REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO
INQUÉRITO N.º 1833-RN
(2005.84.00.008835-3)
RELATÓRIO
O SR. DES. FEDERAL CESAR CARVALHO (REL. CONVOCADO):
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propõe ação penal pública contra
FLÁVIO VIEIRA VERAS, atual Prefeito do Município de Macau/RN, imputando-se-lhe a
prática dos crimes previstos nos arts. 343, caput e parágrafo único, e 344, ambos do
Código Penal1.
Em suma, o agente ministerial acusa o denunciado de haver
ameaçado e oferecido vantagens a testemunhas para que não se retratassem, nos
autos do Inquérito Policial Federal n.º 25/2005, de seus depoimentos prestados na
Ação de Investigação Judicial Eleitoral n.º 369/2004.
Assim teriam ocorrido os fatos segundo o órgão MPF:
Foi instaurado, por provocação do Juízo Eleitoral, o Inquérito
Policial Federal n.º 25/2005, a fim de investigar possível cometimento do crime de
falso testemunho por parte de Maria da Costa Dantas, Edileuza Dantas Barros, João
Maria Dantas, Michelle Tomelina Teodosio Fernandes e João Bosco Estevam nos
autos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral n.º 369/2004.
FLÁVIO VIEIRA VERAS, então, dirigiu-se diretamente às testemunhas
para “informá-las” de que iriam para a cadeia por um ano e meio se dissessem a
verdade, ou seja, seriam presas se mantivessem os termos dos depoimentos
realizados perante a Polícia Civil, prejudiciais ao Prefeito.
Tais depoimentos prestados perante a autoridade policial civil
davam conta de haver o denunciado, então candidato a Prefeito, comprado votos
mediante pagamento em dinheiro, além de ter oferecido vantagens futuras, caso
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Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador,
tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos,
tradução ou interpretação:
Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova
destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração
pública direta ou indireta.
Coação no curso do processo
Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra
autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial
ou administrativo, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
CC/mpn
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fosse eleito no pleito de 2004, fatos que ensejaram a instauração da Ação de
Investigação Judicial Eleitoral mencionada.
Na Ação de Investigação Judicial Eleitoral, contudo, apenas uma
das mencionadas testemunhas manteve o depoimento anterior, prestado perante a
Polícia Civil, tendo as demais negado com veemência que FLÁVIO VIEIRA VERAS
tenha dado qualquer ajuda financeira em troca de voto.
Quando ouvidos finalmente perante o DPF, nos autos do Inquérito
Policial instaurado para averiguar se mentiram perante a Polícia Civil ou a Justiça
Eleitoral, as testemunhas retrataram-se, afirmando haver mentido por pressões
exercidas pelo denunciado, principal interessado naquela ação eleitoral. E é com
fulcro nesses depoimentos que o MPF propôs a ação penal.
Devidamente notificado, o denunciado apresentou resposta
aduzindo, em resumo, que ofereceu os serviços de um advogado às testemunhas
porque, em tese, igualmente seria réu em possível ação de falso testemunho, de
modo que todos deveriam ter uma defesa comum, assim também que tal oferta não
caracteriza uma vantagem concreta e individualizada, fatos que, em seu entender,
deixam atípica sua conduta em que o MPF encontra o crime previsto no art. 343 do
CP.
A respeito da suposta prática do crime previsto no art. 344, diz que
somente advertiu as testemunhas de que depoimentos contraditórios ensejariam a
demonstração do crime de falso testemunho e não a grave ameaça de que cuida o
tipo penal.
RELATEI.
CC/mpn
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VOTO
O SR. DES. FEDERAL CESAR CARVALHO (REL. CONVOCADO):
O processo encontra-se na fase de que tratam os arts. 6.º, caput,
da Lei n.º 8.038/1990 e 172, caput, do RITRF-5.ª Região, qual seja, a deliberação
colegiada sobre (1) o recebimento ou (2) a rejeição da denúncia ou (3) a
improcedência da acusação. São essas as alternativas entre as quais deve o
Plenário escolher, fundamentadamente.
A improcedência da ação se dá quando, sem necessidade de
qualquer outra prova, os elementos de convicção trazidos com a inicial forem
suficientes para convencer o tribunal acerca da inviabilidade da instauração do
processo, por manifestamente não proceder a acusação. Cuida-se de julgamento
antecipado da lide, com resolução do mérito.
A rejeição da exordial, por seu turno, deve ocorrer nas hipóteses de
manifesta inépcia da denúncia, de ausência de pressuposto processual ou condição
para o exercício da ação ou de falta de justa causa para o exercício da ação penal.
Por fim, o recebimento da denúncia se dá quando, formalmente
correta a petição, esta vier acompanhada de ao menos indícios sobre a existência
do crime e sua autoria.
Na espécie, e sem adiantar-me para o exame próprio do julgamento
final da ação penal, sobram indícios acerca do cometimento dos ilícitos de que
tratam os arts. 343, caput e parágrafo único, e 344, ambos do Código Penal.
As testemunhas já referidas asseveram, todas, haver o denunciado
exercido pressão para que confirmassem uma “história” inverídica, a favorecer-lhe.
MARIA DA COSTA DANTAS, v.g., textualmente diz que “somente prestou aquele
depoimento porque FLAVIO VERAS disse à declarante que se ela confirmasse a
história do dinheiro e do título eleitoral ela pegaria um ano e seis meses de cadeia”
(fl. 40).
EDILEUZA DANTAS BARROS, MICHELE TOMELINA TEODOSIO FERNANDES
e JOÃO MARIA DANTAS justificam-se da mesma maneira, confirmando haver o
denunciado, Prefeito de Macau/RN, exercido pressão para que mentissem, também
afirmando que seriam presos se se retratassem naquela oportunidade (fls. 42 e 172;
43 e 174; 38 e 168, respectivamente).
Estabelece o art. 344 do Código Penal:
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Coação no curso do processo
Art. 344 - Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer
interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra
pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial
ou administrativo, ou em juízo arbitral:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
Vejamos por que a conduta narrada na inicial amolda-se ao tipo
especial de constrangimento ilegal.
Por primeiro, está evidente que o fim da conduta, a atingir
diretamente a regularidade da atividade de administração da Justiça, era favorecer
interesse próprio, especificamente do denunciado em não se ver julgado e
condenado por supostas irregularidades durante o pleito eleitoral.
A suposta ameaça foi exercida sobre testemunhas, é dizer: pessoa
chamada a intervir em processo.
Por último, a grave ameaça. Esta, é de comum sabença, refere-se
àquela capaz de incutir na vítima justificável receio. Na disquisição que se permite
nesta fase preambular, não me acossam incertezas de que ouvir diretamente da
maior autoridade pública municipal eleita que não seguir sua “orientação” e depor
contra ele acarretará prisão pode gerar no homem médio temor capaz de fazê-lo
render sua vontade ao que o agente determina.
Esse juízo ganha vigor quando se verificam três peculiaridades do
caso: todas as testemunhas têm nível de escolaridade efetivamente baixo, algumas
inclusive não-alfabetizadas (como Maria da Costa Dantas e Edileuza Dantas Barros),
possuindo certamente escasso conhecimento jurídico, suscetíveis, portanto, de
serem coagidas sob as ameaças reproduzidas; a coação teria sido exercida
diretamente pela maior autoridade pública municipal eleita, como disse, o que torna
sua força ainda maior para os munícipes; e, por fim, a ameaça era efetivamente
grave, tendo em conta que suportariam, segundo as palavras do denunciado, até
prisão se não agissem sob sua “orientação”.
E não podemos aqui confundir essa conduta com a mera
advertência, que se dá, por exemplo, quando um advogado informa à testemunha
que deve dizer a verdade sob pena de ser processada. No presente caso, temos
não um profissional de aconselhamento jurídico que exerce o seu múnus, agindo
nos limites do exercício regular da profissão, mas uma autoridade pública que tem
ciência de que poderá suportar sérias conseqüências no caso de as testemunhas
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falarem em seu desfavor e por isso as adverte de que serão presas se não
mantiverem a versão a ele prejudicial, segundo as testemunhas uma versão falsa.
Essa comparação, em meu entender, desmerece mesmo maiores
digressões.
Nessa perspectiva, compreendo que a conduta imputada ao
denunciado pelas testemunhas ouvidas não se trata de mera advertência, mas
configura, em tese e ao menos neste exame prefacial, a coação no curso do
processo de que cuida o art. 344 do Código Penal.
A propósito do outro ilícito indigitado na exordial acusatória, qual
seja, a “corrupção ativa de testemunha”, igualmente encontro os indícios reclamados
legalmente para a persecução criminal judicial.
Eis o que estatui o art. 343 do Código Penal:
Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a
testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação
falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos,
tradução ou interpretação:
Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o
crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em
processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da
administração pública direta ou indireta.
Pois bem. MARIA DA COSTA DANTAS (fl. 40), EDILEUZA DANTAS
BARROS (fl. 42), MICHELE TOMELINA TEODOSIO FERNANDES (fl. 43) e JOÃO BOSCO
ESTEVAM (fl 52) declararam, em uníssono, que o denunciado garantiu que o
depoimento falso sob sua orientação não geraria problemas, prometendo pagar a
um advogado pela defesa deles, além de “ajudá-los em tudo que viessem a precisar
(sic)” (Michelle Fernandes – fl. 43).
O tipo previsto no art. 343, caput e parágrafo único, do Código
Penal é claro: dar, oferecer ou prometer não apenas dinheiro, mas “qualquer outra
vantagem”.
Ora, na espécie, a prova dá conta de haver o denunciado oferecido
os serviços profissionais de um advogado para que as testemunhas não
depusessem em seu desfavor. O denunciado não informou às testemunhas que na
possível ação penal contra elas, no caso de mentirem, a defesa estaria a cargo da
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Defensoria Pública; ele ofereceu os serviços de um advogado, o que evidentemente
configura essa “qualquer outra vantagem” taxativamente referida pelo tipo.
O TJSP, por exemplo, julgou caso semelhante, e nele concluiu de
maneira idêntica:
O argumento de que a simples promessa de prestação de serviços
profissionais não pode ser entendida como uma vantagem da mesma
forma merece ser repelido. O delito previsto no art. 343 do CP estabelece
duas possibilidades alternativas de oferta ou promessa: dinheiro ou
qualquer outra vantagem (RT 539/264-6).
Novamente evitemos comparar situações díspares: o denunciado,
segundo formula a acusação, não fez simples súplica para que as testemunhas, por
exemplo, não se envolvessem em dado processo; ele, além de ameaçar, ofereceu
os serviços profissionais de um advogado para que as testemunhas cometessem o
crime de falso testemunho, depondo sob sua orientação.
A afirmação falsa que buscava o denunciado, também segundo a
prova constante dos autos, não era irrelevante. Ao revés, seria crucial para estorvar
a elucidação de possíveis delitos eleitorais por ele cometidos durante as eleições.
E não foi só. O denunciado ofereceu tais serviços profissionais, mas
igualmente ofertou, em troca do depoimento direcionado das testemunhas, “ajudálos em tudo que viessem a precisar (sic)”.
Embora possa parecer uma oferta genérica, o fato de ter ocorrido
enquanto as testemunhas já estavam sob investigação de possível cometimento de
crime de falso testemunho demonstra que essa “ajuda” também seria concreta e
individualizada, uma vez que se reporta especificamente às necessidades de
alguém que suporte a condição de réu em processo criminal.
A conduta descrita na inicial, novamente, encontra-se amparada por
suficientes elementos de convicção e ajusta-se ao tipo do art. 343, caput e parágrafo
único, do Código Penal.
Com relação a ambos os crimes, portanto, tenho que a análise das
evidências contidas nos autos aponta para a plausibilidade do direito invocado pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, havendo os indícios que exigem a instauração da ação
penal.
À vista do exposto, reconheço, neste juízo provisório de cognição,
haver elementos de convicção que efetivamente autorizam a persecução criminal
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judicial, pelo que recebo a denúncia, delegando os atos instrutórios do processo ao
Juízo Federal da 2.ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte (Natal).
ASSIM VOTO.
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AUTOR
INDIC/INVDO
Investigado
Advogado
Relator
:
:
:
:
:
(2005.84.00.008835-3)
DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL
SEM INDICIADO
FLÁVIO VIEIRA VERAS
PAULO DE TARSO PEREIRA FERNANDES (e outros) - RN001022
DES. FEDERAL CESAR CARVALHO (CONVOCADO)
EMENTA
PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA DE TESTEMUNHA (ART. 343, CAPUT E
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP). COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (ART. 344
DO CP). INDÍCIOS MÍNIMOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA. RECEBIMENTO
DA DENÚNCIA.
- A acusação é a de que o denunciado, prefeito municipal, teria ameaçado e
oferecido vantagens para que testemunhas mentissem sob sua orientação perante
autoridade judicial.
- Deve ser a denúncia recebida quando, formalmente correta a petição, esta vier
acompanhada de ao menos indícios sobre a existência do crime e sua autoria. Há
nos autos prova de que o denunciado teria coagido testemunhas, afirmando-lhes
que seriam presas caso não apresentassem em juízo a versão inverídica que lhe
favorecia, e oferecido pagar-lhes advogado e auxiliá-los no que fosse preciso na
hipótese de mentirem em seu benefício (do denunciado). Em tese, tais condutas
configuram os crimes previstos nos arts. 343, caput e parágrafo único, e 344 do
Código Penal. Com relação a ambos os crimes, os elementos contidos nos autos
apontam para a plausibilidade da denúncia do MPF.
Denúncia recebida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas,
decide o Plenário do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, por unanimidade,
RECEBER a denúncia, na forma do relatório, voto e das notas taquigráficas
constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Recife/PE, 4 de março de 2009 (data do julgamento).
Des. Federal CESAR CARVALHO,
Relator convocado.
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Inteiro Teor - Tribunal Regional Federal da 5ª Região