FRACASSO ESCOLAR: O QUE AS PESQUISAS RECENTES INDICAM ACERCA DE SUAS CAUSAS? Silvia Siqueira Pinheiro – UFPel e UNIPAMPA Carla Weber – UNIPAMPA Resumo Este trabalho relata os achados de uma análise documental que teve como objetivo identificar o que um conjunto de publicações recentes, nas áreas da psicologia e da educação, referecomo causas do fracasso escolar no Ensino Fundamental brasileiro. Analisaram-se 15 artigossobre o tema publicados entre 2008 e 2011, presentes nas seguintes bases: Scielo e Anais das Reuniões da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e dos Congressos Nacionais de Psicologia Escolar e Educacional (CONPE). Conclui-se que as explicações para o fracasso escolar focadas no aluno, em sua família e em sua cultura continuam vigentes, há também um bom número de trabalhos que reconhecem o contexto escolar e social mais amplo em sua determinação. Palavras-chave: causas do fracasso escolar, ensino fundamental. Introdução O presente trabalho, que se constitui em uma análise documental, tem como objetivo identificar e discutir as causas do fracasso escolar no ensino fundamental brasileiro, expostas em um conjunto de publicações recentes nas áreas da psicologia e da educação. Antes de proceder à análise sobre o tema, entretanto, cabe comentar que fracasso e sucesso são termos que costumam ser utilizados com frequência para denominar uma aprendizagem escolar considerada insatisfatória ou satisfatória, respectivamente. O termo fracasso escolar resume um grande número de fenômenos educacionais, como: baixo rendimento do aluno, reprovação, repetência, defasagem idade-série, evasão, dificuldades escolares, entre outros (ZAGO, 2010). Weiss (1992) argumenta que o fracasso é uma resposta insuficiente do aluno a demandas escolares. Apesar de todos os esforços das autoridades educacionais para combater esse fenômeno, o fracasso escolar continua apresentando alta prevalência na realidade brasileira atual, como mostram os dados a seguir. No primeiro semestre de 2011, foi realizada uma avaliação sobre o desempenho acadêmico de 6 mil alunos do 3º ano (2ª série) do ensino fundamental de escolas municipais, estaduais e privadas de todas as capitais do País. O instrumento utilizado foi a prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização)1, aplicada em parceria entre o Movimento Todos Pela Educação, do Instituto Paulo Montenegro/IBOPE, a Fundação Cesgranrio e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) (IBOPE, 2011). O critério de avaliação adotado por essas entidades foi o mesmo que vem sendo utilizado pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) nos exames aplicados pelo Ministério da Educação (MEC) aos alunos do 5º. E 9º. anos do ensino fundamental. Neste modelo o aluno tem que obter 175 pontos para atingir uma aprendizagem considerada adequada em leitura e matemática (IBOPE, 2011). Na avaliação da leitura, obter 175 pontos da escala SAEB significa ter habilidade para ler textos, identificando o tema nele tratado, sendo capaz de nele localizar informações, identificar personagens, estabelecer relações de causa e consequência contidas no enredo e identificar características de personagens. Os resultados obtidos na avaliação da leitura na prova ABC indicam que o escore médio foi de 185,8 pontos e que o percentual de alunos que aprenderam o que era esperado para esta etapa foi de 56,1%. Observou-se que mais de 40% dos alunos concluíam o 3º ano (2ª. Série) do Ensino Fundamental sem o aprendizado esperado em leitura. Cabe comentar que os resultados demonstram uma variação entre as redes privada e a pública. Na rede privada, a média foi de 216,7 pontos, enquanto na pública foi de 175,7. O aluno que atinge o ponto 175 da escala SAEB, de matemática, será capaz de efetuar adição e subtração de números naturais, com ou sem recurso, resolver situações que envolvam o sistema monetário brasileiro e as unidades de medida padronizadas (litro e meio litro), identificar o número de lados de um polígono, determinar o número de uma sequência numérica e ler horas em relógios digitais. Quanto à matemática, a média nacional alcançada por meio do teste ABC ficou em 171 pontos, com 42,8% do total das crianças tendo aprendido os conteúdos esperados para a série. Este dado também mostra que mais de 50% dos alunos não apresentaram o desempenho considerado necessário. Novamente, os resultados indicam diferenças entre as escolas públicas e as privadas: respectivamente, 158 e 211,2 pontos. Na avaliação da escrita, os alunos foram solicitados a realizar uma redação na qual foram avaliadas três competências: adequação ao tema e ao gênero, coesão e coerência e registro (grafia das palavras, adequação às normas gramaticais, segmentação de palavras e pontuação). A média considerada satisfatória era de 75 pontos, em escala de 0 a 100. A média nacional ficou em 68,1 pontos e, mais uma vez, ocorreram diferenças entre a escola pública (62,3) e a privada (86,2) (IBOPE, 2011). Dos dados expostos, infere-se que existe um percentual bastante significativo de alunos que não atingiram as competências esperadas para o 3º ano na leitura, na matemática e na escrita, nos exames realizados. Os dados indicam que os alunos da escola pública apresentam defasagens maiores que os da privada, em todas as áreas. Uma das conclusões das instituições que operacionalizaram as avaliações foi a de que todas as crianças, nessa etapa, deveriam estar plenamente alfabetizadas e ter bem desenvolvidas as habilidades de matemática, leitura e escrita. Se esses objetivos não forem atingidos, dificilmente haverá condições de universalizar a aprendizagem nas demais séries da educação básica. Por isso, discutir o fracasso escolar continua sendo essencial. Patto, já em 1990, na introdução de seu livro clássico “A Produção do Fracasso Escolar: histórias de submissão e rebeldia”, afirmava que “a reprovação e a evasão na escola pública de primeiro grau continuam a assumir proporções inaceitáveis em plena década de 80” (p.21). Vinte e um anos passados, constatamos, pelos dados fornecidos pelo IBOPE (2011), que o fracasso continua se fazendo presente, com índices alarmantes, em nosso país. Apesar de sabermos que notas em testes não são capazes de refletir plenamente o desempenho escolar das crianças (PERRENOUD, 1999), consideramos que os resultados da prova ABC, recentemente aplicada, ilustram uma situação educacional preocupante, que necessita continuar a ser combatida. O fracasso escolar e suas causas O livro de Patto (1990), recém-citado, mostrou que as explicações para o fracasso escolar, vigentes à época, voltavam-se, predominantemente, para o próprio aluno e sua família, atribuindo, aos grupos de nível socioeconômico mais baixos (nos quais observam-se os maiores índices de repetência e evasão), déficits mentais ou culturais – ideias que autora já alertava necessitarem de revisão. Patto (1990) argumentava que a escola apresenta um discurso que naturaliza o fracasso escolar, isto é, um discurso que aponta esse fenômeno como algo normal, que deve, portanto, ser aceito como inevitável. Em contraposição a tal discurso, essa autora afirmava que o fracasso da escola pública é gerado por obstáculos por ela mesma criados. Soares (1997) foi outra pesquisadora que se voltou à análise do fracasso escolar, descrevendo as explicações que vigiam à época da publicação de seu livro, baseadas no que denominou “ideologia do dom”, “ideologia da deficiência cultural” e “ideologia das diferenças culturais”. Embora a autora apresente essas ideologias em ordem do seu aparecimento, é importante notar que as novas ideias que foram aparecendo não eliminaram as anteriores, que ainda hoje são utilizadas para explicar o fracasso escolar. No entendimento da “ideologia do dom”, o sucesso ou o fracasso dependem de cada um e de suas possibilidades. Ela parte do princípio de que a escola oferece oportunidades iguais a todos e, assim, o aproveitamento do aluno está sujeito ao seu “dom”, ou seja, sua capacidade inata. Essa concepção tem respaldo na psicologia diferencial e na psicometria, que afirmam a existência de diferenças nas capacidades cognitivas dos indivíduos, propondo maneiras para avaliá-las. A “ideologia da carência ou deficiência cultural” expõe que as causas das dificuldades de aprendizagem são fatores como privação ou insuficiência de estímulos sensoriais, perceptivos e motores. Destes fatores decorreriam déficits nas áreas da linguagem, cognição, etc. Como se pode deduzir, esse tipo de carência atingiria, predominantemente, as classes populares, que apresentariam carências econômicas, sociais e culturais que levariam seu integrantes a um desenvolvimento intelectual deficiente. Essa ideologia ilustra uma posição preconceituosa em relação às classes populares, fechando os olhos aos interesses de nossa sociedade - caracterizada por uma clara separação entre classes sociais - em manter essas classes diferenciadas, evitando reconhecer que o déficit das classes populares é avaliado por parâmetros da classe dominante, que não reconhece a cultura a cultura das outras classes sociais como válida. A “ideologia das diferenças culturais”, por sua vez, avançando em relação ao preconceito contra a cultura popular, expresso na “ideologia da carência cultural”, passou a considerar que as classes populares teriam uma cultura diferente daquela das classes dominantes, sem, necessariamente, ser inferior. Essa teoria explicava que, na escola, predomina a cultura das classes dominantes, levando os alunos, oriundos de classes populares ao insucesso escolar, por não entenderem tal cultura e/ou não se adaptarem a ela. Nesse sentido, aparece aqui a ideia de que, se a escola acolhesse a cultura popular, talvez o fracasso escolar pudesse ser minimizado. Perpassando esses discursos, encontramos os princípios do neoliberalismo, que defende a educação como privilégio de todos, como direito de todo o indivíduo, mas aceita que não será alcançada, da mesma maneira, por todos. Esses princípios explicam o fracasso pelo fato de as pessoas serem diferentes, resultando que cada uma permanecerá nos bancos escolares até onde suas condições o permitirem (PATTO, 1990; TACA e BRANCO, 2008; ZAGO, 2010). É comum ainda ouvirmos discursos explicativos, por parte dos órgãos públicos, dos professores, das famílias e dos próprios alunos, fundamentados nas concepções acima descritas. Os primeiros continuam responsabilizando os alunos e as famílias pelas dificuldades de aprendizagem e estes permanecem, introjetando a culpa pelo fracasso escolar (SOUZA e ZIBERTTI, 2011). Deste modo, os estudantes, de vítima, passam a ser culpados pelo seu insucesso e, como decorrência, resta o encaminhamento dos que fracassam para o atendimento psicológico e/ou médico para ‘tratar’ e ‘curar’ a dificuldade (SILVA e BRANDÃO, 2011). Assim, como argumentam Silva e Brandão (2011) e Asbahr e Lopes (2006), a sociedade, a escola e os professores livram-se da responsabilidade pelo fracasso dos alunos, ao depositá-la na estrutura familiar ou na própria criança. Weiss (1992) e Zago (2010) consideram que o fracasso escolar é um fenômeno multideterminado e deve ser olhado pelo ângulo das relações sociais e não somente pelo ângulo do aluno e da família. Seguindo essa ideia, encontramos os princípios da Psicologia Histórico-Cultural que, mais recentemente, têm sido utilizados como importantes subsídios para entender o fracasso escolar, focando na história e nas características da cultura da sociedade no qual ele ocorre. Essa perspectiva teórica propõe que, para compreender o que cada indivíduo sente, pensa e como age, é preciso conhecer o mundo social no qual está inserido e do qual é construtor. É preciso investigar os valores sociais, as formas de relação, de produção para a sobrevivência e as formas de ser do seu tempo. O funcionamento psicológico e o comportamento humano (nos quais está inserido o desempenho escolar dos estudantes) desenvolvem-se em um dado momento histórico e têm como base as relações sociais que se estabelecem entre o indivíduo e o mundo. A ideia central é de que, na interação social e por intermédio do uso de instrumentos materiais e psicológicos (signos) principalmente a linguagem -, ocorre o desenvolvimento. Assim, a mente humana não tem somente uma origem biológica (VYGOTSKY, 1983; 2009; VIGOTSKI, LURIA, LEONTIEV, 1988). A partir dessa perspectiva, então, o fracasso escolar, necessariamente, deve ser entendido como resultado do contexto social, político e econômico em que os alunos estão inseridos. Essa perspectiva nos indica que é primordial que se examinem também aspectos relacionados à própria instituição escolar, para entendermos o desempenho de seus alunos. Ela possibilita olhar o fracasso, não pela responsabilização do indivíduo, mas sim como uma construção histórica e cultural passível de ser modificada. A seguir analisar-se-á uma série de artigos recentes que tratam do fracasso escolar, procurando identificar as causas atribuídas a esse fenômeno pelos autores dos trabalhos. Antes, porém, será explicado o método pelo qual essa análise foi guiada. Metodologia Analisaram-se 15 artigos sobre fracasso escolar no Ensino Fundamental, publicados entre 2008 e 2011, presentes nas seguintes bases: Scielo (cinco artigos), grupos de trabalho sobre Ensino Fundamental (GT 13) e Psicologia da Educação (GT 20), respectivamente, nos Anais das 31ª, 32ª, 33ª e 34ª Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) (um artigo) e anais do IX e X Congressos Nacionais de Psicologia Escolar e Educacional (CONPE) (nove artigos). Os artigos foram selecionados pelos resumos e palavras-chave: fracasso escolar, causas e ensino fundamental. A delimitação do período para a seleção de artigos deveu-se ao fato de querermos investigar as pesquisas mais atuais sobre o fracasso escolar, mas englobando, também,pelo menos duas edições do Congresso de Psicologia Escolar e Educacional, que ocorre de dois em dois anos. Resultados e discussão Os artigos encontrados são de naturezas distintas: alguns apresentam revisões de literatura sobre o fracasso escolar (FARIAS, 2011; LEONARDO ET AL., 2011) e outros analisam o fracasso de forma mais pontual. Nota-se que a maioria dos artigos provenientes de anais de eventos foram apresentados e discutidos no contexto da Psicologia Escolar. Os artigos de periódicos, por sua vez, foram localizados, principalmente na Revista de Psicopedagogia e Revista de Estudos em Psicologia. Somente um deles foi encontrado nos Cadernos de Pesquisa. Esse panorama mostra que o fracasso escolar, atualmente, está mais presente nos campos da psicologia e da psicopedagogia, do que, propriamente, na área da educação. Quanto às causas apontadas para o fenômeno, há posições bastante distintas, com veremos a seguir. O trabalho de Leonardo et al. (2011), apresenta o exame de 77 artigos sobre fracasso escolar, selecionado em banco de dados e indexadores, nacionais e internacionais, como o Portal da Capes, PsycINFO, LILACS, Index-Psi, dentre outros, cujos anos de publicação não foram revelados. Os artigos foram organizados em quatro categorias de fatores que o explicavam. A primeira, ‘queixa/fracasso escolar centrada no indivíduo,’ prevaleceu em 67% dos artigos; a segunda, ‘queixa/fracasso escolar não centrado no indivíduo’ relacionada a determinantes sociais, econômicos, políticos etc. apareceu em 19% dos trabalhos, a terceira, ‘queixa/fracasso escolar como uma questão institucional’ esteve presente em um percentual de 9% das publicações; e, por último, a quarta categoria, ‘queixa/fracasso escolar relacionados à formação profissional,’ apareceu em 5% das respostas. O trabalho demonstra que há poucos estudos que consideram as queixas escolares como decorrentes de fatores institucionais, como a falta ou a insuficiência de infra-estrutura das escolas para desenvolverem um ensino de qualidade, embora essas causas, não ligadas ao indivíduo e sua família, estejam presentes nos artigos revisados. A maioria dos trabalhos apresentavam explicações para o fracasso provenientes de causas pessoais e familiares dos estudantes. A partir da análise que realizaram, os autores concluíram que se faz necessário possibilitar uma formação crítica para os psicólogos, pautada na Psicologia Histórico-Cultural para que estes possam analisar o fracasso escolar de maneira mais adequada e menos preconceituosa com os alunos e suas famílias. Nos artigos de Martinelli e Genari (2009), Silva e Brandão (2011), Souza e Zibetti (2011) Bragagnolo e Souza (2011) também se constatou um entendimento do fracasso escolar a partir de causas como motivação e subjetividade do aluno, além de outros fatores biológicos, emocionais, familiares e culturais, como na revisão de Leonardo et al. (2011). Esses artigos sugerem que as teorias iniciais, descritas por Soares (1997), mesmo podendo ser consideradas como ultrapassadas, como a “ideologia do dom”, ainda estão bem presentes nas explicações sobre as causas do fracasso escolar. Paini e Lima (2009), em sua revisão de literatura, igualmente concluíram que o fracasso escolar continua sendo atribuído ao próprio aluno e sua família, embora esses autores também tenham encontrado trabalhos que reconhecem o papel do professor e da escola na produção desse fenômeno. Segundo sua opinião, o desafio, para o entendimento do fracasso escolar, é romper com o preconceito que existe de sua naturalização pela sociedade e re(pensar) a visão de mundo e de homem, que estão nele implícitas. É fundamental que se compreenda o ser humano como sujeito de sua história, com possibilidades de aprender, modificar suas funções psicológicas superiores e apropriar-se do conhecimento historicamente acumulado. Os profissionais que continuam com o discurso naturalizado e ahistórico acerca do fracasso escolar, escrevem Paini e Lima (2009), situamse no grupo em que predomina uma mentalidade denominada de ignorância intencional, ou seja, aquela na qual a pessoa não possui conhecimento sobre a temática em jogo e deseja continuar não a conhecendo para não ter que mudar o seu fazer pedagógico. Os artigos de Senna (2008) e Dias (2009) tratam o fracasso no contexto do fazer educativo. As autoras expõem que a definição sobre o tema é opaca e que os profissionais da educação e da saúde permanecem presos a causas orgânicas e potencialidades individuais para explicar o fenômeno, enfocando causas como a desnutrição, a incapacidade por doença, por situação econômica e por meritocracia das avaliações, o que consideram bastante reducionista. Senna (2008) questiona a possibilidade de inclusão de deficientes na educação regular em uma cultura que ainda adota concepções equivocadas sobre as causas do insucesso escolar. Ela argumenta que, enquanto perdurarem essas concepções, estaremos condenando os deficientes a serem fracassados, tutelados, interditados. A autora propõe que devemos repensar a formação de professores para mudar essa realidade. Campos, (2009) e Leonardo e Silva (2009) ponderaram, em seus artigos, a relação existente entre a psicologia e a educação, no que tange ao fracasso escolar, focando principalmente as práticas do psicólogo. Segundo os autores, esses profissionais perpetuam concepções patologizantes, idéias equivocadas e desigualdades sociais ao responsabilizar o aluno ou a família pelo insucesso na escola. Atuando dessa forma, a psicologia colabora com a ignorância, a discriminação e a exclusão. Kauark e Silva (2008), em seu trabalho sobre a atuação psicopedagógica sobre os problemas de aprendizagem, afirmam, mesmo adotando suporte teórico da Psicologia Histórico-Cultural, que os problemas de aprendizagem possuem como causa o comportamento e/ou problemas emocionais do aluno e que compete à escola, à família e aos profissionais especializados proceder ao diagnóstico desses problemas nos alunos e a intervir, revendo as metodologias de ensino e preparando os professores. Nesse trabalho, mesmo que se perceba uma tendência a reconhecer o papel que a escola pode desempenhar na luta contra o fracasso escolar, ainda se observa uma grande ênfase nos fatores biológicos e emocionais do aluno como determinantes de seu desempenho escolar. Ferreira (2008), também falando do ponto de vista da psicopedagogia, argumenta, em seu trabalho, que se faz importante analisar qual abordagem deve ser adotada para a compreensão do insucesso do aluno, mas ressalva que o maior problema se encontra na educação, no modo como as dificuldades de aprendizagem são tratadas. Ele apresenta duas visões psicopedagógicas diferentes, que indicam os possíveis causadores do fracasso escolar: a social/pedagógica que leva em consideração a sociedade, a escola e o aluno e a psicanalítica que enfatiza a história pessoal e familiar do sujeito. Conclui que as dificuldades de aprendizagem podem ter sua origem nos fatores internos (biológicos, cognitivos, afetivos ou emocionais) ou em fatores externos (sócio-econômicos ou educacionais/pedagógicos) e que a psicopedagogia possibilita algumas respostas para determinados dificuldades. Afirma que os maiores problemas estão na educação e só serão resolvidos quando houver mudanças nessa. Algumas das pesquisas, ilustradas a seguir deram ênfase, principalmente aos aspectos escolares do fracasso, mostrando uma visão mais ampla sobre o fenômeno, condizente com a da perspectiva histórico-cultural. Silva (2009) considera-o como uma violência produzida por fatores internos do cotidiano escolar, como conteúdo ensinado; falta de respeito e credibilidade em relação aos professores, por parte de seus alunos e vice-versa; aulas desmotivadoras; e lacunas na formação dos professores. A autora argumenta que a maioria das crianças brasileiras já tem acesso à escola, entretanto, não atinge o grau de aprendizado esperado, sendo, consequentemente, excluída da escola. Propõe, então, como os autores de outros artigos acima mencionados, a mudança do paradigma de análise: da responsabilização do indivíduo à responsabilização dos fatores sociais no fracasso escolar. Também Tacca e Branco (2008) examinaram o fracasso escolar do ponto de vista da instituição educativa, analisando processos que podem ocorrer dentro das salas de aula. As autoras investigaram as interações sociais entre duas professoras, da 2ª série, e seus alunos com histórias de fracasso, constatando que havia diferença na maneira como as primeiras interagiam com os segundos. A primeira professora demonstrava não dar importância às dúvidas de alguns alunos, desqualificava seu trabalho, explicava-lhes o conteúdo de forma superficial, demonstrava impaciência, não estimulava perguntas, muito menos sabia explicar, com clareza, as atividades a serem realizadas na sala de aula. A segunda professora, por outro lado, interagia com as crianças demonstrando que valorizava e acreditava na capacidade de cada uma, além de estimulá-las a encontrar caminhos para superar as dificuldades e descobrir soluções para os problemas, por si mesmas. As autoras relatam que se notava um clima tranquilo, afetivo, de confiança e de periódico Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas, no período compreendido entre 1971 e 2006. Em relação à concepção de indivíduo e às relações entre indivíduo, escola e sociedade, a autora identificou que 65,3% dos artigos examinados vinculavam o fracasso escolar à cultura dos alunos. Esse tipo de enfoque aparece durante todo o período de tempo analisado. Os que adotavam um enfoque semelhante ao que Soares (1997) denominou de “ideologia da carência cultural”, o qual Farias (2011) classificou como “marginalidade cultural”, manifestando-se entre os anos de 1970 a 1980, totalizaram 32,1% dos artigos. Por outro lado, os que adotavam o enfoque que Farias (2011) classificou como “diversidade cultural” (correspondendo ao que Soares (1997) denominou “ideologia da diferença cultural”, perfizeram 31,2% dos artigos examinados – estes mais próximos à perspectiva de análise do contexto no qual ocorre o fracasso, como a inspirada nas ideias da Psicologia Histórico- Cultural. Segundo Farias (2011), é importante que a cultura do aluno seja vista como elemento importante para seu desempenho escolar. A autora comenta que [a] questão refere-se a como essa dimensão antropológica da cultura relaciona-se com as demais dimensões da prática educativa mais ampla e das práticas pedagógicas na escola, sobretudo em relação aos compromissos políticos e aos projetos de sociedade que expressam (p.13). Farias (2011) argumenta que os trabalhos que apresentavam propostas para a superação do fracasso se voltavam para questões pedagógicas e preocupações com a constituição de uma escola democrática, voltada aos interesses e à cultura do aluno e de sua comunidade, o que poderíamos interpretar como um avanço em relação à posição que culpa a vítima pelo seu fracasso. Entretanto, é interessante atentar para a ressalva apresentada pela pesquisadora: ao relativizar as desigualdades sociais em nome das diferenças culturais, os dois enfoques que analisam o papel da cultura no fracasso escolar tendem a obscurecer os processos sociais nele envolvidos e a “conformar a escola às relações sociais vigentes” (p.13), perdendo de vista o contexto sócio-histórico-cultural mais amplo que determina o fenômeno. Considerações finais A partir da análise dos artigos que serviram de base para este estudo, conclui-se que as explicações para o fracasso escolar focadas no aluno, em sua família e em sua cultura continuam vigentes, mesmo após tantos anos terem passado, desde o seu aparecimento, e mesmo após a produção de grande volume de pesquisas sobre esse assunto. É notável a sobrevivência desse tipo de explicação em um contexto no qual a importância dos fatores sócio-histórico-culturais têm sido amplamente divulgada e afirmada em inúmeras investigações. No entanto, a revisão realizada indica que, no conjunto de artigos examinados, veiculados em fontes relevantes para a área da educação e da psicologia educacional, há também um bom número de trabalhos que reconhecem o contexto escolar e social mais amplo na determinação do fracasso. Fatores como formação e motivação docentes, métodos de ensino, formas de avaliação, relações interpessoais na sala de aula, concepções sobre fracasso que adotadas, além da infra-estrutura e do material didático-pedagógico precário das escolas são apontados como relacionados ao fracasso escolar. A escola, para Tacca e Branco (2008), parece não estar preparada para educar aqueles que não correspondem as suas idealizações de alunos competentes, como também para refletir sobre seu fazer pedagógico e perceber sua contribuição para a produção do fracasso de seus alunos. Alguns artigos propõem analisar o fracasso escolar em uma perspectiva histórico cultural. Partir dessa premissa é conceber que, tanto o indivíduo, como a família e a escola, estão inseridos e são produtos de um contexto histórico, social e econômico; é estudar o desenvolvimento psicológico do ser humano em constante movimento e mudança no qual ele modifica a natureza e é modificado por esta. Um ser humano que vai se humanizando por meio das relações sociais que estabelece, mediadas por instrumentos materiais e psicológicos (signos); um ser humano que não nasce com suas funções psicológicas superiores prontas e acabadas, mas as desenvolve no decorrer de sua vida principalmente pela aprendizagem. Um ser humano em constante mudança e criativo que pode encontrar no ensino, caminhos para modificar sua história de fracasso escolar. Referências: ASBAHR, Flávia da Silva; LOPES, Juliana Silva. A culpa é sua. Revista de Psicologia da USP, São Paulo, v.17 n.1, p. 43-73, Mar. 2006. http://dx.doi.org/10.1590/S0103- 65642006000100005. Acesso em: 05 set 2011. 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