PARTE 5 NEUROCIÊNCIA DAS FUNÇÕES MENTAIS Capítulo 17 Às Portas da Percepção As Bases Neurais da Percepção e da Atenção Clique nas setas verdes para avançar/voltar ou ESC para retornar ao menu geral As áreas corticais envolvidas com a percepção (sombreadas em verde) são mais amplas e numerosas que as regiões primárias (em bege claro), e fazem parte do chamado “córtex associativo”. As lesões que ocorrem no córtex associativo produzem as agnosias, distúrbios da percepção que atingem a visão, a audição, a sensibilidade a respeito do corpo e do ambiente externo. Os números correspondem à nomenclatura criada por Korbinian Brodmann (1868-1918) para as áreas corticais. Os mapas topográficos sensoriais são encontrados em diferentes regiões do SNC, mas são mais típicos das áreas corticais primárias, como a somestésica (A), a auditiva (B) e a visual (C). Os desenhos de baixo representando as áreas corticais são originais de Brodmann. Em seus autorretratos, o artista documentou a evolução da sua própria síndrome de indiferença, dois meses após o acidente neurológico (A), 3 meses e meio depois (B), 6 meses (C) e 9 meses depois (D). Reproduzido de R. Jung (1974) Psychopatologie Musischer bestaltungen, pp. 29-88. Schaltauer, Alemanha. Segundo a hipótese de Hubel e Wiesel (à esquerda), as propriedades dos neurônios visuais seriam “construídas” pelos neurônios precedentes. Assim, os campos receptores concêntricos do núcleo geniculado lateral (à direita) seriam associados no córtex para gerar os campos alongados simples, e estes por sua vez gerariam os campos complexos seletivos à orientação dos estímulos. Por essa razão, o tamanho dos campos receptores seria cada vez maior na progressão de V1 para as áreas associativas visuais. No teste de busca de Treisman, o sujeito deve dizer se o objeto discrepante (neste exemplo, a letra O azul) está presente ou não. Quando apenas a cor é a característica discrepante (A), a resposta é rápida e independe do número de distratores, como se vê no gráfico à esquerda. Mas quando há duas características discrepantes, cor e forma (B), a resposta vai ficando mais lenta com o acréscimo de distratores (gráfico à direita). Presume-se que o indivíduo precise de mais tempo para decidir porque utiliza dois canais perceptuais, e não um só. Estudando as conexões e a função das diversas áreas visuais do macaco (A), os neurobiólogos puderam identificar duas vias paralelas de processamento, a partir de V1. Na figura, os sulcos do cérebro do macaco estão representados abertos, para facilitar a representação das áreas internas. Embora paralelas, as vias não são independentes, como mostram as conexões que apresentam entre si (B). O esquema em C mostra que o tamanho dos campos receptores dos neurônios vai aumentando a partir de V1 até o córtex inferotemporal. As siglas denotam as abreviaturas das diversas áreas. A neuroimagem por emissão de pósitrons pode detectar as vias paralelas no homem. Neste estudo, o sujeito devia identificar qual dos dois quadrinhos de baixo representa uma rotação do de cima. A imagem correspondente mostrou o aumento do fluxo sanguíneo na via dorsal. Por outro lado, quando o sujeito foi solicitado a identificar qual das duas faces de baixo representa o mesmo menino de cima, a imagem mostrou a via ventral com o fluxo aumentado. Duas importantes teorias da percepção. Acima, as etapas da teoria de David Marr, explicadas no texto. A contribuição de Irving Biederman, pela qual os objetos seriam representados no cérebro por unidades perceptuais simples aprendidas na infância, os geons. Os números em cada um dos objetos à direita indicam a combinação de geons (à esquerda) que permitiria a sua identificação. Em A, você vê antes o vaso de Rubin, ou duas faces frente a frente? Em B, você diria que vê um arco ou um círculo? Em C, você vê colunas verticais ou filas horizontais? E em D: filas horizontais ou colunas verticais? Para os gestaltistas, seu sistema visual não consegue mesmo decidir entre as duas possibilidades em A, e você fica em conflito. Já nos outros casos, a lei do fechamento faz você ver um círculo em B, a lei da proximidade faz você ver colunas em C, e a lei da similaridade faz você ver filas em D. Em experimentos como este, os animais aprendem a pressionar uma alavanca para receber um pouco de suco. Mas só se procederem corretamente: por exemplo, olhando fixamente para o ponto no centro da tela. Enquanto isso, o neurofisiologista projeta estímulos luminosos na tela, e registra a resposta dos neurônios visuais por meio de eletródios implantados no cérebro. A representa os campos receptores típicos (retângulos verdes) de neurônios de V1, V2 e V3 do macaco. Nos experimentos, o microeletródio é posicionado na área a ser estudada, e vai sendo inserido lentamente, passando pelas regiões da superfície cortical, e por aquelas situadas no interior dos sulcos. B representa a organização interna dos campos receptores tal como representada originalmente por Hubel e Wiesel, com setores capazes de provocar o aumento da frequência do neurônio (+++), e outros que provocam o contrário (−−−). Nas regiões associativas, como o córtex inferotemporal, os campos receptores são grandes e os neurônios respondem a estímulos complexos. A ilustra o neurônio de um macaco que responde seletivamente à imagem de uma mão humana espalmada, como se depreende dos histogramas, que representam a frequência de PAs. B representa um outro neurônio, cuja preferência é por imagens da cabeça de outro macaco, posicionada de perfil. C mostra um neurônio registrado no hipocampo de um paciente durante uma cirurgia para epilepsia, capaz de responder a fotos ou ao nome escrito da atriz Julia Roberts (C). Em todos os gráficos, o período de apresentação dos estímulos está assinalado pelo colchete abaixo de cada histograma. O modelo hierárquico não é incompatível com o processamento paralelo da percepção. Na via ventral, por exemplo (em azul no desenho de cima), a cadeia de neurônios “vê” primeiro as características mais simples de um objeto (uma cama “decomposta”), depois as vai associando (da direita para a esquerda, na figura) até que emerja a imagem integral do objeto. Os exames de imagem funcional revelaram os setores do córtex (particularmente no lobo temporal) que participam das diferentes especialidades da percepção. O resultado desses estudos está sumariado na figura. A posição dos ícones à direita pode ser correlacionada com os acidentes anatômicos representados à esquerda. Quando se apresenta a uma pessoa com lesão no lobo temporal esquerdo um painel de objetos como em A, ele não é capaz de nomeá-los verbalmente, mas indica que reconhece cada objeto, colorindo-os (B). A localização das regiões participantes da via dorsal pode ser obtida, por exemplo, solicitando a um indivíduo que imagine os movimentos necessários para utilizar um determinado objeto (uma ferramenta, por exemplo). Quando ele visualiza mentalmente o movimento que faria com a mão direita, a imagem captada pelo aparelho de ressonância magnética indica ativação do córtex parietal posterior esquerdo (em cores), nas imediações do sulco póscentralA. A forte lateralização para o hemisfério esquerdo (E) é típica para imaginação do uso de ferramentas. Desenhos de um paciente com a síndrome de indiferença. O paciente copia apenas o lado direito dos modelos, ignorando quase tudo que está à esquerda. Esquema que ilustra, figurativamente, o efeito flash-lag (EFL) em 4 tempos (t). Uma barra que gira em nosso campo visual, bem como um ponto que surge subitamente, alinhado a ela, são percebidos com atraso em função de latências próprias do processamento neural. Para que uma comparação espacial seja feita entre ambos os estímulos, suas respectivas atividades neurais precisam ser amalgamadas em um único percepto (contorno tracejado amarelo), o que envolveria mecanismos atencionais, tomando um tempo finito. Essa pequena demora seria o suficiente para que a barra em movimento fosse percebida à frente do estímulo estático, conduzindo ao EFL. Quando uma artista toca e um ouvinte escuta (A), seus cérebros reagem ativando em proporções diferentes a via ventral e a via dorsal. A artista pode perceber o som que ela mesma produz, enquanto o ouvinte só escuta a música, embora possa também tamborilar com os dedos, bater os pés ou mover o corpo de acordo com o ritmo. No primeiro caso, as regiões auditivas e as regiões motoras são ativadas quando ele interpreta e ouve o que interpreta (B1); as regiões auditivas são ativadas um pouco menos (B2) quando ele interpreta com obstrução dos ouvidos (i. e., não ouve o som que produz, mas sabe o que está tocando...). Já no ouvinte, o córtex auditivo predomina quando ele apenas escuta (B3), mas o córtex pré-motor cresce quando ele acompanha o ritmo com o corpo (B4). Em um experimento de cronometria mental, a pessoa primeiro presta atenção no ponto de fixação (A), depois no local da tela indicado pela pista direcionadora (seta em B). O foco atencional está representado como um círculo azul. O sujeito responde no teclado logo que o estímulo-alvo aparece (no lado “certo”, como em C, ou no lado “errado”, como em D). O computador mede automaticamente o tempo de reação. O teste de cronometria mental pode ser feito utilizando registros de potenciais relacionados a eventos (N1 e P1). O sujeito fixa o ponto central da tela, e o experimentador projeta o estímuloalvo à esquerda ou à direita, com ou sem uma pista direcionadora projetada previamente. Em A, o estímulo-alvo é projetado no local indicado pela pista. Em B, no local oposto. Os potenciais são sempre maiores quando a pista provoca aumento da atenção do sujeito. Os mapas à esquerda indicam a região cortical em que é maior a diferença do potencial P1 entre a condição “com pista” e a condição “sem pista”. O modelo descritivo de Posner sobre as etapas da atenção. O indivíduo alerta, inicialmente, tem sua atenção atrelada em algo. Subitamente, outra coisa o atrai, isto é, ocorre desatrelamento do alvo inicial, deslocamento do foco atencional e reatrelamento da atenção no novo alvo. Quando a amplitude do potencial relacionado a evento (N1) é medida (acima), verifica-se que ela é maior (traçado vermelho) para estímulos projetados no local previsto (abaixo, à esquerda) que para aqueles projetados no local não previsto (à direita). Neurônios atencionais na área V4 do macaco. O animal fixa o ponto central (cruzinha), mas presta atenção em outra região (círculo) do campo receptor (delineado por um retângulo). Ao mesmo tempo, o pesquisador registra a frequência de PAs de um neurônio a cada projeção dos estímulos (pontinhos vermelhos nos histogramas à direita), tanto o preferencial (barra vertical laranja), como o ineficaz (barra horizontal em amarelo). O neurônio responde fortemente quando o estímulo eficaz é projetado no foco atencional (A), mas responde também (embora menos) quando o estímulo ineficaz é projetado no foco atencional (B). As hipóteses sobre os mecanismos neurais subjacentes à atenção envolvem a percepção seletiva de alguns parâmetros do processamento sensorial. Em um momento inicial antes da focalização da atenção, as vias ascendentes levam a informação sensorial de uma região a outra de nível hierárquico superior (A). Quando ocorre a focalização atencional, as conexões descendentes encarregam-se de aumentar a excitabilidade dos neurônios ascendentes que processam o parâmetro escolhido, seja aumentando a frequência espontânea de potenciais de ação (B), ou promovendo um maior sincronismo sináptico (C), que salienta o processamento desse parâmetro, e não de outros aspectos do mundo percebido.