IV Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental X Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental -2010 Trabalho para Mesa-redonda TÍTULO: Amor e ódio na neurose obsessiva: a questão do domínio do “outro” Autora: Camila Peixoto Farias Fone: (021) 98532226 E-mail: [email protected] Endereço: Rua Lauro Müller 26, ap. 405, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ. Psicóloga, mestre em teoria psicanalítica pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, bolsista CAPES. Membro da equipe de pesquisa da Professora Marta Rezende Cardoso. RESUMO: O neurótico obsessivo necessita se opor, argumentar infinitamente, frear toda iniciativa que não é a sua. Ele exige o cumprimento das condições absolutas que impõe, criando um mundo sem falhas – que se parece com a morte. É desse universo ordenado que o obsessivo faz sua morada, ocupando-se constantemente de sua manutenção. Nesse árido contexto, chama nossa atenção a sua busca desesperada por controle, domínio, especialmente a tentativa de dominar o outro e a forma como o exerce: através do ódio e da agressividade. Este trabalho visa aprofundar a reflexão sobre a singularidade dessa relação de domínio, característica da neurose obsessiva. Procurar-se-á indicar o papel da relação travada com o objeto interno, sublinhando-se a sua dimensão de sedução traumática, aspecto essencial para a compreensão do predomínio da agressividade nas relações objetais. A partir dessa articulação indicaremos os principais elementos que estariam na base da manutenção de uma posição de onipotência, própria à neurose obsessiva. 1 TRABALHO COMPLETO: Amor e ódio na neurose obsessiva: a questão do domínio do “outro” Camila Peixoto Farias Penso que a agressividade dirigida para fora, a agressividade diante do outro, é uma reação à agressividade contra si mesmo, isto é, justamente a agressividade da sexualidade que não se consegue dominar. Laplanche, 2004 O obsessivo tem necessidade de se opor, contrariar os projetos dos outros, argumentar infinitamente, frear toda iniciativa que não é a sua. Isso transforma as suas relações em uma prova de força, meio de exercer seu imperioso domínio. Nesse árido contexto, chama nossa atenção a busca desesperada desses sujeitos por controle, domínio, especialmente a busca de dominar o outro assim como a forma como eles o exercem: através do ódio e da agressividade. Tendo isso em vista, situaremos nossa investigação no âmbito da relação de domínio e dos elementos envolvidos nessa complexa forma de vinculação ao outro. Procuraremos indicar o papel da relação travada com o objeto interno, sublinhando a sua dimensão de sedução traumática, aspecto essencial para a compreensão do predomínio da agressividade nas relações objetais. Daremos, assim, especial atenção à relação estabelecida com o objeto primário. Nossa investigação acerca das especificidades da relação com o objeto na neurose obsessiva será guiada inicialmente pelas idéias de Roger Dorey (2003). O autor traça uma aproximação entre a problemática obsessiva e a problemática perversa, indicando a presença de algumas semelhanças entre elas. Estas, porém, não se dariam a partir da sintomatologia, mas, sim, através do modo de relação estabelecido com o objeto, considerando-se seu estatuto e sua função. A hipótese do autor é que, tanto na neurose obsessiva, quanto na perversão, a mira final da dominação seria o outro como ser-de-desejo. Na perversão, a relação de dominação se dá essencialmente no registro erótico, onde a arma é a sedução. Já o obsessivo, exerce sua dominação sobre o outro, não no plano erótico, mas no “registro do poder e na ordem do dever” (DOREY, 2003, op. cit., p.118). O domínio exercido pelo obsessivo pode ser considerado como de tipo totalitário, ele exerce esse domínio tanto de 2 maneira ativa, quanto sob a forma de resistência passiva, utilizando freqüentemente como recurso, a força, a violência. Dorey (Ibid.) destaca que o objeto da ação destrutiva do obsessivo é o outro como ser desejante, que deve ser apagado, anulado. Ele não pode suportar a singularidade do outro, a sua especificidade e, sobretudo, nenhuma manifestação de desejo erótico referido a si próprio. Essa relação de domínio indicaria, então, uma tendência à neutralização do desejo do outro, buscando torná-lo um objeto inteiramente assimilável. Nesse contexto qualquer movimento do objeto, passível de sair de seu domínio é afastado com ódio. Logo, encontramos um eu blindado, onipotente, mantido através de constantes estratégias de domínio, marcadas pelo ódio e pela agressividade. O obsessivo torna-se dependente do sentimento de onipotência, que se mantém através da submissão do outro ao seu domínio. Para ele, essa submissão seria a prova do amor do outro, fundamental para o reconhecimento de si mesmo. Assim há também no exercício desse domínio um desejo de reconhecimento. Este pode ser expresso, segundo Dorey (1981, p. 128. A tradução é nossa) pela seguinte proposição: “Ama-me, mesmo sabendo que eu faço tudo para não ser amado e para destruir-te”. Isso mostra que o exercício deste domínio também pode ser pensado como uma forma muito particular de mensagem endereçada ao outro, comportando uma dimensão de convocação, de espera por alguma resposta por parte dele. Esta relação de domínio, portanto, possui um caráter paradoxal: visa negar o outro como sujeito desejante e, ao mesmo tempo, visa o reconhecimento de si próprio. Dorey (Ibid.) acrescenta que a sedução originária seria o protótipo de toda relação de domínio. Buscando enriquecer nossa compreensão e, seguindo a pista anunciada pelo autor, passamos a uma investigação sobre o modo de relação estabelecido com o objeto primário. Freud nos diz que “(...) a mãe adquire importância singular, incomparável, inalterável e permanente e torna-se, para os dois sexos, o objeto do primeiro e mais poderoso dos amores, protótipo de todas as relações amorosas ulteriores.” (FREUD, 1938, p.202). Acreditamos que o modo de relação que o sujeito estabelece com os objetos ao longo da vida está intimamente relacionado com a maneira como foi construída a relação com o objeto materno. Como indicam Dorey e Kristeva, na neurose obsessiva, a relação inicial com a mãe apresenta características peculiares, expressas pelo pudor, rigor, distância afetiva, ausência de contato físico e por uma exigência severa no plano moral. Neste contexto as demandas do bebê são satisfeitas de modo imediato, cuidados excessivos com seu 3 corpo, mas esvaziados de investimento erótico. Para Dorey (1981), esses aspectos constituem a base de uma relação primária de caráter traumático. Porém, o autor nos alerta que embora uma sedução erótica efetiva esteja ausente na problemática obsessiva, ela age de forma indireta, por meio de formações reativas. Esse modo de relação da mãe com o bebê seria uma reação, uma defesa ao desejo “excessivo” que teria sido dirigido a ele, mas que veio a ser recalcado. Esse constante cuidado com a satisfação de suas necessidades é o indicador da posição em que o bebê fica situado, a de objeto do desejo da mãe. Estamos diante, assim, de uma situação de sedução, mas que estaria destituída de sua dimensão erótica, “disfarçada” através dos severos e excessivos cuidados que invadem o corpo do bebê. Algo esta barrado desde a origem para sujeito – a dimensão erótica da vida é barrada e sua relação com o outro se construirá via ódio e via agressividade. De acordo com Kristeva (1988), a mãe do sujeito obsessivo pode ser caracterizada, em grande parte dos casos, como uma mãe deprimida, mas com uma singularidade: ela procuraria encobrir a sua doença com uma atividade exacerbada. Os cuidados dirigidos ao filho visam fazer frente à depressão materna; o filho tornando-se uma prótese fálica para a mãe deprimida. A autora propõe a hipótese segundo a qual o obsessivo manteria a “mãe enterrada” em seu psiquismo. Porém, adverte que o que denomina aqui como “mãe enterrada”, não se confunde com o que André Green propõe a partir de sua noção de “complexo da mãe morta”, aspecto essencial, segundo o autor, nos estados limites. Este complexo é caracterizado por uma depressão grave da mãe, por um desinvestimento radical e temporário de seu filho, o qual seria antecedido por um período de investimento normal. É como se uma catástrofe tivesse atingido a relação entre a mãe e a criança; embora viva, a mãe torna-se psiquicamente morta para a criança. Diante desse desinvestimento materno, há, por outro lado, um movimento de desinvestimento do objeto materno por parte da criança. Isso implica numa identificação inconsciente com a mãe morta, ou seja, implica na impossibilidade da elaboração da experiência de perda. A “mãe enterrada”, como propõe Kristeva (1988), diz respeito a uma mãe inelutavelmente “viva”, demasiadamente presente, que exerce seu domínio ininterruptamente. A figura da “mãe enterrada” está referida a um estado de aprisionamento a um modo singular de relação com o objeto materno, a uma identificação a tal modo de relação. 4 Corroborando tal hipótese Dorey (2003) destaca que a relação primária traumática que encontramos na neurose obsessiva comportaria uma dimensão identificatória. Esta resulta de um duplo processo: por um lado, a mãe trata seu filho como objeto de seu desejo; por outro lado, a criança adota essa posição, identificando-se com o objeto de desejo materno. A mãe, que deveria recusar essa posição adotada pelo filho, a reforça. Esse modo de relação primária torna-se o protótipo da relação que o sujeito estabelecerá com o outro. O sujeito tende a reproduzir, invertendo os lugares, esse modelo de relação infantil, precoce, que a mãe estabeleceu com ele. Assim, parece que o sujeito permanece absorvido pela tarefa de manter o sentimento de onipotência, identificado, como propõe Dorey (Ibid.), com a relação onipotente que estabeleceu com o objeto materno, repetindoa indefinidamente. A manutenção do sentimento de onipotência parece ser feita através da busca de domínio do mundo externo, especialmente, através do domínio do outro. O obsessivo parece permanecer siderado pela busca de domínio, sendo essa a sua única forma de ligação com o outro. Neste contexto a possibilidade de um encontro amoroso é suplantada pela busca de domínio. Referências Bibliográficas DOREY, R. La relation d’emprise. Nouvelle Revue de Psychanalyse. N.24, automne, 1981. ___________. Problemática Obsessiva e Problemática Perversa. Parentesco e divergências. In: BRUSSET, B. & COUVRER, C. (orgs). A neurose Obsessiva. São Paulo: Escuta, 2003. ___________. Le désir d’emprise. Revue Française de Psychanalyse. Paris: PUF, 5/1992. FREUD, S. Esboço de Psicanálise. (1938) In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. GREEN, A. Pulsão de morte, narcisismo negativo, função desobjetalizante. In: YORKE, C., et al. A pulsão de morte. São Paulo: Escuta, 1988. ___________. Narcisismo de vida, narcisismo de morte. São Paulo: Editora Escuta, 1998. KRISTEVA, J. L’obsessional et sa mère. Revue Française de Psychanalyse. Paris: PUF, 6/1988. LAPLANCHE, J. Entrevista com Jean Laplanche. In: CARDOSO, M. R. (org.). Limites. São Paulo: Escuta, 2004. 5