DESENHO COMO PONTE CONCEITUAL ENTRE
AS ARTES, AS TÉCNICAS E AS HUMANIDADES
O CASO DO SIGNO FÁLICO
Francisco Antônio Zorzo
UFBA, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências
[email protected]
Resumo
Este trabalho trata do desenho como ponte conceitual que se associa às
artes, técnicas e humanidades. Foi escolhido o caso do signo fálico para
mostrar como seu uso ocorre nas artes, nas técnicas construtivas e na
teoria da linguagem. Depois de desenvolver uma reflexão sobre signo
fálico, finaliza-se o trabalho com uma discussão sobre as interfaces
conceituais e as condições de interação do desenho nos diversos campos
de conhecimento.
Palavras-chave: desenho, signo fálico, conhecimento, linguagem.
Abstract
This work treats the drawing how conceptual link which is associated with
the arts, technics and humanidades. The choice of the phallic sign is used
to show your use in arts, technics and the language’s theory. After
consideration about the phallic sign, the work ends with a discussion in
conceptual interfaces and the real conditions of the drawing’s connection
with the sciences and techniques.
Keywords: drawing, phallic sign, knowledge, language.
1
Introdução
O desenho tem sido um produto cultural notável ao longo do processo civilizatório.
Através dele o conhecimento científico tem fincado suas raízes mais antigas no
pensamento racional, tal como foi formulado desde a antiguidade clássica. Como se
sabe, esse conhecimento foi construído na antiguidade a partir dos estudos da
geometria, da filosofia e das artes. O desenho serviu, no caso extraordinário da
matemática grega, como um dos pilares da educação. A própria academia de Platão
tinha como lema permitir somente a entrada de geômetras em seu meio.
O presente trabalho tem como propósito refletir sobre as pontes conceituais
proporcionadas pelo desenho para mediar a relação entre as artes, as técnicas e as
humanidades. Neste estudo, foi escolhido o signo fálico como o foco da investigação
gráfica, visual e cognitiva a respeito do desenho. Por ser tão primário como o sexo e
tão antigo quanto as mais remotas conquistas espirituais, o signo fálico se relaciona
com uma dimensão fundamental da criatividade humana.
Para acompanhar esta reflexão, é preciso, de antemão, evitar um mal entendido
frequente, pois muitas vezes opõe-se arte e conhecimento. A oposição entre arte e
pensamento racional, como diz Paul Valéry (2007), tão sedutora por sua simplicidade,
merece ser discutida e superada. Um excelente caminho, que aqui será trilhado
conceitualmente, ligando os diversos campos do saber, é pautado pela teoria da
linguagem. No plano formal, o signo fálico proporciona uma ponte conceitual entre as
artes, as técnicas e as humanidades. Esse laço permite uma retomada da reflexão
teórica sobre a função do desenho, através de teorias do signo, da cultura e da arte.
2 O desenho como signo icônico e espacial
Desde os primórdios da humanidade, o desenho foi usado em suas vertentes
naturalistas e esquemáticas (HAUSER, 1984). Tanto para representar objetos do
mundo ao modo naturalista, quanto para simplificá-los e criar convenções gráficas, o
ato desenho tem início a partir do ponto, da ativação do traço e da linha, do contorno e
de outros aspectos expressivos e configuradores do signo visual (DAMISH, 1995).
O elemento genético do desenho, tal como é gerado na experiência mais
rudimentar, é o ponto. Num verdadeiro empenho corporal, a partir do momento em que
o carvão, o lápis, o pincel, ou qualquer outro instrumento toca a superfície do papel, a
emergência do desenho movimenta o pensamento. O ponto ativa e desencadeia a
composição dos objetos mais complexos.
Um exemplo desse começo do desenho, que perdura no tempo, é a inscrição, tal
como ocorre na escrita cuneiforme e ideogramática. A inscrição tem valor de índice, tal
como a incisão de um objeto cortante sobre a superfície de um suporte. As operações
pulsionais de corte, de inscrição e de incisão são ações concretas que realizam o
signo e colocam em andamento a linguagem e não meras abstrações ou alucinações
primitivas.
Com base nesse elemento genético, vai se desenvolver o traço e a linha ativa.
Elementos como o ponto e o traço proporcionam um sentido, pois captam algo que
nasce e se forma. Isso se dá, por exemplo, no crescimento do bambu nos desenhos
orientais. Um simples traço puxa o outro, como no aforismo de Shitao (DAMISH,
1995): “Você que vai tão longe, começa por um simples passo – ou traço”.
Material e mentalmente, o desenho segue um impulso de saber. No passo
seguinte, a linha ativada promove uma inflexão, num movimento que gera o ângulo ou
a curva. Reunindo duas direções, o ponto de inflexão promove excepcionalidades ao
longo da linha. O encurvamento do eixo de deslocamento conduz à representação de
contorno dos objetos. O contorno por seu processo gráfico cumulativo tem a
capacidade de descrever e narrar, tanto como idealização como expressão de
significados que se agregam, num caminho em que surge outra característica
complementar, o aspecto figurativo.
Dotado de uma força de significação, surge o signo fálico. O signo do falo é uma
singularidade dentre outras possíveis no processo generativo, em que a linguagem
gráfica vai proporcionando signos cada vez mais complexos. O signo gráfico ou visual
se torna fálico quando, mediante uma inflexão da linha, com grande tendência
verticalizante, resolve a indeterminação da linha e do traço elementares. O desenho,
que segue esse impulso, alcança um saber sobre o objeto que representa.
Fig. 1 – Formas fálicas de obelisco
Fonte: elaboração do autor
Quando o desenho toma o aspecto de um objeto, atinge-se a forma de um
discurso. Como formulou Witgenstein (1989): aprende-se a descrever os objetos e
assim se aprendem todos os jogos de linguagem. Portanto, os signos icônicos
permitem visualizar e conceber o mundo. Cabe ao desenhista ver a figura gerada
como um aspecto e não como uma coisa. Nesse processo conceptivo do material
significante, o signo fálico remete acima de tudo ao fluxo da linguagem.
Assim como há uma linguagem inscrita no corpo, o corpo também se articula com
a linguagem através de certos signos, como ocorre com o signo fálico. De um lado há
um processo de dotar o corpo de uma educação, de modo que o corpo de um
indivíduo atende aos comandos civilizatórios e culturais desde a mais tenra idade. De
outro, o corpo oferece à linguagem um conjunto ou repertório de possibilidades. O falo,
enquanto signo corporal, pode ser visto como elemento articulador dessas duas vias
de integração do humano com o mundo.
O signo fálico tem estado frequente na produção gráfica de todas as épocas por
suas peculiaridades no campo semântico e formal. Mas, vale dizer ele é um tema
bastante sugestivo do desenho contemporâneo. Tanto a partir da metáfora como da
metonímia, o signo fálico proporciona um caminho criativo para a produção visual
atual. A série das operações metafóricas do signo fálico é a da equivalência com a
força, com a capacidade de algo se elevar ou com o vetor vertical. A metonímia básica
é a da parte pelo todo, ou seja, do falo enquanto correspondente do corpo ereto.
3 Processo de significação e comunicação
O signo, a partir da conhecida teoria de Fernand
Saussure (apud ECO, 1985),
compõe-se de dois lados, o significante e o significado. Esses dois componentes do
signo merecem receber atenção em separado. O significante é o material sígnico,
podendo ser visual, sonoro, literal, ou de outro tipo, enquanto que o significado é o
conceito que o signo transmite.
Tendo essa teoria em vista, o signo fálico pode ser pensado enquanto mito,
conforme a teoria da Roland Barthes (2003). O signo fálico, enquanto construção
mítica, gera um sistema de significação, que amplia e multiplica as possibilidades que
ele transmite, podendo sempre agregar um significado a mais para compor novos
signos correlatos.
Vejamos como o falo constitui esse sistema mítico de significação, que pode
agregar os mais diversos significados, compondo mais e mais signos. Pode-se partir
de um esquema icônico que representa o signo fálico, como um objeto ereto que
significa falo. Ao signo inicial, a linguagem agrega novos significados, como por
exemplo, coluna, pilar, obelisco, pináculo, no campo da arquitetura, mas também
força, poder, riqueza, no campo da política, e assim por diante.
Dentro dessa cadeia de significação, para Humberto Eco (1985,) o falo seria um
signo que se diferencia de muitos outros por sua replicabilidade. A partir da
classificação piercyana empregada por Eco (1985), o falo seria um legisigno. Como
legisigno ou type, o signo fálico serve de modelo abstrato e intercambiável nas mais
diversas condições e contextos de referência. Dentro dessa mesma classificação,
como uma ocorrência concreta do legisigno, o falo pode vir a ser um sinsigno ou
token. Ou seja, conhecemos o falo como legisigno, mas o encontramos concretamente
como sinsigno, já que ele se replica de diversas maneiras, gráficas, escultóricas, ou
outras. Seguindo adiante, um falo de vidro, ou um lingam de gelo numa gruta do
Himalaia, transforma o legisigno em qualisigno ou tone, que varia pela transparência,
cor, textura e que obtem valor pela intensidade de alguma característica pictórica ou
material (ECO, 1985, p.50 e 51).
Fig. 2 – Esculturas do lingam à venda nas ruas de Varanasi (Índia)
Fonte: foto do autor (2006)
Na aparição escultórica, como obra estática, o signo fálico exibe a desenvoltura
que interrompe o fluxo do tempo, tal como o gesto de um dedo que fica no ar ou de um
revólver engatilhado pronto para o disparo. Como sistema de significação, o signo
fálico desencadeia efeitos e agrega valor semântico aos fatos da linguagem e
comunicação, tal como uma torre elevada no perfil horizontalizado de uma cidade de
edificações mais baixas.
Os monumentos do tipo obelisco, minarete e torre constituem signos fálicos. Do
ponto de vista espacial, são eixos de referência em relação ao plano, local e centros
de alta intensidade, dotados de uma distinção vertical em meio ao vazio do entorno.
Esse tipo de construção, na história da arte é muito frequente, tal como ocorre desde
as mais remotas eras, no zigurate, nas pirâmides e na torre do forte, que vem marcar
o espaço do campo, do deserto e do tecido urbano indistinto.
No rito de fundação das cidades antigas, como é o caso de Roma e dos
assentamentos romanos, em que se fundava o mito da terra fecundada pelo falo
(RYKWERT, 1985) . Esse mito está presente também no sentido de terra dos pais,
terra patrum, pátria. A fecundidade era, na antiguidade, assegurada de modo figurativo
e enfático. O símbolo do instrumento de fecundação era o arado, que assimilado pelo
corno do toro e pelo falo. O rito do sulcus implicava numa associação simbólica com a
fecundidade e a defesa, bem como o limite entre o urbano e o agrícola.
Do ângulo da leitura dos processos de subjetivação, por outro lado, o signo fálico
desenrola uma cadeia de significantes, aos quais o sujeito se apega e repete
indefinidamente. Como se verá mais adiante, mesmo quando barrado, o significante
se presta para compor uma rede de significados que deriva ao longo do tempo. Entra
aqui a questão da construção da memória. O signo idealmente fálico é o que perdura e
agrega sentido, pois há uma diferença entre a sua impressão original na memória e as
lembranças que proliferam posteriormente.
O processo de significação e comunicação é, então, o que realmente importa
enquanto resultado da operação do signo, seu uso, sua potência e seu desenrolar
mental, visual e gráfico. O signo propriamente fálico é o que perdura na memória.
Convém perceber que o sexo do sujeito que o emite ou o recebe é secundário. Seja
um autor homem ou mulher, isso não importa, mas sim o resultado da utilização do
signo no plano imaginário e simbólico.
4
Desenho, expressão e subjetividade
Será conveniente, agora, retomar uma passagem importante da atitude perante o
signo. A linguagem além de ser uma figuração do mundo, que demarca conteúdo
objetivo, ganha uma existência subjetiva. Quer dizer, o signo fálico é um signo de algo
para alguém. Convém observar de perto a linguagem do desenho em sua interação
com o sujeito, que conduz ao signo fálico, que como significante, de alguma contempla
a diferença entre o objeto do desejo e que é realizado graficamente no papel ou
representado na mente.
No caso do desenho livre e abstrato, muitas vezes o traço é lançado como um
significante em busca de um significado posterior, podendo ou não se fechar em uma
figura ou imagem. Cabe ao desenhista optar por enfatizar um dos dois lados do signo,
a diversificação do material significante ou a normalização do significado. Essa
passagem diferencia o desenho enquanto obra de desenho técnico, ou o trabalho de
copista, do desenho como resultado por si mesmo, ou seja introduz a dimensão
subjetiva na obra.
Atribuir significado pode vir no andamento do ato do desenho, o que pode ser uma
conquista de expressão que acompanha o trabalho gráfico. Isso se explica de diversas
formas ao trabalho visual. Intensificar ou abrandar o traço, introduzir legendas
e
outras convenções podem ser usadas nesse caminho do desenho.
Para Lacan, a aquisição da linguagem é um percurso na constituição do sujeito. A
linguagem se estrutura a partir de uma cadeia de signos. Para se formar algo que se
possa chamar de língua e que operacionalize uma linguagem é preciso partir de algum
material significante. Para Lacan (2011), nesse percurso, o significante falo é
primordial.
Não há somente o gozo do corpo, o que já é muito, mas também, o gozo da
linguagem que tem, por consequência, efeitos duradouros na cultura. No processo de
sublimação que é um dos destinos do impulso de saber, os signos fálicos entram tanto
no campo simbólico como no imaginário. A fantasia e a obsessão dos desenhistas se
alimentam de signos fálicos que expandem a figuração interminavelmente.
O desenho como modo de expressão do mundo psíquico faz emergir muitas vezes
signos fálicos, num processo de associação de signos ou ideias. Em diversos campos
do saber, surgem elementos que direta ou indiretamente remetem ao falo. Ao longo do
processo civilizatório, o amor tem um papel decisivo, conforme a teoria de Marcuse
(1981) em Eros e Civilização. É devido ao seu caráter de veículo da sublimação que o
signo fálico proporciona o meio para muitas realizações culturais e morais elevadas.
5
A relação do signo icônico com as artes e as humanidades
Quando se pergunta sobre o que há em comum e quais são as diferenças entre o
desenho tal como é concebido e aplicado nas artes e nas humanidades, surgem várias
questões, aproximações e distinções que podem ser avaliadas. Os efeitos do desenho
variam de acordo com os procedimentos empregados nos respectivos campos. A
arquitetura, o design, a comunicação
visual usam o desenho de modo variado,
podendo partir de uma base científica, mas tendendo a se liberar das amarras da
lógica e da epistemologia, para obter alcances especulativos e efeitos de linguagem
próprios de seu campo criativo (ZORZO 2011)
O uso de formas fálicas no caso da arquitetura é notável, pois seguindo a noção
de techné, ela constitui um campo de conhecimento que concilia a arte e tecnologia.
Na arquitetura, o desenho prefigura a construção espacial, de modo que o signo fálico
pode servir de referência para a volumetria de um monumento. Os arquitetos pósmodernos fazem muitas releituras das simbologias de tradição diversa a partir do
significante falo. Arquitetos conseguem praticar sua linguagem empregando a forma
do “projétil apontado aos céus”, como é o caso da torre Agbar de Barcelona projetada
por Jean Nouvel (GABRIEL, 2012).
Fig. 3 – Torre Agbar Projeto de Jean Nouvel em Barcelona
Fonte: Fotografia do autor (2006)
O desenho no campo das humanidades, seja na ilustração de um conto de fadas,
seja na construção de um diagrama ou esquema mental, também segue regras e
procedimentos controlados. Cada campo do conhecimento tende a acumular
conhecimentos e compor objetos com o desenho. Cada campo do conhecimento
emprega o desenho com rigor e conjunto de regras que lhe é devido (ZORZO, 2007).
Os problemas interpretativos envolvidos na descrição das formas da natureza, das
atividades construtivas e da linguagem são compartilhados pelas técnicas, as artes e
humanidades. Seria um erro supor que os componentes icônicos ou visuais, como o
signo fálico, que podem ser manipulados através do desenho, sejam menos
importantes que os discursivos.
Ao se formar uma ideia, seja qual for o campo de estudo, pode-se usar o desenho
como artifício de abstração, partindo de uma noção particular para um grau de
generalização maior. É como artifício ou ponte conceitual que o desenho alcança uma
capacidade de trânsito entre as diversas disciplinas (ZORZO, 2011). O desenho como
linguagem e racionalidade constitui uma das principais conexões formais entre as
ciências.
O uso do signo fálico pode ir da escultura à arquitetura, da linguagem da poesia
para a do cinema, e ir além do campo acadêmico, chegando facilmente ao campo da
cultura e do lúdico (ZORZO 2011). Isso comprova que, se há jogos de linguagem
diferentes, há diversificados procedimentos de desenho, construídos segundo lógicas
de sentido muitas vezes divergentes, mas que podem contar com o significante fálico
como fonte.
6 Signo fálico – função e gozo
A função-signo, ou função objetual do signo, tornou-se um dos capítulos mais
importantes da semiótica contemporânea (ECO, 1985, p.36). A preocupação com as
mediações entre os signos e o se relacionamento com os objetos, na sociedade de
consumo, é estudada como um sistema de comunicação e de atitudes sociais.
Humberto Eco dá, aqui, o exemplo do relacionamento entre os cargos numa
corporação, que leva à necessidade de instalar signos de poder entre o diretor e os
seus colegas e interlocutores.
No âmbito do design as funções dos objetos, de acordo com a conhecida
classificação de Mukarovsky (apud COELHO, 2008), são práticas, estéticas e
simbólicas. A função simbólica (IDEM, 2008, p.198) pode estar ligada a aspectos
psicológicos, ou de outro tipo, que são associados ao objeto em questão.
A função também pode ser denotada nos signos da arquitetura. Todo objeto
arquitetônico tem uma função primeira, de significar um uso, assim como uma cadeira
é dotada do papel de sentar. Mas os objetos tem também uma função segunda, com
características sígnicas ainda mais explicitadas e ostentadas, como é o caso de uma
cadeira dotada de função política e ornamental, que a tornam um trono. No caso do
caso dos signos fálicos, não raro, atingem-se, na passagem da função primeira para a
segunda, características rituais e até de ordem religiosa (ECO, p. 37).
Fig. 4 – Grafite de Dan Perjovschi na galeria da Fundació La Caixa (Barcelona)
Fonte: Fotografia do autor (2006)
Não se pode esquecer, nesse sentido cultural, que na Índia há uma tradição
milenar de incluir o signo fálico na arquitetura. O falo é chamado linga ou lingam, e
pode ser visto nos templos, residências e outras edificações hindus. Lingam na cultura
hindu é um termo que quer dizer signo de Shiva, ou simplesmente signo. Segundo
Daniélou (2006), o lingam é tratado num dos livros tradicionais da Índia, como o Shiva
Purana, como emblema divino, símbolo de energia, objeto de amor e fonte de gozo.
A função fálica, além desse componente espiritual tradicional, é uma função
lógica, quer dizer, que encadeia signos segundo determinados requisitos formais.
Lacan explicita nos seus “Escritos” a função fálica. O significante falo é fundamental no
encadeamento do logos com o desejo. Vale retomar, segundo a psicanálise que o
gozo fálico não é restrito ao adulto, nem ao homem, nem se prende a alguma
definição sexista, mas sim a uma estrutura subjetiva.
Esse prazer com a linguagem, obtido por meio do signo é compartilhado em
diversos campos do saber, entre as humanidades e as artes poéticas. Num poema do
poeta concretista brasileiro, Haroldo de Campos (1979, P. 45) isso fica bem claro nos
versos seguintes: “o lápis tudo/ colitera/ exfoliando letras/ no papel/ ereção de
signo/natura naturante...”
Há um gozo em retratar, mesmo de modo esquemático e pouco explícito, signos
fálicos. Há uma tendência obsessiva que comparece em muitos desenhos que se
elevam e que se relacionam a um impulso gráfico falicizante. Não é preciso ir muito
longe para reconhecer tais impulsos. Os desenhos de Picasso (ZORZO, 2007) trazem
inúmeras vezes esse componente, através de alegorias sexuais de touros e sátiros
que atuam em cenas de sexo.
A experiência do desenho põe em ato um mecanismo pulsional. No pulso do
desenhista essa descarga dota o desenho de uma dinâmica singular. Na obra de cada
artista, seja em Edgar Degas, Pablo Picasso ou Marcel Duchamp, o desenho tem esse
caráter pulsional, segundo os tons e a precisão que lhe são próprios (ZORZO, 2007).
O psicanalista Jacques Alain Miller (2010) cita o exemplo da função fálica, a obra
do escultor César que faz a compressão de carros velhos e faz cubos. Esse artista faz
“uma tremenda compressão da fantasia”. Seu empenho subjetivo consiste em
atravessar os distintos níveis da fantasia e ficar só com o osso, constituindo um
compacto e insistente gozo fálico.
Se o uso signo fálico é um dos laços que fundamenta a imaginação e a linguagem,
como tudo o que pertence ao campo do humano, não deixa de haver a
degenerescência de sua aplicação. Dentre outras, o priapismo é uma das
possibilidades de aplicação bizarra, conduzindo o signo fálico do logos ao pathos.
7 Considerações finais
As especulações sobre o uso do signo fálico e de seu papel no funcionamento da
mente parecem ser úteis para ampliar as possibilidades do uso da linguagem e da
compreensão dos processos formativos do desenho. Como exercício heurístico, pelo
menos, tende a dar vazão a formidáveis possibilidades cognitivas, às vezes pelo
caminho da abstração e às vezes pela figuração.
O signo fálico ingressa na formação do sujeito e na aquisição da linguagem, na
tenra idade, sendo fator criativo no desempenho adulto do discurso visual e verbal. O
uso do desenho e do signo icônico, talvez por um efeito que se singulariza, ao ritmo de
um de salto ou de fragmentação, produz uma mudança e, quando for o caso, uma
pequena quebra de paradigma. Às vezes, pelo caminho de processos de síntese a
linguagem do desenho quando retoma o significante fálico, entra na construção de um
novo ciclo cognitivo, pois produz uma espécie de atração, ou uma função de
integração de conteúdos, reunido traços que antes poderiam parecer heteróclitos.
Em formas que podem ser analisadas segundo os diversos campos do desenho,
portanto, o signo fálico se associa ao desenho como desígnio ou ponte conceitual.
Enfim, o desenho continua a ser, ativamente, uma ferramenta de grande utilidade para
descrever o funcionamento e ativar a construção do mundo. O uso do desenho
emerge em diversos campos de aplicação e áreas de conhecimento. Visualizar as
formas é sempre uma tarefa importante, pois ver é conceber.
Referências
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WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
ZORZO, Francisco Antônio. Procedimentos Visuais. Alguns Problemas do Desenho
Contemporâneo. In: Anais do Graphica 2007. Curitiba: UFPR. 2007.
ZORZO, Francisco Antônio. Desenho - Ponte Conceitual entre as Ciências e as
Técnicas. In: Anais do Graphica 2011. Rio de Janeiro: UFRJ. 2011.
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