidade’, corresponde
precisamente ao conceito de ‘equity’ do direito angloamericano.
‘Julgar por eqüidade’ significa julgar aplicando os principios gerais do direito. Não
significa -e nem poderia significar julgar ‘contra legem’ (contra a lei) repete-se.
(LIMA, 2000, p. 228).
O contexto de equidade no período romano, ao seu turno, parte de noções
diferenciadas daquelas utilizados pelos gregos, tais como a adaptação da lei à vida social, às
relações humanas, através da atuação dos magistrados, bem como dos princípios éticos de
Justiça, alicerçados na caridade e na benevolência (MEIRA, 1968, p. 40 apud LOPES, 1993,
p. 47).
Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, como um de seus expoentes, vê a
equidade, em sua feição retórica, como suporte decisivo da produção pretoriana, na dedução e
na indução de princípios como o de bona fides, à medida que “destinada, primordialmente, a
sensibilizar um público, perde precisão e ganha extensão” (CORDEIRO, 1984, v. 1, p. 127).7
Já de acordo com Tobeñas José Castán, referencial na primeira etapa do Direito
Romano Republicano, a equidade participaria da formulação das decisões em dois
parâmetros: de um lado, pelos jurisconsultos que “tenían la faculdad de emitir opiniones
jurídicas dotadas de autoridad”, de outro lado, os magistrados que
6
7
O trecho acima foi traduzido por Raoul C. Van Caenegem e o original em inglês apresenta-se da seguinte
forma: “Equity is a roguish thing, for law we have a measure know what to trust too. Equity is according to
the conscience of him that is chancellor, and as that is larger or narrower soe is equity. This all one as if they
should make the standart for the measure wee call a foot, to be the chancellors foot; what an uncerian
measure would this be; one chancellors has a long foot, another a short foot, a third an indifferent foot; this
the same thing is the chancellors conscience”.
Segundo referido autor: “O nortear da atividade pretoriana, corrigindo o ius civilis apresentou e manteve um
emprego retórico. Nessa acepção, confunde-se com um dos sentidos comportados por bonus et aequm. A
faceta expandiu-se no período pós-clássico romano, com o papel decisivo do pretor. Uma menção retórica,
destinada primordialmente, a sensibilizar um público, perde precisão e ganha extensão. A mistura com
noções similares é fácil”.
16
Não se limitando a aplicar a lei, teriam o poder por meio do édito para completa-lá,
desenvolvê-la e modificá-la quando necessário, e por meio da redação da fórmula
(instrução escrita na qual eram determinados os pontos de direito aos quais deveria
se ater o júri ao proferir a sentença depois de ter apreciado os fatos) davam um jogo
maravilhoso a equidade, colocando-a por cima do próprio direito positivo.
(CASTÁN, 1954, p. 37-38 apud LOPES, 1993, p. 48, tradução nossa).8
Enfoca referido autor que: “A equidade é um procedimento de elaboração jurídica que
serve não para formular novas normas, mas para aplicar adequadamente as normas existentes ao
caso concreto em exame” (CASTÁN, 1954, p. 41 apud LOPES, 1993, p. 48, tradução nossa).9
Ainda em Roma, numa segunda etapa, a equidade não desaparece por completo,
apesar de ceder parte de seu espaço para uma atuação mais firme do Direito legislado,
centrado no poder imperial, que vai, com Justiniano, fixar as bases definitivas do Direito
Privado daquele povo, matriz da moderna civil law.
Tobeñas José Castán destaca também que a equidade no Império Justiniano e
Bizantino divide-se em três expressões fundamentais: como justiça natural; como critério
orientador da função do juiz e de uma interpretação ampla e flexível (ius aequum x ius
strictum); e finalmente, como critério de aplicação benigna, pela influência do cristianismo
(CASTÁN, 1954, p. 41 apud LOPES, 1993, p. 48).
No Direito Romano, a presença do pretor, bem como a utilização da denominada
“formula”, também pode ser citada como uma das fortes influências ao surgimento da
equidade, em face da contradição entre o ius strictum e o ius aequum, principalmente em face
do confronto entre o ius civile e o ius honorarium, já que ao pretor atribuía-se a possibilidade
de se utilizar de discricionariedade (CUENCA, 1957, p. 54 apud LOPES, 1993, p. 48).
Essa possibilidade de utilização da discricionariedade perdurou até por volta de 130
d.C, quando houve a fixação de um teor literal para os éditos, “a jurisprudência do magistrado
judicial perdeu [...] definitivamente seu potencial criativo e, em seu lugar, a jurisprudência e,
cada vez mais, a legislação do império possibilitaram a evolução do Direito Romano”
(KUNKEL, 1972, p. 103 apud LOPES, 1993, p. 49, tradução nossa).10
8
9
10
“Sin limitarse a aplicar la ley, tenían potestad por medio del edicto para completarla, desarrolarla y modificarla
cuando necesario, y por medio de la redacción de la formula (instruccíon escrita en la que determinaban los
puntos de derecho a que debia atenerse el juez al dictar sentença después que hubiera apreciado los hechos)
daban un juego maravilloso a la equidad, colocandola por encima del próprio derecho positivo”
“La equidad es un procedimiento de elaboración jurídica, que sirve no para formular normas nuevas, sino
para aplicar debidamente las normas existentes al caso concreto de que se trate”.
“la jurisprudencia del magistrado judicial perdió [...] definitivamente, su potencia creadora y, em su lugar, la
jurisprudencia y, cada vez más, la legislación imperial fueron quienes continuaron la evolución del Derecho
Romano”.
17
De acordo com a evolução traçada em relação ao Direito Romano, pode-se lhe atribuir
um importante papel transformador, dentro daquele contexto jurídico-histórico. Nesse sentido,
Margarida Maria Lacombe Camargo em Hermenêutica e Argumentação- uma contribuição
ao direito:
Em Roma, a hermenêutica desenvolveu-se muito com a própria prática jurídica. Os
pretores e os jurisconsultos diziam o direito para cada caso concreto, sem qualquer
pretensão de generalidade. Mas essas decisões consolidaram-se com o tempo,
transformando-se em máximas que se tornaram muitas vezes obrigatórias.
(CAMARGO, 2003, p. 25).
E ainda reforça em nota de rodapé, salientando que:
O valor do argumento de autoridade em Roma é grande, haja vista a Lei das
Citações, promulgada por Constantino no século IV d.C. Este estatuto legal veio
corroborar o que a prática já havia confirmado: a sabedoria dos jurisprudentes
notáveis tinha legitimidade para estender-se a situações similares. De acordo com a
Lei das Citações, o juiz deveria aplicar as opiniões de Ulpiano, Modestino, Gaio,
Papiniano e Paulo, da seguinte forma: em primeiro lugar, prevalece a opinião da
maioria; em caso de divergência, acolhe-se a opinião de Papiniano; finalmente, não
havendo regras específicas para o caso, cabe ao juiz adotar a tese que lhe pareça
melhor. (CAMARGO, 2003, p. 25).
Por derradeiro, ainda em Roma, não se pode deixar de se reportar a Rudolf Jhering,
que traz a lume, ainda que de maneira oblíqua, a dúvida que se coloca em relação à segurança
jurídica quando da utilização de equidade (JHERING, 1886, v. 2, p. 90 apud LOPES, 1993, p.
50). Entrementes, Heinrich Henkel, a seu modo, critica a adoção dos valores extrajurídicos,
como, por exemplo, doçura, benevolência, que demonstram
desconhecimento fundamental da essência da equidade em Direito, enquanto sua
tendência à atenuação se passa unicamente em relação ao rigor do Direito
conformado, desconhecendo que, como tal, nem muito menos atua sempre e
necessariamente no sentido indulgente, melhor para o afetado. (HENKEL, 1968, p.
529 apud LOPES, 1993, p. 50, tradução nossa).11
Na Idade Média, a equidade aparece dentro de uma tônica marcada pelo teocentrismo,
11
“Desconocimento fundamental da la esencia de la equidad em Derecho, em cuanto que su tendência a la
‘atenuation’ se passa unicamente en relación com el rigor (rigidez) del Derecho conformado, desconociendo
que, como tal, ni mucho menos actúa siempre y necesariamente en el sentido indulgente, benévolo para el
afectado”. Também nesse sentido se mostra Recaséns Siches, para quem o problema não se resume a corrigir
a lei ao aplicá-la aos casos particulares (RECASENS SICHES, 1978, p. 654 apud LOPES, 1993, p. 51,
tradução nossa). Já Henri de Page destaca a humanização da regra como a função mais importante da
equidade, “É ela que inspirou o juiz, desde então, a atenuar o rigor excessivo do direito dos legisladores
latinos e dos hard cases do direito inglês” (PAGE, 1931, p. 109 apud LOPES, 1993, p. 51, tradução nossa):
“Cést elle qui a inspiré le juge lorqíl a tempere la riguer excessive du is strictum des legislateurs latines et des
hard cases du droit anglais”.
18
onde o cristianismo apresentava-se praticamente como rival do Direito, uma vez que “a moral
cristiniana se colocava como candidata a instalar-se no lugar do direito romano” (VILLEY,
1978, p. 37, tradução nossa).12
Essa concepção teocêntrica é característica de todo o período medieval, sendo que “o
eqüitativo, pois, só pode ser visto dentro do equilíbrio natural, vinculado a valores
teocêntricos” (LOPES, 1993, p. 52).
Nesse período, o juiz aparece, portanto, como um cumpridor das vontades de Deus,
um instrumentalizador dos desígnios divinos. Como ressalta Jean-Marie Carbasse:
A consciência do juiz medieval é, antes de tudo, uma consciência cristã. O juiz tem
deveres para com Deus, Juiz supremo e modelo dos juízes terrenos, que serão, por
sua vez, julgados por Ele. (CARBASSE, 2009, p. 80).
Nessa concepção, o filósofo Santo Agostinho considera a justiça como o dar a cada
um o que é seu - suum cuique tribuere (NADER, 1997, p. 120)13, uma vez que atribuir algo
que não é devido a alguém, configura injustiça, tendo em vista dois conceitos fundamentais,
quais sejam o da justiça divina e o do livre-arbítrio (GILSON, 1998, p. 146 apud BITTAR;
ALMEIDA, 2005, p. 186).14
O Direito medieval, além de se reportar constantemente ao enfoque divino, também o
fez em relação ao Direito natural, como ressaltou Coing, que destacou a coexistência entre o
Direito natural e o Direito Positivo, uma vez que aquele é introduzido neste último como
“equidad, imparcialidad, naturaleza de la cosa, servindo para completar lacunas” (COING,
1976, p. 177 apud LOPES, 1993, p. 53).
A ideia de equidade como expressão técnica da justiça, na esteira do pensamento de
Coing, como ressalta Mônica Sette Lopes, caracteriza-se como um “amoldamento da situação
de fato em enquadramento conceitual, normativo, interpretado em seu nível mediador,
adaptador, conformador” (LOPES, 1993, p. 41).
Adepto dessa concepção naturalista, destaca-se Salbury, segundo o qual a república
apresenta-se como “um corpo animado por la gracia divina y orientado bajo hacia la equidad
12
13
14
“La moral cristiniana se ponía a candidata a instalarse en el lugar del derecho romano”.
“O Direito Positivo se fundamentaria, em último grau, na lei eterna, que é a lei de Deus. A exemplo de
Ulpiano e Cícero concebeu a justiça como virtude: Iustitia et virtus est quae sua cuique distribuit”.
Agostinho concebe o homem como sendo uma alma num corpo: “Todavia ao contrário de Platão, que
extrema o corpo como cárcere da alma, o agostiniano faz derivar os males não da natureza material de parte
do homem, mas de seu mau uso do livre-arbítrio, pelo pecado”.
19
suprema, consistente en La voluntad de Diós [...] El menosprecio de La equidad y de La ley
divina convierte cabalmente la monarquia legítima en tiranía” (FASSÒ, 1978, p. 178 apud
LOPES, 1993, p. 54).15
Santo Tomás de Aquino, por sua vez, vai conceber o Estado como de indiscutível
caráter ético, cujo respeito só se faz cessar pelas leis injustas e pela tirania, ressaltada, sempre,
a importância das leis divinas como padrão aferidor de legitimidade (BITTAR; ALMEIDA,
2005, p. 190).
Santo Tomás de Aquino adota teoria que “admite uma Lex naturallis mutável, e que,
portanto, não se encontra nos ombros estreitos do que é absoluto”, uma vez que “sua
concepção transcende para a lei divina, da qual faz derivar tudo o que foi gerado por força da
razão divina” (BITTAR; ALMEIDA, 2005, p. 216).
Pode-se dizer, então, que o juiz medieval teve na maioria das vezes, como ponto de
partida para as decisões que proferiam, a sua consciência, eivada de valores cristãos
(CAMARGO, 2003, p. 25).16
O fluxo renascentista, ao seu talante, traz uma noção de equidade baseada em uma
compreensão das estruturas valorativas dominantes no espírito daquela época (PERROY,
1979, p. 18 apud LOPES, 1993, p. 55).17 É que o desenvolvimento das ideias ao longo de
variadas etapas históricas trouxe oscilações entre a fé absoluta e o absoluto racionalismo
(LOPES, 1993, p. 57).
Posteriormente, quando da transição entre o período medieval e o renascimento e os
Estados absolutistas, a equidade aparece associada a conceitos de racionalidade, do
jusnaturalismo, baseando-se em princípios da razão, como fez Thomas Hobbes, ao ligar o
Direito à natureza peculiar do homem, despindo-o definitivamente de sua capa divina
15
16
17
Para ele “la ley es autenticamente ley cuando interpreta la equidad, en cuanto es ‘voluntad de euidad y de
justicia’. Y la equidad, ley de Diós, en términos jurídicos es adecuación racional recíproca de las cosas [...]
Existem normas [...] que tienem una obligatoriedad eterna, son válidas en todos los pueblos y que no pueden
ser impunemente violadas”.
Como destacou Margarida Maria Lacombe Camargo: “Durante a Idade Média, a análise sistemática sobre a
evidência da revelação divina deu origem à Teleologia, e a hermenêutica assumiu o aspecto exegético da
correta interpretação dos textos sagrados, dando ensejo ao seu desenvolvimento no campo filológico”.
É o que ressalta Mônica Sette Lopes, reportando-se a Perroy, para afirmar que “o conflito entre o homem de
fé e o homem racional, como forças essencialmente antagônicas, é enfatizado pro diversos autores. A razão
desvincula-se da fé”.
20
(MONCADA, 1955, v. 2, p. 175 apud LOPES, 1993, p. 59).18
John Locke enfatiza a valoração de um estado de natureza no qual a vítima poderia
aplicar diretamente a punição que lhe parecesse cabível, mas acaba por reconhecer a
necessidade de um juiz externo a si (LOPES, 1993, p. 60).
Já a visão do equitativo como eco de liberdade do juiz sofre, de parte dos iluministas,
restrições com base nos ideais de garantia da liberdade contra o arbítrio dos governantes. A
segurança jurídica é o fundamento principal de uma concepção dominante segundo a qual a
equidade passa a ser vista como uma porta aberta para a arbitrariedade e a lesão ao principal
Direito dos cidadãos, que é o direito à liberdade (LOPES, 1993, p. 61-62).
Por derradeiro, o antropocentrismo enfatiza de um lado a importância da segurança
jurídica e de outro a necessidade de limites rígidos para a atuação do juiz, através da previsão
do maior número possível de normas (HERNANDEZ, 1971, v. 1, p. 58 apud LOPES, 1993, p.
63).19
Em face do breve giro histórico feito acima fica evidente a transformação no que tange
às noções e aplicações diferenciadas da equidade ao longo dos tempos e da evolução histórica
do direito, apresentando formatos e interpretações variadas, conforme detalhado.
A seguir veremos como a equidade é utilizada na concepção do Estado Liberal e do
Estado Social, enfatizando as diferenças em sua aplicação quando da apreciação equitativa
face ao Estado Democrático de Direito.
2.2 A equidade vislumbrada na perspectiva do Estado Liberal e do Estado Social
Após análise sobre conceituação da equidade no contexto histórico-jurídico mister que
se aponte como se dá a apreciação equitativa pelo juiz na perspectiva do Estado Liberal e do
Estado Social, que muito se distancia da utilização do arbítrio judicial em face da
processualidade democrática, vislumbrada no contexto atual.
18
19
“O direito natural ou a lei natural não passa, como todas as outras leis, de um ditame da razão (dictamen
rectae rationis). Chama-se natural só por constituir, como qualquer outra faculdade ou afecto de nosso
ânimo, de uma parte de nossa natureza”.
Nesse esteio Kant, que “fixa-se em uma idéia de igualdade, como um objetivo visado na generalidade da
norma, afastada, em sua concepção, um direito de eqüidade ou um tribunal de eqüidade” assim como os
outros adeptos da escola da exegese, segundo os quais “no hay más equidad que la de la ley ni más razón que
La de ésta”.
21
Todavia, para uma melhor compreensão do ponto em análise, é necessário que se
façam algumas breves considerações sobre o Estado Liberal e o Estado Social.
O Estado Liberal era aquele em que se apregoava a teoria individualista dos interesses
e direitos, de modo que a justiça só poderia ser obtida e satisfeita por aqueles que pudessem
suportar os seus custos, priorizando uma igualdade meramente formal, mas não efetiva.
Nesse paradigma, o Direito encontra-se adstrito à lei e é garantido pelo Estado, aqui
entendido como um “mal necessário”, assegurando apenas, em caráter mínimo, vedação de
excessos individuais em detrimento da sociedade. Assim ressalta Menelick de Carvalho
Netto:
A questão da atividade hermenêutica do juiz só poderia ser vista como uma
atividade mecânica, resultado de uma leitura direta dos textos que deveriam ser
claros e distintos, e a interpretação algo a ser evitado até mesmo pela consulta ao
legislador na hipótese de dúvida do juiz diante de textos obscuros e intricados. Ao
juiz é reservado o papel de mera ‘bouche de loi’. (CARVALHO NETTO, 1999, p.
106).
Rosemiro Pereira Leal, a seu turno, afirma que: “Ao Estado Liberal burguês interessa
o dogma da completude da lei como forma de o juiz garantir, em qualquer eventualidade, as
liberdades negativas da intervenção do Estado na órbita indevassável dos direitos individuais”
(LEAL R., 2002, p. 99).
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, também sintetiza o que seria o direito sob o
paradigma liberal:
O Direito sob o paradigma liberal seria uma ordem, um sistema fechado de regras,
que teria por função estabilizar expectativas de comportamento temporal, social,
materialmente generalizadas, determinando os limites e ao mesmo tempo garantindo
a esfera privada de cada indivíduo. Seria, através de leis gerais e abstratas,
garantindo, ainda que formalmente, liberdade, igualdade e propriedade, que todos os
sujeitos receberiam os mesmos direitos subjetivos. (OLIVEIRA, 2001, p. 160).
No esteio do pensamento de Jürgen Habermas, tem-se que, no Estado Liberal, havia,
portanto, uma “submissão” do direito privado a princípios do direito público em face da
“destruição” do edifício autônomo de um sistema jurídico unitário (LEAL R., 2002, p. 99).20
De outro lado, no Estado Social, paternalista, também designado estado do bem-estar
social, passou-se a conceber não somente uma teoria individualista, mas também houve
20
Nesse sentido Rosemiro Pereira Leal, sob o enfoque de que “o dogma da completude da lei” serviria “como
forma de o juiz garantir, em qualquer eventualidade, as liberdades negativas da intervenção do Estado na
órbita indevassável dos direitos individuais”.
22
acolhimento de interesses coletivos e difusos, na busca de uma justiça efetiva.21
A partir da perspectiva do modelo do Estado Social, Jürgen Habermas destaca duas
versões principais: a primeira conferindo grande espaço de ação e intervenção política numa
sociedade à sua mercê; e a segunda como um sistema dentre vários que se limita a impulsos
reguladores indiretos dentro de um pequeno espaço de ação, de maneira mais realista
(HABERMAS, 1997, t. I, p. 144).
De qualquer forma, verifica-se que o Estado Social pretendeu uma maior regulação em
detrimento da autonomia privada do Estado Liberal, através de uma ideologia do social,
traduzida em valores de justiça social ou distributiva, ideologia esta que passou a dominar o
cenário constitucional do século XX (CARVALHO, 2009, p. 233).
A equidade, aqui entendida dentro da perspectiva ultrapassada do Estado Liberal e do
Estado Social, é acatada a partir de uma lógica clássica e autoritária, a partir do momento em
que sugere uma prática constante da atuação ex officio do juiz, reduzindo consideravelmente,
ou mesmo anulando o espaço argumentativo.
Há nesse contexto uma preconização da dogmática, pela necessidade de se manter a
crença em regularidades advindas de repetições históricas, enraizadas em teorias précondicionantes. Nessa perspectiva, adota-se, pois, a opção pela fala monológica, solipsista, ou
seja, pela atuação solitária do juiz, venerada como balizadora de verdades, o que se traduz,
muitas vezes, em arbitrariedades.
A partir do momento em que se permite a súplica do discurso em face de decisões
autocráticas, abre-se margem à possibilidade de falibilidade exacerbada. Isso porque parte-se
de premissa equivocada de que as decisões dos juízes são completas por si mesmas,
eliminando-se qualquer espécie de argumentação crítica.
É que ao se considerar o princípio retórico do Estado Liberal, impregnado de
silogismos que nos levam a crenças em verdades absolutas, não problematizadas, preconiza-se
uma ideologia reducionista.
Norberto Bobbio, nessa esteira de pensamento, acredita ser o jurista intérprete
privilegiado da lei, uma vez que constrói enunciados normativos pela fala natural, sem
21
Também ressalta Rosemiro Pereira Leal que “ao Estado Social de direito (Welfare State) interessam as
lacunas da lei para o juiz livremente decidir habilidosamente em parâmetros de conveniência (Common Law)
os conflitos que possam colocar em desequilíbrio o sistema social a ser mantido em suas bases de tradição e
autoridade”.
23
explicitar os critérios utilizados, em evidenciada supressão das bases instituintes da decisão.22
Ronald Dworkin, por sua vez, é adepto de uma centralização no juiz, do solipsismo
judicial, defendendo a ideologia do juiz Hercúles, figura criada por ele para ilustrar um “juiz
imaginário, de capacidade e paciência sobre-humanas, que aceita o direito como integridade”
(DWORKIN, 1999, p. 287 apud LEAL, 2002, p. 61-62).23
Todavia, toda vez em que houver uma decisão sem observância da regra suprema do
devido processo, de forma crítica, não se poderá visualizar uma perspectiva democrática,
segundo uma concepção epistemológica pautada na democracia.
Neste contexto ultrapassado em que se aborda a equidade, dentro da perspectiva do
Estado Liberal e do Estado Social, a jurisdição é concebida como atividade de juízes que
revelam, pelo ato sentencial, suas próprias vontades (BÜLLOW, 2005 apud LEAL A., 2008,
p. 6624), ou uma outra vontade pronta da lei, a da mens legis ou a da mens legislatoris ou,
ainda, intervenções solipsistas e contingenciais em realidades sociais que estariam a suplicar
socorro prestante em razão da inércia (ou inaptidão) do legislador soberano (LEAL A., 2008,
p. 31).
O juiz, nessa concepção equivocada e, repita-se, ultrapassada, é aquele que tem o
“poder” de dizer o direito, como outrora salientou Hélio Tornaghi:
O juiz ocupa na relação processual uma posição de realce e mando. Ele é órgão do
Estado soberano, que se coloca acima de tudo e de todos (super omnia) e que proíbe
os particulares de agir diretamente uns contra os outros, fazendo injustiça pelas
próprias mãos. E apenas lhes dá o direito de agir perante ele, Estado, para exigir dele
(ação) que use o seu poder de impor o que é de direito em cada caso (jurisdição).
(TORNAGHI, 1987 apud LEAL A., 2008, p. 31).
Nesse sentido, em que é concedido ao juiz o “poder” de dizer o direito, Oskar von
Bülow é presença marcante por ter elaborado uma da “tecnologia da jurisdição”, no esteio do
pensamento de André Cordeiro Leal, em sua Instrumentalidade em crise (LEAL A., 2008, p.
32). Referido jurista apresenta, com base na releitura do Direito Romano, fundamentos
histórico-sociológicos pretensamente autorizadores da migração do controle social para as
22
23
24
Para Bobbio, neopositivista lógico, seguidor de Kelsen, o ordenamento jurídico não apresenta lacunas, uma
vez que essas são supridas pelas analogias do jurista, o que não pode ser acatado sob o enfoque de uma
perspectiva democrática.
Também se reporta a Dworkin, André Cordeiro Leal, para enfatizar que o juiz Hércules “concentra excessiva
importância no ato decisório”.
“Unter das Schema irgend welcher abstrakter Rechstsatzung wolte das heutige richterliche Recht
schlechterdings nicht passen, auch nicht einmal in dem doch weitbauschig genug angefertigten Gewade des
‘Gewohnheitsrechts’ ein Unterkommen finden”.
24
mãos da magistratura alemã e justifica, a partir daí, a adoção de técnicas que irão permitir a
desvinculação dos julgadores das abordagens formalistas ou legalistas (LEAL A., 2008, p.
62).
Oskar von Bülow afirmou expressamente que: “O atual direito dos juízes não
pretendia se adaptar ao esquema de qualquer preceito jurídico abstrato, nem mesmo encontrar
asilo no amplo espectro do ‘direito costumeiro’” (BÜLLOW, 2003 apud LEAL A., 2008, p.
66).
A equidade judicial, portanto, verificada dentro de uma perspectiva ultrapassada do
Estado Liberal e do Estado social, aparece presa a preocupações no que tange à preservação
de valores previamente estabelecidos, seja pela tradição, historicismo, argumento de
autoridade, teocentrismo, dentre outros, que não servem à atual concepção de um Estado
Democrático de Direito, como será visto adiante.
2.3 Livre arbítrio judicial em face da processualidade democrática
A equidade judicial em face da processualidade democrática, vislumbrada no contexto
atual do Estado Democrático de Direito, busca realçar a imposição da vontade explícita e
implícita da norma positivada interpretada, de acordo com os princípios instituintes a que se
subordina, caracterizando-se, portanto, por pretender observar os parâmetros do processo
constitucional.
Todavia, a partir do momento em que a equidade judicial for adotada como meio do
juiz criar o direito ao seu mero talante, com influências de natureza política, econômica e
religiosa, dentre outras, então tal atuação se aproxima da ideologia apregoada pelos
defensores do movimento denominado “direito alternativo” ou “direito livre”, que por sua
vez, se adotado indiscriminadamente pode, inclusive, resultar em última instância em um
Estado de Exceção. Ora, já que o “direito alternativo” apregoa que deve ocorrer no vazio
hipotético normativo, uma ação humana, sem qualquer relação com o direito, em última
análise pode trazer à baila uma ideologia de total supressão de normas e princípios.
Nesse sentido Giorgio Agambem acentua que essas lacunas fictícias no ordenamento
servem de base ao estado de exceção:
25
Longe de responder a uma lacuna normativa, o estado de exceção apresenta-se como
a abertura de uma lacuna fictícia no ordenamento, com o objetivo de salvaguardar a
existência da norma e sua aplicabilidade à situação normal. A lacuna não é interna à
lei, mas diz respeito à sua relação com a realidade, a possibilidade mesma de sua
aplicação. É como se o direito contivesse uma fratura essencial entre o
estabelecimento da norma e sua aplicação e que, em caso extremo, só pudesse ser
preenchido pelo estado de exceção, ou seja, criando-se uma área onde essa aplicação
é suspensa, mas onde a lei, enquanto tal, permanece em vigor. (AGAMBEM, 2004,
p. 48).
Ainda sob esse enfoque, merece destaque a linha tênue que separa uma concepção da
outra, as quais se podem traduzir em hipóteses bem diferenciadas.
Ocorre que não é cabível, pois, permitir tentativas de distorção do discurso da
constitucionalidade por uma designada equidade judicial “mítica e falaciosa” que pretende
reafirmar carga autocrática e privilegiar subjetivismos diversos, como vimos em recente
decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Agravo Regimental nos
Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 279.889-AL, no qual assim se manifestou o
ministro Humberto Gomes de Barros:
Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior
Tribunal de Justiça, assumo a autoridade de minha jurisdição. O pensamento
daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles,
porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos
Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer
nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso
consolida o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e
Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide
assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o
pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É
fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos
aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente
assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico uma imposição da
Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é,
mas, para efeitos constitucionais, minha investidura me obriga a pensar que assim
seja. (BRASIL, 2001).
Como bem salienta Rosemiro Pereira Leal, não se pode, pois, ficar à mercê da
doutrina do “assim seja” da cabeça prodigiosa do magistrado investido no manto sagrado da
suprema inteligência, mesmo porque a concentração de poderes nos juízes não garante a tão
almejada efetividade do direito, que só se legitima pelo processo, aqui entendido como
instituto de direitos fundamentais constitucionalizados (LEAL R., 2009a, p. 151).
Sem que o juiz explicite o critério adotado pelo seu raciocínio legal, o que prevalece é
a equidade sob o prisma de um sistema eivado somente por subjetividade na “construção” da
norma, uma vez que se suprime a incursão na base instituinte do direito, como ocorre no
Estado Social de Direito.
26
O método crítico, adotado por Karl Popper, por sua vez, não trabalha com verdades
absolutas, a priori, pressupostas, mas sim, é adepto de uma regra suprema, demarcatória, qual
seja, regra de proibição de vedação de liberdade, proveniente de uma compreensão
formalizada por problemas (POPPER, 1975).25
Karl Popper condena, pois, o historicismo, apesar de não desconsiderar a história, uma
vez que discorda da reificação ideológica trazida por aquela, corroborada pela tradição e pelos
costumes. Nesse sentido, faz uma tentativa de diferenciação entre teoria e ideologia.
Elio Fazzalari (2006), a seu turno, destaca a atuação das partes que, através do
exercício do contraditório, assumem lugar primordial na construção do provimento em
igualdade de oportunidades, atuando em conjunto com o juiz, uma vez que se apresentam
como destinatários do provimento final.26
Jürgen Habermas, por sua vez, fazendo uma reconfiguração do materialismo histórico,
enfatiza a liberdade de refutabilidade pelo agir comunicativo e, através do exercício da
dialética, a razão vai reconstruindo o diálogo suprimido, a partir dos vestígios do diálogo
abafado pela história. Ele se utiliza, pois, do conceito de racionalidade discursiva para dar
legitimidade ao direito e às decisões jurisdicionais. E é certamente no princípio da democracia
que a legitimidade do direito encontra o seu sustentáculo, através da interligação do princípio
do discurso e do conceito de forma jurídica.
A principiologia jurídica do processo na teoria neoinstitucionalista, de Rosemiro
Pereira Leal, traduz a noção de processo na atual concepção como discurso argumentativo em
níveis instituinte, constituinte e constituído do direito, a partir do momento em que ocorre
uma dessubjetivação e dessubstanciação do direito que passa a ser visto como meio
linguístico-autocrítico coparticipativo de produção, aplicação e extinção da normatividade
(LEAL R., 2009. p. 159-199).
Essa principiologia do processo na teoria neoinstitucionalista27 exige, pois, o
pressuposto jurídico discursivo autocrítico, com a fiscalidade incessante pelos sujeitos do
direito indispensável na construção de um provimento legítimo.
25
26
27
Para Popper não é admissível uma decisão sem a mediação de um questionamento teorizado, aberta a todos
para apontamentos de erros.
O contraditório para Elio Fazzalari é a garantia da realização da legitimidade no processo por meio da
igualdade de oportunidades.
A teoria neoinstitucionalista conforme citado em nota anterior foi elaborada por Rosemiro Pereira Leal e sua
gênese é encontrada na obra intitulada Teoria geral do processo: primeiros estudos.
27
A equidade, aqui entendida dentro do contexto do devido processo constitucional, que
se apresenta como metodologia de garantia dos direitos fundamentais ostentados pela parte
contra o Estado e se traduz como fundamento do Estado Democrático de Direito, deve, pois,
ser pautada através dos limites do processo constitucional, com permanente controle e
fiscalização da função jurisdicional (BARACHO, 2006).
Esse controle, por sua vez, será realizado pelo jurisdicionado, a partir do momento em
que busca do Estado uma resposta ao seu anseio e possui o direito não somente de acesso à
jurisdição formal, mas a uma ordem jurídica assegurada pela técnica processual apropriada,
no esteio do pensamento dos autores citados acima.
Para que se implemente a técnica processual apropriada, é necessário que se observe
os princípios instituintes da garantia constitucional, dentre os quais destacam-se o princípio
da reserva legal, assegurado pelo art. 5, II da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 (CRFB), o princípio do contraditório, previsto pelo art. 5, LV do diploma
constitucional, e o da fundamentação das decisões, insculpido pelo art. 93, IX da CRFB e o
da publicidade, como meios possibilitadores de controle externo e geral sobre o fundamento
factual, lógico e jurídico (DIAS, 2010, p. 112).
Nessa direção, Aroldo Plínio Gonçalves ressalta que dentro de uma perspectiva
democrática “o poder legitimamente constituído se exerce nos limites da lei, e a função
jurisdicional, que traz implícito o poder uno e indivisível do Estado, que fala pela nação, se
exerce em conformidade com as normas que disciplinaram a jurisdição” (GONÇALVES,
1992, p. 50).
Ora, em tal perspectiva, como salienta José Alfredo de Oliveira Baracho (1997, p. 44),
é necessário que os órgãos jurisdicionais se sujeitem às leis emanadas da vontade popular.
Todavia, quando referido autor evidencia a importância de vinculação dos órgãos
jurisdicionais às leis emanadas pela vontade popular, não pretende fazer uma pregação de
retorno à Escola da Exegese, mas, sim, enfatizar com Müller em sua obra Quem é o povo, que
as decisões judiciais devem ser tomadas sempre em nome do povo, que por sua vez, deve ser
visto como instância global da atribuição de legitimidade democrática (MÜLLER, 2003, p.
60).
Nesse aspecto, Marcelo Cattoni de Oliveira, ensina que a jurisdição deve ser entendida
como “a atividade, o poder público-estatal que se realiza através de discursos jurídicoprocessualmente institucionalizados de aplicação jurídico-normativa” (OLIVEIRA, 2001, p.
160).
28
Rosemiro Pereira Leal (2009, p. 67), também nesse esteio, afirma ser a jurisdição
atividade-dever estatal do órgão jurisdicional de cumprir e fazer cumprir o direito positivo,
mediante observação das garantias constitucionais do processo e do princípio da reserva legal,
cujo fundamento submete os provimentos (sentenças, decisões judiciais) a dado prévio da lei.
Ainda no esteio de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias as decisões, os pronunciamentos
emanados dos órgãos jurisdicionais ou os chamados provimentos, sob influência da doutrina
italiana, são atos estatais imperativos que refletem manifestação do poder político do Estado,
poder que este jamais poderá ser arbitrário, insista-se, mas poder constitucionalmente
organizado, delimitado, exercido e controlado conforme as diretrizes do princípio do Estado
Democrático de Direito.
Em virtude do acima exposto, de acordo com entendimento dos referidos
doutrinadores,
é
de
se
concluir,
portanto,
que
o
processo,
dentro
de
uma
concepção democrática, não pode ser visto simplesmente como “instrumento de
aplicação da lei ao caso concreto” (LIEBMAN, 1984, v. I, p. 5)28, mas deve ser visto como
verdadeiro direito-garantia (LEAL R., 2009a, p. 38), que se desenvolve por meio de um
procedimento em contraditório (FAZZALARI, 2006, p. 118-119), ajustado à estrutura
normativa do devido processo legal, realizado sob rigorosa disciplina constitucional
principiológica do devido processo constitucional (DIAS, 2004, p. 86).
É que só assim, dentro do prisma enfocado, a função jurisdicional29 irá se concretizar
em uma estrutura constitucionalizada do processo, culminando em uma decisão, sentença ou
provimento, resultado lógico de uma atividade jurídica realizada com a obrigatória
28
29
Nesse sentido, Carnelutti, ao evidenciar que o Estado exerce a Jurisdição, aplicando o direito ao caso
concreto, através da apreciação de questões antagônicas apresentadas pelas partes envolvidas na lide, conflito
de interesses.Afinado ao pensamento de Carnelutti encontra-se Liebman, segundo o qual: A jurisdição
expressa-se, ao contrário, através de atos que têm um conteúdo concreto, referindo-se a determinado fato ou
caso que então vem a ser julgado e sancionado mediante a aplicação das regras do direito vigente. Por isso, a
jurisdição é, em certo sentido, uma atividade que se coloca como continuação e especificação da legislação, e
a norma jurídica, que é o produto da legislação, torna-se critério de julgamento para a jurisdição.
A “divisão” do Poder Estatal, que é uno e indivisível, mas que, por questão de didática e organização,
apresenta-se composto por três funções nitidamente distintas: a legislativa (precipuamente destinada à
elaboração de leis, atuando diante de hipóteses em abstrato, criando normas aplicáveis a fatos futuros); a
executiva ou administrativa (função ligada à gestão da coisa – res – pública, que originariamente sempre
coube ao Estado e que é essencial à sua manutenção, através da aplicação das leis elaboradas pelo Legislativo
e da prática de atos que obedeçam a critérios como discricionariedade, conveniência, urgência etc. da
Administração Pública, passíveis de revogação, modificação, convalidação entre outros) e a jurisdicional
(que compete ao Judiciário: função através da qual o Estado, valendo-se da figura do juiz, uma vez que
chamou para si o poder-dever de prestar a tutela jurisdicional, fazendo-se substituir ao particular, põe um fim
definitivo ao conflito de interesses; portanto, tal função diz respeito à subsunção de fatos já ocorridos à
norma – aplicação da lei prevista em abstrato ao caso concreto – no intuito de restabelecer o status quo ante
e, via de tornar efetiva a pacificação social) (DIAS, 2004).
29
participação
em
contraditório
daqueles
interessados
que
suportarão
seus
efeitos
(FAZZALARI, 2006; BARACHO, 2006; GONÇALVES, 1992; OLIVEIRA, 2001), e, não,
“fundados na fórmula ilógica, inconstitucional e antidemocrática do ‘livre (ou prudente)
arbítrio’ do juiz” (DIAS, 2004, p. 84).
Em face das diversas concepções apontadas acima, percebe-se, pois, que todas elas
convergem para a necessidade de se livrar das amarras ultrapassadas de outros tempos para
que se alcance o verdadeiro sentido da equidade no contexto atual em que não se permite sua
utilização indiscriminada, a ponto de se confundir com arbitrariedade, possibilitada pela
equidade extralegal subjetiva.
Uma das formas de utilização de equidade, aqui entendida como equidade jurídica
objetiva, no ordenamento jurídico brasileiro, e que é objeto central do nosso trabalho, se
encontra no art. 20, § 4º do CPC, que remete o julgador à sua utilização.
Todavia, como veremos nos capítulos seguintes, quando da aplicação de
hermenêutica, o intérprete julgador, na apreciação do referido artigo, deverá se pautar pelos
princípios instituintes de uma decisão construída dentro de uma processualidade democrática,
com respeito, principalmente, aos princípios do contraditório e da fundamentação das
decisões.
A fim de ilustrar o entendimento ora explicitado, apresentamos caso paradigmático a
ser criticado por não apresentar argumentação jurídica consistente e consentânea com os
postulados normativos de uma processualidade democrática.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO
COM FULCRO NO ART. 20, § 4º, do CPC. VALORES IRRISÓRIOS OU
EXAGERADOS. REVISÃO. POSSIBILIDADE
1. Esta Corte firmou o entendimento de que é possível o conhecimento do recurso
especial para alterar os valores fixados a título de honorários advocatícios,
aumentando-os ou reduzindo-os, quando o montante estipulado na origem afastar-se
do princípio da razoabilidade, ou seja, quando distanciar-se do juízo de eqüidade
insculpido no comando legal.
2. A fixação de honorários em R$10.000,00(dez mil reais), que corresponde a
aproximadamente 0,12% do valor dado à causa, revela-se irrisória, afastando-se do
critério de equidade previsto no art. 20, § 4º, do CPC, devendo, pois, ser majorada
para 1%(um por cento) do valor da causa.
3. Agravos regimentais a que se nega provimento. (BRASIL, 2010b).
Em acórdão julgado em 15 de junho de 2010, publicado em 29 de junho de 2010,
relativo a apreciação de Agravo Regimental em Recurso Especial, ementa acima, proveniente
do Estado de Minas Gerais, teve o Colendo STJ a possibilidade de corrigir equívoco no
30
julgamento em que foram fixados honorários em montante irrisório, em flagrante ofensa à
dignidade do profissional da advocacia.
No caso examinado, a parte agravante pretendia nova majoração, em face de decisão
que deu provimento parcial ao seu recurso especial e majorou os valores dos honorários que
eram inferiores a 1% (um por cento) do valor dado à causa, para 1%(um por cento) do valor
da causa. O advogado, novamente, foi impelido a apresentar recurso contra decisão que
arbitrou os honorários em valores que não lhe deram a devida remuneração.
Sustentou o Ministro Honildo Amaral de Mello Castro, relator, no voto que proferiu:
Conforme registrou a decisão agravada, a celeuma instaurada no recurso especial
centra-se em saber se o valor de R$10.000,00 (dez mil reais) arbitrado a título de
honorários advocatícios, é ou não ínfimo neste feito, oriundo de pleito da instituição
bancária para habilitar, no quadro geral de credores da massa falida acima declinada,
o seu crédito de R$8.256.27,56(oito milhões, duzentos e cinqüenta e seis mil,
duzentos e vinte e sete reais e cinqüenta e seis centavos).
A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que a
alteração da verba honorária estabelecida com base no art. 20, § 4º, do CPC, quando
irrisória ou exorbitante, não implica no reexame do conjunto fático.[...]
[...] In casu, à conta do valor da causa, e da referência no acórdão recorrido acerca
do empenho dos profissionais que atuaram na causa, tem-se que o arbitramento da
verba honorária em R$10.000,00 (dez mil reais), correspondente a aproximadamente
0,12% do valor da causa, é ínfima e incompatível com o desempenho do procurador
da recorrente. Por outro lado, entendo exagerado o percentual de 10% (dez por
cento) pleiteado pela massa falida recorrente.
Destarte, inexiste razão para alterar a decisão agravada, mantendo-se os honorários
advocatícios em 1% (um por cento) do valor da causa.
No julgado acima, a parte recorrente buscou mais uma vez fosse-lhe arbitrado um
valor condizente aos parâmetros objetivos da causa, o que, todavia, não lhe foi concedido,
entendendo o Colendo STJ, na espécie, que o aumento anterior, que elevou os honorários de
menos de 0,12% do valor dado à causa a 1% (um por cento) já seria suficiente para remunerar
o trabalho do advogado.
E, mais uma vez, o advogado, como não teve possibilidade de se manifestar quando da
construção da decisão sobre a incidência dos parâmetros objetivos do art. 20, § 3º do CPC, se
vê sem saída contra o arbítrio do julgador que, ao apreciar a importância de sua atuação no
iter procedimental, entendeu exagerado o valor de 10% sem, contudo, apresentar devida
fundamentação nesse sentido.
Ora, caberia ao decisor verificar as peculiaridades da espécie em julgamento, dando
publicidade às mesmas, em observância a transparência na motivação, com intuito de
conceder à parte interessada a possibilidade de se manifestar a respeito.
31
Sendo assim, não se pode vislumbrar na espécie uma decisão legitimada por uma
construção participada, entre as partes destinatárias do provimento, já que, na espécie, o
advogado não teve direito ao contraditório quando da fixação dos honorários sucumbenciais
referentes à causa, objeto do seu labor, que não lhe trouxe devida remuneração dada à sua
indispensabilidade à administração da justiça, conforme será enfatizado no próximo capítulo.
32
3 A INDISPENSABILIDADE DO ADVOGADO À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
No
presente
capítulo,
necessário
se
faz
uma
abordagem
em
torno
da
indispensabilidade do advogado para uma construção participada e legítima do provimento,
dentro de uma processualidade democrática.
Em virtude dessa indispensabilidade do advogado, entendemos necessária uma análise
de sua função, com as características que lhe são peculiares, e de como se dá o exercício dessa
função, de extrema importância para a implementação de uma decisão jurídica legítima em
face de um Estado Democrático de Direito.
Ao final do mesmo faremos algumas colocações sobre a natureza contratual da
prestação advocatícia, já que o cidadão ao ingressar em juízo, em regra, deve estar
regularmente representado por aquele que detém capacidade postulatória, ou seja, o
advogado.
3.1 Administrar a justiça
O advogado é um instrumentalizador privilegiado do Estado Democrático de Direito, a
quem se confia a defesa da ordem jurídica, da soberania nacional, a cidadania, a dignidade da
pessoa humana, bem como a salvaguarda dos valores sociais maiores e ideais de Justiça.30
Os advogados são indispensáveis para a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, conforme art. 133 da CRFB, segundo o qual “O advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo invioláveis por seus atos e manifestações no exercício da
profissão, nos limites da lei”. Esse profissional apresenta-se, pois, como condição sine qua
non para a efetivação dos direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, em juízo,
perante a jurisdição.
É, pois, um instrumentalizador privilegiado, uma vez que detém a técnica necessária
30
Novamente, destaca-se que toda vez que houver referência à terminologia “justiça” ao longo deste estudo, a
mesma há que ser compreendida como função jurisdicional exercida nos limites de uma processualidade
democrática.
33
para se garantir o respeito à isonomia, ao contraditório e à ampla defesa, aqui entendidos
como direitos-garantias fundamentais (art. 5, LIV e LV da CRFB) (LEAL R., 2009a, p. 38).
A palavra advogado tem suas raízes em Roma, no termo advocatus, significando
aquele “que assiste ao chamado perante a justiça, assistente, patrono”. “Advogado” é, em
outras palavras, aquele vocacionado, chamado para junto do problema do cliente, a fim de
apresentar solução para que sejam efetivados os direitos a eles assegurados pela Lei.
Como ressalta Paulo Luiz Netto Lôbo, a palavra advogado é muito assemelhada nos
vários idiomas europeus, com exceção dos países anglófonos, destacando-se na União
Europeia, as seguintes denominações: Rechtsanwalt na Alemanha; Avocat, Advocat na
Bélgica; Advokat, na Dinamarca; Abogado, na Espanha; Advocate, Solicitor, Barrister, na
Grã-Bretanha; Dikigoros, na Grécia; Advocaat, na Holanda; Avvocato, na Itália; Barrister,
solicitor, na Irlanda; Avocat-avoué, em Luxemburgo e Advogado, em Portugal (LÔBO, 2009,
p. 12-13).
Advogado é, portanto, um “servidor”, “protetor” da sociedade que vai dar expressão
técnica à pretensão de seu representado, permitindo que esta se revista de forma jurídica, hábil
a ser acatada ou refutada pelo Judiciário.
Também de acordo com os art. 133 da CRFB e art. 2º do EAOAB31, a atividade
advocatícia é indispensável à “administração da justiça”, sendo exercida pelo advogado em
seu ministério privado, ao mesmo tempo em que presta um serviço público, exercendo uma
função social.32
Apesar de parecerem, em princípio, paradoxais, os conceitos “opostos” de uma
atuação privada, de um lado, e, de outro, exercício de um serviço que é considerado público,
estes se harmonizam quando arranjados de forma adequada.
Os juízes, promotores de justiça e delegados, por sua vez, exercem ministério
exclusivamente de natureza pública. Já a advocacia não é serviço prestado pelo Estado, mas a
bem do Estado e da Sociedade, devendo ser remunerado pelo Estado na hipótese de litigantes
que não possuam condições de arcar com as despesas processuais sem prejuízo de seu próprio
31
32
“Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.
§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao
convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei”.
Pela Primeira vez na história uma Constituição reconhece a indispensabilidade do advogado para
administração da justiça.
34
sustento ou de sua família, com esteio na Lei nº 1.060/50.
Frise-se que a atividade advocatícia constitui-se como múnus público, ou seja, encargo
jurídico definido pelas necessidades do interesse da sociedade e do Estado. Tem, pois,
natureza jurídica de serviço público e função social, como estabelece o art. 133 da CRFB e o
EAOAB.
Sendo assim, o advogado, quando chamado a prestar assistência judiciária, deve
exercer sua função com o mesmo empenho e entusiasmo, esquecendo questões pessoais
relativas a crença, política, dentre outras.
O juiz, nos casos de jurisdicionados desprovidos de recursos financeiros, pode chamá-lo
ao exercício desse múnus público, sendo viável, inclusive punir os que não aceitarem aquele
encargo. Todavia, pelo art. 6º do EAOAB33, como não há hierarquia nem subordinação entre
advogados, magistrados e membros do Ministério Público, o magistrado, ao invés de fazê-lo
pessoalmente, deveria notificar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que ela sim o
fizesse, sendo impossível a prestação do serviço pela Defensoria Pública, e solicitando que a
Ordem dos Advogados indicasse profissionais de seus quadros para a atuação no processo
(MAMEDE, 2008).
Nessa hipótese, repita-se tal ministério é remunerado pelo Estado, conforme art. 22, §
1º do EAOAB34, em virtude de ser o advogado figura essencial à administração da justiça.
Conforme salienta Gladston Mamede:
É preciso estar bem atento para o fato de que os honorários relativos à prestação de
assistência judiciária em nada se confundem com os honorários advocatícios
sucumbenciais que, como se verá na seqüência, pertencem ao advogado por
disposição do Estatuto, em seu artigo 23. (MAMEDE, 2008, p. 285).35
Os honorários devidos pela prestação da assistência graciosa têm por causa o trabalho
33
34
35
“Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério
Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.
Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao
advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições
adequadas a seu desempenho”.
“Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários
convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de
impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados
pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado”.
A seguir, transcrevemos o art. 23: “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou
sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte,
podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”.
35
desempenhado pelo advogado, o que não se condiciona, em nada, ao resultado da demanda;
os honorários sucumbenciais, por seu turno, condicionam-se ao resultado. Consequentemente,
pode a parte assistida perder a demanda e, ainda assim, far-se-á indispensável fixar honorários
pela prestação da assistência. A sentença, então, fixará tanto os honorários sucumbenciais (a
favor da parte vencedora), quanto os honorários do assistente judiciário (MAMEDE, 2008, p.
285).
Isso porque, sem a efetiva participação do advogado, haverá flagrante ofensa ao
devido processo legal, dentro de uma principiologia do devido processo constitucional, na
qual é inerente a obediência ao contraditório e à ampla defesa. E é justamente através da
indispensabilidade do advogado para a construção do provimento em contraditório, como
instrumentalizador privilegiado e detentor da técnica apropriada, que se traduz a importância
de que este seja bem remunerado pelo serviço prestado ao longo do processo.
No momento em que se fala em remuneração do advogado, deve-se lembrar que
existem três tipos de honorários, conforme será explicitado no terceiro capítulo, sendo os
honorários sucumbenciais àqueles que apreciaremos com maior enfoque, uma vez que serão
eles objeto de fixação pelo juiz, que poderá se utilizar inclusive do critério de equidade
objetiva quando do arbitramento, de acordo com o exposto no primeiro capítulo.
3.2 Exercício da advocacia
São advogados aqueles que possuem inscrição na OAB, sendo privativa destes a
utilização de tal denominação, bem como o exercício da advocacia.36
A conclusão do curso de Direito e a aprovação no exame de ordem só qualificam o
profissional com a designação de bacharel em Direito. Todavia, sem a efetiva inscrição na
OAB esse bacharel não receberá, ainda, a denominação de advogado.
É que após a conclusão do curso e a efetiva aprovação no exame de ordem, o bacharel
em Direito terá, ainda que se inscrever na instituição, com o preenchimento de outros
requisitos, tais como apresentação de título de eleitor e quitação do serviço militar, bem como
ser dotado de idoneidade moral.
36
“Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são
privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)”.
36
Sendo assim, só após o deferimento de sua inscrição na OAB, será convocado, por
meio de correspondência, a comparecer a sessão solene para entrega da sua carteira de
advogado, na qual cumprirá o último requisito indispensável e personalíssimo, qual seja
prestar o compromisso de bem desempenhar a sua função, que como dito anteriormente, mais
do que função, é um verdadeiro múnus público.
Oportuno lembrar que, deixam de ser advogados aqueles que, por qualquer motivo,
tiverem suas inscrições canceladas pela OAB. Todavia, os que estiverem licenciados, pelas
hipóteses do art. 12 do EAOAB37, tais como aqueles que sofrerem de doença mental
considerada curável, não perdem essa denominação, embora tenham o exercício profissional
suspenso.
Ao mesmo regime do EAOAB, Regulamento Geral e Código de Ética e Disciplina
(CED) estão submetidos também os integrantes da Advocacia Geral da União, Procuradoria
da Fazenda Nacional, Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias dos Estados,
Distrito Federal e dos Municípios, além de entidades da Administração Pública indireta e
fundacional. Eles também exercem o múnus público da advocacia e são elegíveis, podendo,
inclusive, integrar qualquer órgão da OAB.38
A atuação advocatícia tem por características principais, além de ser um múnus
público, a parcialidade e a postulação em juízo, que ocorre, mediante a outorga de mandato
judicial. Como enfatiza Paulo Luiz Netto Lôbo é o advogado que detém “o monopólio da
assistência e da representação das partes em juízo” (LÔBO, 2009, p. 14).
A parcialidade é, por assim dizer, uma das características mais marcantes da atuação
advocatícia, uma vez que o advogado deve agir sempre em favor de uma das partes litigantes,
37
38
“Art. 12. Licencia-se o profissional que: I - assim o requerer, por motivo justificado; II - passar a exercer, em
caráter temporário, atividade incompatível com o exercício da advocacia; III - sofrer doença mental
considerada curável”.
“Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são
privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se
subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da
Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.
Art. 9º Exercem a advocacia pública os integrantes da Advocacia Geral da União, da Defensoria Pública e
das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, das autarquias e
das fundações públicas, estando obrigados à inscrição na OAB, para o exercício de suas atividades.Parágrafo
único. Os integrantes da advocacia pública são elegíveis e podem integrar qualquer órgão da OAB.
Art. 10 Os integrantes da advocacia pública, no exercício de atividade privativa prevista no Art. 1º do
Estatuto, sujeitam-se ao regime do Estatuto, deste Regulamento Geral e do Código de Ética e Disciplina,
inclusive quanto às infrações e sanções disciplinares”.
37
no caso do seu cliente. O juiz, ao contrário, deve ser imparcial, sob pena de ser julgado
impedido ou suspeito.
O art. 2º, § 2º do EAOAB39 estabelece que o advogado deve contribuir na postulação
de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgado, o que evidencia seu
dever de parcialidade. Para isso, o advogado vai apresentar argumentos jurídicoprocedimentais em favor de seu cliente, expressando seus valores e interesses, de forma
técnica, apta a ser apreciada e acatada pelo julgador, afinal essa é sua função precípua.
É esse o cerne principal da atuação do advogado, viabilizar a implementação do
contraditório e da ampla defesa, possibilitando o debate para que o julgador possa construir de
forma participada o provimento final legítimo.40
Por isso, no exercício de sua profissão deve o advogado agir sempre com respeito aos
limites legais e éticos, sendo a ilicitude intolerável na atividade advocatícia. Caso contrário, o
advogado estaria traindo a justiça, o dever de lealdade processual, o respeito à ética e a boa-fé,
inerentes à sua profissão.
Portanto, repita-se, deve o advogado atuar de forma lícita, moral e de boa-fé, sob pena
de sofrer sanções administrativas previstas pelo Código de Ética e Disciplina; sanções civis,
previstas nos art. 186 e 187 do Código Civil Brasileiro (CCB); e penais, no caso dos atos
praticados se encontrarem tipificados.
Todavia, da mesma maneira com que o advogado pode ser penalizado por exercício
ilegal ou indevido da profissão, seja na esfera administrativa, perante o Tribunal de Ética da
OAB, civil ou penal, o magistrado também poderá sofrer responsabilização, pessoalmente,
pelo uso indevido da função jurisdicional. Por exemplo, no caso em que o juiz, ao arbitrar os
honorários, utilizando-se do critério de equidade, preceituado pelo § 4º do art. 20 do CPC, não
deixa explícitos, na sua fundamentação, os parâmetros objetivos, apontados pelo próprio
dispositivo e pelo § 3º do mesmo artigo, trazendo evidenciado prejuízo para o causídico, que
trabalhou durante longo período, em causa de extrema relevância, tendo que se deslocar várias
vezes a comarca longínqua, com gastos diversos. Nessa situação, o advogado que teve seus
honorários sucumbenciais, arbitrados em valores irrisórios sem qualquer fundamentação,
39
40
“Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça. [...]
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao
convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”.
Nesse sentido, enfatizamos que, como será visto nos capítulos seguintes, da mesma forma que o advogado
contribui para a construção participada do provimento, também tem o direito assegurado constitucionalmente
de participar da construção da decisão de seu interesse, no que tange à fixação de honorários advocatícios.
38
poderia sim, demonstrando o teor do seu trabalho, corroborados pelas peças acostadas aos
autos, atas de audiências e acórdãos de julgamentos realizados, bem como através de
declarações do próprio cliente que demonstrem deslocamentos constantes ao interior, dentre
outras questões, pleitear ao magistrado ressarcimento pelos danos evidenciados.
Outra característica de relevância na profissão do advogado é a postulação em juízo,
que é atividade privativa de advogado, que detém a capacidade postulatória41, sob pena de a
parte ter seu direito prejudicado pela falta de habilidade e forma técnica.
O exercício ilegal da profissão, por pessoa não habilitada, conforme previsto pelo art.
4º do Regulamento Geral da Advocacia, será contravenção penal, de acordo com o disposto
no art. 47 da Lei de Contravenção Penal (LCP).
Contudo, é de se destacar que existem algumas exceções a essa postulação em juízo
privativa de advogado, tais como o Habeas Corpus, nos termos do art. 654 do Código de
Processo Penal (CPP), em face da medida emergencial que se pleiteia; a postulação nos
Juizados Especiais, de acordo com o art. 9º da Lei nº 9.099/95 para demandas de valor
inferior a 20 salários mínimos (lembre-se aqui, entretanto que, nas demandas de valor superior
a 20 salários mínimos e nas demandas criminais, tal representação é obrigatória); a postulação
na Justiça do Trabalho, de acordo com o art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT); a postulação na Justiça de Paz e as medidas protetivas à mulher, asseguradas pela Lei
Maria da Penha.
A despeito das exceções acima apontadas, segundo o art. 4º do EAOAB são nulos os
atos praticados por não inscritos, sem prejuízo das sanções administrativas, civis e penais.
Ainda de acordo com o referido artigo também seriam, em regra42, nulos os atos praticados
por advogados impedidos, suspensos, licenciados ou que exercem atividades incompatíveis.
Na hipótese do patrocinado não saber do impedimento, também ficam sanados os atos
praticados, desde que ratificados a tempo, nos termos do art. 13, I, do CPP.
Nas demais hipóteses de advogados suspensos, licenciados ou que exercem atividade
incompatível, também podem ser adotadas as mesmas considerações acima, no que tange à
nulidade relativa, em virtude do moderno entendimento adotado pelo sistema processual
41
42
Aqui, a título de esclarecimento, frise-se que a capacidade de ser parte, prevista pelo art. 7º do CPC não se
confunde com capacidade postulatória, objeto do nosso estudo, de acordo com art. 1, I do EAOAB.
Todavia, de acordo com jurisprudência do STJ, no caso de advogado impedido, não se declara nulidade sem
a efetiva demonstração do prejuízo (pas de nullité sans grief). Aqui se fala em nulidade relativa (atos
anuláveis e não nulos), devendo ser alegada oportunamente pela parte que também deverá comprovar o
prejuízo sofrido.
39
contemporâneo, que se baseia no princípio da instrumentalidade das formas, que verifica os
atos e a forma de acordo com sua função e finalidade e não como fins em si mesmos.
Ainda, de acordo com o § 2º do art. 343, admite-se que o estagiário inscrito na OAB
pratique os atos previstos no art. 1, na forma do Regulamento Geral, em conjunto com o
advogado e sob responsabilidade deste, sob pena de nulidade dos mesmos, nos termos do art.
4º do EAOAB44. Todavia, existem atos que o estagiário pode praticar isoladamente, de acordo
com o art. 29, § 1º, do Regulamento Geral, tais como, retirar e devolver autos em cartório,
assinando a respectiva carga; obter junto aos escrivães e chefes de secretarias certidões de
peças ou autos de processo em curso ou findos e assinar petições de juntada de documentos a
processos judiciais ou administrativos.
Se, contudo, por acaso, o ato foi praticado pelo advogado, auxiliado pelo estagiário,
mas o advogado se esqueceu de assinar a peça, ao contrário do estudante que a assinou, devese permitir a regularização do ato, intimando-se o advogado para comparecer em cartório e
assinar, de modo a regularizar seu lapso, como apregoa o princípio da instrumentalidade das
formas.
No exercício da advocacia, existem também advogados que exercem consultoria,
podendo provê-la, inclusive, profissionais do Direito estrangeiro, desde que em respeito ao
provimento 91/00, do Conselho Federal da OAB, que vincula o exercício da advocacia nessas
hipóteses a autorização da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).45
É relevante destacar o papel da consultoria, pois, cada vez mais cresce no país a
advocacia preventiva e que, conforme o art. 1, II do EAOAB46, também são atividades
privativas de advocacia a assessoria e a direção jurídicas.
43
44
45
46
“Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são
privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). [...]
§ 2º O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º, na forma do
regimento geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste”.
“Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo
das sanções civis, penais e administrativas.
Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido - no âmbito do impedimento suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia”.
Essa autorização se dá a título precário e será concedida tão somente para a “prática de atividade de
consultoria no Direito estrangeiro correspondente ao país ou Estado de origem do profissional interessado”.
“Art. 1º São atividades privativas de advocacia: [...]
II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas”.
40
3.3 Natureza contratual da prestação do serviço do advogado
Como bem ressalta Gladston Mamede em seu livro A Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil:
Ainda que a advocacia seja uma função social e um serviço público, constitui, por
igual, um ministério privado (art. 2, § 1, do EAOAB), vale dizer, uma profissão. A
prestação de seus serviços, portanto, implica um negócio havido entre o advogado e
o cliente; por esse negócio, o advogado compromete-se a prestar os serviços
necessários à defesa dos direitos e interesses de seu constituinte e este, por seu turno,
compromete-se a remunerá-lo; excetuando-se a hipótese de o causídico oferecê-los
de forma graciosa (o que não é raro na advocacia), faz o advogado jus a
remuneração por seu trabalho. (MAMEDE, 2008, p. 267).
A advocacia pode ser exercida de forma autônoma ou subordinada, mas,
independentemente da forma escolhida, o advogado deve estar sempre munido de instrumento
de representação, que deve fazer juntar aos autos com intuito de assegurar a validade da sua
atuação.
É que o advogado detém a capacidade postulatória, entendida aqui como capacidade
de “postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais”, conforme disposto no
art. 1º, I do EAOAB. O cidadão comum não detém, em regra, essa capacidade postulatória,
necessitando, pois, da contratação de um advogado, delegando a este último poderes para
representar o primeiro em juízo.
Como bem disse venerando acórdão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas
Gerais (TRT/MG), “Por não poder ser onipresente, o homem se faz representar para
multiplicar a presença e atender a carências que a pessoa individualmente não pode realizar”
e, ainda, “Como a mão individual não pode fazer tudo, nem ao homem é facultado estar
presente em todas as atividades, que ele mesmo cria, surge a necessidade de representação,
pela qual uma pessoa age em função de outra [...]” (MINAS GERAIS, 2010).
Pode-se dizer que a necessidade de representação começou em função de interesses
imediatos através do Direito Privado para atender às necessidades das pessoas, em virtude do
vínculo obrigacional, para o fim de determinado contrato.
O instrumento contratual nasceu, já no fim da República Romana, como forma de
regulamentar o entendimento entre as pessoas e evitar conflitos sociais. O termo mandatum,
na sua fase romana, era gratuito e só mais tarde, com a evolução das relações sociais, passouse a admitir a concessão de honorários, principalmente quando se delegava a alguém a defesa
41
de interesses em juízo e também em casos de intermediação para realização de contratos de
compra e venda (MAYNES, 1891, t. 2, p. 255 apud MINAS GERAIS, 2010).
Com o desenvolvimento das relações interpessoais, o mandato passou a ser oneroso,
assumindo conteúdo econômico.
Temos variadas noções de contrato dentro do ordenamento jurídico, cabendo-nos
destacar algumas, como, por exemplo, a de Clóvis Bevilaqua, que o identifica como ato
jurídico bilateral, definindo-o, de acordo com o art. 1.079 do CCB, “como o acordo de
vontade para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”. O ilustre autor
aduz ainda que “entre os atos jurídicos estão os contratos, por meio dos quais os homens
combinam os seus interesses, constituindo, modificando ou provendo algum vínculo jurídico”.
Já para Pothier contrato é “uma convenção através da qual uma ou mais pessoas se
obrigam em face de uma ou mais pessoas a dar, fazer ou deixar de fazer alguma coisa”
(POTHIER, 1947 apud GOMES, 2002, p. 3-4., tradução nossa).47
O professor Darcy Bessone, por sua vez, filiou-se ao Direito Italiano, cujo Código
Civil em seu art. 1.321, define contrato como “o acordo de duas ou mais pessoas para entre si
constituir, regular e extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial” (BESSONE,
1997, p. 165 apud GOMES, 2002, p. 22).
O mandato de representação outorgado pelos clientes aos advogados tem, pois,
natureza contratual, nos termos do art. 1.288 do Código Civil Brasileiro de 1916 e no art. 653
do novo diploma. Segundo referido artigo, o mandatário recebe poderes de outrem, designado
mandante, para em seu nome praticar atos ou administrar interesses.
Temos como instrumento do mandato a procuração, que é o meio formal de outorga de
poderes. Como ressalta Sílvio de Salvo Venosa:
A etimologia da palavra dá idéia do conteúdo do negócio: mandare, no sentido de
mandar ou ordenar, ou manun dare, dar as mãos, como até hoje se sacramentam
certos negócios e acordos sem cunho jurídico. O mandato confere um poder que se
reveste hoje de dever para o mandatário. (VENOSA, 2003, v. 3, p. 265).
É de salientar, porém, que procuração e mandato não se confundem, sendo a primeira
manifestação unilateral de vontade, enquanto o segundo requer manifestação bilateral de
47
“Une convention par laquelle une ou plusieurs personnes s’obligent envers une ou plousieurs autres `a
donner, à faire ou à ne pás faire quelque chose”. Nessa concepção se inspirou o Código Francês, ao
enunciar, no art. 1101, que “le contrat est une convention par laquelle une ou plusieurs personnes s’obligent,
envers une ou plusieurs autres, à donner, à faire ou à ne pás faire quelque chose”.
42
vontade. E, em nosso ordenamento jurídico, vê-se que a representação é inerente ao mandato,
ou seja, se não há representação, não há mandato.
De acordo com o art. 5º do EAOAB, “O advogado postula, em juízo ou fora dele,
fazendo prova do mandato”.
Importante ressaltar que qualquer que seja a hipótese de advocacia exercida, quer a
título de consultoria ou de assessoria, quer como empregado ou empregador é através do
mandato judicial que irá se efetivar a capacidade postulatória indispensável à atuação em
juízo.48
Como salienta Paulo Luiz Netto Lôbo:
O mandato judicial é o contrato mediante o qual se outorga a representação
voluntária do cliente ao advogado, para que este possa atuar em nome daquele, em
juízo ou fora dele. O instrumento do mandato, onde são explicitados os poderes da
representação, é a procuração, que o advogado deve sempre provar. (LÔBO, 2009,
p. 38).
Todavia, o parágrafo primeiro do art. 5º do EAOAB49 estabelece que, em situações
urgentes, o advogado pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la em quinze dias,
prorrogável por igual período, desde que justificada (uma única vez). Nesse caso, basta a
declaração de urgência feita pelo advogado, que é dotada de presunção legal de veracidade.
A falta do referido mandato gera consequências não só em face do suposto mandante,
mas também em relação a terceiros, atingindo não só o plano da eficácia, mas também o de
existência, hipótese em que o advogado poderá responder no campo administrativo pela
infração disciplinar cometida, bem como na esfera civil, por eventuais prejuízos causados.50
48
49
50
De acordo com o art. 15, §3º do EAOAB, no caso de sociedade de advogados, “as procurações devem ser
outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte”. Todavia, não se pode
outorgar mandato à sociedade.
“Art. 5º O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato.
§ 1º O advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la no prazo de
quinze dias, prorrogável por igual período”.
No caso de defensor público, a representação da parte independe de mandato judicial, exceto para as
hipóteses em que a lei exige poderes especiais, de acordo com o art. 44, XI, da Lei Complementar nº 80, de
12/01/1994. Já em relação aos procuradores de autarquias, o STJ, entende que também estariam dispensados
de provar o mandato judicial pela procuração, uma vez que estão exercendo atribuição inerente ao cargo que
exercem, bastando declinarem o cargo, com o número de matrícula e indicarem o número de inscrição na
OAB. Ex: procuradores do Banco Central do Brasil. Na hipótese de advogados convocados para prestarem
assistência judiciária, fora do âmbito da defensoria, entende-se que a aceitação do patrocínio leva ao mandato
com o cliente.Os estagiários, por sua vez, podem receber poderes através de substabelecimento, no entanto,
não podem substabelecer porque não têm poderes para fazê-lo, ninguém substabelece poderes que não
possui.
43
A designação contida na procuração expressa pela terminologia “poderes para o foro
em geral” significa que o advogado estará apto a exercer um conjunto de poderes, sem a
necessidade de especificá-los, necessários ao desenvolvimento normal do processo.
Os poderes especiais, ao seu turno, não se encontram explicitados no EAOAB, mas em
legislações processuais. São eles: de receber citação inicial, confessar, reconhecer a
procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação,
receber, dar quitação e firmar compromisso.
Caso julgue conveniente ou mesmo por questão ética, o advogado pode renunciar ao
mandato judicial que lhe foi outorgado pela parte. Por exemplo, o advogado deve renunciar
sempre que sentir ausência de confiança pelo cliente. De acordo com o art. 13 do Código de
Ética e Disciplina “a renúncia implica omissão do motivo e a continuidade da
responsabilidade profissional do advogado, durante o prazo estabelecido na lei”, que
conforme o EAOAB e o art. 45 do CPC, é de dez dias. Esse prazo tido como necessário para
que o cliente possa contratar outro advogado, ficando o advogado responsável por qualquer
prejuízo causado na defesa do primeiro nesse período, por dolo ou culpa. Tal prazo pode ser
dispensado, caso haja constituição de novo advogado antes do seu término (EAOAB) ou não
houver necessidade de sua permanência para evitar prejuízo ao mandante (CPC).
Frise-se que a renúncia não é só uma faculdade do advogado, mas uma imposição
ética, em certos casos, como aqueles previstos pelo Código de Ética e Disciplina, tal qual
ocorre, por exemplo, se o cliente tiver omitido a existência de outro advogado já constituído.51
Em virtude das considerações acima, evidencia-se que a prestação do serviço do
advogado tem natureza contratual de mandato, do qual decorre a representação do cliente, que
confere poderes ao advogado para representá-lo em juízo ou fora dele (LÔBO, 2009, p. 38).52
Como características desse contrato, podem-se citar primordialmente a mútua
confiança, a exigência de aceitação, seu caráter consensual, a possibilidade de ser gratuito ou
oneroso, bem como o fato de sua outorga estar vinculada apenas para a prática de atos
jurídicos, dentre outras, tais como o de ser, em virtude da mútua confiança, intuitu personae.
51
52
Frise-se que a renúncia só se consuma com a efetiva notificação ao cliente, judicial ou extrajudicial (carta
com aviso de recebimento) e também que não se admite renúncia genérica, caso o advogado esteja
acompanhado várias causas para a mesma parte.
Como salienta Paulo Luiz Netto Lôbo, citando jurisprudência, havendo indicação de assistência judiciária
(agora dependente da impossibilidade efetiva da Defensoria Pública no local dos serviços), o mandato é
admitido sem procuração porque se assemelharia ao mandato ad litem (1TACSP, AC 206.525, Jurisprudência
Brasileira, 123: 191).
44
O advogado, indispensável ao debate como partícipe inconteste da construção de uma
decisão legitimada pelo contraditório, deve, portanto, estar munido de poderes, sob pena de,
conforme explicitado acima, trazer prejuízo ao cliente, por uma posterior nulidade.
45
4 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Neste capítulo serão abordados de maneira genérica os honorários advocatícios com
enfoque inicial na sua origem teórica e espécies.
Como será visto a seguir, os honorários advocatícios, uma vez que tornada a advocacia
profissão, passaram a corresponder naturalmente à contraprestação que deveria ser exigida
quando da atuação do causídico.
Normalmente, quando se fala em honorários advocatícios tem-se em mente aqueles
honorários pagos pelo cliente ao advogado em razão do serviço prestado, decorrentes de
contratação para serviços judiciais ou extrajudiciais. Todavia, como será visto adiante existe
outra espécie de honorários advocatícios, decorrentes de decisão judicial, com o fito de
remuneração aos advogados pela atuação no iter procedimental, a serem pagos pela parte
perdedora.
Os honorários sucumbenciais, que compõem esse segundo gênero, são os que mais
interessam ao presente estudo, uma vez que se está a verificar justamente a utilização de
apreciação equitativa quando do seu arbitramento pelo julgador.
Para que se possa dar sequência às colocações e conclusões sobre o tema objeto de
análise, fundamental - conforme será feito ao final deste - que sejam explicitados os requisitos
previstos no art. 20 do CPC, utilizados quando da fixação dos honorários sucumbenciais.
Nesse sentido, evidenciam-se os objetivos atinentes ao capítulo, que não pretende
esgotar o tema referente a honorários advocatícios, em sua generalidade, mas dar enfoque a
questões indispensáveis ao deslinde deste trabalho, principalmente no que tange ao artigo 20 e
§ 3º e 4º do CPC, que transcrevemos nesta oportunidade:
Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que
antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também,
nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.
§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo
de 20 % (vinte por cento) sobre o valor da condenação, atendidos:
a) o grau de zelo do profissional;
b) o lugar de prestação dos serviços;
c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo
exigido para o seu serviço.
46
§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não
houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas
ou não, os honorários serão fixados consoante a apreciação equitativa do juiz,
atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.
4.1 Origem teórica
Para uma melhor análise do instituto dos honorários, primeiro se deve verificar
algumas questões indispensáveis em relação à sua origem teórica, com a verificação sobre se
ele pertenceria ao direito material ou ao direito processual.
Para Giuseppe Chiovenda, existiria um gênero intermediário entre essas categorias, o
direito processual material, sendo que o referido instituto seria disciplinado pelo direito
processual, mas com repercussão direta na vida das pessoas em sociedade (LOPES, 2008, p.
9).
Segundo ele, também não poderia referido instituto ser enquadrado de modo preciso
nem na esfera do direito público, nem naquela do direito privado, irradiando nuances em
ambos, restando ao intérprete identificar no caso concreto quais os contornos mais nítidos.
Pelo art. 22 do EAOAB53 a Ordem dos Advogados do Brasil assegura aos seus
inscritos o direito aos honorários convencionados, fixados por arbitramento e aos
sucumbenciais, a não ser na hipótese, prevista pelo mesmo artigo em seu parágrafo quinto, de
defesa de outro advogado em processo sobre ato ou omissão praticado no exercício da
advocacia.54
Os honorários advocatícios, conforme já destacado acima, são os vencimentos devidos
ao advogado pelo cliente em troca dos serviços prestados, em regra, por força contratual, ou,
na ausência de contrato, a ser fixado judicialmente, ou, ainda, devidos por quem deu causa ao
processo ao advogado de seu oponente, designados honorários de sucumbência.55
53
54
55
Art. 22 do EAOAB. “A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos
honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”.
“§ 5º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de mandato outorgado por advogado para defesa
em processo oriundo de ato ou omissão praticada no exercício da profissão”.
“Aqui mister salientar que os honorários sucumbenciais também são fixados por decisão judicial, apesar do
referido dispositivo assim não dispor expressamente”.
47
Frise-se que em qualquer das espécies de honorários o titular do direito será sempre o
advogado e, não, a parte adversa. O procurador, então, de acordo com o art. 23 do EAOAB56,
tem direito autônomo para executar a sentença nessa parte, podendo requerer que o precatório,
quando necessário, seja expedido em seu favor.
E, como disposto pelo referido artigo, é de se enfatizar que o recebimento de
honorários sucumbenciais constitui-se importante prerrogativa assegurada pela profissão
advocatícia, sendo possível, todavia, que haja estipulação em contrário entre advogado
empregador e advogado empregado expressa através do contrato de prestação de serviços.
Segundo José Cretella Júnior, definir a natureza jurídica de um instituto é “enquadrálo em moldes jurídicos preexistentes” (CRETELLA JÚNIOR, 1995, p. 74-75 apud LOPES,
2008, p. 06). Nesse sentido, no capítulo presente, procurou-se estabelecer como dito
anteriormente, a origem teórica dos honorários advocatícios em sua generalidade.
Primeiramente, há que se fazer referência ao gênero custo processual, do qual são
espécies as despesas processuais e os honorários advocatícios. As despesas processuais se
referem a todos os itens do custo do processo devidos ao órgão estatal, tais como custas,
emolumentos, custos com diligências, intimações, citações; além da remuneração aos
auxiliares da justiça. De outro lado, honorários advocatícios são, por assim dizer,
remuneração devida a profissionais liberais, como os advogados, por exemplo, em troca dos
serviços prestados ao seu cliente.
Já em relação aos honorários advocatícios sucumbenciais, conforme acima
explicitado, não são os mesmos decorrentes de contrato, mas, sim, de lei, que assegura serem
eles devidos por quem deu causa ao processo, ao advogado de seu oponente.
Os honorários de sucumbência são, conforme visto acima, fixados por decisão judicial
e serão, portanto, o objeto precípuo de nossa abordagem, que apontará a seguir as
características de cada espécie de honorários advocatícios.
56
Art. 23 do EAOAB. “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem
ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o
precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”.
48
4.2 Espécies
4.2.1 Honorários convencionais ou convencionados
Os honorários convencionais ou convencionados, como primeira espécie objeto de
nossa análise, têm natureza jurídica contratual, sendo que a obrigação pré-contratual é
inerente ao contrato e aplica-se não só ao advogado, como também ao cliente.
O advogado não pode, por exemplo, deixar de informar o cliente dos riscos de uma
aventura jurídica, o que pode inclusive gerar futura responsabilização civil e, de outro lado, o
cliente não pode omitir dados importantes e relevantes da causa, levando o advogado a erro
quando da cobrança de honorários por acreditar se tratar de caso mais simples.
Como salienta Paulo Luiz Netto Lôbo (2009, p. 143), a contratação de honorários por
escrito constitui-se como “dever ético do advogado, para reduzir o potencial de risco e
desgaste com o cliente que repercute mal na profissão[...]”.
Os honorários convencionados ou contratuais devem ser fixados com moderação,
conforme previsto pelo art. 36 do Código de Ética e Disciplina, atendidos os seguintes
parâmetros:
I- relevância, vulto, complexidade e dificuldade das questões; II - o trabalho e o
tempo necessários; III - a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em
outros casos, ou de se desavir com outros clientes ou terceiros; IV - o valor da causa,
a condição econômica do cliente e o proveito para ele resultante do serviço
profissional; V - o caráter da intervenção: eventual, habitual ou permanente; VI - o
lugar da prestação dos serviços, fora ou não do domicílio do advogado; VII - a
competência e o renome do profissional; VIII - a praxe do foro sobre trabalhos
análogos.
O referido contrato de honorários deve prever eventual correção monetária ou
possibilidade de majoração por aumento dos atos judiciais, especificações e forma de
pagamento, inclusive no caso de acordo, além de eventual autorização para que haja
compensação ou o desconto dos honorários contratados e de valores que devam ser entregues
ao constituinte ou cliente, de acordo com o art. 35 do Código de Ética e Disciplina.
Como contrato que é, a possibilidade de revisão de honorários pactuados se impõe e,
para tanto, ambas as partes devem estar de acordo com as alterações a serem feitas no contrato
original e, de acordo com o art. 22, § 3º, do Estatuto dos Advogados da OAB, a forma de
49
pagamento dos honorários convencionados, se silente o contrato, se dará em três parcelas,
sendo a primeira no início do serviço; a segunda até a decisão e a terceira ao final da
demanda.
Também prevê o Código de Ética e Disciplina em seu artigo 14 que a revogação do
mandato não afasta o direito aos honorários advocatícios e, no caso de substabelecimento, os
advogados devem ajustar antecipadamente seus honorários, como prevê o art. 24, § 2º, do
mesmo CED.
Da mesma maneira, ainda que o cliente faça acordo diretamente com a outra parte, o
advogado não ficará prejudicado no recebimento dos honorários avençados.
Há ainda a hipótese de se inserir no contrato de honorários convencionais uma
cláusula de sucesso, denominada cláusula quota litis, que prevê honorários a serem pagos pelo
cliente em razão do êxito da demanda.
Frise-se, todavia, que de acordo com o art. 38 do Código de Ética e Disciplina, os
honorários devem constituir-se, em regra, em pecúnia57, e, quando acrescidos dos honorários
da sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas em favor do constituinte ou
do cliente.
Os honorários convencionados são, portanto, os que o advogado estabelece em acordo
com o seu cliente a título de remuneração pelos serviços advocatícios prestados, e, como diz
José Oswaldo de Oliveira Leite, citado por Gladston Mamede, “é fonte de enriquecimento
honesto desde que haja lealdade no cobrar, se possível com prévio contrato de honorários; que
se cobre sem locupletamento; e que se cobre sem mercantilização”58.
Lembrando que não pode o advogado promover a disseminação do aviltamento da
profissão, cobrando muito aquém dos parâmetros das tabelas regionais de honorários. É
sabido que pode o advogado, exercendo o múnus público inerente à sua profissão, atuar
inclusive gratuitamente, de modo a utilizar sua qualificação técnica e capacidade postulatória
em prol daqueles desprovidos de recursos financeiros. Todavia, só deve fazer isso em
situações excepcionais em que se verifique motivo justo para abrir mão de sua remuneração.
57
58
Excepcionalmente, tolera-se a participação do advogado em bens particulares.
Subsídios para uma orientação profissional. Palestra proferida na solenidade de entrega de carteiras da
OAB/MG, em homenagem ao Min. Cunha Peixoto no dia 5 de abril de 1973. Não publicado, citado por
Mamede (2008, p. 133).
50
Advogados que estiverem se utilizando de anúncios59 diversos com oferta de
honorários deliberadamente abaixo da tabela, ou, no mesmo esteio consultas grátis, estarão
sem sombra de dúvida contribuindo sobremaneira para o vilipêndio da profissão advocatícia,
podendo inclusive, ser punidos por atribuírem caráter mercantil à atividade.
Por derradeiro, frise-se que o contrato de honorários firmado pelo cliente e o advogado
é título executivo extrajudicial, previsto no art. 24 do EAOAB, e como tal não precisa estar
assinado por duas testemunhas. Sendo que no caso de descumprimento contratual, o advogado
tem o prazo de cinco anos para ingressar com a respectiva ação de cobrança, contados na
forma do art. 25 do EAOAB.60
4.2.2 Honorários fixados por decisão judicial
Os honorários fixados judicialmente, por arbitramento, por sua vez, podem ou não
abranger os honorários de sucumbência.
É que, na hipótese de não existir contrato de honorários, o advogado deverá pedir ao
juiz que os arbitre o que será feito através de decisão judicial, na qual caberá ao juiz fixar seus
valores. Todavia, o arbitramento que enfatiza a utilização de discricionariedade pelo
magistrado não pode ser instrumento de arbitrariedade da parte do juiz, que deverá observar
parâmetros fixados pela lei (LÔBO, 2009, p. 144).
Dentre os parâmetros estabelecidos pela lei está o limite mínimo da tabela organizada
pelos Conselhos Seccionais da OAB61, bem como outros a serem levados em conta pelo
julgador, tais como o trabalho realizado, o número de peças produzidas e de tempo gasto, a
média da remuneração recebida em casos assemelhados, as despesas e deslocamentos feitos
59
60
61
Frise-se que pode o advogado se anunciar desde que em respeito aos art. 28 a 34 do CED que prevê os limites
da publicidade, permitindo apenas os anúncios moderados e discretos, com finalidade exclusivamente
informativa, estando vedado o uso de meios promocionais característicos de atividade mercantil. Como
bem disse Paulo Luiz Netto Lôbo: “O serviço profissional não é uma mercadoria que se ofereça à aquisição
dos consumidores” (LÔBO, 2009, p. 193).
De acordo com o artigo 25 do EAOAB, o advogado tem o prazo de cinco anos para ingressar com a
respectiva ação de cobrança, contados do vencimento do contrato, se houver; do trânsito em julgado da
decisão que os fixar; da ultimação do serviço extrajudicial; da desistência ou transação; ou da renúncia ou
revogação do mandato.
Importante destacar que ao contrário do que pensam muitos estudantes de Direito e até mesmo advogados,
não existe uma tabela nacional de honorários, mas sim variadas tabelas cuja organização é de
responsabilidade exclusiva dos Conselhos Seccionais. Nesse sentido, a OAB de Minas Gerais, por exemplo,
tem a sua tabela de honorários que deve servir de parâmetro aos honorários mineiros.
51
pelo advogado, o valor econômico da causa, dentre outros.
Essa hipótese de fixação judicial, no entanto, não se confunde com a sucumbência,
equivalendo a honorários a serem pagos a título de honorários “contratuais”, e, não, como
verba sucumbencial.
É que, segundo estabelece o art. 22, § 2º, do EAOAB, é direito do advogado, na falta
de estipulação ou acordo sobre honorários, o arbitramento dos mesmos pelo juiz, em
remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser
inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo conselho seccional da OAB; uma vez
que o mandato presume-se oneroso, de acordo com o art. 658, parágrafo único do Código
Civil Brasileiro.
Ainda na hipótese de o advogado ser convocado pelo Estado a exercer seu múnus
público, de acordo com o art. 5º, § 1º e 2º, da Lei nº 1.060/50, para assistir o cidadão
necessitado, também deverá ter seus honorários fixados por arbitramento, a serem pagos pelo
Estado.
Aqui se deve frisar que assistência judiciária é dever do Estado, conforme preceitua o
art. 5º, LXXIV da CRFB, que deve organizar a Defensoria Pública, nos termos do art. 134,
também da Carta Constitucional.
Todavia, pelo disposto no art. 22, § 1º, do EAOAB62, o advogado que é nomeado para
patrocinar causa de juridicamente necessitado, tem o direito aos honorários por seu trabalho,
que deverão ser fixados pelo juiz, orientando-se este último pela tabela organizada pelo
Conselho Seccional da OAB, devendo ser pagos tais valores pelo Estado. Sendo que tais
honorários não estão vinculados à vitória e não se alteram, pois, em face da atribuição de
honorários sucumbenciais.
Lembre-se que assistência Judiciária é diferente de Justiça Gratuita como ressalta o
professor Gladston Mamede:
Há assistência judiciária sempre que a pessoa que necessite de um advogado para a
defesa de seus direitos e interesses recorra ao Estado para lhe providenciar
profissional capacitado para tanto. A assistência judiciária, portanto, inclui a
nomeação de um defensor, que poderá ser um servidor (o defensor público) ou um
62
Art. 22. “A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários
convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de
impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados
pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado”.
52
particular que seja nomeado para atuar naquele caso em especial, assistindo o
necessitado. A assistência jurídica inclui a justiça gratuita, mas não se resume a ela.
A justiça gratuita, nesse contexto, é apenas concessão, pelo judiciário, de gratuidade
de custas e demais despesas processuais, a incluir honorários advocatícios de
sucumbência e os honorários periciais. Concede-se a justiça gratuita a todos aqueles
que se declarem pobres no sentido legal, isto é, cuja situação econômica não lhes
permita pagar custas e despesas processuais sem prejuízo do sustento próprio ou da
família. Não é benefício exclusivo dos que gozam de assistência judiciária; muitos
encontram advogados que lhes defendam a causa gratuitamente ou, ainda,
contratando honorários quota litis; há profissionais que cobram valores
extremamente baixos e, até, que facilitam o pagamento, permitindo que aquele que
tenha parcas condições financeiras goze de assistência advocatícia. Esses,
preenchendo os requisitos legais, merecerão assistência judiciária. (MAMEDE,
2008, p. 289).
É de se ressaltar que qualquer que seja a espécie de honorários, sejam convencionados
ou arbitrados, são créditos que advêm do trabalho do advogado e, por isso, têm caráter
alimentar, gozando de privilégio em eventual habilitação entre os credores na falência, etc.
Todavia, lembre-se, acaso o advogado necessite de arbitramento ou cobrança judicial, não se
pode utilizar de emissão de faturas que derivem de duplicatas, que, por sua vez, têm caráter
eminentemente mercantil, sendo, portanto, incompatíveis à profissão advocatícia. Da mesma
maneira, não comporta emissão de qualquer ouro título de crédito e, muito menos, protesto.63
De outro lado, temos os honorários fixados por decisão judicial em decorrência da
sucumbência, que são os designados honorários de sucumbência ou sucumbenciais, que mais
nos interessam no presente trabalho, uma vez que o objeto principal do estudo realizado é
justamente a equidade judicial quando do arbitramento dos honorários sucumbenciais
(conforme será explicitado no próximo capítulo), ou seja, aqueles devidos por quem deu
natureza ao processo, ao advogado de seu oponente, conforme dito anteriormente.
63
Lembre-se que, ainda que haja revogação do mandato judicial por vontade unilateral do cliente, deverá o
mesmo arcar com o pagamento dos honorários contratados, o que também procede em relação aos honorários
de sucumbência, de acordo com o serviço efetivamente prestado pelo advogado, conforme assegura o art. 14
do CED. Caso contrário seria possível implementar o calote ao advogado, uma vez que, ao final da demanda,
vendo-se praticamente vitorioso, o mau cliente poderia revogar o mandato e ficar sem pagar parte dos
honorários advocatícios.
53
4.2.3 Honorários sucumbenciais
4.2.3.1 Origem teórica
Os honorários advocatícios são originários de obrigação legal (art. 20 do CPC),
decorrendo automaticamente da sucumbência, de sorte que nem mesmo ao juiz é permitido
omitir-se frente a sua incidência (LOPES, 2008, p. 19).
Em termos históricos, ao longo dos anos, várias foram as tentativas de se atribuir aos
honorários sucumbenciais uma origem teórica64, as quais serão a seguir objeto de nossa
apreciação.
Primeiramente, aos honorários de sucumbência foi atribuída a origem teórica de
sanção, uma vez que seriam os mesmos resultados de imposição de sanção, o que não
significa dizer que esta última teria natureza condenatória. Na hipótese, a sanção é de natureza
compensatória, mediante a qual se busca indenizar um dano, como ocorre na espécie.
É que, no Direito Romano, no período das legis actiones e nos primeiros tempos
do formular, o custo do processo não era significativo em virtude de diversos fatores
(CHIOVENDA, 1935, p. 13-14
apud LOPES, 2008, p. 26). O sucumbente então era
penalizado e, como se tratava de verdadeira pena, e não de indenização, o dinheiro não era
entregue ao vencedor da demanda, mas sim aos sacerdotes ou ao Erário.
Ainda no período formular, houve uma evolução com a transformação da natureza de
sanção, que passou de pena a uma embrionária indenização, revertida ao bolso do vencedor
para compensar a parte vencedora do custo suportado para participar do processo (LOPES,
2008, p. 27).
No Direito medieval, amparado pela Teoria da Pena, de Heennemann e Emmerich, a
condenação, por sua vez, somente seria imposta ao vencido, caso restasse evidenciada a
sua má-fé (HEENNEMANN, 1789; EMMERICH, 1790 apud LOPES, 2008, p. 28).
A seguir, a má-fé passou a não mais ser objeto de análise, e o perdedor não precisaria
64
Neste tópico, utiliza-se expressão “origem teórica” adotada por Rosemiro Pereira Leal, ao invés da expressão
natureza jurídica, por entender ser a terminologia mais apropriada dentro do contexto de uma processualidade
democrática.
54
ter agido de má-fé para ser condenado. Nessa fase, acolheu-se a Teoria do Ressarcimento, de
Adolph Weber, para indenizar os prejuízos experimentados pelo vencedor no curso do
processo, fundamentando-se na equidade e na culpa aquiliana, segundo a qual agiria com
culpa, ainda que em grau mínimo, pelo simples fato de ter se oposto em juízo, sustentando
pretensão que foi rejeitada (WEBER, 1788 apud SILVA, 2004, p. 201-204).
A Teoria da sucumbência, a seu turno, foi o ponto culminante na evolução histórica do
Direito Romano, segundo Giuseppe Chiovenda, por ser mais adequada à distribuição do custo
do processo e, por conseguinte, evitar demandas temerárias.
Segundo referida teoria o direito existe antes mesmo do pronunciamento do seu
julgador, que apenas reconhece a sua existência ao titular, o qual, por sua vez, é ressarcido
pelos ônus que teve que suportar com a demanda, e assim tem assegurada a prestação da
tutela jurisdicional integral, resguardada a efetividade do ordenamento jurídico.
Nessa teoria também há a supressão da figura da “culpa”, pois há o ressarcimento,
independente de ter a parte sucumbente agido com culpa. Em fase anterior, como visto acima,
Carnelutti insere-a no princípio dell’agire a proprio rischio e a equipara à responsabilidade
civil pelo exercício de atividades perigosas. Segundo ele, “anche l’azione in giudizio è
periculosa per sua natura [...]” (CARNELUTTI, 1958, p. 122 apud LOPES, 2008, p. 34).
Ovídio Araújo Baptista da Silva (2004, p. 201-204), a seu turno, não concorda com o
italiano Carnelutti e nem com a teoria que acolhe a responsabilização sem culpa, apregoando
que a defesa da responsabilidade objetiva não se fundamenta em razões ontológicas, mas em
uma ficção imposta pela exigência econômica racionalista de que os direitos tenham sempre o
mesmo valor, e está pautada em paradigmas superados, como os princípios da univocidade de
sentido da lei e do caráter declaratório da jurisdição.
Por derradeiro, cumpre tecer algumas considerações sobre a Teoria da Causalidade,
segundo a qual a definição da responsabilidade civil tem como suporte o tripé dano, nexo de
causalidade e culpa, e, em se tratando de responsabilidade objetiva, dispensa-se a culpa.
O sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, no CPC de 1939,
em seus art. 63, 64 e 205, acolhia a Teoria da Pena, sendo subjetiva a responsabilidade por
honorários. Mais adiante, ainda na vigência do CPC de 1939, a Lei nº 4.632/65, modificou a
redação do art. 64 e deixou de exigir o dolo ou a culpa como requisito à condenação de
honorários.
No CPC atual, o art. 20 impõe condenação do “vencido a pagar ao vencedor as
55
despesas que antecipou e os honorários advocatícios”, sem fazer qualquer menção à conduta
das partes. Pode-se dizer, portanto, que o nosso ordenamento jurídico atual acolheu o sistema
da responsabilidade objetiva e, no que tange à Teoria da Causalidade, a menção ao referido
artigo em relação ao pagamento de honorários pelo vencido não é óbice à sua adoção,
enfocando a insuficiência da sucumbência como critério geral e dada a circunstância de ela
não ser nada mais do que um indício do nexo de causalidade, deve se considerar vigente no
Direito brasileiro a Teoria da Causalidade como fazem a doutrina e a jurisprudência (LOPES,
2008, p. 47-49).
Em virtude do exposto neste item, é de se aferir, portanto, que vigora na concepção
atual a Teoria da Causalidade, posicionamento que, conforme Yussef Said Cahali (1997, p.
59), esse posicionamento “além de apresentar-se com melhor justificação e mais preciso na
prática, é aquele que se caracteriza por uma generalidade menos vulnerável à crítica sob
pretexto de insuficiência”.
Ainda, Yussef Said Cahali (1997, p. 59), ao salientar a adoção da Teoria da
Causalidade como melhor opção enfatiza que a mesma “traz em seu contexto a regra da
sucumbência, como especificação objetiva, completando-se, por outro lado, com as demais
regras que não lhe são conflitantes para a solução dos casos”.
4.2.3.2 A observância aos requisitos do art. 20 do CPC
O art. 20 do CPC estabelece uma proporção variável de 10% a 20% sobre o valor da
condenação, determinando ao juiz, portanto, no caso de honorários por sucumbência, que
observe os seguintes critérios:
a) o grau do zelo profissional;
b) o lugar da prestação de serviços;
c) a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo
exigido para o seu serviço.
O grau de zelo do profissional se relaciona ao trabalho físico e intelectual do advogado
em diligenciar pela causa, adotando todos os meios possíveis e lícitos em prol de uma decisão
favorável ao seu cliente. Como ressalta Yussef Said Cahali (1997, p. 459), “o zelo
profissional, previsto na letra a do art. 20, § 3, é subjetivo, está na pessoa do advogado”,
56
advertindo, porém, que “o trabalho realizado (letra c) está fora dele, é produto de sua ação”.
Todavia, frise-se que a obrigação assumida pelo advogado em favor do cliente não se
configura como obrigação de resultado, mas, sim de meio, motivo pelo qual só poderá ser
eventualmente responsabilizado pelo exercício da advocacia na hipótese de agir dolosamente
ou, então, culposamente, nas modalidades negligência, imprudência ou imperícia.
Ainda no que tange ao grau do zelo profissional, a doutrina aponta necessidade de se
apurar outras peculiaridades, principalmente no que diz respeito à qualificação e renome do
profissional. Isso porque, por óbvio, aquele que tem maior aceitação no meio, em vista de
suas atribuições pessoais, acaba por ter “maior” responsabilidade, já que metaforicamente
falando, se porventura cometer algum erro, a repercussão desse erro será muito maior e lhe
trará maiores prejuízos.
De acordo com Guido Arzua, a competência profissional, entendida como “soma de
conhecimentos técnico-jurídicos e a experiência forense, que redundam na capacitação de
realização profissional”, não autoriza, por si só, “a exigência de honorários excepcionais, pois
que está implícita nas condições comuns do advogado”. Por outro lado, enfatiza o mesmo
autor, “o renome, sim, é que valorizará o trabalho, tornando mais respeitável pelo peso da
fama de jurista, que o patrocina” (ARZUA, 1957, p. 61).
Outro requisito a se observar no arbitramento dos honorários, de acordo com a alínea b
do referido dispositivo, é o lugar de prestação do serviço advocatício, considerando-se o local
para onde o advogado teve que se deslocar, critério esse indispensável para justificar o
aumento ou diminuição do valor a ser arbitrado a título de honorários sucumbenciais. E, nesse
sentido, devem-se verificar as condições físicas, tais como distância, tempo gasto com esse
deslocamento, dificuldade de acesso, condições adversas às quais teve que se submeter, tendo
em vista essa eventual dificuldade de acesso, gastos envolvidos ao longo desse percurso e por
derradeiro e a quantidade de deslocamentos que o advogado teve que fazer.
Como salienta Yussef Said Cahali (1997, p. 461): “Como fator objetivo, que torna a
ação do advogado mais ou menos penosa, a ser levado em conta pelo juiz no arbitramento dos
honorários, menciona o Código (art. 20, §3, b) o lugar da prestação do serviço”.
É que, exemplificativamente falando, um advogado domiciliado em Belo Horizonte
que teve que se deslocar para a longínqua cidade de Porteirinha, quase divisa com o estado da
Bahia, por consequência teve que se submeter a viagens cansativas, além de ter tido muito
mais gastos, aqui entendidos, nos sentidos financeiro e de tempo, dentre outros, do que, por
57
exemplo, se o mesmo advogado domiciliado em Belo Horizonte tivesse que se deslocar para
prestar serviços advocatícios na cidade de Sabará, localizada na região metropolitana da
capital mineira.
Guido Arzua (1957, p. 61) admite que “a locomoção necessária às comarcas e distritos
estranhos à sede profissional do advogado, impõe despesas e exige tempo, justificando assim
remuneração mais elevada que a do costume e praxe no lugar da prestação do serviço”.
Nesse sentido Yussef Said Cahali (1997, p. 461) destaca que “a parte é livre para
servir-se de advogado de sua confiança, não residente na sua comarca, particularmente
quando se cuida de litígio envolvendo matéria jurídica especializada”.
Já a alínea c do artigo 20 do CPC estabelece três requisitos objetivos, quais sejam, a
natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o
seu serviço.
A natureza e importância da causa é um fator de extrema importância na fixação dos
honorários de sucumbência, devendo ser verificado com muito zelo pelo decisor, uma vez que
“uma causa em que se discutem graves questões de direito exige mais do advogado do que
outra em que o pedido se funda em jurisprudência pacífica, sem qualquer controvérsia
plausível” (TORNAGHI, 1974, p. 168 apud CAHALI, 1997, p. 465).
O trabalho realizado pelo advogado deve sempre ter sua remuneração devida, ou seja,
de acordo com o número de atos que o mesmo teve que praticar, em virtude das
especificidades do caso concreto. Há de se verificar, por exemplo, a existência ou não de
incidentes processuais, a quantidade de recursos interpostos, dentre outros.
Já em relação ao critério tempo, observa-se a longevidade do processo, o que por
óbvio resulta em averiguar uma maior atuação por parte do advogado e, portanto, se ele
trabalhou durante longo período, tem direito a uma remuneração maior.
É notório que, ainda hoje, sofremos com a morosidade e pouca efetividade, que
inclusive geraram uma série de mudanças na legislação processual. Todavia, o grande
problema na realidade, como alertado por vários doutrinadores, está no funcionamento do
sistema jurisdicional brasileiro, que se mostra deficiente em uma série de aspectos, dentre eles
o número pequeno de operadores do Direito, muitos sem a devida qualificação; a escassez de
recursos materiais e a falta de um controle estatístico de qualidade e planejamento para
superar as deficiências verificadas.
Sendo assim, no que tange ao critério tempo, percebe-se, pois, que no esteio do
58
processo atual, torna-se indispensável sua valoração para atribuição dos honorários.
Todavia, o tempo aqui deve ser compreendido não apenas em relação à duração do
processo, conforme enfocamos acima, mas também como o tempo gasto pelo advogado com
estudo e preparo de suas peças.
É de se ressaltar, sobretudo, que os honorários servem à remuneração de um trabalho
e, portanto, apenas quando ele estiver terminado é possível verificar o seu valor. E para essa
base de cálculo o julgador deve sempre se ater a esses requisitos, levando em conta o
benefício econômico proporcionado pela atuação do advogado, seja qual for a natureza da
sentença, de acordo com a Súmula nº 141 do STJ.
No entanto, o § 4º do mesmo artigo 20 do CPC atribui ao magistrado o “poder” de se
utilizar da equidade para fixar o valor dos honorários nas causas de pequeno valor, nas de
valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública,
e nas execuções, embargadas ou não.
Contudo, apesar de não haver parâmetros máximos ou mínimos nessas hipóteses, o
juiz deve motivar sua decisão, pelos parâmetros condicionantes acima citados respeitada a
singularidade de cada caso concreto, o que na prática nem sempre acontece, já que muitas
vezes nos deparamos com fixação de valores irrisórios sem motivação pertinente, o que não
podemos aceitar. Nessas situações, o recurso é o meio viável de demonstrar a insatisfação
com os valores arbitrados e não deve o advogado abrir mão desse seu direito.
Apesar de, em princípio, a equidade prevista no art. 20 do CPC ser uma possibilidade
de aplicação de critério subjetivo atrelado a critérios objetivos, que devem constituir a
fundamentação do capítulo da sentença no que tange aos honorários, na maioria das vezes,
pelo que se percebe no dia a dia da prática forense, não é o que se verifica.
É que ao arbitrar o valor da condenação com base no critério da equidade, o
magistrado não se reporta aos critérios objetivos que devem nortear essa fixação, tais como
aqueles previstos nas alíneas a, b e c do art. 20 do CPC, levando ao arbitramento de valores
que não remuneram da maneira devida o trabalho exercido pelo advogado, que, frise-se mais
uma vez, exerce função social, múnus público, devendo ser dignamente remunerado,
principalmente em decorrência da importância de sua atuação.
Conforme prevê o diploma constitucional em seu art. 93, IX, todas as decisões devem
ser devidamente fundamentadas, sob pena de nulidade, e, no que tange à fixação de
honorários, não há como ser diferente. Ora, da mesma maneira que o custo do processo não
59
pode ultrapassar os limites do razoável, é evidente que o arbitramento de honorários também
não pode, devendo observar limites objetivos.
Todavia, no contexto atual, não é isso o que se observa, com a fixação de
valores aviltantes que não correspondem à dignidade da profissão advocatícia, por
decisões desarrazoadas em evidenciada ofensa a publicidade e ao dever de motivação,
consagrados pela moderna doutrina processual como pressupostos do direito de defesa e da
imparcialidade e independência do juiz, como ressalta Rogério Cruz e Tucci (2010) em
Garantias constitucionais da publicidade e dos atos processuais e da motivação das decisões
no Projeto do CPC.
Por óbvio, não se quer apregoar aqui o arbitramento em valores exorbitantes, o que
também não seria pertinente, mas, sim, a fixação em valores referendados por parâmetros
objetivos, devidamente fundamentados, em consonância com as peculiaridades do caso
concreto.
Na teoria da processualidade democrática, que se adota na espécie, o valor de
honorários advocatícios deve ser fixado de modo a não ofender a garantia constitucional do
contraditório, contribuindo para que o processo não seja utilizado de modo abusivo, sem a
efetiva participação dos interessados na construção da decisão.
É que as verdadeiras razões do decidir não podem ficar ocultas65, seja de maneira
voluntária ou involuntária, cabendo ao julgador explicitá-las, vez que decisão sem
fundamentação é mais do que injusta, é nula; e decisão nula não traz a resposta devida,
ofendendo flagrantemente os princípios da razoabilidade e da publicidade.
É sabido que nosso ordenamento jurídico tem bases teóricas com raiz em um
pensamento jurídico processual de cunho ideológico que influencia a doutrina e a
jurisprudência, e da qual muitas vezes não se consegue desvencilhar.
Alguns juristas já se manifestaram sobre a crise no ordenamento jurídico brasileiro,
sob enfoques variados, dentre os quais André Cordeiro Leal (2008), autor da obra
Instrumentalidade do Processo em Crise que impõe a revisão das teorias do processo na
65
Nesse sentido ressalta José Carlos Barbosa Moreira, citado por Rogério Cruz e Tucci: “que ao lado da
publicidade é absolutamente imprescindível que ‘o pronunciamento da Justiça, destinado a assegurar a
inteireza da ordem jurídica, realmente se funde na lei; e é preciso que esse fundamento se manifeste, para que
se possa saber se o império da lei foi na verdade assegurado. A não ser assim, a garantia torna-se ilusória:
caso se reconheça ao julgador a faculdade de silenciar os motivos pelos quais concede ou rejeita a proteção
na forma pleiteada, nenhuma certeza pode haver de que o mecanismo assecuratório está funcionando
corretamente, está deveras preenchendo a finalidade para a qual foi citado’.” (MOREIRA, 1978, p. 118 apud
TUCCI, 2010).
60
história, como brevemente faremos a seguir.
Noticia Rosemiro Pereira Leal que a primeira teoria equiparou o processo a um
contrato, dotando-o de uma concepção privatista a partir dos estudos do civilista francês
Pothier (apud LEAL R., 2009a, p. 77)66 logo no início do século XIX. Numa tentativa de
superação das insuficientes concepções dessa teoria, Savigny (apud LEAL R., 2009a, p. 78)67
propôs a equiparação do processo à figura do quase-contrato, em que o processo seria um
contrato atípico por independer do consentimento do réu em relação à decisão que será
proferida quando este for demandado. Posteriormente, em 1868, afirmou-se que o processo
seria uma relação jurídica (BÜLLOW, 2005 apud LEAL R., 2009a, p. 78)68. Em contraponto a
essa ideia estão Goldschmidt, ao sustentar que o processo seria, na verdade, uma situação
jurídica tese esta apresentada por volta de 1910 e Guasp (apud LEAL R., 2009a, p. 81)69 com
sua teoria institucionalista lançada por volta de 1940; também cabe registro a teoria
estruturalista, trazida por Elio Fazzalari (2006, p. 119)70; além daquelas apoiadas no modelo
constitucional do processo, defendidas por Andolina e Vignera (ANDOLINA; VIGNERA,
1997 apud LEAL A., 2002, p. 87).71
No contexto atual de uma processualidade democrática, vê-se que essas concepções já
se encontram definitivamente superadas. É que o processo deve ser entendido como uma
instituição jurídica, ou seja, um conjunto principiológico que baliza a criação de normas e a
implementação de direitos fundamentais. Trata-se da concepção processual vista sob a ótica
da teoria neoinstitucionalista, cujo precursor é Rosemiro Pereira Leal (2009, p. 159-199).
66
67
68
69
70
71
Para Pothier o processo é um contrato entre as partes interessadas na solução do seu conflito para aceitar a
atuação do Estado-Juiz como decisor da questão. Aqui surge a ideia de processo judicial como processo
jurisdicional de configurações privatísticas, de arbitragem e mediação.
O alemão Savigny, por sua vez, insiste em enquadrar o processo na esfera privatista ao afirmar ser o mesmo
um quase-contrato judicial, já que não poderia ser considerado um contrato típico, na perspectiva histórica.
Nessa “teoria”, o prévio consentimento das partes era dispensado, o Estado já se autorizava a ingressar na
autonomia daquelas. Pode-se dizer ainda que o processo para Savigny tem sentido de atos imperativos da
jurisdição, passando o juiz a ocupar o centro da condição procedimental.
von Bülow, tido como grande inovador, que estabelece o marco da autonomia do processo ante o conteúdo
material, conceitua processo como relação jurídica entre Juiz, autor e réu. Só a partir de Bülow pode-se falar
em uma ciência processual, até então inexistente.
O jurista Guasp, por sua vez, afirma que o processo é uma instituição condutora de resolução de conflitos no
âmbito judicial a partir dos valores consuetudinários e éticos e do Direito praticado pelos tribunais. Para ele,
o processo é mais do que um instrumento, é um instrumento institucional que se conduziria por conteúdos de
bases sociológicas, personificados pelo julgador.
Para Fazzalari: “O ‘processo’ é um procedimento do qual participam (são habilitados a participar) aqueles em
cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor do
ato não possa obliterar as suas atividades”.
Andolina e Vignera vão além da proposta de Fazzalari e se ocupam do estudo do processo como modelo
constitucionalizado a vincular a estruturação dos procedimentos preparatórios dos provimentos
jurisdicionais.
61
É de se alertar que a maioria dessas “teorias”, se verificadas de acordo com o contexto
atual, sequer poderiam ser assim denominadas em virtude de estarem impregnadas de
ideologia, uma vez que possuem uma carga de crença em conteúdos apofânticos, de certeza
absoluta (LEAL R., 2009b)72.
Também interessante e necessário para o estudo presente que se faça uma abordagem
mais aprofundada sobre a teoria do processo como relação jurídica, adotada pelo CPC de
1973, vigente no ordenamento jurídico atual, que atribui ao processo o status de relação
jurídica de Direito Público, em que as partes encontram-se sob o jugo do juiz solipsista.
Todavia, é de se fazer uma releitura dessa proposta teórica em face de uma processualidade
democrática, assegurada pela CRFB.
Oskar von Bülow citado por Rosemiro Pereira Leal (2009a, p. 78), autor da teoria do
processo como relação jurídica, transfere a atuação do processo para a seara do Direito Civil,
mais tradicional, para que este solucione as diversas contrariedades apontadas em teorias
anteriores acerca do processo. É provavelmente dessa vinculação - Direito Civil e Direito
Processual - que se tenha originado o nome relação jurídica, que há muito já existia para os
civilistas.
De acordo com as proposições dessa teoria, o processo é tido como mero instrumento
da jurisdição, que por sua vez é concebida como simples atividade dos julgadores. E é nesse
contexto histórico que se destaca o tormentoso paradoxo de Oskar von Bülow. Este último
partiu da teoria do processo como relação jurídica a fim de justificar o aumento do poder do
Estado, dos juízes e dos tribunais, deslocando-o das mãos do legislador (LEAL A., 2008, p.
45).73
Pode dizer-se que Oskar von Bülow fez, então, um resgate histórico da importância da
magistratura a partir de forte crítica ao legalismo e ao historicismo. Em relação ao legalismo,
seus adeptos acreditavam que ao juiz cabia tão somente aplicar a lei ao caso concreto que lhe
era apresentado. O historicismo indicaria, por sua vez, tão-somente o costume como fonte do
Direito.
72
73
Como apresenta Rosemiro Pereira Leal em suas aulas de mestrado na Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, enquanto a ideologia preconiza um discurso do saber radical, a teoria pretende produzir
saberes ad hoc, para isso apresenta uma forma discursiva passível de rivalização por outras teorias. Enquanto
na ideologia tem-se uma relação excludente, do tudo ou nada, inerência de um saber absoluto em face de
outros saberes, na teoria tem-se mero postulado que só tem vigência em face de sua qualidade de melhor
perquirir o saber humano e não de esgotá-lo para sempre.
Conforme salienta o jurista André Cordeiro Leal: O objetivo precípuo do jurista alemão era o de fundamentar
teoricamente a necessidade do aumento do poder do Estado, dos juízes e dos tribunais.
62
Nessa ótica, o processo se estabelece como instrumento da jurisdição ou forma de
controle dessa mesma jurisdição, que seria basicamente, como definiu Karl Larenz ao resumir
o pensamento de Oskar von Bülow, “atividade do juiz na criação do direito em nome do
Estado com a contribuição do sentimento e da experiência do julgador” (LEAL A., 2008, p.
60).
Contudo, Oskar von Bülow não se desincumbiu de explicar de que modo essa
atividade jurisdicional seria controlada, uma vez que aberta a toda sorte de subjetivismos por
parte do juiz, sendo que essa questão intransponível deu origem ao designado paradoxo de
Oskar von Bülow, pois não haveria como esse processo ser ao mesmo tempo instrumento do
poder (de criação e do dizer do direito pelo juiz) e promover sua limitação eficaz (LEAL A.,
2008, p. 65).
Desse modo, o referido autor, criara nada mais do que uma ciência que se dirigia tãosomente à instrumentalização da atividade dos juízes, esquecendo-se do mais importante:
assegurar a legitimidade da decisão.
Pode-se dizer ainda que o paradoxo de Oskar von Bülow teve grande repercussão
teórica no desenvolvimento da ciência processual. Contudo, é de se verificar com restrições a
ideia de que Oskar von Bülow foi o criador de uma ciência processual, como salienta, por
exemplo, André Cordeiro Leal, para quem o
corte bülowiano teria permitido, a partir de então, distinguir Direito Processual do
chamado Direito Material. Concluem os estudiosos partidários de Bülow, dos quais
trataremos no correr do texto, que o jurista alemão, ao fazê-lo, teria criado as
condições epistemológicas para surgimento e desenvolvimento de uma nova ciência:
a do Direito Processual. No entanto, a opção pela relação jurídica como marco de
compreensão daquilo que se denomina ‘processo’ tem desdobramentos teóricos
embaraçosos, alguns deles já diversas vezes apontados por aqueles se contrapuseram
à proposta bülowiana. (LEAL A., 2008, p. 28).
Basicamente, foram dois argumentos que fizeram contraponto à ideia de que fora
Oskar von Bülow criador de uma ciência processual. O primeiro faz referência à proposta de
que o processo não se confunde com o direito debatido pelas partes, partindo de um enfoque
privatista do direito, com adaptações ao direito público, mas mantendo o vínculo de
subordinação entre pessoas, de cunho obrigacional. O segundo, por sua vez, aborda a questão
de que a teoria do processo como relação jurídica proposta por Oskar von Bülow traz um
conceito de jurisdição como atividade exclusiva do juiz (a qual justifica a necessária
vinculação das partes ao magistrado), o que conduz a um paradoxo incontornável, quando,
como fizeram, por exemplo, Chiovenda, Couture e Fazzalari, apresentam-se apropriações de
63
derivações teóricas não problematizadas da “ciência do processo” bülowiano para controlar a
atividade judicial (LEAL A., 2008, p. 29).
Apontam-se algumas teorias surgidas dessa correlação entre processo e jurisdição. De
um lado, teorias dualistas, defendidas por Chiovenda e Liebman, e, de outro, teorias unicistas,
corroboradas por von Bülow, Kelsen, Allorio, Satta, Calamandrei e Carnelutti.
As teorias dualistas tinham como fundamento a vontade concreta da lei que regularia a
atuação da jurisdição, ou seja, a norma concreta viria em primeiro lugar, precedendo à
atividade jurisdicional. Nesse sentido, Giuseppe Chiovenda aponta que o
dever fundamental, que forma como que a ossatura de toda relação processual é,
como se viu, o dever do juiz ou de outro órgão jurisdicional de pronunciar-se sobre
pedidos das partes. A isto corresponde o dever de empreender tudo quanto
necessário no caso concreto para pronunciar-se (ouvir as partes, presidir as provas),
ou seja para receber ou rejeitar quanto ao mérito, os pedidos, tendo por fim a atuação
da lei. (CHIOVENDA, 1942, p. 98).
Já as teorias unicistas, ao contrário, adotavam o entendimento de que a concretude da
norma surgiria da atividade jurisdicional, ou seja, os órgãos judicantes regulariam
efetivamente os conflitos de interesses, a partir da coercibilidade efetivada pela ordem
judicial.
Enquanto a teoria dualista fazia referência a um direito pronto que fundamenta a
decisão, não passando a interpretação de um ato de descoberta desse direito por meio do
instrumental fornecido pelas normas processuais que, ao contrário das materiais, não criam
direitos, a teoria unicista limita-se a um direito incompleto e dependente da atuação do
julgador para se tornar completa (LEAL A., 2008, p. 70).
De qualquer maneira, nenhuma dessas teorias consegue se valer de uma maior
verificação sobre a real atuação do juiz, bem como sobre um conceito de jurisdição, ao
contrário do que apregoam. Nesse sentido, é de se ressaltar entendimento de André Cordeiro
Leal, segundo o qual
dificuldades incontornáveis surgem quando as teorias do processo tentam clarificar
aspectos de uma ‘atividade jurisdicional’ que se desenvolve pelas pessoas dos
magistrados, porque isso desemboca em concepções intrinsecamente monológicas e
solipsistas de jurisdição que não se alinham ao paradigma democrático
procedimentalista. (LEAL A., 2008, p. 27).
Inegável, então, diante do contexto histórico analisado, o fortalecimento da ideia de
processo como mero instrumento da jurisdição, como se verifica no CPC de 1973, uma vez
que ao se reforçar a figura do magistrado, diminui-se, por outro lado, a importância do
64
processo, que se constitui como apenas um meio de se efetivar a vontade do Juiz, ao fazer
atuar a jurisdição a seu modo.
Nesse sentido, é de se frisar apontamento do Professor Rosemiro Pereira Leal,
segundo o qual o “processo civil era (ainda é para os bülowianos) originariamente o modo, o
meio, o método, o instrumento da jurisdição e da ação dos civis (os patrimonializados, os
possuidores, os filantropos milenares que governam, administram, protegem e sentenciam os
cidadãos os adotados) e o potus (LEAL R., 2005a).
Ademais, também permanece a confusão implantada pelos instrumentalistas
liebmanianos74 entre jurisdição, processo e procedimento, com eleição da jurisdição como
centro da teoria processual (DINAMARCO, 1999, p. 185). Esse sincretismo maligno dos
significados dos conteúdos do decidir converte o Estado, ainda em nossos dias, no ente mítico
(temido) que se presta a garantir a violência estrutural da validade do Direito (LEAL R., 2002,
p. 24).
Ainda de acordo com Rosemiro Pereira Leal,
se levantarmos o ciclo histórico do decidir, três conceitos auxiliares à sua
tematização ainda nos causam sobressaltos pela carga mítica que encerram no
linguajar do cotidiano acadêmico: poder, tradição e autoridade- eixo ideológico da
judicância protegida pelo fetiche catártico do Estado hegeliano. Não que se deva
escorraçar esta terminologia do vocabulário jurídico, mas o que se observa é o
caráter de inexpicabilidade que tais termos hermetizaram no transitar dos séculos até
que se tornassem, na modernidade, vulneráveis à crítica científica. (LEAL R., 2002,
p. 24-25).
Percebe-se que, na exposição de motivos do CPC de 1973, há uma vinculação às
ideias prevalecentes à época, que não conseguem operar o ordenamento jurídico brasileiro
dentro de uma perspectiva democrática. Nesse sentido destaca-se pensamento do autor
supracitado, para quem o
judiciário, nas esperadas democracias plenárias, não é o espaço encantado
(reificado) de julgamento de casos para revelação da justiça, mas órgão de exercício
judicacional segundo o modelo constitucional do processo em sua projeção de intra
e infraexpansividade principiológica e regradora. O devido processo constitucional é
que é jurisdicional, porque cria e rege a dicção procedimental do direito, cabendo ao
juízo ditar o direito pela escritura da lei no provimento judicial. Mesmo o controle
judicial de constitucionalidade é pela jurisdição constitucional da lei democrática e
não da autoridade (poder) judicacional (decisória) dos juízes. (LEAL R., 2003, p.
32-33).
74
Neste peculiar, cumpre explicar que a Teoria Instrumentalista decorreu da Teoria do Processo como relação
jurídica e foi implantada no país pelos discípulos de Liebman, entre eles Alfredo Buzaid, encarregado da
elaboração do CPC de 73.
65
O CPC de 1973 continua, pois, privilegiando uma dogmática analítica, que repudia ou
proíbe o non liquet, ou seja, a jurisdição há de ser sempre compulsória, uma vez que o órgão
jurisdicional não pode deixar de decidir a pretexto de ausência de norma.
A partir do momento em que o CPC de 1973 acolhe o sincretismo evidenciado pelas
múltiplas teorias ou ideologias sobre o processo no ordenamento jurídico brasileiro,
estabelece-se um enorme obscurantismo evidenciado no sistema jurídico pelo fortalecimento
da atuação do juiz, em detrimento de uma razão discursiva.
Ora, na própria exposição de motivos do CPC de 1973, há indícios da teoria que
inspirou a sua realização e a forte tendência de concentração de poderes nas mãos do
magistrado. Senão, veja-se o que consta da exposição de motivos:
O processo civil é um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a
fim de administrar a justiça. Não se destina a simples definição de direitos na luta
privada entre os contendores. Atua, como já observara BETTI, não no interesse de
uma ou de outra parte, mas por meio do interesse de ambos. O interesse das partes
não é senão um meio, que serve para conseguir a finalidade do processo na medida
em que dá lugar àquele impulso destinado a satisfazer o interesse público da atuação
da lei na composição dos conflitos. A aspiração de cada uma das partes é a de dar
razão a quem a tem é, na realidade, não um interesse privado das partes, mas um
interesse público de toda a sociedade.75
Evidencia-se, pois, a vinculação do CPC de 1973 às ideias de poder outorgado ao
magistrado, para que, em nome do Estado, faça atuar a jurisdição em face daqueles que
buscam por ela.
Nesse sentido, pode-se verificar que a exposição de motivos do CPC de 1973 não é
compatível com a Constituição atual, uma vez que se apropria de conteúdos remotos,
apoiados em historicismos sociológicos do Direito, que, por sua vez, constituem enorme
barreira para o discurso e o conhecimento, indispensáveis à estrutura do Estado Democrático
de Direito.
É de se observar, ainda, que o CPC de 1973 se funda em bases ideológicas, de um
monismo lógico, que parte de estruturas arcaicas, como se verifica na exposição de motivos,
baseada em uma ética de convicção de Weber, que “aponta para a obediência a valores
radicais e que se dedica aos fins sem indagar os efeitos nefastos do meio. Aponta para uma fé
na sinceridade, na fidelidade, na solidariedade” (WEBER, 2004 apud LEAL R., 2009b).
Também não se pode perder de vista que, apesar do que quis fazer crer a exposição de
75
Exposição de motivos do CPC de 1973.
66
motivos do CPC de 1973, o referido Código não teve modificações significantes na substância
das instituições, mantendo-se uma disposição ordenada das matérias e privilegiando a correlação
entre a função do processo civil e a estrutura orgânica do Poder Judiciário.
Na verdade, como apregoado na exposição de motivos, o Código não poderia ser
meramente revisado, mas sim deveria ser refeito em suas linhas fundamentais, dando-lhe
novo plano de acordo com as conquistas modernas e as experiências do desenvolvimento do
estudo sobre processo. Como lembra Alfredo de Araújo Lopes da Costa, o país tem
experiência de várias reformas, sejam totais ou parciais, todavia “umas foram para melhor;
mas em outra saiu a emenda pior que o soneto” (COSTA, 1959, v. 1, p. 29). Revelou-se, pois,
uma preocupação de se realizar um trabalho uniforme, no plano dos princípios, bem como de
suas aplicações práticas, todavia não foi o que se verificou no Código de 1973, que se
constitui, ao contrário, como “mosaico de deformidades normativas”.
Apesar das críticas acentuadas ao nosso ordenamento jurídico atual, de raízes fortes na
legalidade e na racionalidade formal, não se pode esquecer, contudo, que a função legislativa
é fundamental para o processo de legitimação do Direito e do Estado. Isso é decorrência do
fato de que os comandos legais são genéricos, impessoais, hierarquizados, obrigatórios e
alcançam os mais variados lances da vida humana, cuidando de tudo quanto se torna útil para
a pacificação social (PORTANOVA, 2003, p. 27).
Ao juiz, ao seu turno, cumpre aplicar o processo investigativo hermenêutico em
relação às fontes de direito existentes no ordenamento jurídico, sejam elas formais ou
materiais, sem criar novas regras, uma vez que tem o “poder” de aplicar o direito, mas não
pode substituir o legislativo. O juiz, em razão da tripartição clássica de poderes
(Montesquieu), tem atribuições específicas, que lhe são inerentes, devendo obedecer aos
limites impostos à sua atuação.
Moacyr Amaral Santos, enfatiza a impossibilidade do juiz criar o direito mesmo em
lacuna ou quando do uso da equidade:
O juiz não cria a norma a ser aplicada, mas a extrai do ordenamento jurídico, onde
ela se encontra em estado latente, informando-se para isso nas disposições
concernentes aos casos análogos, aos costumes e aos princípios gerais do direito.
(SANTOS, 2010, v. 1, p. 69).
Ao julgador, portanto, é vedado entrar em searas políticas, econômicas, culturais,
sociais e principalmente ideológicas, assim como deve evitar argumentos pouco claros,
ilógicos e acientíficos.
67
A função do juiz face à possibilidade de utilização da equidade é fazer uma adaptação
da norma geral e abstrata, determinando seu sentido e alcance, como intérprete, através do
exame minucioso dos fatos e argumentos jurídico-procedimentais trazidos por ambas as
partes, em debate participado, com observância aos princípios do contraditório e da
fundamentação das decisões. Afinal, a decisão, no Estado Democrático de Direito só se
legitima através da implementação dos seus princípios instituintes, tais como o contraditório,
a ampla defesa e a fundamentação das decisões, dentre outros.
A seguir, apresenta-se outro caso paradigmático a ser usado como modelo de
argumentação constitucionalmente adequada, quando do arbitramento dos honorários
advocatícios.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO DA VERBA.
O arbitramento de honorários de advogado correspondentes a cinco milésimos do
valor da causa traduz irrisão ofensiva ao art. 20, § 4º, do CPC. No caso, houve
desprezo ao valor da controvérsia e ao trabalho desenvolvido pelo advogado da
recorrente. Disso resultaram honorários aviltantes. O acórdão recorrido,
evidentemente, faltou com a eqüidade. O Min. Carlos Alberto Menezes Direito
ressalvou seu ponto de vista em sentido contrário à possibilidade de revisão da verba
honorária em recurso especial. A Turma deu provimento ao recurso para fixar os
honorários em um milhão de reais. Precedente citado: REsp 47.843-RJ, DJ
31/3/1997. (BRASIL, 2005).
Em acórdão julgado em 24 de fevereiro de 1997, publicado em 31 de março de 1997,
ao julgar o Recurso Especial, ementa acima, proveniente do Estado do Rio de Janeiro, teve o
Colendo STJ, a possibilidade de corrigir equívoco no julgamento daquele tribunal.
No caso examinado, em virtude da fixação desproporcional, em quantia irrisória,
desconsiderando o grau de zelo do profissional, a natureza e importância da causa, o trabalho
realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, fatores que não foram
apreciados quando do julgamento, motivo pelo qual se viu a parte recorrente impelida a
apresentar recurso contra decisão que arbitrou os honorários.
Sustentou o Ministro Eduardo Ribeiro, relator, no voto que proferiu:
Para estabelecer o montante dos honorários, o juiz fará apreciação eqüitativa das
circunstâncias do caso concreto, levando em conta o contido nas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’
do §3 do mesmo artigo. Apreciação eqüitativa, como salientado no julgamento do
Supremo Tribunal, antes mencionado, não significa arbítrio. Reclama-se
objetividade na consideração dos fatores presentes na hipótese concreta.
No caso impressiona uma circunstância. Deu-se à causa, ajuizada em fevereiro de
1992, o valor de quarenta e sete milhões nove mil seiscentos e nove cruzeiros. Em
maio, arbitraram-se os honorários na importância de cento e cinqüenta mil cruzeiros.
No período, a inflação atingiu oitenta por cento. Fazendo-se a atualização do valor
da execução, esse corresponderia a aproximadamente oitenta e seis milhões de
68
cruzeiros. Assim sendo, os honorários foram arbitrados em importância inferior a
dois milésimos por cento do valor da causa.
Não há dúvida de que a hipótese estava a recomendar moderação. O indeferimento
da inicial poderia dar-se mesmo sem a intervenção de quem se pretendia executar,
mas cuja citação ainda não se determinara, uma vez que resultou do simples exame
dos títulos. E o trabalho do advogado, excluída a parte em que discutidos os
honorários, restringiu-se à exposição, pleiteando indeferimento e a contra-razões de
apelação.
Houve, entretanto, manifesto exagero. Ainda que não tivesse havido necessidade de
trabalho mais extenso, o advogado da recorrente houve-se com indiscutível zelo,
como se verifica das peças apresentadas. E não se pode desconsiderar por completo
a importância econômica da causa, como parece ter ocorrido. Considero que violado
o disposto nas letras ‘a’ e ‘c’ do §3, combinado com o §4 do artigo 20 do Código de
Processo Civil.
Conheço do recurso e dou-lhe provimento para, observada a moderação que se
recomenda, fixar os honorários em dois por cento do valor da causa, devidamente
atualizado.
No julgado acima apontado, pode-se afirmar que houve aplicação dos princípios da
equidade e proporcionalidade e principalmente da fundamentação das decisões, explicitando o
julgador os parâmetros objetivos adotados ao se estabelecer o valor arbitrado a título de
honorários advocatícios.
69
5 A EQUIDADE JUDICIAL E O ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS
Como explicitado no final do capítulo anterior, uma decisão democrática só será
alcançada por meio de construção participada pelas partes, o que só será possível através do
efetivo exercício do contraditório. Com o entendimento contrário, estar-se-á a apregoar uma
falsa ideologia ao ativismo do qual decorrem decisionismos judiciais, através da utilização
indevida de tais institutos para assegurar exacerbação de poderes aos magistrados, com
utilizações de expressões que traduzem noções subjetivas, vagas e imprecisas, tais como
“prudente arbítrio do juiz”, “lógica do razoável” e “livre arbítrio do juiz”.
Nesse sentido, o julgador ao interpretar o § 4º do art. 20 do CPC, que remete à
utilização de equidade para a fixação dos honorários sucumbenciais deve estar atento,
conforme explicita o próprio parágrafo citado, aos parâmetros objetivos estabelecidos pelo §
3º do mesmo artigo.
A observância a esses caracteres condicionantes conjugada com a possibilidade de as
partes se manifestarem sobre a apreciação ou não dos mesmos é o que trará ao advogado a
efetiva garantia de uma decisão legítima, corroborada pelos princípios da reserva legal, do
contraditório e da fundamentação das decisões.
5.1 A falsa ideologia do ativismo e decisionismo judiciais
Antes de se passar às considerações seguintes, há que se destacar como noção de
ativismos judiciais as interpretações construtivistas e controle de normas e princípios por
parte do Órgão Jurisdicional (juízes e tribunais), favorecidas pela CRFB, para assegurar a
legitimação de aspirações sociais.
A expansão da função jurisdicional76 é vista como um reforço para o Estado
Democrático de Direito, à medida que o juiz não permaneça inerte diante de situações
76
Aqui adotamos a doutrina que acata a existência de um único Poder do Estado exercido em nome do
povo através de três funções jurídicas fundamentais: executiva, legislativa e jurisdicional (GONÇALVES,
1992, p. 50).
70
específicas, como ocorre, por exemplo, nas urgências de tutela em que pode e deve atuar para
que sejam efetivados direitos fundamentais.
Não se pode negar que o Direito dependa da mediação hermenêutica e que sem
hermenêutica, não há Direito, apenas textos normativos, como salienta Fernando Armando
Ribeiro, que por sua vez, destaca a importância do discurso, através do qual se exprime o
válido e o não-válido, o razoável e o não-razoável, dentro de uma perspectiva democrática
(RIBEIRO, 2010).
Através de uma releitura crítica de textos normativos os intérpretes, podem investigar
e refletir a aplicação do Direito, dentro obviamente da perspectiva do Estado Democrático de
Direito, não se podendo permitir aos juízes e tribunais que se utilizem, todavia, de perspectiva
meramente “criativa” na interpretação constitucional e legal, ultrapassando o direito escrito
unicamente a partir de ponderação de valores, crenças e toda sorte de subjetivismos.
A ampliação dos poderes do juiz não deve ser vista e não pode ser acometida pelo
complexo de Magnaud (DIAS, 2004, p. 135)77, do juiz “decididor sensitivo e talentoso” que
apoia suas decisões em sentimentalismos, juízos próprios e opiniões pessoais, por isso deve
ser verificada com muita parcimônia pelos membros do Órgão Jurisdicional.
Conforme ressalta Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, em seu livro Responsabilidade
do Estado pela Função Jurisdicional:
Por essas razões, deve ser energicamente descartada qualquer doutrina que sugira
aos órgãos estatais (juízes e tribunais) exercício da função jurisdicional sob critérios
outros dissociados da constitucionalidade da jurisdição, porém, ao revés, marcados
de forma inconstitucional e antidemocrática pela arbitrariedade, pela
discricionariedade, pelo subjetivismo, pelo messianismo, pelas individualidades
carismáticas ou pela patologia que denominamos complexo de Magnaud. (DIAS,
2004, p. 134).
O ativismo e o decisionismo judiciais não podem, pois, ser acobertados pela ideologia
autocrática presente em ultrapassados paradigmas do Estado Liberal e do Estado Social, que
não servem de parâmetro ao atual Estado Democrático de Direito, no qual o magistrado deve
nortear-se pelo princípio da reserva legal, previsto pelo art. 5, II da CRFB, sob pena de ver
questionada sua legitimidade decisória.
Todavia, o CPC de 1973 continua a privilegiar uma dogmática analítica, que repudia
ou proíbe o non liquet, ao apregoar que a jurisdição é de ser sempre compulsória, uma vez que
77
“Ao ditar suas sentenças, comportava-se Magnaud como se fosse a própria encarnação do direito, um misto
de legislador, de vidente, de apóstolo e de evangelizador, dir-se-ia espécie mitológica do Juiz- Zeus”.
71
o órgão jurisdicional não pode deixar de decidir a pretexto de ausência de norma. Nesse
sentido, referido diploma legal se retira da perspectiva democrática do Direito, uma vez que
acolhe a zetética que recomenda decisões pela via de ponderação de valores, mantendo um
discurso autocrático (LEAL R., 2009b).
Sendo assim, a partir do momento em que o CPC de 1973 acolhe o sincretismo
evidenciado pelas múltiplas teorias ou ideologias sobre o processo no ordenamento jurídico
brasileiro, estabelece um enorme obscurantismo evidenciado no sistema jurídico pelo
fortalecimento da atuação do juiz, em detrimento de uma razão discursiva na construção da
decisão.
Nesse
aspecto,
verifica-se
a
inobservância
ao
requisito
indispensável
de
imparcialidade, e, ao mesmo tempo flagrante ofensa à garantia fundamental constitucional da
isonomia, implementada pelo contraditório e pela ampla defesa.
A imparcialidade não pode ser concebida como mero princípio de direito processual,
mas, sim, como dever constitucional do Estado-Juiz, como direito-garantia das partes; as leis
processuais que cuidam da suspeição e impedimento dos juízes, como vícios insuperáveis e
causadores da nulidade dos atos jurisdicionais (LEAL R., 2009a, p. 123).
Ainda nesse sentido salienta Rosemiro Pereira Leal:
A imparcialidade exigida pela lei não é uma qualidade inata ou imanente ao juiz,
como pessoa física, ante os interesses alheios, mas um dever que o ordenamento
jurídico estatal lhe impõe como pressuposto legal de validade dos atos jurisdicionais,
obrigando-o a desligar-se das causas quando não reúne, em face de circunstâncias
objetivamente aferíveis, isenção para assegurar às partes o direito fundamental da
isonomia que é princípio institutivo do processo. (LEAL R., 2009a, p. 123).
Sendo assim, o simples fato de o juiz deixar de ser neutro para ser atuante não lhe dá o
direito de deixar de agir com imparcialidade, prejudicando uma das partes, em prol da outra.
Neste peculiar, mais um motivo para se ver com cautela o crescente ativismo do qual
decorrem decisionismo judiciais, que, se utilizados de maneira equivocada, certamente irão
trazer prejuízos para um dos litigantes.
Da mesma forma não podem os julgadores simplesmente utilizarem-se de ativismo e
decisionismo judiciais no esteio do movimento do “direito livre” também designado “direito
alternativo”, que apregoa motivações ideológicas nas decisões. É que, enquanto o ativismo
judicial apresentam-se como movimentos que tornam a atuação do juiz essencial à
implementação de direitos fundamentais, tais como o contraditório e a ampla defesa, o que
72
merece aplauso, a ideologia apregoada como variante da escola do direito livre fundamenta-se
em um juiz criador (legislador), que poderá adotar três planos de motivações: probatório,
pessoal e ideológico (PORTANOVA, 2003, p. 27). Essa segunda proposta deve ser duramente
criticada.
O anteprojeto do Código de Processo Civil, que tem por principais mudanças aquelas
ditas relacionadas à celeridade, coloca o juiz no centro de poder, com destaque para a
jurisprudência, como declarou o Ministro do STJ Luiz Fux, segundo o qual:
Há alguns instrumentos para dar celeridade. Mas o que destaco é a força da
jurisprudência sendo um instrumento de agilização da prestação da Justiça, uma vez
que a jurisprudência dominante dos tribunais superiores vai ser adotada desde a
primeira instância até a segunda instância.
No entanto, deve-se observar com cautela essa amplitude de poderes que vêm sendo
concedidos aos magistrados, uma vez que também são humanos e, portanto, falíveis.
Há que se noticiar que, segundo manifesto feito pela OAB de São Paulo, em relação
ao novo projeto do CPC, sustenta-se que tal projeto de diploma apresenta esses contornos
autoritários, uma vez que
permite quase tudo aos juízes, desde a adaptação das regras do jogo processual,
passando pela concessão de medidas antecipatórias sem limitações, medidas
cautelares sem regramentos prévios, até chegar às multas de variados coloridos e às
sentenças que serão executadas imediatamente, sem necessidade de confirmação por
um tribunal.78
Nesse sentido Lênio Luiz Streck (2010, p. 20), em sua obra O que é isto: decido
conforme a minha consciência? manifesta sua perplexidade em relação a uma “tendência”
atual em se preconizar o protagonismo judicial, com predomínio da linguagem no
individualismo do sujeito, como meio de se efetivar direitos.
No Brasil, o ativismo vem se destacando cada vez mais, na atualidade, principalmente
correlacionado a outros princípios informadores tais como o da instrumentalidade das formas,
o da flexibilização da técnica processual e os da proporcionalidade e razoabilidade, já que
possibilitam de certa forma a utilização de discricionariedade pelo julgador.
Todavia, em perspectiva equivocada e arbitrária, eivadas de pregações ideológicas
características de um direito dito alternativo, conforme acima enfatizado, vêm crescendo cada
78
Manifesto levado a público pela OAB/SP no XXXIII Colégio de Presidentes de Subseções da Ordem dos
Advogados do Brasil.
73
vez mais decisões fundamentadas na livre consciência do juiz, como por exemplo, infere-se
do voto proferido pelo Colendo STJ, de relatoria do Ministro Humberto Gomes de Barros, no
julgamento do AgRg nos Embargos de Divergência em RESP nº 279.889-AL, citado na
página 25.
Todavia, a discricionariedade observada quando da aplicação dos referidos princípios
da
instrumentalidade
das
formas,
da
flexibilização
da
técnica
processual,
da
proporcionalidade e da razoabilidade, dentro de uma perspectiva democrática não pode ser
impregnada da utilização de noções imprecisas como “lógica do razoável” e fundamentada
em “argumentos de autoridade”, sem realização de uma construção processual participada.
Decisões do feitio da citada acima são no mínimo preocupantes, principalmente
quando advindas de um Tribunal Superior, o que abre sem dúvida precedente para ulteriores
arbitrariedades, já que eivadas de nulidade, em flagrante ofensa ao princípio jurídico da
igualdade no processo e no acerto da decisão.
5.2 O princípio jurídico da igualdade no processo e no acerto da decisão
A igualdade, antes de tudo, “não é uma postura ética arbitrária, pelo contrário, sua
essência é a não-arbitrariedade, e não se trata de uma posição ética, mas de uma exigência
lógica de racionalidade no sentido normal de ‘por razão’” (KOLM, 2000, p. 43).
Na obra Justice and Equity, o autor faz uma análise das propriedades das formas
básica e necessárias da justiça e apresenta uma noção de equidade bastante interessante,
“como a liberdade instrumental igual e independente de diferentes justiciáveis (dos
indivíduos, por exemplo) em um espaço de escolha definido, ou como uma situação
equivalente” (KOLM, 2000, p. 191).
No contexto atual, devemos ter em mente que quando falamos de igualdade no
processo, automaticamente nos reportamos ao devido processo legal, que assegura a todos os
cidadãos mais do que o acesso à justiça, de acordo com o art. 5, XXXV, da CRFB, o direito
de estar em juízo com direito ao processo, e, mais ainda do que o simples direito ao processo,
o direito a um devido processo legal, aqui não entendido somente em sentido formal, mas
também material.
É que o Estado, quando avoca para si a função jurisdicional, por ser esta uma forma
74
compositiva e pacífica de colocar fim definitivo aos conflitos de interesses, procura assegurar,
ao máximo, o respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, através de um
processo também um direito (para alguns garantia).
O artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, datada de 1948 estabelece:
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública
por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e
deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
Historicamente, foi esse dispositivo que deu início à luta contra regras autoritárias e
arbitrárias, nas quais se desprezava a colaboração da parte, através do contraditório, para a
solução correta do litígio. Hoje, portanto, dentro de uma concepção democrática, o Estado, ao
exercer seu poder-dever, não pode atuar inquisitoriamente, ou seja, sem a participação das
partes, na descoberta da verdade, dispensando a colaboração preciosa dos que mais têm
interesse em ver a contenda solucionada e que são atingidos pelo provimento final.
Nesse sentido esclarece Humberto Theodoro Júnior:
Jurisdição e processo são dois institutos indissociáveis. O direito à jurisdição é,
também, o direito ao processo, como meio indispensável à realização da Justiça.
A Constituição, por isso, assegura aos cidadãos o direito ao processo como uma das
garantias individuais (art. 5º, inc. XXXV).
A justa composição da lide só pode ser alcançada quando prestada a tutela
jurisdicional dentro das normas processuais traçadas pelo Direito Processual Civil,
das quais não é dado ao Estado declinar perante nenhuma causa (Constituição
Federal, art. 5º, incs. LIV e LV).
É no conjunto dessas normas do direito processual que se consagram os princípios
informativos que inspiram o processo moderno e que propiciam às partes a plena
defesa de seus interesses e ao juiz os instrumentos necessários para a busca da
verdade real, sem lesão dos direitos individuais dos litigantes.
A garantia do devido processo legal, porém, não se exaure na observância das
formas da lei para a tramitação das causas em juízo. Compreende algumas categorias
fundamentais como a garantia do juiz natural (CRFB, art. 5º, inc. XXXVII) e do juiz
competente (CRFB, art. 5º, inc. LIII), a garantia de acesso à justiça (CRFB, art. 5º,
inc. XXXV), de ampla defesa e contraditório (CRFB, art. 5º, inc. LV) e, ainda, a de
fundamentação de todas as decisões judiciais (CRFB art. 93, inc. IX).
Faz-se modernamente uma assimilação da idéia de devido processo legal à de
processo justo.
A par da regularidade formal, o processo deve adequar-se a realizar o melhor
resultado concreto, em face dos desígnios do direito material. Entrevê-se, nessa
perspectiva, também um aspecto substancial na garantia do devido processo legal.
A exemplo da Constituição italiana, também a Carta brasileira foi emendada para
explicitar que a garantia do devido processo legal (processo justo) deve assegurar ‘a
razoável duração do processo’ e os meios que proporcionem ‘a celeridade de sua
tramitação’ (CRFB, art. 5º, novo inciso LXXVIII, acrescentado pela Emenda
Constitucional nº 45, de 08.12.2004). (THEODORO JÚNIOR, 2000, v. 1, p. 35).
75
No esteio do pensamento do Humberto Theodoro Júnior, percebe-se, portanto, a
importância da implementação dos princípios instituintes do processo, dentre os quais
destacamos o princípio jurídico da isonomia, corroborado pelo contraditório e ampla defesa.
Dessa mesma forma, deve-se tratar de maneira igual os pares (par conditio) que estão
sob condição paritária. No caso do Direito Processual, a necessidade de aplicação desse
princípio pode ser percebida, por exemplo, no artigo 125, I do CPC, segundo o qual: “O juiz
dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I - assegurar às
partes igualdade de tratamento;” (grifo nosso).
Acerca do princípio da isonomia, Rosemiro Pereira Leal ensina:
O princípio da isonomia é direito-garantia hoje constitucionalizado em vários países
de feições democráticas. É referente lógico-jurídico indispensável do procedimento
em contraditório (processo), uma vez que a liberdade de contradizer no Processo
equivale à igualdade temporal de dizer e contradizer para a construção, entre partes,
da estrutura procedimental. A asserção de que há de se dar tratamento igual a iguais
e desigual a desiguais é tautológica, porque, na estruturação do procedimento, o
dizer e contradizer, em regime de liberdade assegurada em lei, não se operam pela
distinção jurisdicional do economicamente igual ou desigual. O direito ao Processo
não tem conteúdos de criação de direitos diferenciados pela disparidade econômica
das partes, mas é direito assegurador de igualdade de realização construtiva do
procedimento. Por isso, é oportuno distinguir isonomia e simétrica paridade, porque
esta significa a condição já constitucionalmente assegurada dos direitos
fundamentais dos legitimados ao processo quanto à vida digna, liberdade e
igualdade (direito líquidos e certos) no plano constituinte do Estado Democrático de
Direito. (LEAL R., 2009a, p. 98).
Sendo assim, por analogia, se o juiz como diretor do processo deve tratar as partes
com isonomia, da mesma maneira deverá tratar o advogado e os demais auxiliares do juízo,
quando de sua atuação no âmbito processual.
Conforme salientamos no segundo capítulo, o advogado, a partir da sua efetiva
contratação, irá atuar no processo, ou fora dele, praticando todos os atos indispensáveis ao
justo deslinde processual. Ele será o responsável por emprestar qualificação técnica aos atos
que serão realizados, utilizando-se para tanto da sua capacidade postulatória.
Também no curso deste trabalho já foi enfocada, no segundo capítulo a importância da
presença do advogado, que é indispensável à administração da justiça, para a validade dos
atos processuais.
Todavia, os magistrados não estão tratando de forma igualitária os advogados e os
outros profissionais liberais auxiliares do juízo, mormente no que tange ao arbitramento de
honorários que é o objeto de nosso estudo.
76
É que, na prática, verifica-se que quando da fixação dos honorários de perito, aqui
entendidos os que atuam como peritos do juízo, na maioria dos casos os valores estabelecidos
a fim de remunerar o trabalho exercido ao longo dos autos são bem maiores do que aqueles
arbitrados para os advogados.
Importante salientar que não se está a desmerecer o trabalho dos peritos judiciais,
muito pelo contrário. O que se quer evidenciar é que da mesma forma que esses profissionais
merecem, por certo, a remuneração que lhes é atribuída, os advogados também não podem ter
sua atividade desprestigiada, da forma que está a ocorrer.
É que, constantemente, o advogado, após longos anos de zelo e empenho pela causa de
seu cliente, consegue que o direito daquele patrocinado seja finalmente reconhecido, em um
provimento, mas tem nesse mesmo provimento arbitramento irrisório no que tange aos
honorários que lhe são devidos a título de sucumbência, o que acaba gerando mais trabalho
para aquele advogado, que terá que recorrer, agora em causa própria para ter reconhecido o
seu direito a uma justa remuneração.
De outro lado, igualmente importante que seja oportunizado ao advogado bem como à
parte sucumbente, quando da construção da decisão que arbitra honorários sucumbenciais, o
direito-garantia ao contraditório, assegurado constitucionalmente pelo art. 5, LV, da CRFB.
A argumentação discursiva pelas partes, em grau de isonomia e paridade de armas é
indispensável dentro de uma processualidade democrática, a fim de que se assegure a
participação, como fonte de legitimação da função jurisdicional.
A motivação pelo magistrado deverá indicar, para garantir a legitimidade e
transparência das escolhas adotadas face aos argumentos desenvolvidos pelas partes, em
contraditório, as questões de fato e de direito peculiares ao caso concreto examinado.
De acordo com o artigo 20, § 4º do CPC, o julgador ao se utilizar de equidade para as
hipóteses previstas deverá observar os parâmetros objetivos estabelecidos pelo § 3º do mesmo
artigo, conforme explicitado no item 4.2.3.2 do capítulo anterior.
Os advogados, portanto, assim como os demais interessados no provimento final
devem ter assegurado o direito de se manifestar ao longo do processo, em relação à existência
dos referidos requisitos, a fim de enfatizar a incidência ou não desses parâmetros objetivos na
causa objeto de exame.
O julgador, por sua vez, deve abrir vista às partes para que se manifestem
expressamente sobre referido dispositivo, explicitando a existência ou não de questões fáticas
77
que corroborem suas alegações no sentido, por exemplo, de ter se deslocado por diversas
vezes à comarca longínqua e de difícil acesso para realização do seu trabalho, ou de ter
confeccionado inúmeras peças processuais, dentre outras condicionantes.
É que, ao se negar às partes a participação na abordagem de questões fáticas e de
direito para a formação da convicção do magistrado, não se poderá dizer que a decisão final
foi construída de forma legítima, o que gerará evidente prejuízo às primeiras.
De acordo com inúmeras decisões que não permitem aos advogados a majoração de
honorários fixados em valores irrisórios, dissociados dos parâmetros objetivos a serem
demonstrados por circunstâncias fáticas, o reexame desses parâmetros objetivos se traduziria
em revolvimento de matéria fático-probatória, o que é vedado pela Súmula nº 7 do STJ.
Nesse sentido, para ilustrar o que foi dito no parágrafo anterior, apresentamos julgado
abaixo, cuja ementa transcrevemos:
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO.
O STJ, em princípio, não pode alterar a verba de honorários sem reexaminar os fatos
(Súm. n. 7-STJ), pois essa foi fixada em consideração ao que desenvolvido no
processo. É certo, porém, que, em situações excepcionalíssimas, o STJ vem
afastando a incidência da referida súmula para exercer juízo de valor sobre o
quantum fixado, para decidir se irrisório ou exorbitante. Para tanto, entende
indispensável que o Tribunal a quo tenha abstraído a situação fática. Em alguns
especiais, têm-se tentado demonstrar que irrisórios os honorários em uma
comparação entre o valor da causa e a verba de sucumbência, o que até é admissível
se, como já dito, se abstrair os aspectos fáticos relevantes. O que não é permitido ao
STJ, naquela sede, é refazer o juízo de eqüidade estampado no art. 20, § 4º, do CPC,
ao considerar as alíneas a, b e c do § 3º desse dispositivo, sem que sequer o acórdão
recorrido tenha delineado a especificidade de cada caso, pois tal proceder é-lhe
obstado (Súm. n. 7-STJ). Note-se estar consagrado o entendimento de que a fixação
de honorários com base no referido artigo não é limitada aos percentuais lá
previstos, podendo esses serem fixados em valor inferior a 10%. Dessa forma, na
fixação da verba honorária, ao amparo do juízo de eqüidade (art. 20, § 4º, do CPC),
pode o juiz adotar, como base de cálculo, o valor da causa, o da condenação, ou
outro que arbitrar de modo fixo, ao levar em consideração o caso concreto à luz do §
3º e alíneas. Na hipótese dos autos, o Tribunal a quo não deixou delineados os
aspectos fáticos que o levaram a adotar a base de cálculo dos honorários, assim, não
pode o STJ imiscuir-se e emitir juízo de valor propenso a concluir se o advogado foi
ou não mal remunerado. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o
julgamento, por maioria, negou provimento aos recursos. (BRASIL, 2006).
No referido acórdão julgado em 17 de outubro de 2006, publicado em 04 de dezembro
de 2006, o Colendo STJ ao julgar o Recurso Especial proveniente do Estado de Santa
Catarina, teve a possibilidade de corrigir equívoco no julgamento daquele tribunal, que não
deixou delineados os aspectos fáticos que o levaram a adotar a base de cálculo dos honorários,
todavia, abrigou-se na Súmula nº 7 do STJ para se negar a reapreciar matéria fáticoprobatória, entendendo por negar provimento ao recurso.
78
No caso examinado, a parte recorrente se viu obrigada a interpor recurso contra
decisão que arbitrou os honorários em valores dissociados do caráter de proporcionalidade,
todavia, sem lograr êxito em sua pretensão.
Sustentou a Ministra, relatora para o acórdão, no voto que proferiu:
Ficou, pois, estabelecido que, na fixação da verba honorária com amparo no art. 20,
§4 do CPC, ou seja, através de juízo de eqüidade, o magistrado pode eleger como
base de cálculo tanto o valor da causa, como valor da condenação ou, ainda, arbitrar
valor fixo, levando em consideração o caso concreto à luz do art. 20, §3, alíneas, ‘a’,
‘b’ e ‘c’ do CPC.
Desta forma, sem que o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, deixe delineados os
aspectos fáticos que o levaram a adotar determinada base de cálculo, percentual ou
valor fixo, não pode o STJ emitir juízo de valor a respeito, a fim de concluir se o
advogado foi mal ou bem remunerado e ofendidos os dispositivos legais pertinentes.
É o que ocorre exatamente na hipótese dos autos.
Com estas considerações, pedindo vênia ao Relator, mantenho a verba honorária
como consta do acórdão, negando provimento integralmente ao recurso especial da
empresa.
Frise-se que não compartilhamos do entendimento acima da Relatora para o acórdão,
ao contrário, perfilhamo-nos ao entendimento do Relator do acórdão Ministro João Otávio de
Noronha, vencido em seu posicionamento no que tange à possibilidade de revisão de
honorários, no seguinte sentido:
Com efeito, nas demandas em que o provimento jurisdicional tem natureza
condenatória- tais quais aquelas em que se objetiva garantir o direito à compensação
de tributos, como é o caso em apreço-, o parâmetro que há de servir de base para o
cálculo da verba honorária, ainda que arbitrada com fundamento no art. 20. §4, do
CPC, é o valor da condenação e não o valor da causa. Nesse sentido os seguintes
julgados:
‘PROCESSUAL
CIVIL.
AGRAVO
REGIMENTAL.
HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. COMPENSAÇÃO
TRIBUTÁRIA. VALOR DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTE DA COLENDA
PRIMEIRA SEÇÃO (ERESP 390.234-MA).
1. É cediço no Superior Tribunal de Justiça que: ‘A ação para a garantia do direito à
compensação de tributos, embora tenha carga declaratória, possui natureza
eminentemente condenatória, razão pela qual ainda que a vencida a Fazenda Pública,
devem ser os honorários fixados com base no valor da condenação, e não da causa’
(ERESP 390.234-MA), como critério de eqüidade.
2. Agravo Regimental desprovido’ (Primeira Turma, AgRg no AgRg no AgRg no
AgRg no AgRg no REsp n. 651.589/MG, relator Ministro Luiz Fux, DJ de
27.3.2006)
Diante dessas considerações conheço parcialmente do recurso e nessa parte, dou-lhe
parcial provimento para que os honorários advocatícios sejam fixados com base no
valor da condenação, e não no da causa.
Apesar de estar consagrado o entendimento de que a fixação de honorários com base
no art. 20, § 4º, do CPC não encontra como limites os percentuais de 10% (dez por cento) e
79
20% (vinte por cento) de que fala o § 3º do mesmo art. 20, podendo ser o percentual inferior a
10% (dez por cento), ainda assim, caso o julgador entenda estarem os valores dissociados do
critério da equidade e do princípio da razoabilidade, não há porque se negar a revisão dos
mesmos, ainda que o tribunal a quo não tenha delineado os contornos fáticos, porque se trata
de ofensa direta ao referido dispositivo legal.
Ora, se à parte não foi dada a oportunidade de se manifestar sobre os referidos
parâmetros quando da formação da decisão, não lhe pode novamente ser vedada a sua
apreciação, até mesmo porque as decisões mais recentes do Colendo STJ apontam neste
sentido.
Mais uma vez, com intuito de comprovar estar o Superior Tribunal de Justiça
decidindo pela revisão dos parâmetros, caso entenda estarem os valores dissociados do
critério da equidade e do princípio da razoabilidade, apresenta-se a seguir julgado no Recurso
Especial nº 926.357, da Quarta Turma, conforme ementa abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. VALOR
IRRISÓRIO. ART. 20, § 3º e 4º, DO CPC.
1. O STJ tem conhecido de recurso especial quando se trata de rever a fixação de
verba honorária em valores considerados irrisórios ou excessivos, situação em que a
decisão recorrida se afasta do juízo de eqüidade preconizado na lei processual.
2. A fixação da verba honorária há de ser feita com base em critérios que guardem a
mínima correspondência com a responsabilidade assumida pelo advogado, sob pena
de violação do princípio da justa remuneração do trabalho profissional.
3. Recurso especial provido. (BRASIL, 2010a ).
Em acórdão julgado em 18 de fevereiro de 2010 e publicado em 08 de março de 2010,
ao julgar o Recurso Especial proveniente do Estado de Roraima teve o Colendo STJ, mais
uma vez a possibilidade de rever verba honorária no julgamento daquele tribunal, onde foram
fixados honorários em montante irrisório, se afastando do critério de eqüidade do art. 20, § 4º
do CPC e do princípio da razoabilidade.
No caso examinado, o autor, advogado, se viu obrigado, após defender o seu cliente, a
apresentar recurso contra decisão que arbitrou os honorários em valores ínfimos, em
percentual inferior a 0,08% da causa, em flagrante desrespeito à dignidade da profissão
advocatícia.
Sustentou o Ministro João Otávio de Noronha, relator, no voto que proferiu:
Sucede que, no caso, o valor da execução consignado nos autos é de R$1.781.173,21
(um milhão, setecentos e oitenta e um mil, cento e setenta e três reais e vinte e um
centavos)- fl. 102-, o que, sem dúvida, faz presumir maior atenção e zelo dos
80
causídicos responsáveis no desempenho de suas atividades ao longo da demanda.
Entendo, por isso, que o Tribunal a quo, ao assim decidir, acabou por violar o art.
20, §§3 e 4, do CPC, que estabelece os parâmetros a serem observados pelo
magistrado na fixação da verba honorária.
Com efeito, dispõe o §3 do art. 20 que os honorários devidos pela parte vencida
devem ser fixados entre o mínimp de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da
condenação, atendidos (a) o grau de zelo do profissional, (b) o lugar de prestação
dos serviços e (c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo
advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Na espécie, entretanto, o julgador
fixou a verba no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), o que resulta em uma
remuneração irrisória ao advogado.
Ainda que a verba honorária possa ser fixada em percentual inferior ao mínimo
indicado no §3 do art. 20 do CPC, com base no §4 do mesmo dispositivo, não há por
que admitir que tal estipulação se dê com base em valores que não guardem
correspondência com um valor razoável e que não seja irrisório.
Ao final, assim entendeu o Relator:
Neste contexto, concluo que o valor de R$1.500,00(mil e quinhentos reais) não é
razoável no caso em comento, devendo, por isso, ser majorado.
Diante dessas considerações, dou provimento ao recurso especial e fixo as verbas
honorárias em 15.000,00(quinze mil reais).
Este julgado traz posicionamento atual do Colendo STJ no sentido de que, ainda que o
valor possa ser fixado abaixo do mínimo de 10%, com o que não estamos de acordo, não pode
de maneira alguma ser arbitrado em valor desproporcional aos critérios objetivos das alíneas
do § 3º do art. 20 do CPC, sob pena de violação ao princípio da justa remuneração do trabalho
profissional, o que por muitas vezes, parece ser esquecido ou mesmo ignorado pelos
julgadores.
Também é de se registrar importante avanço trazido pelo anteprojeto do novo CPC, já
que o referido texto estabelece que os honorários advocatícios deverão ser fixados entre 10% a
20% do valor da condenação, do proveito, do benefício ou da vantagem econômica, atendidas
as condicionantes objetivas, além de reconhecer a natureza alimentar dos honorários.
É que, como dito anteriormente, hoje se tem a possibilidade de fixação de honorários
consoante a aplicação equitativa do juiz, de acordo com o § 4º do art. 20 do CPC, o que
justifica disparidades na fixação de honorários sucumbenciais em situações como, por
exemplo, naqueles casos em que vencida a Fazenda Pública, em flagrante ofensa ao princípio
da isonomia.
Todavia, a Advocacia-Geral da União e as Procuradorias Gerais dos Estados postulam
alterações no texto do anteprojeto, na parte em que prevê que a Fazenda Pública, quando
vencida, seja condenada a pagar honorários advocatícios fixados entre 10% a 20% do valor
81
econômico do litígio, pretendendo manutenção de um benefício indevido a que hoje faz jus a
Fazenda Pública, dentre outros, tais quais, os prazos diferenciados.
De acordo com o que estão a defender, existiriam duas regras, em flagrante ofensa ao
princípio da isonomia, uma vez que, de um lado, quando a Fazenda Pública fosse vencedora,
sustentam que o valor econômico envolvido no litígio seja a base da fixação dos honorários,
enquanto, de outro, para os casos em que a Fazenda Pública fosse vencida, pleiteiam a
manutenção da fixação dos honorários por equidade.
Ora, a Fazenda Pública não pode pleitear tamanho absurdo, visando tão somente
“benefícios”, pois, como se está a entender, tal postulação só estaria a pretender manutenção
do critério de equidade quando fosse para lhe trazer a possibilidade de arcar com valores
reduzidos a título de honorários sucumbenciais.
Nesse sentido, também apresentamos acórdão da 1ª Turma do Colendo STJ no
Recurso Especial nº 939.684, julgado em 03 de novembro de 2009, publicado em 26 de
novembro de 2009, proveniente do Estado do Rio Grande do Sul, que entendeu por reduzir o
montante fixado a título de verba honorária a ser pago a favor da Fazenda Pública, por
alegada ofensa ao princípio da razoabilidade por alegada “inequívoca exorbitância”.
Sustentou o Ministro Luiz Fux, relator, no voto que proferiu:
Com efeito, na esteira da jurisprudência dominante desta Corte, não é viável, em
princípio, o reexame dos critérios fáticos, sopesados de forma eqüitativa e levados
em consideração para fixar os honorários advocatícios, nos termos das disposições
dos parágrafos 3 e 4 do artigo 20 do CPC, em sede de recurso especial.
Isto porque a discussão acerca do quantum da verba honorária encontra-se no
contexto fático-probatório dos autos, o que obsta o revolvimento do valor arbitrado
nas instâncias ordinárias por este Superior Tribunal de Justiça.
Por outro lado, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que é possível
o conhecimento do recurso especial para alterar os valores fixados a título de
honorários advocatícios, aumentando-os ou reduzindo-os, quando o montante
estipulado na origem afastar-se do princípio da razoabilidade, ou seja, quando
distanciar-se do juízo de eqüidade insculpido no comando legal.
Na hipótese dos autos, o v. acórdão recorrido, ao inverter os ônus sucumbenciais,
fixou a verba honorária a favor da Fazenda Pública, vencedora no recurso de
Apelação, num valor evidentemente irrisório, qual seja, a quantia módica de mil
reais, conforme acertadamente ressaltado pela ilustre Procuradora da Fazenda
Nacional nas razões do especial, in verbis:
‘Consoante se depreende da leitura ainda que perfunctória dos dispositivos acima
mencionados, caberia ao nobre magistrado usando do conceito de eqüitatividade,
dispor sobre a verba honorária devida à União. Existe certa dose de subjetividade
na decisão a ser proferida pelo magistrado, contudo essa subjetividade jamais
poderia sublimar um princípio maior, qual seja o da razoabilidade e o da
eqüitatividade.
No caso dos autos, deve-se levar em consideração que, caso o recorrido tivesse
obtido êxito em suas investidas contra a União, o valor que seria suportado por este
82
ente público, seria um valor expressivo, não é a toa que o valor atribuído à causa
foi de R$94.284.351,00(noventa e quatro milhões, duzentos e oitenta e quatro mil,
trezentos e cinqüenta e um reais), sendo este um fator de extrema relevância na
fixação do valor dos honorários.’
Em tais circunstâncias, esta Corte, excepcionalmente, admite que se examine a
questão afeta à verba honorária, para se adequar, em sede de recurso especial, o
montante fixado na instância ordinária ao critério de eqüidade estipulado na lei,
quando o valor indicado for exagerado ou irrisório. (BRASIL, 2009).
E, após citar vários precedentes nesse sentido, o Ministro assim conclui:
In casu, foi atribuído à causa o valor de R$11.866.691,40(onze milões, oitoscentos e
sessenta e seis mil, seiscentos e noventa e oito reais e quarenta centavos), tendo o
Tribunal a quo arbitrado os honorários advocatícios em 2% sobre o valor da causa,
que alcançaria, em valores relativos à data do ajuizamento da demanda
(05/12/2000), montante estimado em R$237.333,00(duzentos e trinta e sete mil
trezentos e trinta e três reais).
Outrossim, o Tribunal de origem assentou a simplicidade do labor desenvolvido pela
Fazenda Pública, in verbis:
‘[...]
Ao contrário, atende à esperada eqüidade, levando em consideração a singeleza do
trabalho até então desenvolvido, mesmo porque o art. 6 da Lei n. 6830/80 determina
que, no caso de execução fiscal, a petição inicial indicará apenas, o juiz a quem é
dirigida, o pedido e o requerimento para a citação.
Em ações como a ora em apreço, e, igualmente, em execuções comuns, tenho por
critério arbitrar a verba honorária em patamares razoáveis em vista do montante
envolvido no executivo, seja com o intuito de estimular o pagamento do executado,
seja pelo fato de que, em tais ações, o labor desenvolvido, de regra singelo, como
denota a peça inicial, não vem há a ser agraciado com verba não condizente.’
Destarte, ressoa inequívoca a exorbitância da verba honorária arbitrada no caso sub
judice, merecendo reparo o acórdão recorrido.
Levando-se em consideração o valor econômico atribuído à causa, bem como os
parâmetros balizadores do art. 20, §3, alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’, do CPC, aos quais se
reporta o §4 do mesmo artigo, procedo à fixação da verba honorária em 0,2% sobre
o valor da causa, resultando no montante de R$23.733,00(vinte e três mil setecentos
e trinta e três reais.
Ex positis, DOU PROVIMENTO ao RECURSO ESPECIAL para fixar a verba
honorária em 0,2% sobre o valor da causa, resultando no montante de R$23.733,00
(vinte e três mil setecentos e trinta e três reais).
No julgado apreciado, entendeu o Colendo STJ reduzir o montante relacionado à verba
honorária a ser paga pela recorrente à Fazenda Pública, face à aplicação desarrazoada do juízo
de equidade.
Na hipótese presente, caso mantido o entendimento de que quando a Fazenda Pública
for vencedora, o valor econômico envolvido no litígio seja a base da fixação dos honorários
sucumbenciais, de acordo com os patamares hoje estabelecidos, de 10% a 20%, na hipótese
acima, por exemplo, a fixação não poderia se dar em 0,2%, devendo ser estabelecida no
mínimo em 10% do valor econômico do litígio.
83
Face ao acima exposto, pode-se verificar uma das razões do posicionamento da
Fazenda Pública em relação aos novos parâmetros para a fixação de honorários
sucumbenciais trazidos pelo anteprojeto do CPC.
5.3 A legitimidade decisória e o devido processo legal
Atualmente, em matéria de direito processual, a palavra da moda, pode-se dizer, é a
efetividade. É ela que os juristas dizem buscar alcançar a todo o momento. Todavia, a
efetividade à qual nos referimos, dentro de uma processualidade democrática, é aquela
concebida como ganho de legitimidade pelo devido processo.
A jurisdição dita constitucional79 só se efetiva, portanto, pelo processo constitucional,
devendo ser exercida com base nas ideias renovadoras sobre jurisdição e processo, que vêm se
destacando na doutrina moderna, tendo em vista a importância da preservação dos direitos e
garantias constitucionais, como forma de afirmar a legitimidade dos pronunciamentos
jurisdicionais realizados no processo, em detrimento daquela antiga concepção de processo
como mero instrumento de realização de atos processuais (COUTURE, 1985 apud
BARACHO, 2006, p. 11).80
Na concretização da função jurisdicional, os pronunciamentos jurisdicionais, ou ditos
provimentos (FAZZALARI, 2006, p. 441)81 sob influência da doutrina italiana, surgem como
atos estatais imperativos, que refletem a manifestação do poder político do Estado que, por sua
vez, nunca pode ser arbitrário, mas sim constitucionalmente organizado, delimitado, exercido e
controlado conforme as diretrizes do Estado Democrático de Direito (DIAS, 2004, p. 85).
É inevitável que ao procederem a uma investigação hermenêutica, observada, dentro
de uma perspectiva democrática, os julgadores não devem se esquecer da importância do uso
de métodos de interpretação limitados por regras que o intérprete deve seguir.
79
80
81
A jurisdição constitucional, mais especificamente, é atividade jurisdicional do Estado com vistas a tutelar o
princípio da supremacia da Constituição e proteger os direitos fundamentais da pessoa humana ali
consagrados.
Eduardo Juan Couture, ao tratar da tutela constitucional do processo, afirmar ser o mesmo instrumento de
proteção do direito. A tutela do processo efetiva-se pelo reconhecimento do princípio da supremacia da
Constituição sobre as normas processuais. Ela efetua-se pelo império das previsões constitucionais, que têm
como suporte as garantias.
Na lição de Élio Fazzalari: “Já se disse os ‘provimentos’são - quanto ao seu conteúdo - emanações de
vontade dos órgãos públicos [...]”.
84
Esses métodos de interpretação, por sua vez, poderiam balizar-se pela busca da
vontade do legislador ou da lei ou ainda pela livre convicção do juiz. Todavia, como salienta
Álvaro Ricardo de Souza Cruz:
O exame dogmático dos textos legislativos sustenta-se na incorporação das noções
clássicas da divisão qualitativa dos Poderes pela qual ao Legislativo caberia uma
ação de caráter volitivo, legando-se ao magistrado apenas a descoberta da vontade
da lei ou do legislador. (CRUZ, 2007, p. 3).
De qualquer forma, como ressalta Dalmo Dallari,
o emprego dos vários modelos de interpretação confere ao intérprete o sentimento de
isenção frente às injustiças que de decorrem da lei, o que parece ser um tanto
cômodo. Além disso, acredita-se que a utilização das técnicas interpretativas pode
conferir a tão aclamada segurança jurídica, pois limitaria o intérprete, afastando-se,
assim, as convicções teóricas próprias de cada indivíduo. (DALLARI, 1980, p. 95).
Nesse sentido para que haja legitimidade decisória face ao Estado Democrático de
Direito é fundamental que sejam repelidas todas as manifestações eivadas de carga autoritária
e ideológica.
O italiano Elio Fazzalari foi um dos grandes responsáveis por retirar a decisão do
caráter individualista com foco tão somente na esfera monológica do decisor, transferindo-a
para um julgamento vinculado ao espaço técnico-procedimental-discursivo do processo
cognitivo de direitos, como conclusão co-extensiva da argumentação das partes, conforme
salienta Rosemiro Pereira Leal (2002, p. 26).
É que ao considerar como processo todo procedimento em contraditório, enfatiza a
indispensabilidade de construção pelas partes através do exercício da contradita, com a
retirada automática da decisão de uma perspectiva individualista, vislumbrada no Estado
clássico Liberal e no Estado Social de Direito.
Na concepção atual do Estado Democrático de Direito, exige-se um “pensar
problematizador” (RIBEIRO, 2010, p. 14-20) que abomina a ideia de um sistema fechado,
rigoroso e prévio em prol de uma reconstrução dialógica. E essa reconstrução dialógica de
apreciação é imprescindível para a obtenção de uma legitimidade decisória.
Pela teoria hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, enfatizada em sua obra Verdade e
Método:
A tarefa da interpretação consiste em concretizar a lei em cada caso, isto é, em sua
aplicação. A complementação produtiva do Direito, que ocorre com isso, está
obviamente reservada ao juiz, mas este encontra-se por sua vez sujeito à lei,
85
exatamente como qualquer outro membro da comunidade jurídica. Na idéia de
uma ordem judicial supõe-se o fato de que a sentença do juiz não surja de
arbitrariedades imprevisíveis, mas de uma ponderação justa de conjunto.
(GADAMER, 1998, p. 489).
No estudo presente, o debate participado é fundamental para a validação da construção
hermenêutica, pois, só assim será possível apreciar de maneira legítima a situação posta em
juízo.
Antigamente, como já salientado em pontos anteriores, tínhamos uma ideologização
da teoria da decisão, corroborada pelo juiz que praticava o exercício de uma vontade histórica
justificada por uma hermenêutica de tradição, baseada em conceitos ultrapassados.
Infelizmente, hoje, ainda se verifica uma gama enorme de decisões em nosso
ordenamento jurídico disseminadas por “pré-conceitos”, os mais variados possíveis, em
sentenças de conteúdo discriminatório em relação às mulheres, aos homossexuais, aos afrodescendentes etc, em evidenciada ofensa ao Estado Democrático de Direito.
De outro lado, também vislumbramos outras decisões desprovidas de fundamentação,
ocas, por assim dizer, nas quais se começa com o relatório e logo a seguir se passa ao
dispositivo, simplesmente. Ou, ainda, decisões em que não se apreciam as alegações postas
pelas partes, com toda sorte de omissões.
Como bem ressalta Fernando Armando Ribeiro, no esteio do pensamento de HansGeorg Gadamer,
o juiz só decide, porque encontrou o fundamento. Como qualquer intérprete, há um
sentido que é antecipado ao juiz- advindo das pré-compreensões- e neste momento já
se tem a decisão. Portanto, o julgador não decide para depois buscar a fundamentação,
mas só decide, porque já encontrou o fundamento, que neste momento é ainda uma
antecipação prévia de sentidos tomada de pré-compreensões ainda não
problematizadas. Obviamente deve o magistrado testar e aprimorar o fundamento, e
revê-lo a partir de uma racionalidade discursiva. (RIBEIRO, 2010, p. 18).
Isso porque, em um Estado Democrático de Direito, como dito anteriormente, o
magistrado deve observar a processualidade democrática alcançada somente através de uma
perspectiva discursiva e no esteio de uma perspectiva discursiva, fundamental se torna a
hermenêutica da parte do intérprete, motivo pelo qual, como destaca Inocêncio Mártires Coelho:
Se não existe interpretação sem intérprete; se toda interpretação, embora seja um ato
de conhecimento, traduz-se, afinal, em uma manifestação de vontade do aplicador
do Direito; se a distância entre a generalidade da norma e a particularidade do caso
exige, necessariamente, o trabalho mediador do intérprete, como condição
indispensável ao funcionamento do sistema jurídico; se no desempenho dessa tarefa
resta sempre uma insuprimível margem de livre apreciação pelos operadores da
86
interpretação; se ao fim e ao cabo, isso tudo é verdadeiro, então o ideal de
racionalidade, de objetividade e, mesmo de segurança jurídica, aponta para o
imperativo de se fazer recuar o mais possível o momento subjetivo da interpretação
e reduzir ao mínimo aquele resíduo incômodo de voluntarismo que se faz presente,
inevitavelmente, em todo o trabalho hermenêutico. (COELHO, 1997, p. 13).
Como salienta Lênio Luiz Streck em Verdade e Consenso, é preciso uma maior
compreensão do Direito, em um caráter hermenêutico,
em face da profunda crise de paradigmas que atravessa o direito, a partir de uma
dogmática jurídica refém de um positivismo exegético-normativista, produto de uma
mixagem de vários modelos justifilosóficos, como as teorias voluntaristas,
intencionalistas, axiológicas e semânticas, para citar apenas algumas, as quais
guardam um traço comum: o arraigamento ao esquema sujeito-objeto. (STRECK,
2009, p. 01).
É que, como dito anteriormente devido à impossibilidade de o Legislativo prever todas
as hipóteses de aplicação da lei, acabam surgindo lacunas, que serão supridas pelo intérprete,
e, com elas, surge a necessidade de se impor limitações ao poder discricionário dos juízes.
Diante de um pós-positivismo, que se esforça por superar as ideias ultrapassadas do
positivismo, ligadas ao sujeito solipsista, que ditavam soluções, quando da ausência de
normas, por simples ato de vontade, a jurisdição constitucional deve ser tônica constante no
Estado Democrático de Direito.
O novo constitucionalismo na concepção democrática atual é totalmente incompatível
com o positivismo jurídico, por não se adaptar a qualquer de suas características básicas, tais
como o caráter puramente ideológico, o apego às tradições e costumes, ou mesmo a sua
ligação indissociável ao subjetivismo.
Lênio Luiz Streck aponta para a necessidade de se discutir a discricionariedade, como
condição de possibilidade de permanência ou superação do esquema sujeito-objeto
enfatizando a necessária ruptura com os antigos paradigmas do Estado Liberal e do Estado
Social, a partir da implementação do Estado Democrático de Direito, como se pode verificar
no trecho abaixo:
Se o modelo de direito sustentado por regras está superado, o discurso exegéticopositivista, ainda dominante no plano da dogmática jurídica praticada
cotidianamente, representa um retrocesso, porque, de um lado, continua a sustentar
discursos objetivistas, identificando texto e sentido do texto (norma), e de, outro
busca, nas (diversas) teorias subjetivistas, a partir de uma axiologia que submete o
texto à subjetividade assujeitadora do intérprete, transformando o processo
interpretativo em uma subsunção dualística do fato à norma, como se fato e direito
fossem coisas cindíveis e os textos (jurídicos) fossem meros enunciados lingüísticos.
(STRECK, 2009, p. 09).
87
Todavia o ordenamento jurídico atual representa resistências a essa ruptura e
consequente transformação da realidade, através do novo modelo de justiça constitucional,
que atua como garantidora dos direitos fundamentais-sociais e da própria democracia
(STRECK, 2009, p. 11).
E aqui se enfatiza a importância de uma política de concretização de direitos
fundamentais, que deve ser efetivada pelo Poder Público e até mesmo por meio da função
jurisdicional, contanto que as decisões não sejam eivadas de discricionaridades que se
traduzem, muitas vezes, em arbitrariedades do positivismo jurídico.
É que, conforme viso acima, no Estado contemporâneo o juiz deve ser atuante de
modo a efetivar a tutela jurisdicional, deixando de lado uma posição de estrita neutralidade.
Nesse sentido, apresenta-se atual a lição de Eduardo Cambi:
As questões políticas não ficam à margem da análise judicial, porque seria utópico
exigir neutralidade dos juízes, na guarda e na implementação dos valores e
princípios tão abstratos e carentes de significação como são a dignidade da pessoa
humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a
erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais (arts. 1, III, 3, I e III da
CRFB). (CAMBI, 2005, p. 155).
Isso porque a ausência de implementação dos direitos fundamentais pelas políticas
públicas, bem como o enfraquecimento das funções exercidas pelo “Poder Executivo” e pelo
“Poder Legislativo”, em virtude da desilusão e da desconfiança do povo, acabou por gerar
uma expectativa extremada na visão do “Poder Judiciário” como “Salvador da Pátria”, através
de uma judicialização da política, de aplicação discutível no Brasil.82
Segundo Dierle José Coelho Nunes, em Processo Jurisdicional Democrático:
O Poder Judiciário passaria a exercer um poder de veto aos interesses dominantes
do Executivo e do Legislativo, mediante a manifestação dos interesses dos grupos
minoritários (TATE, 1995, p.30) e o controle constitucional (judicial review) dos
provimentos (leis e atos administrativos) dos outros ‘poderes’ - funções estatais
(TATE, VALLINDER, 1995, p.15)
A judicialização corporifica um ‘coroamento’ de um movimento de reforço do papel
do Judiciário que perpassou toda a fase autonomista de estudo do Direito Processual,
devido à incapacidade das instituições estatais majoritárias de dar provimento às
demandas destas perante o ‘Estado-juiz’. (NUNES, 2008, p. 179).
82
Frisem-se aqui, novamente, críticas tecidas quanto ao equivocado uso das expressões Poder Judiciário, Poder
Legislativo e Poder Executivo. Nesse sentido alerta Rosemiro Pereira Leal: “com advento do Estado
moderno, torna-se arcaica a divisão da atividade estatal pela afirmação de poderes, porque em face do
discurso jurídico-democrático avançado nas sociedades modernas, a única fonte de poder é o povo” (LEAL
R., 2009a, p. 243). O Poder é um só (uno e indivisível), concentrado nas mãos do povo, que legitima o
Estado a realizar as competências e as funções a que está submetido no diploma constitucional, quais sejam:
legislativa, governamental, administrativa ou executiva e jurisdicional (GONÇALVES, 1992, p. 50).
88
Nesse sentido, adota-se um critério de maximização das riquezas nas mãos dos juízes,
que passam a homologar a realidade, concretizando políticas públicas, o que, todavia, não
deveria ser papel do Judiciário.
Essa judicialização da política vem aliada ainda à concepção bülowiana de processo
como relação jurídica entre autor, réu e juiz (BÜLLOW, 2005 apud LEAL R., 2009a, p. 78),
estando aqueles subordinados ao último, adotada pelo Código de Processo Civil, fortalecida
pela concepção de processo como mero instrumento da jurisdição, vista aqui como atividade
solitária de um juiz “privilegiado”, que, no vácuo normativo, vira “legislador”.
É essa a visão de Aroca, citado por Dierle José Coelho Nunes, em sua obra Processo
Jurisdicional Democrático:
1) o processo é um mal, devido ao fato de comportar uma perda de tempo e dinheiro,
além de instigar as partes a litigar com repercussão na sociedade; e 2) o processo
prejudica a economia nacional, dado que impede a rentabilidade dos bens
paralisados, enquanto se discute em juízo sobre a quem pertencem. Por estes
postulados, deriva a necessidade de resolver de modo rápido o conflito entre as
partes e, por isso, o melhor sistema é aquele no qual o juiz não se limite a julgar,
mas se transforme em um verdadeiro gestor do processo, dotado de grandes poderes
discricionários, idôneos a garantir não somente o direito das partes, mas sobretudo
os valores e os interesses da sociedade. (AROCA, 2002, p. 72 apud NUNES, 2008,
p. 178).
Atualmente, na esteira do pensamento da teoria neoinstitucionalista, cujo
precursor é Rosemiro Pereira Leal, vê-se que essa concepção de processo como mero
instrumento da jurisdição já se encontra definitivamente superada. É que, segundo esse
processualista, o processo deve ser entendido como uma instituição jurídica, ou seja, um
conjunto principiológico que baliza a criação de normas e a implementação de direitos
fundamentais.
Todavia, conforme visto no capítulo anterior, o CPC de 1973 continua privilegiando
uma dogmática analítica, que repudia ou proíbe o non liquet, ou seja, a jurisdição há de ser
sempre compulsória, uma vez que o órgão jurisdicional não pode deixar de decidir a pretexto
de ausência de norma.
No entanto, frise-se que essa manifestação do poder do Estado, exercido em nome do
povo, que se projeta no pronunciamento jurisdicional, deve ser realizada sob rigorosa
disciplina constitucional principiológica (devido processo constitucional), só podendo agir se
e quando chamado a fazê-lo, dentro de uma estrutura metodológica construída
normativamente (devido processo legal), de modo a assegurar a efetiva participação dos
destinatários na formação do ato imperativo estatal (DIAS, 2004, p. 86; COUTURE, 1985, p.
89
40-44; FIX-ZAMUDIO, 1988, p. 227; BARACHO, 2006, p. 107; GONÇALVES, 1992, p.
50).
O Juiz, então, investido pelo Estado do poder de julgar, deverá sempre agir de acordo
com os limites trazidos pela lei, que traça os procedimentos a serem realizados, mesmo
quando a mesma abrir margem à discricionariedade evitando-se, assim, a interpretação
hermenêutica fundada no prudente arbítrio do julgador, o que se revela incompatível com os
princípios consagrados pelo Estado Democrático de Direito.
O processo, pois, deve estar ajustado à referida estrutura normativa (devido processo
legal), como procedimento que se realiza em contraditório entre as partes, por exigência do
devido processo constitucional. É o contraditório que assegura a simétrica participação
igualitária das partes destinatárias do pronunciamento jurisdicional decisório final, na fase
procedimental da sua preparação, influenciando as mesmas na construção da decisão (DIAS,
2004, p. 86; COUTURE, 1985, p. 40-44; FAZZALARI, 2006, p. 118-119; BARACHO, 2006,
p. 107; GONÇALVES, 1992, p. 115).
O professor Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira esclarece que essa concepção de
processo garantidor da geração de decisão participada resulta da associação entre a
perspectiva reconstrutiva da Teoria Discursiva do Direito e da Democracia, elaborada por
Jürgen Habermas e a tese de Élio Fazzalari, exposta e desenvolvida no Brasil por Aroldo
Plínio Gonçalves, concebendo o processo como procedimento em contraditório (OLIVEIRA,
2001, p. 193; GONÇALVES, 1992, p. 111-112).
Aroldo Plínio Gonçalves, em sua obra Técnica Processual e Teoria do Processo assim
salientou:
Como foi exposto, FAZZALARI caracterizou os provimentos como atos
imperativos do Estado, emanados dos órgãos que exercem o poder, nas funções
legislativa, administrativa ou jurisdicional. O procedimento, como atividade
preparatória do provimento, possui sua estrutura constituída da seqüência de normas,
atos e posições subjetivas, em uma determinada conexão, em que o cumprimento de
uma norma da seqüência é pressuposto da incidência de outra norma e da validade
do ato nela previsto. (GONÇALVES, 1992, p. 111-112).
Sendo assim, verifica-se que a função jurisdicional somente se concretiza dentro da
moderna e inafastável estrutura constitucionalizada do processo, e a declaração do Estado,
decorrente do poder de cumprir o dever de prestá-la, quando e se provocado por qualquer um
do povo ou por qualquer órgão estatal, inserida na decisão, sentença ou provimento ali
prolatado, jamais será um ato isolado ou onipotente do órgão jurisdicional, criando direitos a
90
seu bel prazer, fundado em fórmulas inconstitucionais e antidemocráticas do livre arbítrio ou
prudente critério do juiz.83 Ao contrário, será resultado lógico de uma atividade realizada com
a obrigatória participação em contraditório dos interessados que suportarão seus efeitos.
O exercício da jurisdição só se viabiliza, pois, dentro de um sistema de proteção dos
direitos fundamentais, que, por meio das garantias processuais constitucionais, assegura aos
jurisdicionados uma justiça efetiva, de acordo com os parâmetros estabelecidos e consagrados
no Estado Democrático de Direito.84
Nessa perspectiva, destaca-se doutrina moderna que vem salientando a importância do
processo como garantia constitucional85 e a necessidade de se adotar um modelo
constitucional do processo em detrimento da percepção do processo como mera sequência de
atos jurídicos coordenados.
Senão veja-se lição renovada de Marcelo Cunha de Araújo:
Em primeiro lugar, inserto no conceito de direito democrático (em sua aplicação ou
justificação), o processo assegura um espaço de participação política a seus sujeitos.
Não se presta, tão somente, ao exercício jurisdicional do Estado. Os cidadãos (no
processo judicial) ou seus representantes (no processo legislativo) utilizam-no para
fim diverso à jurisdição: nesse aspecto, o processo é meio de implemento da
democracia, permitindo uma comunidade de intérpretes do direito. (Aqui o citado
jurista explicita que o processo e a jurisdição são independentes (ARAÚJO, 2003, p.
121).
Hoje o modelo constitucional do processo em vigor no Estado Democrático de Direito
Brasileiro tem como norte princípios e regras constitucionais, dentre os quais se destacam: o
juízo natural, art. 5º, LIII; a ampla defesa e o contraditório, art. 5º, LV; o devido processo
legal do art. 5º, LIV; a fundamentação dos pronunciamentos, art. 93, IX e X; o princípio da
legalidade, art. 5º, II; o livre acesso à justiça, art. 5º, XXXV; o direito ao processo com
83
84
85
Nesse sentido Rosemiro Pereira Leal, quando ressalta que: “É muito comum, nos livros de Direito
Processual, falar-se em livre arbítrio e discricionariedade no exercício da jurisdição quando, atualmente, com
as conquistas históricas de direitos fundamentais incorporadas ao PROCESSO, como instrumentalizador e
legitimador da Jurisdição, a atividade jurisdicional não é mais um comportamento pessoal e idiossincrásico
do juiz, mas uma estrutura procedimentalizadora de atos jurídicos seqüenciais a que se obriga o órgão
jurisdicional pelo controle que lhe impõe a norma processual, legitimando-o ao PROCESSO. Portanto, não
há para o órgão jurisdicional qualquer folga de conduta subjetiva ou flexibilização de vontade, pelo arbítrio
ou discricionariedade, no exercício da função jurisdicional, porque, a existirem tais hipóteses, quebra-se-ia a
garantia da simétrica paridade dos sujeitos do processo” (LEAL R., 2009a, p. 40).
Aqui se invoca o direito comparado, no dizer de Luigi Paolo Comoglio: “La Constituzione italiana, pur non
rifacendosi in modo diretto a quelmodello di processo ed alle sue origini culturali, sembra in grado, almeno a
prima vista, si sodisfare i requsiti minimi di um ‘processo equo e giusto” (COMOGLIO, 1998, p. 110).
Cf. Ítalo Andolina: “Um fenômeno peculiar do nosso tempo é a progressiva dilatação da área da tutela
jurisdicional, como conseqüência direta da solidificação e da difusão do regime democrático portanto do
sistema de garantias” (ANDOLlNA, 1997, p. 63).
91
duração razoável sem dilações indevidas, art. 5º, LXXVIII; o direito ao tribunal préconstituído, art. 5º, XXXVII e LIII; e os art. 133 e 134, que garantem o direito a advogado e
defensor público, respectivamente, todos do diploma constitucional (DIAS, 2007, p. 229).
Mister destacar, ainda, que o processo constitucional, entendido como garantia
constitucional, consolida-se nas Constituições do século XX através da consagração de
princípios de direito processual, que, por sua vez, concretizam-se através das garantias
processuais e efetivam-se pelo reconhecimento do princípio da Supremacia da Constituição
sobre as normas processuais, já que é no corpo da Constituição que estão assegurados os
direitos fundamentais das partes86, outorgando-lhes oportunidade razoável para se defender e
fazer valer suas provas.
Essas noções também foram traçadas pela Teoria Geral do Processo Constitucional,
partindo das concepções adotadas pelo mexicano Héctor Fix-Zamudio e também seguidas por
Eduardo Juan Couture, bem como no Brasil, pelo saudoso Professor José Alfredo de Oliveira
Baracho (1999, p. 89).
Nesse contexto, pode-se dizer que os princípios do devido processo legal87, da defesa
em juízo e do devido acesso à justiça foram elevados à categoria de dispositivos
internacionais com a Declaração dos Direitos do Homem (BARACHO, 1999, p. 106).
Ora, se o princípio do “acesso à justiça” representa a ideia de que o Judiciário
encontra-se aberto à apreciação de quaisquer situações de “ameaças ou lesões a direito”, o
princípio do devido processo legal, por sua vez, indica as condições mínimas para que se
desenvolva o processo, isto é, o método de atuação do Estado-Juiz para lidar com a afirmação
de uma situação de ameaça ou lesão a direito, em adequação aos valores impostos pela
própria Constituição da República (BUENO, 2008, p. 104).
A função jurisdicional do Estado Democrático de Direito não é atividade beneficente,
de caridade, mas poder-dever do Estado, sendo, pois, direito fundamental de qualquer um do
povo e também dos próprios órgãos estatais, de forma eficiente e adequada, pela garantia do
devido processo constitucional (DIAS, 2004, p. 93).
86
87
Citando trecho da obra de Álvaro Ricardo de Souza Cruz: “É consensual numa democracia que a tutela dos
direitos fundamentais seja a base para a sua sustentação” (CRUZ, 2001, p. 206).
Mister salientar que atualmente alguns pensadores do Direito vêm sugerindo utilizar no lugar da terminologia
devido processo legal, o uso da expressão devido processo constitucional, já que no modelo de Estado
Democrático de Direito brasileiro deve-se partir sempre da Constituição, e, não, da lei (BUENO, 2008, p.
106).
92
É através do processo constitucional que o povo assegura o seu direito à jurisdição,
com respeito aos institutos consagrados no diploma constitucional, não se podendo, em nome
de uma suposta celeridade, acatar uma pilha de reformas que tragam prejuízo às garantias
constitucionais.
Ao contrário, o legislador deve sempre ter em mente a necessidade de uma análise
profunda dos instrumentos do processo constitucional, porque só através do seu
aprimoramento e eficiência é que podem se tornar eficazes os direitos fundamentais88, que
reclamam por interpretações modernas e soluções urgentes.
Nesse sentido, só através de uma atividade interpretativa do julgador atrelada ao
processo constitucional, em que indispensável a motivação do provimento jurisdicional que é
a base para todas as decisões judiciais, que alcançar-se-á uma atividade jurisdicional efetiva.
É que “a obrigação constitucional da motivação é condição mínima de efetividade do
princípio da legalidade da atividade jurisdicional”, sabendo-se que “a obrigação constitucional
da motivação é subsidiária do dever jurisdicional da sujeição à lei” (CINTRA; GRINOVER;
DINAMARCO, 1974, p. 230).
Sem motivação, a decisão torna-se nula dentro do atual Estado Democrático de
Direito, como preceitua o art. 93, IX, do diploma constitucional, o que deve ser evitado pelos
julgadores, sob pena, inclusive, de terem que arcar com os ônus de eventuais prejuízos
causados aos jurisdicionados, ao tomarem “as nuvens do erro pelo céu da verdade” (HEGEL,
1985, p. 41).
As partes têm o direito de conhecer os motivos da decisão para poderem recorrer da
mesma e, antes de tudo, “para permitir o controle da atividade jurisdicional”, pois é através
desses motivos que se irá demonstrar a “correção e a justiça da decisão sobre direitos da
cidadania” (BARACHO, 1999, p. 97).
Na hipótese apresentada pelo estudo presente, o advogado, tem o direito de saber qual
o parâmetro utilizado para a fixação dos honorários sucumbenciais, ainda que tenha sido
88
Aqui se destacam considerações - de Virgílio Afonso da Silva sobre o assunto: “Como se sabe, ainda que
com relativizações, os direitos fundamentais foram concebidos como direitos cujos efeitos se produzem na
relação entre o Estado e os particulares. Essa visão limitada provou-se rapidamente insuficiente, pois se
percebeu que, sobretudo em países democráticos, nem sempre é o Estado que significa a maior ameaça aos
particulares, mas sim outros particulares, especialmente aqueles dotados de algum poder social ou
econômico. Por diversos motivos, no entanto, é impossível simplesmente transportar a racionalidade e a
forma de aplicação dos direitos fundamentais da relação Estado-particulares para a relação particularesparticulares, especialmente porque, no primeiro caso, apenas uma das partes envolvidas é titular de direitos
fundamentais, enquanto que, no segundo caso, ambas são” (SILVA, 2004, p. 18).
93
utilizado o critério da equidade, que não isenta o julgador de apresentar a fundamentação
detalhada dos motivos que o levaram àquele arbitramento.
É que, em muitas vezes, as decisões judiciais no tocante ao arbitramento de honorários
advocatícios não levam em consideração a livre flutuação de temas e de contribuições, de
informações e de argumentos na formação falível da vontade, que é a base encontrada no
estado procedimental para permitir a construção da legitimidade (NUNES, 2006, p. 139).
Ademais, não se pode privilegiar o ideal monológico que assegura ao juiz um
“privilégio cognitivo” (HABERMAS, 1997, t. I, p. 276) no procedimento de decisão judicial.
Dierle José Coelho Nunes, citando Jürgen Habermas, fornece esclarecimento nesse sentido:
Assim, a partir de Habermas percebe-se que a estruturação e a análise do processo
democrático passa pela adoção de uma visão policêntrica que não se pode, nem
deve, privilegiar nenhum dos sujeitos processuais. Nem as partes (processo como
coisa das partes) como no processo liberal, nem o juiz como no processo social.
(NUNES, 2006, p. 142).
Nesse diapasão, Dierle José Coelho Nunes alerta ainda que:
Deve haver uma articulação dialógica da técnica processual seguindo os comandos
institutivos da principiologia processual constitucional que não reduza o papel
institucional nem dos juízes e nem das partes (e seus advogados). (NUNES, 2006, p.
142).
Caso contrário, como está a ocorrer na prática em certas decisões, serão as mesmas
desprovidas de motivação e passíveis de revisão, dado a evidenciada nulidade do julgado.
Lembrando, ainda, que, acaso fique demonstrado caráter arbitrário do julgador que cause
lesão ao direito do advogado, poderá o Estado, ou mesmo o próprio julgador, ser
responsabilizado pelo equívoco cometido na decisão proferida, no esteio da tese de Ronaldo
Brêtas de Carvalho Dias (2004) e conforme será exposto no item seguinte.
Por derradeiro, é de se ressaltar, também, conforme enfatiza Yussef Said Cahali (1997,
p. 19), que o provimento em relação aos honorários advocatícios “não representa decisão de
valor inferior àquele que aprecia a pretensão principal deduzida; reclama-se no apreciá-lo,
pelo menos semelhante rigor ao da indagação para um juízo de mérito”.
No esteio do que se está a apregoar, é de se enfatizar entendimento de Pajardi, citado
por Yussef Said Cahali, no seguinte sentido:
Proprio qui si annida Il pericolo, nella omissione o nella superficialitá della difessa e
nella omissione o nella superficialità della decisione relativa alle spese ad ai danni.
Ma si impone uma giusta e rigorosa reazione. Nom solo perchè sul piano dei valori,
si tratta comunque e sempre di attuare La giustizia del porcesso e quindi di misurare
94
giuridicamente ed economicamente Il valore del turbamento dell’ordinamento
giuridico, ma anche perché La pronuncia comporta anch’essa, in fondo, uma
deliberazione di reponsabilità nell’an e nel quantum, Del tutto análoga, e direi
concettualmente idêntica a quella agitata nel mérito della controvérsia. (PAJARDI,
1959, p. 255 apud CAHALI, 1997, p. 19).
5.4 A responsabilização do Estado pelas decisões judiciais arbitrárias
No item presente, impõem-se necessárias algumas considerações sobre a importância
da função jurisdicional, motivo pelo qual, caso o jurisdicionado venha a sofrer prejuízo em
virtude da má aplicação da lei pelo Estado, através da desídia dos julgadores, na aplicação da
lei ao caso concreto, ao deixar de lado pilares indispensáveis para uma processualidade
democrática, poderá o mesmo recorrer novamente ao Estado, agora para se ver ressarcido
pelos danos sofridos.
Uma breve análise histórica relata registros da “evolução” do Estado, começando por
sua criação (Estado primitivo), passando pela ideologia do Estado Liberal, no qual se
procurava dar à burguesia uma “liberdade” praticamente total, calcada nos princípios da
igualdade, da liberdade e da propriedade, passando a seguir para o Estado Social, chamado de
welfare state, ou estado do bem-estar social, que sepultou o Estado Liberal e fez nascer a
preocupação com os direitos sociais. Após esse percurso, chega-se finalmente ao atual e tão
proclamado Estado Democrático de Direito, construído a partir de pilares como soberania
popular, cidadania e democracia, e tendo como uma de suas preocupações a efetividade dos
direitos e das garantias fundamentais do indivíduo.
Em uma nação compreendida como “civilizada”, deve-se valer do processo para
dirimir eventuais conflitos que emergirem no seio social e restaurar a paz e a harmonia que se
viram perturbadas a partir do conflito, com o objetivo de restaurar o status quo ante. Pensouse, assim, na figura de alguém que se colocasse entre as partes conflitantes, mas que,
posicionando-se, ao mesmo tempo, acima delas, não estivesse envolvido no conflito nem
estivesse interessado numa solução específica para o mesmo, mostrando-se totalmente
imparcial. Esse alguém se tornou o próprio Estado, o qual avocou para si a responsabilidade
de pacificar os conflitos, passando a ter, ao mesmo tempo, a obrigação de resolvê-los
(poder-dever), uma vez que retirou do particular a faculdade de fazer justiça com as próprias
mãos.
95
Por ser o Estado uma ficção jurídica, nós o encontramos personificado na figura do
juiz (Estado-Juiz). Assim, em sendo provocado, o Estado soluciona o conflito de interesses,
em caráter definitivo, aplicando as normas jurídicas previstas em abstrato (na lei) ao caso
concreto e fazendo com que os jurisdicionados cumpram tal decisão (submetendo-se a ela).
Com a solução definitiva do conflito de interesses, restaurada está a paz e a ordem sociais. Eis
aí a sua função estatal pacificadora.
O processualista e Desembargador Federal Arruda Alvim, em conferência proferida
em Belo Horizonte, afirmou ser o processo repositório de angústias e tragédias, mas, também,
de esperanças, que só podem ser supridas pela correta aplicação da justiça, sendo o mesmo, na
lição de Giuseppe Chiovenda, a mais importante concepção do homem civilizado para a
solução de conflitos.
O Estado substitui-se aos litigantes, encarregando-se de resolver os conflitos que os
envolvem, evitando-se, assim, o caos decorrente da falta de razoabilidade e de
proporcionalidade comuns no uso da força privada, anteriormente levada a efeito para a
solução das diferenças, devendo o processo ser analisado com grande respeito, tanto pelo
jurisdicionado, que tem seus direitos violados ou, ao menos, ameaçados de lesão, como pelos
operadores do Direito.
Relembra-se, neste ponto, a “divisão” do Poder Estatal, que é uno e indivisível, mas
que, por questão de didática e organização, apresenta-se composto por três funções
nitidamente distintas: a legislativa (precipuamente destinada à elaboração de leis, atuando
diante de hipóteses em abstrato, criando normas aplicáveis a fatos futuros); a executiva ou
administrativa (função ligada à gestão da coisa - res - pública, que originariamente sempre
coube ao Estado e que é essencial à sua manutenção, através da aplicação das leis elaboradas
pelo Legislativo e da prática de atos que obedeçam a critérios como discricionariedade,
conveniência, urgência etc. da Administração Pública, passíveis de revogação, modificação,
convalidação entre outros) e a jurisdicional (que compete ao Poder Judiciário: função através
da qual o Estado, valendo-se da figura do juiz, uma vez que chamou para si o poder-dever de
prestar a tutela jurisdicional, fazendo-se substituir ao particular, põe um fim definitivo ao
conflito de interesses; portanto, tal função diz respeito à subsunção de fatos já ocorridos à
norma - aplicação da lei prevista em abstrato ao caso concreto -, no intuito de restabelecer o
status quo ante e, via de consequência, tornar efetiva a pacificação social).
O Professor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias elucida:
96
Essas funções, segundo enfoque de Jorge Miranda, devem ser compreendidas como
atividades do Estado que traduzem manifestações específicas do exercício do poder
político, ou seja, um complexo ordenado de atos que o Estado desenvolve, por meio
de seus órgãos e agentes, visando à realização das tarefas e incumbências que lhe
cabem, impostas pela Constituição e pelas leis editadas, componentes do
ordenamento jurídico.
Em princípio, como vislumbra Carré de Malberg, o poder do Estado é uno e as
funções decorrentes do exercício desse poder são as formas pelas quais a atividade
dominadora do estado se manifesta sobre as pessoas. Bem por isso, anota Canotilho
que, na literatura juspublicística atual, a expressão função do Estado aflora nos
textos jurídicos com o sentido de ‘atividade’ ou de ‘exercício de poder’.
Vale mencionar que essas três funções fundamentais atribuídas ao Estado, como
observou Kelsen, em concepção teórica atual ─ legislação, administração (incluindo
a governação) e jurisdição ─ são todas funções jurídicas do Estado, seja porque
assim consideradas no sentido estrito de funções de criação e aplicação do direito,
seja porque reputadas funções jurídicas em sentido mais amplo, nas quais se inclui a
função precípua do Estado de permanente observância do direito.
De fato, se todas as funções do Estado são regidas por normas de direito,
notadamente pelas normas constitucionais, a conclusão a que se chega, trilhando-se
o raciocínio lógico de Jorge Miranda, é a de que, então, ‘todas as funções do Estado
e todos os actos em que se desdobram não podem deixar de ser funções jurídicas’,
afinal de contas, impossível conceber-se qualquer atividade do Estado à margem do
direito.
Essas formulações teóricas acerca das funções jurídicas do Estado vêm sendo
desenvolvidas e sustentadas pela esmagadora maioria dos mais renomados
publicistas, em substituição à teoria da separação ou tripartição dos poderes estatais
─ Poder Executivo, Poder Legislativo e Pode Judiciário. Essa teoria é atribuída com
alguma deturpação de seu enfoque original a Montesquieu, o qual, por sua vez,
inspirou-se nas idéias de Locke. Porém, de certa forma, aquela teoria deturpada
restou revisada pelas manifestações doutrinárias dos últimos cem anos, por sugerir a
idéia de fragmentação ou divisão do poder e de fracionamento da soberania do
estado. Tal aspecto suscitou a moderna posição doutrinária tendente à substituição
da expressão separação dos poderes do Estado pela locução separação das funções
do Estado. (DIAS, 2004, p. 66).
Entendemos necessário destacar algumas noções sobre a função jurisdicional:
[...] é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos
interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os
envolve, com justiça. [...] essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do
direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o
Estado desempenha essa função sempre mediante o processo. (CINTRA;
GRINOVER; DINAMARCO, 1974, p. 145).
Verifica-se, assim, que um conceito só será adequado se tomar por base a concepção
de Chiovenda. É com base nessa premissa que conceituamos a função jurisdicional
como a função do Estado de atuar a vontade concreta do direito objetivo, seja
afirmando-a, seja realizando-a praticamente, seja assegurando a efetividade de sua
afirmação ou de sua realização prática. CÂMARA, 2009, v. 1, p. 72).
Pode-se dizer que a função jurisdicional ou jurisdição, na noção de Ronaldo Brêtas de
Carvalho Dias, à qual aqui se reporta:
97
é atividade-dever do Estado, prestada pelos seus órgãos competentes, indicados na
Constituição, somente possível de ser exercida sob petição da parte interessada
(direito de ação) e mediante a garantia do devido processo constitucional, ou seja,
por meio de processo instaurado e desenvolvido em forma obediente aos princípios e
regras constitucionais. (DIAS, 2004, p. 84).
A função jurisdicional é a atividade exercida pelo Estado, através da qual presta a
tutela jurisdicional, dirimindo o conflito de interesses ao “dizer com quem está o direito”,
“com quem está a razão” e, para isso, aplicando a lei prevista em abstrato ao caso concreto.
Para alguns autores, a jurisdição é ao mesmo tempo poder, função e atividade. Outros
ressaltam, ainda, seu caráter substitutivo, tendo em vista o fato de o Estado fazer-se substituir
ao particular.
Francisco Wildo Lacerda Dantas explica:
Do conceito anteriormente formulado se extrai o tríplice aspecto com que se
apresenta a jurisdição: poder, ação e processo.
Na obra conjunta de ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO CARLOS DE
ARAÚJO CINTRA e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, se reconhece que a
jurisdição é, ao mesmo tempo, um poder, uma função e uma atividade. Também
VICENTE GRECO FILHO põe em ressalto esse tríplice aspecto da jurisdição, ao
assinalar:
‘A jurisdição é, em primeiro lugar, um poder, porque atua cogentemente como
manifestação da potestade do Estado e o faz definitivamente em face das partes em
conflito; é também uma função, porque cumpre a finalidade de fazer valer a ordem
jurídica posta em dúvida em virtude de uma pretensão resistida; e, ainda, é uma
atividade, consistente numa série de atos e manifestações externas de declaração do
direito de concretização de obrigações consagradas num título’. (DANTAS, 2007, p.
265).
Todavia, em nossa concepção, a despeito de divergência doutrinária, acatamos a tese
de que a natureza jurídica da jurisdição é de função, conforme destacado acima.
O Estado, então, uma vez provocado, sai da sua inércia e avoca para si a
responsabilidade pela função jurisdicional. E essa função jurisdicional não pode ser exercida
de qualquer forma; deve se ater sempre aos princípios informativos do processo, sob pena de
não ser prestada de maneira devida.
Têm-se como princípios fundamentais para o desenvolvimento regular do processo,
além do princípio do devido processo legal, os dele decorrentes, do contraditório e ampla
defesa, bem como o da reserva legal, da fundamentação das decisões, da duração razoável do
processo, ou do procedimento, como entendem alguns, dentre outros.
Mais uma vez, cumpre-nos destacar a importância do princípio da motivação das
decisões, previsto no art. 93, IX, do diploma constitucional, complementado pelos art. 128 e
98
460 do CPC, para a evolução do estudo presente.
É que ao se examinar a construção do provimento pelo magistrado, como salientado
reiteradas vezes ao longo deste trabalho, deve-se verificar com parcimônia a possibilidade de
utilização de arbítrio pelo decisor para que a mesma não se traduza em aberrações jurídicas,
por assim dizer.
Assim, caberá ao juiz interpretar o ordenamento jurídico em conjunto com as questões
de fato atinentes à causa, possibilitando às partes titulares de interesses contrapostos um
debate participado a ser apreciado quando da construção do provimento. A legislação é,
portanto, o ponto de partida que deverá orientar o juiz no processo de interpretação, que não
se reduz à mera declaração de lei.
No estudo presente, é de se verificar que a flexibilidade gerada pela possibilidade
de uma apreciação equitativa quando do arbitramento dos honorários judiciais não pode
ser confundida com modicidade, uma vez que como apontado no terceiro capítulo, não
dispensa a consideração dos critérios das alíneas “a”, “b” e “c” do § 3º do art. 20 do CPC,
quais sejam o grau do zelo profissional; o lugar da prestação de serviços; a natureza e a
importância da causa; o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu
serviço.
Sendo assim, o juiz ao fixar os honorários de sucumbência, mesmo que nas causas de
pequeno valor ou em que for vencida a Fazenda Pública, estará adstrito aos critérios
apontados acima, e não devem nunca ser fixados, tais honorários, em valores menores do que
aqueles referidos nos patamares legais.
Nesse sentido, apresenta-se julgado recente, datado de 21.01.11, em que o Tribunal de
Justiça Militar, na apreciação da apelação cível n. 836, proveniente do processo n. 000336523.2009.913.0003, de relatoria do Juiz Fernando Armando Ribeiro:
Todavia, penso que o desiderato normativo da Constituição da República de elevar a
advocacia a elemento indispensável à realização da Justiça deve sempre ser levado
em consideração quando da fixação dos honorários a serem pagos aos postulantes
desta nobre profissão, sobretudo quando se considera a existência de patamares
mínimos fixados pela entidade de classe representativa da categoria: a respeitável
Ordem dos Advogados do Brasil. Estou certo de que tal valor deve ser sempre
fixado em vista do grau de labor exigido pela causa. Mas penso também que toda
causa possui dificuldades intrínsecas e que o valor de honorários não deve nunca
ficar aquém dos patamares legitimamente estipulados. (MINAS GERAIS, 2011).
Todavia, não é isso que se está a observar na praxe do cotidiano forense por muitos
magistrados, que, em flagrante ofensa ao princípio constitucional da fundamentação das
99
decisões, não trazem no bojo de seus provimentos qualquer motivação em relação aos
critérios e patamares que devem ser utilizados para essa fixação.
O absurdo chega a tanto, que, em certa feita um advogado domiciliado no Rio Grande
do Sul chegou a doar o valor estabelecido por certo magistrado a título de sucumbência para
que se comprasse papel higiênico para o fórum local. Tal ato de protesto por certo quis trazer
à comunidade o seu sentimento de indignação pelo modo aviltante com que fora tratado, em
total desprestígio para a classe dos advogados (ADVOGADO ..., 2006).
Nesse aspecto, aponta-se que se está a enfocar que haja responsabilização pelos
julgadores quando demonstrado dolo ou culpa na sua atuação defeituosa, na espécie, em
relação à fixação indevida de honorários sucumbenciais, em ofensa aos princípios instituintes
da decisão, conforme demonstrado acima, fixação indevida esta que certamente gerará um
prejuízo ao advogado, o qual terá ofendida uma de suas prerrogativas fundamentais.
Importante salientar que, no contexto atual democrático, não se pode mais acatar a
superada teoria da irresponsabilidade do Estado pela função jurisdicional, que possui
fundamentos inconsistentes, destacando-se como principais a soberania do Poder Judiciário; a
autoridade da coisa julgada; a falibilidade humana; a independência dos juízes e a ausência de
texto legal expresso em contrário.
Existe no ordenamento jurídico fundamento para essa responsabilização, com ênfase
para os art. 37, § 6º da CRFB e o art. 43 do Código Civil Brasileiro, de acordo com os quais
as pessoas jurídicas de direito público interno são responsáveis pelos atos praticados por seus
agentes, assegurado o direito de regresso, desde que haja dolo ou culpa do órgão julgador
causador do dano.
Sendo assim, uma vez demonstrado o erro na atuação do magistrado, a existência de
prejuízos e a demonstração de que os prejuízos foram decorrência da atuação daquele, com
demonstração de nexo de causalidade entre eles, pode sim haver a referida responsabilização.
Ora, conforme salientado no segundo capítulo, se o advogado pode ser
responsabilizado quando da prestação de serviços advocatícios, com sanções administrativas,
a serem aplicadas pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, sanções civis, previstas no art.
186 e 187 do Novo Código Civil Brasileiro e até mesmo sanções penais, quando os atos
praticados estiverem tipificados, por óbvio não há que se excluir possibilidade de
responsabilização para os magistrados quando preenchidos os requisitos destacados no
parágrafo anterior.
100
No estudo presente, os magistrados, quando deixam de apreciar equitativamente os
critérios estabelecidos em lei, distanciando-se daqueles parâmetros objetivos quando do
arbitramento dos honorários sucumbenciais, sem possibilitar às partes uma construção
participada do provimento, estão assumindo o risco de uma futura responsabilização,
principalmente em casos nos quais reste verificada a aplicação de valores absurdos a título de
sucumbência.
101
6 CONCLUSÃO
Na pesquisa realizada fez-se uma análise sistemática do art. 20 do CPC, com
abordagem precípua em relação aos § 3º e 4º, a fim de verificar se os provimentos
jurisdicionais que fixam com base na equidade os honorários advocatícios, nos termos do
referido artigo, estão inseridos na teoria da processualidade democrática.
Na análise do referido problema foram consideradas as seguintes hipóteses,
observadas diante da atual sistemática processual, cujas bases - Escola Instrumentalista
elaborada por Oskar von Bülow - conferem ao juiz o “poder” de usar a equidade no
arbitramento dos honorários advocatícios, conforme estabelecido no art. 20, § 4º do Código de
Processo Civil:
a) A falta de observância pelos magistrados, dos limites para a fixação dos honorários
sucumbenciais, quando se utilizam do juízo de equidade, abre margem a interpretações
diversas, geradas por uma série de subjetivismos, tais como, a odiosa “lógica do
razoável”.
b) A exacerbação dos poderes conferidos aos magistrados para efetivarem as decisões que
proferirem, mesmo à margem de uma processualidade democrática, é assegurada pela
atual sistemática processual corroborada pelo CPC de 1973.
c) Os provimentos jurisdicionais construídos sem o respeito aos princípios instituintes do
Estado Democrático de Direito, tais como o da reserva legal, do contraditório, da
fundamentação, da razoabilidade e da publicidade não foram repelidos do ordenamento
jurídico brasileiro, apesar de serem constantemente criticados.
d) A legislação processual específica ainda não estabeleceu novas regras, com parâmetros
mais acentuados, a fim de se evitar decisões ilegítimas dissociadas do sistema processual
democrático, sob pena de o Estado ser responsabilizado pelo exercício da função
jurisdicional com direito de regresso face aos referidos magistrados, que podem ser
responsabilizados, pessoalmente, pelos prejuízos causados aos advogados.
Verifica-se, pois, através do estudo realizado que, atualmente, ainda se encontra no
ordenamento jurídico brasileiro um grande número de decisões que fixam honorários
advocatícios em valores ínfimos, com base no uso de juízo de equidade entendido
equivocadamente como arbitrariedade, desvalorizando o trabalho do advogado, em flagrante
102
ofensa à dignidade de sua profissão.
A partir dessas decisões arbitrárias, em face de descumprimento de legislação
processual e da Constituição da República, verifica-se a imprescindibilidade de uma maior
limitação em face da discricionariedade judicial, que deve ser realizada através de um
discurso de adequação em face de um juízo de ponderação, de modo a assegurar ao advogado
a implementação de sua prerrogativa de recebimento de honorários sucumbenciais, em face de
sua atuação no processo.
A análise por mais de um raciocínio epistemológico e a constatação científica das
formas técnicas de construção participada das decisões judiciais no que tange às fixações dos
honorários advocatícios são de fundamental importância para que se assegure o direito
fundamental, também aos advogados, a uma decisão legítima, livre de arbítrios desmotivados.
Nesse sentido, a importância de os julgadores observarem com parcimônia os
parâmetros da legislação pertinente, na hipótese as alíneas do § 3º e o § 4º do art. 20 do CPC,
para fixar honorários advocatícios, fundamentando as decisões com expressa manifestação
dos referidos itens do § 3º, quais sejam, o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do
serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo
exigido para o seu serviço, mesmo ao julgar com base na equidade do § 4º do referido
dispositivo presente no Código de Processo Civil, que dispõe:
Art. 20 [...]
§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não
houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções embargadas
ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz
A compatibilização da correção da decisão jurisdicional com o Estado Democrático de
Direito passa hoje, sobretudo, pelos fundamentos da decisão. É que, diante dos novos vetores
da racionalidade jurídica, não mais se revela aceitável a presunção da razoabilidade dos
provimentos jurisdicionais. Estes devem trazer à luz do dia e explicitamente os argumentos
que os motivaram sob pena de infração ao preceito fundamental insculpido no art. 93,
parágrafo 6º da Constituição da República. E não se deve jamais esquecer que tais
fundamentos não podem mais ser de outra ordem que não jurídico-normativa (aí
evidentemente incluídos os princípios). A proclamada autopoiese do Direito moderno exige
que não possa mais o magistrado lançar mão de argumentos particularistas, sejam de que
ordem for como escólio de sua decisão.
Como se procurou demonstrar, não se está com isso a retomar teses positivistas que
103
pressupunham a interpretação silogística. Não! Ao contrário, o que se exige do juiz
contemporâneo é um acurado estudo e atenção para poder buscar e concretizar a justiça ou
integridade do sistema. Uma vez que não mais se concebe a autonomia semântica de nenhum
texto, sabe-se que a saída não há de ser nunca pelo silogismo (aos moldes da Escola da
Exegese). Todavia, em tempos de democracia radical, tampouco se pode aceitar os ditames
estatais por seu simples caráter autoritativo, devendo, pois, ser revista a discricionariedade.
Onde, porém, encontra lugar a equidade? A nosso ver ela deve ser encarada justamente
como um chamado de atenção do julgador para a singularidade insubstituível do caso
concreto. É uma convocação a que se torne redobrada atenção para com todas as
particularidades e sutilezas que contornam dado fato juridicamente problematizado, para que
se possa buscar para ele a melhor resposta, aquela que melhor traduza os anseios de justiça, os
quais, em nossos dias podem ser compreendidos como anseios de mais adequada aplicação
dos princípios que conformam o sistema. No caso dos honorários advocatícios, tal situação
parece estar particularmente evidenciada, exigindo o sistema rígida observância das
circunstâncias factuais à luz dos requisitos normativamente estipulados.
Mais ainda, conforme destacado ao longo de todo este trabalho, não basta que o juiz se
manifeste somente com observância aos requisitos objetivos citados acima. É igualmente
preciso que ele possibilite, ao longo da construção do provimento, que sejam implementados
efetivamente os princípios institutivos do processo, tais como o contraditório, ampla defesa e
isonomia, quando da aplicação desses critérios, que apresentam em certa medida necessária
adequação de caráter subjetivo.
Sendo assim, há que se promover uma releitura do art. 20, § 3º e § 4º do Código de
Processo Civil, em face do devido processo constitucional, bem como em consonância com o
art. 133 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB); uma vez que não
pode o juiz, deixar de observar a lei para julgar com base em subjetivismos sem qualquer
fundamentação, valendo-se da possibilidade do uso da equidade como justificativa para
arbitrariedade no uso desse poder discricionário.
Nesse sentido, se os magistrados continuarem a se negar a adotar os parâmetros
apontados pelo § 3º ao aplicar o § 4º do art. 20 do CPC, os advogados continuarão compelidos
a entrar com recursos para si próprios, pela ofensa aos seus direitos correlatos, depois de
defenderem os interesses da parte.
Utilizando-se de parâmetros equivocados, sem observância aos critérios estabelecidos
pelo art. 20 e § 3º do Código de Processo Civil, quando da fixação dos honorários
104
advocatícios, os magistrados do país, por várias vezes, não estão fixando os mesmos de
acordo com os valores mínimos estabelecidos pela tabela da Ordem dos Advogados do Brasil,
em flagrante ofensa à dignidade do profissional advogado, o que, de outro lado, não se
verifica em relação aos outros profissionais liberais auxiliares do juízo, como os peritos, por
exemplo.
Conforme julgados apresentados ao longo deste estudo, verifica-se que o próprio
Superior Tribunal de Justiça já está a rever várias dessas decisões, basicamente em virtude das
questões apontadas ao longo do trabalho, o que corrobora as assertivas apresentadas.
Todavia, a despeito dessas revisões, ainda existe uma série de julgados daquele
Tribunal Superior que alega impossibilidade de revisão da fixação dos honorários
sucumbenciais, em virtude de incidência da Súmula nº 7, que proíbe a apreciação de matéria
fático-probatória em sede de recurso especial.
De qualquer forma, o mesmo apresenta evolução nesse sentido, ao afirmar que quando
verificada fixação com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC de honorários advocatícios em valores
irrisórios ou exagerados, é possível que haja revisão desses valores, pelo princípio da
proporcionalidade, o que se traduz em matéria de direito, sem prévia necessidade de se
abordar matéria fática.
O que se espera é que os magistrados ao interpretarem a referida legislação, façam-no
da maneira devida, sem confundir a equidade considerada nos ultrapassados Estados Social e
Liberal, ou mesmo utilizando-se do instituto da equidade para justificar arbitrariedade quando
do uso de juízo de ponderação na fixação dos honorários advocatícios, o que, além de
desprestigiar a valorosa classe dos advogados, indispensáveis à administração da justiça, pode
ensejar necessidade de ulterior responsabilização dos magistrados pela utilização indevida da
atividade jurisdicional, enfatizada pela exacerbação de poderes, gerando, pois, prejuízos ao
causídico.
Caso contrário, estar-se-á a apoiar decisões desprovidas de fundamentação, sem
observância a uma construção participada do provimento, através do debate em torno dos
parâmetros legais pré-estabelecidos e ao princípio da proporcionalidade, o que não se pode
admitir em um Estado Democrático de Direito.
Ora, a publicidade e o dever de motivação são indispensáveis para o controle da
atividade dos órgãos jurisdicionais face à falibilidade humana dos juízes, bem como a
indispensável transparência das decisões. Todavia, a motivação entendida como garantia, no
105
esteio da moderna doutrina processual, deve se fundar na lei, sob pena de se tornar nula.
É que, dentro da perspectiva de uma processualidade democrática, não se admite outra
interpretação pelos magistrados, que não aquela em que o mesmo indique as razões de seu
convencimento face ao contraditório observado ao longo do iter procedimental, o que nos
impulsionaria a defender em última instância, a exclusão da hipótese de apreciação equitativa
do § 4º do art. 20 do CPC, uma vez que não se está a aplicá-la devidamente em face do
ordenamento jurídico atual.
Merece destaque ainda, que, no esteio das considerações aqui apresentadas, o Projeto
do novo CPC demonstra flagrante preocupação em relação ao dever de motivação das
decisões, ao enfatizar a importância de o juiz estar atento e diligente ao fundamentar seus
respectivos atos decisórios.
Frise-se, por fim, que não foi objeto deste trabalho dura crítica a atuação dos
magistrados em caráter geral. Muito pelo contrário, o que se pretendeu foi dar maior enfoque
a aplicação equivocada que muitos julgadores estão a fazer do instituto da equidade para fixar
valores de honorários advocatícios dissociados de quaisquer parâmetros legais objetivos e
desprovidos de qualquer fundamentação.
106
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Carolina Fagundes Cândido - Pontificia Universidade Catolica de