PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Programa de Pós-Graduação em Direito CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM “DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS” DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS ASPECTOS RELEVANTES DA TUTELA INDIVIDUAL E COLETIVA DO CONSUMIDOR Mestrado - Doutorado Prof.ª Dra.ª PATRICIA MIRANDA PIZZOL MONOGRAFIA: TUTELA COLETIVA. PETIÇÃO INICIAL E RESPOSTA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2º SEMESTRE – 2007 Aluno.: MARCELO TAVARES CERDEIRA 1 SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Da busca da efetividade da tutela no processo coletivo 3. Microssistema coletivo 4. Lacunas do microssistema coletivo e aplicação subsidiária do CPC 5. Petição inicial e resposta nas lides coletivas – aspectos procedimentais relevantes 5.1. Aspectos gerais da petição inicial e resposta no processo coletivo. 5.2. Petição inicial. 5.2.1. Valor da causa. Fixação do rito processual e outras implicações. 5.2.2. Pedido e causa de pedir. Teorias da substanciação e individuação. Princípio ou regra da congruência. 5.2.3. Pedido certo e determinado. Condenação genérica. 5.2.4. Pedidos cumulativos, sucessivos, subsidiários e alternativos. 5.2.5. Aditamento à petição inicial coletiva. Atuação do Ministério Público. 5.2.6. Limites da atuação do Ministério Público na ação popular. 5.2.7. Documentos necessários para instruir a petição inicial coletiva. 5.2.8. Pedido de tutela antecipada e outros meios de obter a pretensão de forma célere e efetiva. 5.3. Resposta nas ações coletivas. 5.3.1. Da intimação e citação no processo coletivo. 5.3.2. Prescrição entre ações coletivas e individuais. 5.3.3. Espécies de defesa admitidas no processo coletivo. Outras questões atreladas à defesa. 6. Anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos e projeto de código modelo de processos coletivos para Ibero-América 7. Ações trabalhistas coletivas e aplicabilidade do microssistema 7.1. Da juntada de rol de substituídos na petição inicial da ação trabalhista coletiva. Da reação da defesa 8. Conclusão 2 1. Introdução O presente estudo é voltado à análise da petição inicial e da contestação no processo coletivo. Trata-se de tema de grande interesse, considerando que a petição inicial é peça fundamental do processo, que em regra fixa os limites a serem atingidos pela ação em seu objetivo final. E as regras da defesa fazem-se igualmente importantes, pois há peculiaridades essenciais em se tratando de lide coletiva. Visa assim o presente trabalho, abordar alguns pontos acerca das peculiaridades da petição inicial e da defesa nos processos coletivos, considerando as regras aplicáveis inseridas no denominado microssistema voltado às lides coletivas, composto pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei de Ação Civil Pública, Lei da Ação Popular, Mandado de Segurança Coletivo, dentre outros instrumentos, bem como suas lacunas, supridas pela aplicação do processo comum (CPC). Em muitos pontos, como se verá, a petição inicial e a defesa são praticamente idênticas às regras do processo comum, disciplinado pelo Código de Processo Civil. Em outras oportunidades, veremos que as disposições do processo comum, diante das lacunas do microssistema, são incompatíveis, considerando, por exemplo, os próprios limites do pedido inicial e os efeitos da revelia no processo coletivo, que na maioria das vezes trata de direitos indisponíveis. Trata-se sem dúvida de questão polêmica a aqui enfrentada, cuja doutrina e jurisprudência infelizmente não são tão vastas, havendo várias questões de difícil solução ou pelo menos de solução não tão pacífica. Em se tratado de processos coletivos, os principais problemas decorrem das grandes lacunas do microssistema e da incompatibilidade da aplicação subsidiária das regras do processo comum (CPC), cuja origem é nitidamente voltada a resolução de conflitos na esfera individual. Há questões como os limites do pedido e a causa de pedir, aditamento à petição inicial, resposta, impedimento e suspeição, revelia, julgamento antecipado da lide, valor da causa, etc., que não são resolvidas pelo microssistema de jurisdição coletiva e nem pela aplicação subsidiária do processo comum. Há necessidade de verdadeira “adaptação” das regras do processo comum na maioria dos casos enfrentados na esfera coletiva, cabendo aos princípios e à jurisprudência resolver certos entraves. A LACP, assim como o CDC, são leis processuais extravagantes, e como tal, tem cunho predominantemente processual: dispõem sobre modalidade de ações, sobre foro, rito, legitimidade, atuação do MP, sentença, coisa julgada e execução coletiva/individual; mas são omissas em muitos aspectos processuais, não bastando a 3 simples aplicação subsidiária das regras do processo comum para resolver todos os problemas das lides coletivas. As disposições do Anteprojeto de Código de Processo Coletivo bem como do Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, visam solucionar vários impasses do processo coletivo atual, buscam enfrentar as questões polêmicas hoje sem solução plena, como as enfrentadas neste trabalho. Mas o primeiro diploma está em lenta tramitação, e tende a ter grande parte de seus dispositivos excluídos ou vetados ao final. O segundo diploma, cujo anteprojeto foi recentemente aprovado, apesar de sua importância, não tem força plena de lei. Por fim, em se tratando de ações coletivas, cumpre ainda mencionar nesta introdução, a importância das ações coletivas trabalhistas, onde a efetividade tem se demonstrado superior aos outros ramos do direito, devido à maior celeridade processual trabalhista e inexistência de mecanismos protelatórios similares aos do processo comum, como é caso, por exemplo, do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias. Também nas lides trabalhistas coletivas, observa-se a aplicação do microssistema coletivo acima mencionado (regras do CDC, LACP, etc.), além das regras do direito processual do trabalho, que tem suas lacunas supridas pelas regras do processo comum. Na esfera trabalhista, por exemplo, quanto às possíveis modalidades de ação coletiva, observam-se o dissídio coletivo, as ações civis públicas, as ações coletivas tutelando interesses coletivos em sentido estrito, e individuais homogêneos, cabendo aos co-legitimados coletivos a interposição destas ações, como se dá com o Ministério Público do Trabalho, Associações, Sindicatos, etc. Neste contexto, a seguir, serão abordadas algumas questões relacionadas ao pedido inicial e resposta nas ações coletivas, sendo inevitável a abordagem paralela de alguns pontos ligados ao processo individual e coletivo, bem como peculiaridades de ações integrantes do microssistema de jurisdição coletiva. 2. Da busca da efetividade da tutela no processo coletivo Em se tratando do estudo da petição inicial e resposta nas ações coletivas, necessário um parêntesis sobre os princípios que norteiam esta modalidade de tutela. Os princípios, no que tange ao Direito, são parte estrutural do sistema jurídico, interferindo na elaboração das normas. fontes acessórias do Direito. De outro ângulo, os princípios são Além disso, os princípios são auxiliares e definidores na interpretação e na aplicação do Direito no caso concreto. 4 O CPC, diploma de solução de conflitos tipicamente individuais, é a fonte subsidiária para suprir lacunas do denominado microssistema aplicável à tutela coletiva, composto pela interação entre CDC e LACP, dentre outras normas1. Considerando assim que muitas das regras do CPC são incompatíveis com o processo coletivo, e que dentro do próprio microssistema podem surgir contradições e outras incompatibilidades que prejudicariam o processo coletivo, tem-se nos princípios a solução de grande parte dos problemas, não só como fonte inspiradora de normas mais perfeitas e compatíveis, mas também no que tange a sua aplicação como fonte subsidiária do Direito, e também quanto à sua função interpretativa e norteadora da aplicação do Direito ao caso concreto. Gregório Assagra de Almeida destaca em sua obra, dentre outros, o que denomina de “Princípios específicos do direito processual coletivo comum”, destacando a importância do princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo; do princípio da máxima prioridade jurisdicional da tutela jurisdicional coletiva; do princípio da disponibilidade motivada da ação coletiva, do princípio da presunção da legitimidade “ad causam” ativa pela afirmação do direito, do princípio da não taxatividade da ação coletiva; do princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva comum; do princípio da máxima efetividade do processo coletivo; do princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum; do princípio da obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Publico.2 O princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo é sem dúvida muito importante, também no que se refere aos formalismos processuais normalmente exigidos, onde se inclui a exigida perfeição da petição inicial por exemplo. Ao discorrer sobre tal princípio, o referido autor assim o faz: “Assim, como guardião dos direitos e garantias sociais fundamentais, o Poder Judiciário, no Estado Democrático de Direito, tem interesse em enfrentar o mérito do processo coletivo, de forma que possa cumprir seu mais importante escopo: o de pacificar com justiça, na busca da efetivação dos valores democráticos. Com efeito, o Poder Judiciário deve flexibilizar os requisitos de admissibilidade processual, para enfrentar o mérito do processo coletivo e legitimar sua função social.”3 Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., em sua classificação quanto aos princípios atinentes à tutela coletiva, destacam o que denominam de princípio da 1 O microssistema voltado às ações coletivas será estudado no tópico seguinte Almeida, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 570-9. 2 5 instrumentalidade substancial das formas e do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo, definindo-o de forma similar ao princípio acima destacado: “O princípio em comento, subdividido em duas funções, apresenta íntima relação com as premissas do formalismo-valorativo de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, o processo não é fim em si mesmo, está voltado para a obtenção da justiça material e de pacificação social, sendo que seus institutos, na atual quadra da história de nosso desenvolvimento jurídico, deverão ser conformados pelas máximas estabelecidas pela Constituição Federal. A Constituição que estabelece ser o nosso país um Estado Democrático Constitucional de feição pluralista, significa dizer aberto o sistema a realidade social e a efetivação dos valores democráticos”.4 Apesar de impossível neste estudo focado enfrentar todos os princípios relativos à tutela coletiva, não há como negar a infinita importância dos princípios em qualquer ramo do direito, mormente em se tratando de ramo novo, onde existem ainda mais lacunas e incompatibilidades. Os princípios, neste contexto, são fundamentais para a solução dos conflitos. E quanto aos formalismos processuais inúteis, os princípios indicam a necessidade de uma visão mais aberta, mais ampla, na busca da efetividade plena da ação, que deve ter seu mérito analisado. Isso se aplica não só quanto às regras da petição inicial coletiva, mas também quanto à defesa, considerando, por exemplo, o princípio do contraditório, aplicável às lides coletivas. Rodolfo de Camargo Mancuso, analisando em sua obra aspectos procedimentais da ação civil pública, e como conseqüência das demais ações que integram o microssistema de jurisdição coletiva, valendo-se dos ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco, assim se manifesta em relação aos princípios, em vista de sua importante atuação, que se situa hierarquicamente, acima do procedimento: “Cândido Rangel Dinamarco, discorrendo sobre a instrumentalidade, como idéia-força para se alcançar a efetividade da prestação jurisdicional, aponta quatro escopos (admissão em juízo, o modo-de-ser do processo, justiça das decisões e efetividade das decisões). Um desses escopos – o modo de 3 Ob. cit. p. 572. Junior. Fredie Didier e Hermes Zaneti. Curso de direito processual civil – processo coletivo – vol. 4. 1a. ed. Edições JusPODIVM:Salvador, 2007, p. 120. 4 6 ser do processo – corresponde ao rito ou procedimento – “é o amálgama que funciona como fator de coesão do sistema, cooperando na condução do processo sobre os trilhos dessa conveniente participação do juiz e das partes (aqui incluindo o Ministério Público). Compreende-se que seja relativo o valor do procedimento em face desses objetivos, sendo vital a interpretação inteligente dos princípios e a sua observância racional em cada caso;”” 5 (gn.) A seguir, será traçado um panorama do microssistema voltado à tutela coletiva, considerando as normas que o compõe e regem, para que depois seja enfrentado o problema da petição inicial e defesa nas lides coletivas. 3. Microssistema coletivo Em se tratando de análise da petição inicial e da resposta nas lides coletivas, necessária se faz uma abordagem sobre a legislação existente e aplicável à tutela coletiva. Acerca das diversas normas jurídicas referentes à tutela dos interesses metaindividuais em juízo, Hugo Nigro Mazzilli destaca o seguinte em sua obra, fazendo um verdadeiro retrospecto: “Advinda pouco antes da promulgação da Constituição de 1988, chegou a marcar época a chamada Lei da Ação Civil Pública – LACP (Lei n. 7.347/85), por permitir a propositura de inúmeras ações para a defesa de interesses transindividuais e servir de base para novas leis que ampliaram sua abrangência. (...) Reportando-se à LACP, sobrevieram a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989 (que cuidou da ação civl pública em defesa das pessoas portadoras de deficiência), a Lei n. 7.913, de 7 de dezembro de 1989 (que dispôs sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores imobiliários), a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA), a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (CDC), a Lei n. 8.864, de 11 de junho de 1994 (que instituiu a ação de responsabilidade por danos causados por infração à ordem econômica), a Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997 (que intentou limitar o alcance da coisa julgada na LACP), a Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade, que 5 Mancuso, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. 10 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 86. 7 incluiu no objeto da ação civil pública a defesa da ordem urbanística), a Med. Prov. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001 (que restringiu o objeto da ação civil pública), a Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002 (que alterou o art. 88 do CPP, intentando ampliar o foro por prerrogativa de função em algumas hipóteses de ações civis públicas).”6 Neste sentido, apesar da inexistência de uma legislação coletiva específica, pois ainda não há um código de processo coletivo vigente, existe um microssistema, formado por leis diversas que se integram e dão suporte processual às ações coletivas, propiciando sua existência. O Código de Defesa do Consumidor, embora aparentemente voltado ao consumidor e às relações de consumo, como é estampado na sua própria denominação, alterou substancialmente a Lei 7.347/85, Lei da Acão Civil Pública, e como corolário, alterou a própria Ação Civil Pública, tornando-a sem dúvida mais abrangente e efetiva. José Marcelo Menezes Vigliar, assim discorre em sua obra acerca da alteração de sistemática legal dos interesses metaindividuais: “Repita-se: no texto original da chamada “Lei da Ação Civil Pública” previase apenas a tutela de interesses difusos. Os coletivos e os individuais homogêneos, gradativamente, foram sendo inseridos no ordenamento jurídico pátrio, por diplomas legais subconstitucionais posteriores e pela própria Constituição Federal vigente.”7 A grande evolução da tutela coletiva lato sensu no ordenamento jurídico brasileiro deve-se, em grande parte, a duas leis que são recíprocas e apresentam-se interligadas - a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor merecendo destaque, as alterações que esta segunda Lei inseriu no texto da primeira. O artigo 21 da Lei 7.347/85 (LACP) ganhou nova redação com o advento da Lei 8.078/90 (CDC): Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Redação dada pelo artigo 117, da Lei nº 8.078, de 11.09.1990) 6 Mazzilli, Hugo Nigro. A Defesa dos interesses difusos em juízo. 19a Ed. São Paulo:Saraiva, 2006, p. 113-4 8 E quanto à inequívoca reciprocidade das citadas entre as leis, cita-se o artigo 90 inserido no CDC: Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de junho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições. Com relação à reciprocidade dos dois diplomas legais, e quanto à maior abrangência e efetividade da tutela jurisdicional dos interesses metaindividuais trazida pelo CDC, aplicado em conjunto com a Lei anterior (LACP), Vigliar afirma o seguinte: “De qualquer forma, não há o menor receio em se afirmar que a Lei nº 7.347/85 e a Lei nº 8.078/90 tornaram-se diplomas recíprocos, conforme também já se teve a oportunidade de mencionar e que a Lei 8.078/90 aprimora e eleva a tutela dos interesses transindividuais em juízo, constituindo um Diploma a serviço do acesso à justiça, eis que o legislador, com base no excelente anteprojeto apresentado pela comissão de juristas notáveis (Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Júnior, Antonio Herman Vasconcelos e Benjamim, dentre outros), ampliou sobremaneira as modalidades de interesses transindividuais passíveis de serem tutelados em juízo, aprimorou a questão da representatividade adequada, veiculou vocabulário jurídico mais preciso para indicar os vários institutos jurídicos que integram o seu conjunto de disciplinas, disciplinou com mais rigor os limites subjetivos da coisa julgada em matéria de interesses transindividuais etc.”8 As conseqüências práticas que podem ser extraídas da adoção do princípio da interação no tocante a tais diplomas legais é a formação de um microssistema voltado à tutela coletiva, formado pela integração não só dos dois diplomas acima focados (LACP e CDC), mas também de outras normas, anteriores e posteriores ao seu advento, que se completam, tornando a tutela coletiva possível e ainda mais eficaz. Gregório Assagra de Almeida ao tratar da importância da LACP para o processo coletivo, afirma o seguinte em sua obra: “Não há como falar ou pensar em direito processual coletivo comum, no Brasil, antes da entrada em vigor da Lei n. 7.347/85, que instituiu a ação 7 Vigliar, José Marcelo Menezes. Interesses difusos e coletivos. 2a Edição. São Paulo: CPC, 2002, p. 51. 8 Ob. cit. p. 64. 9 civil pública. Isso porque não existia em nosso país um microssistema próprio, como existe hoje, de tutela dos direitos de massa.”9 E mais adiante, ao tratar do tal microssistema em si, no tocante à integração de outros dispositivos legais, assim se manifesta: “com o advento do CDC, passou a existir, em nosso Ordenamento Jurídico, um microssistema integrado, decorrente da completa interação entre o CDC (art. 90) e a LACP (art. 21), diplomas esses fundamentais para a tutela jurisdicional coletiva comum”10 Em matéria coletiva, ocorre interação também com a Lei da Ação Popular, bem como com as regras do Mandado de Segurança Coletivo. O tal microssistema deve ser visto amplamente, considerando os princípios que regem a tutela coletiva. Neste sentido, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., ao tratarem em sua obra do microssistema do processo coletivo, afirmam o seguinte: “o CDC não traz todas as disposições atinentes ao nosso processo coletivo e é importante para a finalidade que atende o processo coletivo que busquemos integrar, no que existe de positivo, os diversos diplomas que referem sobre as ações coletivas.”11 E mais adiante, os mesmos autores assim completam seu raciocínio: “A recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aponta para esta direção em reiterados votos o do eminente Min. Luiz Fux: “A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõe um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se (...)”.”12 Exemplificativamente, cita-se a aplicação das regras do microssistema ao mandado de segurança coletivo, o que demonstra a interação das normas voltadas à tutela coletiva, normas essas, que como dito acima pelo i. Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux, “interpenetram-se e subsidiam-se”. Sobre o tema, assim se 9 Op. cit. p. 263. Ob. cit. p. 582. 11 Ob. cit. p. 49. 12 Ob. cit. p. 51 – citando julgado do STJ – RESP nº 510.150/MA, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.2.2004. DJU de 29.3.2004, p. 173. 10 10 manifesta o professor Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ao tratarem do mandado de segurança coletivo, comentando o artigo 5o LXX, da CR/88: “(...) Quanto ao procedimento, o MSC segue as regras processuais previstas nas leis que regulam o MS tradicional (v.g. LMS). Como se trata de ação coletiva, são aplicáveis ao MSC os preceitos processuais e procedimentais da parte processual do CDC e LACP, como, por exemplo, o regime jurídico da coisa julgada coletiva (CDC 103), pois as normas sobre a coisa julgada individual, previstas no CPC 472, são insuficientes para solucionar os problemas do processo civil coletivo do mandado de segurança”.13 (gn.) Nestes termos, todos os dispositivos aplicáveis à tutela coletiva, como por exemplo, à ação civil pública e à ação popular, são aplicáveis também à ação constitucional do MSC, que se vale do microssistema voltado à tutela coletiva. Assim, indicada a integração legislativa básica dos dispositivos que compõe o microssistema aplicável à tutela coletiva, mais fácil se tornará o estudo da petição inicial e da defesa nas lides coletivas, considerando ainda a aplicabilidade das regras do processo comum nas omissões. Ou seja, aquilo que Rodolfo de Camargo Mancuso chamou de “a contemporânea e prestigiada diretriz do diálogo das fontes: LACP, CDC, CPC”14, referindo-se às regras que compõe o microssistema e à aplicação acessória das do processo comum, será o objeto de estudo quanto a petição inicial e defesa nas lides coletivas. 4. Lacunas do microssistema coletivo e aplicação subsidiária do CPC O microssistema possui lacunas, não é completo quanto às regras processuais aplicáveis. Por isso a aplicação subsidiária do CPC, a seguir demonstrada pela transcrição dos artigos 90 do CDC e 19 da LACP: Art. 90. CDC. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de junho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições. 13 Nery Junior, Nelson e Nery, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. São Paulo: Editora RT, 2006, p. 139. 14 Ob. cit. p. 89. 11 Art. 19. LACP. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições. A Lei de Ação Popular, 4717/65, também, como dito acima, integrante do microssistema, possui disposição similar, a saber: Art. 22. Aplicam-se à ação popular as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos desta lei, nem a natureza específica da ação. Mancuso, ao analisar em obra voltada ao estudo da ação coletiva alguns aspectos procedimentais, assim ensina quanto a tais lacunas: “À semelhança do que dispõe o art. 22 da Lei de Ação Popular (Lei 4.717/65), o art. 19 da Lei 7.347/85, sobre a ação civil pública, manda aplicar “o código de Processo Civil, aprovado pela Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições”. Dessa norma se inferem duas conclusões, que podem apresentar interesse para resolver questões de interpretação na aplicação da Lei 7.347/85: (...) B) justifica-se a remissão e a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil porque a Lei 7.347/85, embora de caráter predominantemente processual, não se ateve, detalhadamente, sobre certos temas relevantes, como o pedido, a resposta, a revelia, o julgamento antecipado etc.”15 (gn.). E neste contexto, traz o autor em nota de rodapé de sua obra, na mesma página, a seguinte anotação, que vale a pena transcrever, pela sua clareza: “Na óptica de Pedro da Silva Dinamarco, a lei 7.347/85 “não visa à criação de comportamento para as pessoas, na vida em sociedade. Ela contém apenas regras procedimentais a serem seguidas pelo juiz e pelas partes sempre que surgir um conflito de interesses envolvendo direitos e interesses metaindividuais que tenham sido lá especificados. Trata do foro, rito, legitimidade, atuação do Ministério Público, sentença, coisa julgada, execução, aplicação subsidiária do Código de Processo Civil etc. Ela depende essencialmente das normas de direito material para que possa ter vida” (Ação civil pública, cit., 2001, p. 47).” 12 Pode-se concluir que o microssistema possui alguns aspectos processuais, e que também quanto ao procedimento, elegeu o processo comum como fonte subsidiária, isso apesar deste último não possuir índole coletiva. José Marcelo Menezes Vigliar, em outra obra, assim se manifesta quanto a compatibilidade do CPC com os conflitos coletivos: “O Código, na maioria de seus dispositivos, disciplina o procedimento e a forma da relação jurídica processual, constituindo um diploma que é utilizado para que conflitos de interesses envolvendo a tutela de direitos/interesses não-penais sejam levados ao Judiciário, para o exercício da denominada jurisdição civil (vide o item anterior) seja realizado. Os dispositivos do Código, ainda, devem ser utilizados para a tutela de determinadas situações especiais, toda vez que a legislação que estabelece o procedimento para essas situações não discipline toda a relação processual possível, como ocorre, por exemplo, com a Lei do Mandado de Segurança (dentre muitas outras). Devemos sempre lembrar que o Código de Processo Civil constitui uma expressão de sua época e, assim, não se acha apto para a solução de conflitos coletivos.”16 Por sua vez, o i. Jurista Gregório Assagra de Almeida, em obra aqui já mencionada, acerca da aferição da compatibilidade entre o CPC e as regras do microssistema, assim nos ensina: “A filosofia que constituiu os referidos diplomas legais é totalmente incompatível com o fenômeno denominado de coletivização do processo. Em razão disso, foram criadas formas próprias e específicas de tutela jurisdicional coletiva, visando justamente resolver conflitos coletivos em relação aos quais o CPC era impróprio, como ainda o é. Todavia, tanto a LACP (art. 19), quanto o CDC (art. 90) prevêem a aplicabilidade subsidiária do CPC. Entretanto, para que isso ocorra, deve existir dupla compatibilidade, formal (inexistência de disposição legal sobre a matéria no direito processual coletivo comum) e material (a regra do CPC só será aplicável se não ferir o espírito do direito processual coletivo comum e, portanto, não colocar em risco a efetivação da tutela jurisdicional coletiva 15 16 Ob. cit. p. 85. Vigliar. José Marcelo Menezes. Ações coletivas. 1a. ed. Edições JusPODIVM:Salvador, 2007, p. 24 13 adequada. Se colocar em risco a efetividade do respectivo direito coletivo tutelado, essa aplicabilidade deverá ser rechaçada pelo operador do direito. Com efeito, observa-se que a aplicabilidade subsidiária do CPC no direito processual comum é limitada.”17 (gn.). É de se ressaltar que Gregório Assagra de Almeida, em seu brilhante trabalho, trouxe a inovadora concepção do processo coletivo como ramo autônomo de direito. Em sua concepção inovadora, o direito processual coletivo é subdividido em direito processual coletivo especial, voltado à proteção potencializada do Estado Democrático de Direito, tendo como objetivo o controle concentrado da constitucionalidade das leis ou atos normativos. Já a efetivação potencializada ficaria a cargo do direito processual coletivo comum, voltado à resolução dos conflitos coletivos ocorridos em casos concretos. A idéia trazida por Gregório Assagra de Almeida e acima transcrita, muito bem sintetiza o dito até aqui, considerando a necessidade de uma máxima efetividade da tutela coletiva em detrimento das regras CPC, que por ser diploma de concepção individualista, muitas vezes se revela incompatível com os objetivos do processo coletivo. O estudo aqui é quanto à petição inicial e resposta nas lides coletivas, itens em que o CPC é chamado a resolver o problema das lacunas e omissões do microssistema. Daí a importância da análise desta compatibilidade entre os instrumentos. O CPC é a fonte subsidiária do microssistema, mas muitas de suas regras, considerando que o CPC está pautado em concepção individualista, revelam-se incompatíveis com a tutela coletiva, demonstrando algumas vezes formalismos exacerbados e contra a efetividade buscada com as ações coletivas. É neste contexto que analisaremos a petição inicial e resposta nas ações coletivas. 5. Petição inicial e resposta nas lides coletivas – aspectos procedimentais relevantes 5.1 Aspectos gerais da petição inicial e resposta no processo coletivo Os requisitos da petição inicial, em se tratando de tutela coletiva, considerando a ausência de disposição específica no microssistema, são aqueles previstos no CPC, art. 282 e seguintes, com algumas exceções adiante comentadas. E o mesmo se diz quanto à defesa (resposta), pois o microssistema 17 Op. cit. p. 583 14 coletivo não dispõe de regras específicas neste aspecto, sendo necessária a aplicação subsidiária do CPC, sempre verificando a compatibilidade das normas, considerando também os princípios, conforme acima referido. Rodolfo de Camargo Mancuso ensina o seguinte sobre a aplicação das regras processuais subsidiárias ao microssistema coletivo no que tange à petição inicial, observação que isso se aplica igualmente à resposta nos processos coletivos: “Cabe ressaltar que, tanto na parte processual do CDC (arts. 81 a 104) como no bojo da Lei 7.347/85, não foram indicados os requisitos formais a serem observados nas petições iniciais. Compreende-se que assim seja, visto que em face de ambos esses textos o Código de Processo Civil opera como fonte subsidiária (Lei 8.078, art. 90; Lei 7.347/85, art. 19) – logo, a regularidade procedimental da peça vestibular, tanto nas ações de cunho cominatório/ressarcitório como nas ações de índole cautelar, é parametrizada pelo texto processual padrão, ou seja, o CPC, arts. 282, 286, 801. Isso sem prejuízo, naturalmente, da utilização de certas disposições específicas da ação civil pública (v.g., a imposição de multa diária “suficiente ou compatível” – art. 11) ou previstas para as ações do Código de Defesa do Consumidor (de resto aplicáveis à ação civil pública – art. 117), como, v.g., as diversas modalidades de coisa julgada, concernentes a cada tipo de interesse metaindividual (CDC, art. 103 e incisos).”18 5.2. Petição Inicial Uma questão relevante, em se tratando de lides coletivas, seria quanto a necessidade de demonstração pelo autor, na petição inicial, do requisito da relevância, bem como da predominância de questões comuns. Parece que quanto o requisito da relevância, este se encontra implícito nas ações coletivas, considerando que a tutela coletiva engloba questões de grande interesse e relevância social. Neste sentido, o próprio artigo 1º do CDC, não sendo necessário assim demonstrar expressamente o requisito da relevância na inicial, o que está implícito na própria ação. Quanto à predominância de questões comuns, isso não se revela necessário para a ação. A Súmula 630 do STF, ao dispor que: “a entidade de classe tem 18 Op. cit. p. 95 15 legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”, demonstra claramente, por analogia, que não é necessária a predominância de questões comuns para a existência e efetividade da ação. Neste sentido, se uma parte da coletividade tutelada na ação se insurgisse conta ela – por ex.: se alguns pais de alunos, em ação para redução de mensalidade escolar, achassem que o preço cobrado estava adequado e poderia ser mantdo, a sentença prevaleceria sobre tais manifestações contrárias, não atingindo o conjunto as opiniões de alguns. Cumpre ainda registrar, neste tópico preliminar relativo à petição inicial, que custas iniciais são dispensadas na ação coletiva, consoante artigos 18 da LACP e 87 do CDC, inseridas no microssistema de jurisdição coletiva, e aplicável a todas as ações que o integram. Outro ponto de interesse trata-se do julgamento antecipado da lide, que é possível nos processos coletivos, não havendo incompatibilidade em adotá-lo no caso concreto. Mas deverá ser observada a restrição probatória muitas vezes incompatível com o processo coletivo que normalmente exige, além de uma cognição exauriente, instrução probatória ampla. 5.2.1. Valor da causa. Fixação do rito processual e outras implicações. O valor da causa em se tratando de tutela coletiva, pode muitas vezes se demonstrar de difícil indicação. Como auferir com exatidão desde a petição inicial o valor de um grande dano ambiental, por exemplo? Mas a indicação é sempre necessária, inclusive nas medidas liminares e cautelares jurisdicionais. Incorreto é o entendimento de que a causa teria valor inestimável e isso desobrigaria a indicação de um valor (art. 20, § 4º, CPC). Os artigos 258 e 259 do CPC são aplicáveis e algum valor, ainda que estimado, deverá sempre ser indicado, ainda nas ações de preceito cominatóriomandamental, mesmo que inexistentes pedidos alternativos ou subsidiários. Melhor seria nas lides coletivas, pela sua natureza e implicações monetárias, indubitavelmente, a flexibilização da exigência da regra da correspondência exata com o bem tutelado (arts. 258 e 259, do CPC). O valor dado à causa fixa o rito da ação, que em se tratando de causas coletivas, melhor o ordinário ao sumário, que não admite, por exemplo, a cumulatividade de pedidos, ação declaratória incidental, intervenção de terceiros, etc. (arts. 279 e 280, do CPC). Mazzilli afirma que “nas ações civis públicas, pode-se valer do procedimento 16 sumário ou ordinário, nos termos da lei processual” 19 remetendo aos artigos 274/5 do CPC, o que serve par aas demais ações do microssistema. O valor da causa também serve para fixação de honorários devidos em razão da sucumbência. E em se tratando de valor da causa, que também se atrela ao rito processual, interessante mencionar que as ações coletivas em geral não tramitarão pelo rito especial dos Juizados Especiais, por disposição da Lei 10259/01, artigo 3º, I, relativo às ações atreladas à Justiça Federal, isso por analogia, considerando a ausência de disposição específica no artigo 3º da Lei 9099/95. Mancuso, em sua obra voltada ao estudo da ação civil pública, enfrenta com propriedade o problema do valor da causa, o que também se aplica às demais ações que integram o microssistema voltado à tutela coletiva. Após analisar as disposições processuais em geral relativas ao valor da causa previstas no CPC, elenca as seguintes observações relevantes acerca da matéria: “A) essa ação é de preceito cominatório-mandamental (fazer, não fazer) ou condenatório-pecuniário (arts. 3º, 11 e 13); logo, têm interesse os incs. III e IV do art. 259 do CPC, aquele a dispor que, na alternatividade, prevalece o pedido de maior valor, e este estabelecendo a primazia do pedido principal sobre o subsidiário; B) tendo o art. 258 do CPC dito que toda causa terá “um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato”, é imperioso que algum valor, ainda que estimado, deve ser atribuído à causa, em que pesem as dificuldades para tal, em algumas ações civis públicas, tanto ambientais, (qual indenização reparará a degradação em sítio de relevante valor paisagístico?) quanto consumeristas (como avaliar, monetariamente, a extensão do prejuízo causado por publicidade enganosa?); C) embora o § 4º do art. 20 do CPC fale em causas de “valor inestimável”, cremos que essa locução deve ser evitada, conforme a doutrina de Vicente Greco Filho: “(...) não é correto que na inicial apenas refira o autor que a causa, não tendo conteúdo econômico, é de valor inestimável: é necessário que se atribua um valor em dinheiro, ainda que ficticiamente. Não se admite, também, que o valor seja variável, porque é o valor fixo contemporâneo à inicial que é relevante para as conseqüências processuais acima aludidas, de modo que a conversão em unidades variáveis seria irrelevante”.20 19 20 Ob. Cit. p. 209. Ob. cit. p. 92-3. 17 Aplicável às lides coletivas as disposições do CPC quanto ao valor da causa. Cumpre em reforço a tal entendimento, trazer à colação julgado que trata da necessidade de fixação do valor da causa, também no caso de lide coletiva: “PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA – PEDIDO PRINCIPAL – ANULAÇÃO DE CONTRATOS – VALOR DO CONTRATO EQUIVALENTE AO DOS VEÍCULOS EFETIVAMENTE UTILIZADOS NA LINHA – PESQUISA INFORMAL DE MERCADO NÃO IMPUGNADA PELA AGRAVADA – 1. O descumprimento ao art. 526 do Código de Processo Civil, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, não impede o conhecimento do agravo de instrumento, que foi interposto antes da Lei nº 10.352, de 26.12.2001. 2. Os critérios para fixação do valor da causa em ação civil pública são os mesmos previstos no Código de Processo Civil e, sendo vários os pedidos formulados, deve-se utilizar para tal arbitramento o pedido principal, conforme art. 259, IV, do Código de Processo Civil, que, no caso, é o valor dos contratos de concessão que o Ministério Público Federal objetiva ver anulados. 3. Embora o contrato de concessão não tenha valor monetário expresso, válida é a utilização de cláusula que prevê que o valor do contrato equivale ao dos veículos efetivamente utilizados na linha. 4. O fato de o valor do veículo ter sido obtido pelo Ministério Público em informal pesquisa de mercado, não o invalida, porquanto à impugnante incumbia demonstrar, então, com elementos concretos, o outro suposto valor da causa. 5. Agravo de instrumento provido. (TRF 1ª R. – AG 01001395312 – GO – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Joao Batista Moreira – DJU 16.12.2003 – p. 08)” (gn.). O anteprojeto de código brasileiro de processo coletivo, como será visto em tópico abaixo, resolve bem o problema do valor da causa nas ações coletivas, sendo possível não indicá-lo em certos casos, cabendo ao juiz fixá-lo em sentença (artigo 24 do anteprojeto, transcrito em tópico deste trabalho). Neste contexto, certo é que um pedido genérico poderá acarretar sentença líquida, sendo desnecessário atribuir valor à causa para o resultado ser líquido. E de outra parte, no caso de um pedido em valor exato, com perícia processual que vem a aumentar tal valor, o resultado final (sentença) não será vinculado ao valor dado à causa, que poderá ser acolhido em valor diverso. Essa a melhor solução processual para o problema. 18 5.2.2. Pedido e causa de pedir. Teorias da Substanciação e da Individuação. Princípio ou regra da Congruência. Hugo Nigro Mazzili afirma em sua obra quanto à causa de pedir: “Causa de pedir são os fundamentos de fato e de direito em que se baseia a ação (respectivamente causa de pedir próxima e remota), os quais devem vir expostos na petição inicial. Não é ela coberta pela coisa julgada, salvo se a respeito houver pedido expresso, ainda que incidental.”21 Quanto à causa de pedir, nosso CPC adotou a teoria da substanciação do pedido. Exige-se na petição inicial, para identificação do pedido, a dedução dos fundamentos de fato (causa de pedir próxima, imediata) e de direito da pretensão (causa de pedir remota, mediata).22 Isso significa que o autor da ação deve indicar concretamente os fundamentos de fato para que o juiz dê o direito, não sendo, contudo, necessário indicar os números das leis e artigos para cumprir plenamente a exigência do artigo 282, III, do CPC (da mihi factum, dabo tibi ius). Já pela teoria da individuação ou individualização, seria necessária a indicação, quanto à causa de pedir, tão somente dos fundamentos jurídicos do pedido para a ação ser admitida, o que resultaria na abordagem do pedido de forma mais ampla. Seria suficiente, por exemplo, indicar na petição inicial, como causa de pedir, apenas que determinado contrato foi descumprido, sem qualquer informação adicional acerca dos fatos (o motivo pelo qual o direito estaria ameaçado ou teria sido violado), e isso seria suficiente para a entrega da tutela jurisdicional adequada e suficiente ao caso, tornado admissível a ação. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao abordarem a causa de pedir, ensinam o seguinte sobre tais teorias ao comentarem os artigos 103 e 282 do CPC: 21 Ob. cit. p. 124. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (ob. cit. p. 103 e 671) referem-se aos fatos, como sendo a causa de pedir próxima, a razão imediata do pedido; e aos fundamentos jurídicos, como sendo a causa de pedir remota, razão mediata do pedido. Mancuso, citando José Carlos Barbosa Moreira (ob. cit. p. 89) afirma que a “a causa de pedir remota é constituída pelos próprios fatos, ao passo que a causa de pedir próxima é o fundamento jurídico, propriamente dito.” A doutrina dominante acompanha esta última classificação, isso apesar da classificação de Nery e Nery, dentre outros (Mazzilli, por exemplo, acima citado), ser sem dúvida a mais correta, eis que “o direito, o título, não podem ser a causa de pedir próxima porque, enquanto não ameaçados ou violados, não 22 19 “2. Conceito de causa de pedir. São os fundamentos de fato e de direito do pedido. É a razão pela qual se pede. O direito brasileiro, a exemplo do direito alemão (ZPO § 253 2), adotou a teoria da substanciação do pedido, segundo a qual se exige, para identificação do pedido, a dedução dos fundamentos de fato e de direito da pretensão (v. coment. CPC 282). Divide-se em causa de pedir próxima e causa de pedir remota.”23 “7. Substanciação. Nosso sistema processual adotou a teoria da substanciação do pedido (v. coment. CPC 103). A ela se opunha a teoria da individuação, que exigia apenas a indicação dos fundamentos jurídicos para caracterizar a causa de pedir e tornar admissível a ação. Ambas as teorias nasceram e foram desenvolvidas na Alemanha.”24 Rodolfo de Camargo Mancuso vê na atual sistemática da ação coletiva, certa aproximação da teoria da individuação, na medida em que vários dispositivos legais inseridos no microssistema coletivo levariam à possibilidade de deferimento amplo do pedido, independentemente de constar da petição inicial, no tocante à causa de pedir, apenas um fundamento geral para a pretensão, sem necessidade de se aduzir os fundamentos de fato. O autor faz um paralelo, invocando a regra da congruência (ou adstrição, ou correlação) decorrente do princípio dispositivo, para demonstrar o afastamento da teoria da substanciação em certos casos: “Visto que o art. 264 do CPC dispõe que, “feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir”, e o art. 460 impõe ao juiz a proibição de sentenciar extra, ultra ou citra petita, tem-se que o nosso Código adotou a chamada teoria da substanciação, ou seja: a causa de pedir e o pedido definem a lide e determinam os limites dentre os quais se há de operar a jurisdição no caso concreto; ao passo que a outra teoria, dita da individuação, permite que a petição inicial apenas indique um fundamento geral para a pretensão: “A petição inicial teria apenas a função de apontar a causa, abrangendo a decisão todos os aspectos de fato relevantes”. No caso da Lei da Ação Civil Pública, a interpretação conjunta dos arts. 3º, 11, 13 e 16 sugere que o legislador, sem descurar da teoria adotada pelo Código de Processo individuação...” Civil, aproximou-se um tanto da teoria da 25 ensejam ao seu titular a necessidade do ingresso em juízo, ou seja, não caracterizam per se o interesse processual primário e imediato, aquele que motiva o pedido” (ob. cit. p. 671). 23 Ob. cit. p. 503. 24 Ob. cit. p. 671. 25 Ob. cit. p. 89-0, Cf. Vicente Greco Filho, Direito Processual..., cit., 16. Ed, v. 2, p. 100. 20 A questão é de fato complexa, e a aplicação das teorias da substanciação ou da individuação, inerentes à causa de pedir, liga-se inevitavelmente ao princípio do dispositivo (regra da congruência), pois a aplicação da teoria da individuação significaria a possibilidade do pedido ser abordado de forma mais ampla na sentença. Pois bem; se é verdade que não se pode afirmar de forma simplista que foi adotada a teoria da individuação ou individualização no caso das tutelas coletivas, é impossível não detectar que a regra da congruência que decorre do princípio do dispositivo, é “quebrada” em certos casos, sendo mitigada, permitindo julgamento fora dos limites do pedido inicial. Por exemplo, na esfera coletiva, temos as situações envolvendo a hipótese de incidência do arts 84 do CDC (461 e 461-A do CPC); 3º, II, 13, 14 e 16 da LACP; art. 11 da LAP. Há possibilidade de decisão deferimento de itens não pleiteados expressamente na inicial, atuando o juízo de ofício em muitos casos, como se dá, por exemplo, com os juros, correção monetária e verba honorária. Apesar de raras discordâncias, diga-se de passagem equivocadas, isso também ocorre com as questões de ordem pública, que admitem julgamento fora dos limites do pedido, mas sem afronta aos artigos 460 e 128 do CPC. Lembremos, ademais, que as normas do CDC são de ordem pública (art. 1º), ligadas ao interesse social da coletividade. Nery e Nery, em seu CPC comentado, assim definem o pedido, ao tratarem dos requisitos da petição inicial, em comentário ao artigo 282: “No sistema do CPC pedido tem como sinônimas as expressões lide, pretensão, mérito, objeto. É o bem da vida pretendido pelo autor: a indenização, os alimentos, a posse, a propriedade, a anulação do contrato, etc. O regime jurídico do pedido está no CPC 286 a 294. Dividi-se em pedido imediato (sentença) e pedido mediato (bem da vida). Pede-se a prolação de uma sentença (imediato) que garanta ao autor o bem da vida pretendido (mediato). O pedido deve ser sempre explícito, pois é interpretado restritivamente (CPC 293). Há pedidos que não precisam constar da petição inicial para serem examinados pelo juiz, porque decorrem de disposição legal (vg., juros de mora, correção monetária, honorários de advogado). As questões de ordem pública devem ser conhecidas e decididas de ofício pelo juiz, independentemente de pedido da parte ou do interessado. Isto se aplica tanto às questões de ordem pública de direito material (vg., cláusulas gerais da função social do contrato [CC 421], da boa-fé objetiva [CC 422], da função social da propriedade [CF 5.º XXIII e 170 III; CC 1228 § 1.º] etc.), quanto de direito processual (vg., condições da ação [CPC 3.º, 21 267 VI, 267 § 3º, 301, X e § 4º], pressupostos processuais [CPC 7º, 8º, 13, 113 § 2º, 267 IV e § 3º, 301 e § 4º], requisitos de admissibilidade dos recursos, etc.). Nas questões de ordem pública não incide a regra da congruência entre o pedido e a sentença (CPC 128 e 460), estando fora, portanto, dos vícios da sentença extra, ultra e/ou infra petita.”.26 (gn.). Se na esfera individual este rompimento da regra da congruência se faz possível, como dito acima, mais ainda o será em se tratando da tutela coletiva, onde os interesses são em regra bem relevantes, envolvendo questões de ordem pública, como dito e exemplificado acima. Ocorre a mitigação da regra da congruência em situações específicas, expressamente previstas no ordenamento jurídico, sendo que a regra geral é a da exata correspondência da sentença com o pedido inicial, como discorre Mazzilli em passagem de sua obra aqui já citada: “A ação civil pública e a ação coletiva estão sujeitas à observância do princípio da congruência, ou da correlação ou seja, o juiz deve decidir a lide dentro dos limites do pedido. Assim, se o autor do processo coletivo quer que a sentença também forme título executivo em favor de lesados individuais homogêneos, deverá formular pedido correspondente, sob pena de não poder aproveitar o decisum em ações individuais.”27 Mas sempre que possível a mitigação do princípio/regra da congruência pelo julgador, isso de acordo com o ordenamento jurídico, visando preservação de valores constitucionais maiores, agindo em benefício da dignidade humana, e primando pela efetividade da tutela, isso deverá ser feito, como demonstram a Ementas a seguir colacionadas, obtidas no endereço eletrônico www.stj.gov.br: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544, CPC. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. PACIENTE PORTADORA DE DISTÚRBIOS MENTAIS. DEVER DO ESTADO. CONDENAÇÃO GENÉRICA. INOCORRÊNCIA. 1. O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a 26 27 Ob. cit. p. 671. Ob. cit. p. 125. 22 garantia à vida digna. 2. Configurada a necessidade de a recorrida ver atendida a sua pretensão, posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado. 3. Proposta a ação objetivando a condenação dos entes públicos ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de distúrbios mentais, resta inequívoca a cumulação de pedidos posto umbilicalmente interligados o tratamento e o fornecimento de medicamento. É assente que os pedidos devem ser interpretados, como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide. Precedentes: REsp 625329 / RJ, Ministro LUIZ FUX, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 23.08.2004; REsp 735477 / RJ, Ministra ELIANA CALMON, T2 – SEGUNDA TURMA, DJ 26.09.2006; REsp 813957 / RJ, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 28.04.2006. 4. A decisão que ante a pretensão genérica do pedido defere tratamento com os medicamentos consectários, desde que comprovada a necessidade por atestado médico, não incide no vício in procedendo do julgamento ultra ou extra petita, tampouco configura condenação genérica. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no Ag 865880/RJ, Relator o Ministro LUIZ FUX, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 09.08.2007, p. 325) “RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE COM INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. JULGAMENTO EXTRA E ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. 1. O Sistema Único de SaúdeSUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. 2. Configurada a necessidade da recorrida de ver atendida a sua pretensão posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado. 3. Proposta a ação objetivando a condenação dos entes públicos ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de insuficiência renal crônica, resta inequívoca a cumulação de pedidos posto umbilicalmente interligados o tratamento e o fornecimento de medicamento. É assente que os pedidos devem ser interpretados, como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide. Precedentes: REsp 625329 / RJ, Ministro LUIZ FUX, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 23.08.2004; REsp 735477 / RJ, Ministra ELIANA CALMON, T2 – SEGUNDA TURMA, DJ 26.09.2006; REsp 813957 / RJ, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 28.04.2006. 4. A decisão que ante a 23 pretensão genérica do pedido defere tratamento com os medicamentos consectários, não incide no vício in procedendo do julgamento ultra ou extra petita. 5. Recurso especial desprovido.” (REsp 863240/RJ, Relator o Ministro LUIZ FUX, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 14.12.2006, p. 314). Mancuso, ao concluir em sua obra acerca da possibilidade de rompimento da regra da congruência, rumo à efetividade processual coletiva, o que se encontra em consonância com o acima abordado, assim se manifesta de forma brilhante: “Esta breve digressão serve para mostrar que, em tema de ação civil pública, e em virtude mesmo de seu objeto ser um interesse metaindividual, a correlação entre causa petendi e sentença há que ser vista com certos temperamentos: seja porque a teoria da substanciação, acolhida no Código de Processo Civil, pressupõe a solução de litígios interindividuais; seja porque o que deve prevalecer é a efetiva e específica tutela, em nível cautelar ou em via principal, do interesse metaindividual judicializado, antes que a simples acolhida do pedido tal como estritamente formulado na inicial. Essa preocupação com a efetividade, do processo e com a eficácia das decisões nele proferidas está presente no CPC, com as possibilidades de antecipação da tutela (art. 273) e de obtenção da tutela específica da obrigação de fazer ou não fazer e entregar coisa (arts. 461, 461-A, 475-I). Daí afirmar Paulo Gustavo Guedes fontes, que “algumas obrigações determinadas pelo juiz na sentença não necessitam de previsão normativa explícita: elas derivam das peculiaridades da noção de responsabilidade nessa matéria e representam muitas vezes a maneira prática de evitar ou reparar o dano. A lei confere ao juiz considerável margem de liberdade na escolha dessas medidas de reparação”28 (gn.). 5.2.3. Pedido certo e determinado. Condenação genérica. Quanto à questão do pedido ser certo e determinado, Hugo Nigro Mazzilli afirma em sua obra: “Pedido é o objeto da ação, ou seja, é o bem da visa pretendido pelo autor, a ser devidamente explicitado na petição inicial. Em regra, dever o pedido ser certo e determinado; será, entretanto, genérico quando não seja 28 Ob. cit. p. 91. 24 possível determinar na petição inicial, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato ilícito.”29 A previsão de sentença genérica (CDC, art. 95), não significa que tal requisito processual aplicável, quanto à necessidade do pedido ser certo e determinado, possa ser prescindido. A condenação versará sobre os prejuízos causados e não sobre os prejuízos sofridos. A sentença genérica não deixa de ser certa, apesar de ilíquida, o que é sanado na fase de liquidação e execução. E há casos em que a sentença sequer é genérica. Ada Pellegrini Grinover conclui o seguinte a respeito, ao comentar o artigo 95 do CDC: “A sentença genérica do art. 95 é, portanto, certa e ilíquida. Enquadra-se no disposto no art. 586, § 1º do CPC, que contempla a condenação genérica como aquela que, reconhecendo em definitivo o direito, há de ser liquidada para “estabelecer o quantum, ou a res, ou o facere ou non facere. A referida sentença contém-se, ainda, nos limites do pedido – que também será genérico, porquanto ilíquido -, nenhuma exceção representando às regras dos arts. 460 e 461 do CPC.”30 Ou seja, o pedido genérico gerará condenação genérica, que não por isso perderá o caráter de certeza e liquidez, relativos à existência e determinação do objeto. A condenação genérica poderá ser especificada e ampliada para o grupo (coletividade) na fase de liquidação e execução. 5.2.4. Pedidos cumulativos sucessivos, subsidiários e alternativos Pode haver, ainda, cumulação de pedidos na petição inicial, observando-se em regra os requisitos do processo comum (CPC, arts. 288/289). No caso de ações coletivas, onde interesses coletivos em sentido lato são tuteláveis (difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos) é possível, além de agrupar pedidos diversos na inicial, abordar interesses também diversos. Um mesmo fato trazido na petição inicial pode ser lesivo a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, gerando pedidos diversos. Sérgio Shimura, em sua obra voltada à efetividade da tutela, assim discorre sobre o assunto: 29 Ob. cit. p. 124. Pellegrini Grinover... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9a Ed. Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2007. p. 904. 30 25 “De outra forma, o que qualifica cada tipo de interesse ou direito é o conjunto formado pela causa de pedir e pelo pedido deduzido em juízo. Afirmam Nelson Nery e Rosa Nery que o critério classificatório é o tipo de tutela jurisdicional que se objetiva. (...) A trilogia trazida pelo CDC apenas serve de parâmetro mínimo na tutela dos interesses metaindividuais, uma categoria não excluindo a outra, antes convivendo simultaneamente numa mesma demanda. Em outras palavras, a ação civil pública não pode limitar a iniciativa do particular na busca de proteção individual. Exemplo: ação civil pública contra publicidade – enganosa – envolvendo o comércio de aparelho de ginástica passiva, em que se anuncia queima de calorias e enrijecimento dos músculos abdominais, pelo uso por 10 minutos diários, sem, no entanto, informar os efeitos colaterais, como danos ao coração. Na ação, o pedido pode ser o de obstar a veiculação, além da contrapropaganda (direitos difusos), pode ser de impedir o uso em academias (direitos coletivos), ou, ainda, o de exigir reparação pelas lesões causadas (direitos individuais homogêneos).”31 (gn.) Ou como afirma Mazzilli: “Na mesma ação civil pública ou coletiva, é possível pedir a tutela de mais de um tipo de interesse transindividual, bem como nela é ainda possível acumular pedidos, desde que compatíveis.”32 Logicamente, os pedidos a serem cumulados na petição inicial, que podem como dito acima incidir sobre interesses metaindividuais diversos, devem ser compatíveis entre si. No caso de pedidos mal feitos ou incompatíveis, questiona-se se deveriam ser desmembrados em ações diversas. Pergunta-se se no caso do desmembramento de litisconsórcio, o autor escolhendo, não poderia desmembrar o pedido. Alguns afirmam que a solução mais adequada, uma vez observada incompatibilidade diante de pedidos contraditórios entre si, seria indeferir a ação, aplicando-se friamente as regras do processo comum. Questiona-se, contudo, se seria possível restringir o pedido, aproveitando a parte íntegra da ação, desmembrando o necessário. A busca do aproveitamento da ação, ainda que em parte, parece a solução mais adequada. Pedidos cumulativos, o que significa vários pedidos na mesma ação, podem ser independentes entre si, não se relacionando uns com os outros (pedidos autônomos). Mas também podem ser cumulados pedidos de forma alternativa e subsidiária. Há ainda o pedido sucessivo muitas vezes confundido com o pedido subsidiário, pela própria 31 32 Shimura.Sérgio. Tutela Coletiva e sua efetividade.1a ed. São Paulo: Editora Método, 2006. p. 47. Ob. cit. p. 127. 26 imperfeição do Código, conforme se observa da redação contraditória dos artigos 289 e 259, IV, do CPC, vistos conjuntamente. Certo é, que pedido denominado sucessivo, é o que contém relação de continuidade com o pedido anterior, sendo sua análise e deferimento dependentes do sucesso do pedido anterior. Já o pedido subsidiário, significa que há um principal a ele relacionado, que será analisado de forma primordial, sendo que seu afastamento, levará à análise do pleito subsidiário. Alternativo é aquele em que uma reparação é pleiteada de duas formas igualmente possíveis, cabendo ao réu, pela legislação civil vigente, a escolha da condenação na forma que melhor lhe convir. Cumpre colacionar alguns julgados sobre cumulatividade de pedidos, para melhor entendimento da matéria: “PEDIDO ALTERNATIVO E NÃO SUCESSIVO – DISTINÇÃO – CONSEQÜÊNCIA – Se na inicial a parte expõe os direitos vindicados num mesmo patamar, formulando pedido alternativo (art. 288, CPC) e não sucessivo (art. 289, CPC), de reintegração ou indenização pelo período estabilitário, compete ao Juízo, independentemente da ordem em que foram colocados, proceder à escolha dentre as opções apresentadas para a satisfação da obrigação, que, nas circunstâncias específicas dos autos, deve recair sobre aquela menos onerosa para o réu.” (TRT 2ª R. – RO 00238-2002-481-02-00 – (20050807212) – 4ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DOESP 25.11.2005) “VALOR DA CAUSA – Impugnação do réu acolhida e valor majorado - Ação de reparação de danos, materiais e morais - Pedidos sucessivos - Pretensão única, de indenização em danos emergentes e lucros cessantes - Pedidos, principal e subsidiário, distintos na grandeza - Valor da causa regido pelo art. 259, inciso IV, c.c. o art. 289, ambos do CPC, igual ao do pedido principal - Agravo desprovido.” (1º TACSP – AI 7001852-5 – (59234) – São Paulo – Rel. Juiz Cerqueira Leite – J. 30.03.2005) Nas lides coletivas, é muito comum a existência de pedidos cumulativos sucessivos, subsidiários ou alternativos. Muitas vezes é pleiteada primordialmente uma obrigação de fazer ou de não fazer (ou de entregar coisa), consoante artigo 84 e parágrafos do CDC (461 e 461-A e parágrafos do CPC), formulando-se pedidos subsidiários, sucessivos ou alternativos, dependendo do caso, desde que não se pretenda o inaceitável bis in idem. Hugo Nigro Mazzilli afirma a respeito, exemplificando: “(...) Mas nada impede que se condene o réu a pagar uma indenização pelo dano causado e ainda a suportar uma obrigação de fazer para serem 27 evitados danos futuros; também pode ser condenado a reflorestar uma área ambiental, danificada, sem prejuízo de ter de arcar com uma indenização pelo dano à coletividade, correspondente ao período de tempo em que esta terá de aguardar até que se obtenha o resultado prático do cumprimento da obrigação de fazer.”33 Uma observação importante, quanto aos pedidos de tutela específica, é que parece inviável a cumulação de forma alternativa desta espécie de pedido. Fora da hipótese alternativa, se subsidiário for o pedido, aí sim é possível pedir a tutela específica, e caso impossível sua concessão, pedir o resultado prático equivalente. Poderia ser pedido, por exemplo, de forma subsidiária, a reparação de um equipamento específico quebrado, ou então na total impossibilidade da reparação, outro equipamento compatível. 5.2.5 Aditamento à petição inicial coletiva. Atuação do Ministério Público Pode haver aditamento da inicial para alteração ou ampliação do pedido, aplicando-se subsidiariamente as regras do CPC (arts. 294, 321, 264, etc.). Aditamento é muitas vezes utilizado como gênero, compreendendo a alteração ou correção do pedido (também denominada emenda) e também ampliação do pedido. Mera retificação de erros materiais (de digitação, etc.), não é aditamento, sendo possível a qualquer tempo. Aqui utilizaremos o termo aditamento como gênero, englobando alterações, correções ou ampliações do pedido. A legitimidade para o aditamento, no caso da ação coletiva, pertence aos co-legitimados à ação coletiva, consoante artigo 5º da LACP e 82 do CDC, que poderão ingressar na ação coletiva já ajuizada para tal fim. O que se discute, é que o prazo para o aditamento deveria ser maior em se tratando de lide coletiva, pois muito limitado o prazo previsto no CPC. Quanto a este assim se manifestam Fredie Didier jr. e Hermes Zaneti jr. em sua obra voltada ao processo coletivo: “É direito processual do autor promover a alteração (substituição) dos elementos objetivos da demanda (pedido e causa de pedir) antes da citação do réu (art. 264 do CPC). Após a citação, o autor somente poderá fazê-lo com o consentimento do demandado, ainda que revel (art. 321 do CPC), que terá novo prazo de resposta, pois a demanda terá sido alterada. Trata-se de verdadeiro negócio jurídico processual. A negativa do réu deve ser expressa, pois o silêncio, após intimação da proposta de mudança, 33 Ob. cit. p. 126. 28 poderá ser interpretado como concordância tácita, operando-se a preclusão (art. 245, CPC). Há entendimento segundo o qual a mudança objetiva ex officio pelo magistrado dever ser impugnada, sob pena de operar-se a preclusão. Após o saneamento, é vedada qualquer alteração objetiva promovida pelo autor, mesmo com o consentimento do réu. (...)”34 É evidente que tais regras são incompatíveis com o processo coletivo. Há certos danos coletivos, que pela sua própria natureza se alteram no tempo e no curso do processo, como ocorrem com os danos ambientais, considerando a notória lentidão da justiça, mormente da cível. Correto seria a possibilidade de emenda para alteração ou ampliação do pedido constante de ação coletiva no mínimo até o encerramento da instrução processual, senão depois, até antes da sentença, o que representaria clara celeridade e economia processual. neste contexto. Não se justifica a aplicação subsidiária fria no CPC Essa, inclusive, a proposta do anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos (art. 5º par. único.), bem como do projeto de código coletivo para Ibero-América (art. 10, par. 1º e 2º), dispositivos adiante abordados e transcritos. Entende-se que no caso de alteração ou ampliação do pedido da ação coletiva por aquele co-legitimado que depois nela ingressa, haveria litisconsórcio ulterior, e no caso dos co-legitimados apenas adentrarem na demanda, mas sem alterar o pedido, estes passariam a assistentes litisconsorciais.35 Quanto ao parquet em específico, ainda que não seja o autor originário da ação, caso esteja nela atuando como mero fiscal da lei (custos legis) poderá aditar a inicial, mas neste caso, pela lógica, passará a ser co-autor da ação. E ainda que se entenda que não seja necessário que se torne o MP um co-autor efetivo na ação que aditou, parece tranqüila a conclusão de se exigir que pelo menos potencialmente tenha condições de ser autor daquela demanda coletiva, tendo pois, iguais condições de propôla. Neste contexto, a primeira conclusão a que se chega, é que não é possível ao Ministério público, como mero custos legis, atuar na causa como se fosse parte, havendo necessidade de analisar, pelo menos, seu potencial de ser parte e de propor 34 Ob. Cit. p. 283-4. Cf. Hugo N. Mazzilli, Ob. cit. p. 307-8. O autor compartilha entendimento quanto ao litisconsórcio ulterior, com Rodolfo Mancuso e Cândido Dinamarco, afirmando que: “Se não admitíssemos pudesse um co-legitimado ativo aditar a inicial para alterar ou ampliar o objeto do processo, bastar-lhe-ia propor em separado uma ação conexa ou até mesmo de objeto mais abrangente; isto levaria à reunião de ações e as partes passariam a ser tratadas como litisconsortes...” 35 29 aquela ação específica, para que possa aditar a inicial. Aditamento é ato correlato de quem propõe a ação, de quem realiza o pedido inicial. Assim, parece não ser viável a interferência do MP em certas ações em que atua de forma diversa, sem a possibilidade de ser parte ativa, o que ocorre na ação popular constitucional, pois lá, apesar de amplos poderes, o parquet nem poderia agir como autor, sendo a legitimidade ativa da ação popular exclusiva do cidadão. Neste contexto, ainda que se imagine que não haveria prejuízos com o aditamento da inicial, é inviável que pudesse o MP aditar uma inicial de ação popular constitucional, ou de qualquer outra ação que atuou, não sendo parte nem podendo ser. Ser parte ativa, ainda que potencialmente (podendo sê-lo) é essencial para se admitir o aditamento de uma ação. A questão é processual e assim deve ser enfrentada. Poder-se-ia alegar que o MP estaria apesar de não poder ser parte retificando e propiciando a correção da inicial defeituosa ou incompleta. Mas poderia o MP simplesmente, isso dentro de suas atribuições, manifestar nos autos para que fosse o autor intimado pelo juiz a aditar a inicial, quanto aos itens que entender cabíveis (art. 284 do CPC), o que na prática, daria no mesmo, atingindo o mesmo objetivo. 5.2.6. Limites de atuação do Ministério Público na ação popular Para que não restem dúvidas acerca da atuação do Ministério Público, cumpre registrar que é amplo o seu papel na ação popular, o que é inegável; mas não a ponto de poder propor a ação ou aditar a petição inicial. É o MP parte adesiva ativa na referida ação, possui legitimidade ativa subsidiária incidental. Já na execução, possui legitimidade ativa subsidiária obrigatória. Pode até rescindir o julgado coletivo formado, considerando a possibilidade de existência de outra ação coletiva de sua titularidade com objeto similar (arts. 6o, § 4o, e 9o e 16 da LAP). O Ministério Público não pode interpor e nem aditar a petição inicial, pois não é parte legítima para propor a ação. Aditar a inicial abrange o mesmo ato de propor a ação, pois o aditamento é mera complementação daquela, o que não lhe retira a essência. O parquet, apesar da ausência de legitimidade provocativa, é parte adesiva ativa da ação (§ 4o do art. 6o da LAP), eis que pode acompanhar a ação, apressar a prova, não sendo mero fiscal da lei (custos legis); ao contrário, é parte assistencial que 30 atua em nome do interesse da sociedade e na defesa da ordem jurídica. A vedação do MP em qualquer hipótese assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores liga-se a preocupação de que o MP passe a atuar como órgão assistente dos demandados, agindo no interesse destes, requerendo em nome destes a produção de provas, etc.. Pode o parquet (na verdade deve, tem clara obrigação legal) assumir a ação em caso de desistência do autor popular (art. 9o da Lei). Deve ainda, assumir a execução, nos termos do artigo 16 da Lei. Pode até propor ação rescisória quanto à decisão final da ação. Mas propor ou aditar a inicial não pode, pois não tem legitimidade e a ação a ele não pertence – é do cidadão. O professor Gregório A. Almeida bem afirma que o “Ministério Público, apesar de não deter legitimidade provocativa, exerce papel singular e fundamental na ação popular”.36 Rodolfo C. Mancuso bem explica as funções do Ministério Público em sua obra voltada especificamente à ação popular: “As atividades do Ministério Público na ação popular, de fato, são múltiplas, como resulta da leitura dos seguintes dispositivos da Lei 4.717/65: § 4o do art. 6o; § 1o do art. 7o; arts. 9o e 16; § 2o do art. 19. A interpretação sistemática conduz a este rol de atribuições do Ministério Público nessa ação: a) oficiante necessário, enquanto fiscal da lei (custos legis); b) órgão ativador e agilizador da prova; c) sucessor processual do autor. Verdade que José Afonso da Silva acrescenta ser o Ministério Público, ainda, “parte principal” e “titular da ação popular, também”. Todavia, parece-nos que essas duas últimas não são exatamente funções do Ministério Público nessa ação porque: (i) ele será parte principal na ação penal, que resultar da constatação, nos autos, de eventual infração penal (lei supra, art. 15); (ii) ele será, eventualmente, autor popular, mas isso enquanto cidadão no gozo dos direitos políticos, e não enquanto promotor de justiça). (gn.)”37 Totalmente correta tal abordagem do autor. Aliás, respeitando-se os 38 entendimentos doutrinários e jurisprudenciais contrários ; e sem desmerecer o rol de atribuições do MP previsto na CR/88 (arts. 127 e seguintes), certo é que se o MP tivesse 36 Ob. Cit. p. 406. Ob. Cit. p. 231. 38 Neste sentido: STJ – RESP 637332 – RR – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 13.12.2004 – p. 00242 – citando precedentes no mesmo sentido. E também o entendimento de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, in Constituição Federal comentada e legislação constitucional, p. 142, 568 e 571, citando RJTJSP 105/316 e entendimento de Hugo Nigro Mazzilli. 37 31 legitimidade ativa para propor uma ação popular, o que seria necessário para se permitir o aditamento da inicial, esta deixaria, logicamente, de ser uma legítima ação popular, que deve ser proposta necessariamente por qualquer um do povo, no exercício de sua soberania (art. 1o, § único, CR/88). E mais, o MP já tem em suas mãos, a ação civil pública, que abrange todo o objeto da ação popular e mais alguma coisa. Tem finalmente em mãos, caso a caso, ações previstas no regramento específico do MP, com objeto idêntico à ação popular constitucional aqui abordada, sendo que para essas tem legitimidade ativa. No mais, da interpretação sistêmica do artigo 1o da LACP, considerando seu texto: “regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular...”, não se conclui, absolutamente, pela legitimidade do MP para propor a ação popular. Há quem defenda que a polêmica sobre a existência ou não de legitimidade ativa do MP para propor a ação popular ao invés do ente popular, está no fato do objeto das ações popular e civil pública serem semelhantes. Neste sentido, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., explicam em sua obra, após discorrerem sobre a multifacetária atuação do MP, destacando o entendimento de José Afonso da Silva já inserido no trecho da obra de Mancuso acima transcrita, que: “Essa corrente se justifica na circunstância de o mesmo bem tutelado na ação popular poder ser tutelado em ação civil pública, sendo possível, até mesmo, cogitar-se de litispendência entre elas, não obstante a diversidade de procedimentos.”39 A litispendência de fato pode existir. Mas a identidade de objeto e pedido das ações diversas, ao contrário de explicar a pretendida legitimação ativa do MP quanto à ação popular, justifica sua desnecessidade, por demonstrar que há outra ação específica, similar e até mais abrangente, que o MP pode-se se utilizar para a mesma finalidade, que é a ação civil pública. Mazzilli afirma o que parece correto diante das regras do CPC aplicadas subsidiariamente à tutela coletiva: “(...) para os aditamentos, devem ser observados os critérios de compatibilidade e oportunidade, exigíveis em qualquer aditamento, o que inclui o consentimento do réu, se já feita a citação, e a impossibilidade de modificar o pedido ou da causa de pedir, depois do saneamento do processo.40 (gn.). 39 40 Ob. cit. p. 244. Ob. cit. p. 308. 32 Conclui-se assim, pelo acima exposto (tópicos antecedentes), quanto ao aditamento, que poderão os entes coletivos legitimados para a ação coletiva aditar a petição inicial; e no caso do MP, a condição de legitimado ativo, ainda que potencialmente, deverá ser auferida. No mais, no caso do processo coletivo, revelam-se incompatíveis as regras do CPC no tocante ao tempo do aditamento, problema que seria resolvido com uma nova legislação coletiva, o que será visto adiante. 5.2.7. Documentos necessários para instruir a petição inicial coletiva Em regra, inexiste um rol taxativo de documentos indispensáveis à propositura da ação coletiva, considerando a diversidade das situações que podem ser tuteladas, e até mesmo as regras de ônus da prova aplicáveis (inversão). Cada caso é um caso é certas ações de fato exigirão documentos para instruir a inicial. Mas não deixa de ser de boa conduta, a juntada de documentos se existentes, para melhor instruir o feito, considerando, por exemplo, que no Mandado de Segurança coletivo, há necessidade de direito líquido e certo pré-existente, prova pré-constituída que deverá instruir a inicial. No caso de associações, por exemplo, é preciso juntar estatutos, para comprovar o requisito (ope legis) da representatividade adequada, e do ano mínimo de funcionamento. Quanto ao MS coletivo, questão importante a ser abordada, relacionada com a petição inicial, é a dos requisitos da ação - quanto ao direito líquido e certo, tratase de condição da ação ou de mérito no MS? Os requisitos do Mandado se Segurança, que pode ser individual ou coletivo, estão previstos no artigo 5o LXIX e LXX da CR/88, e também Lei 1533/51. O mandamus serve-se para proteger direito líquido e certo tanto na esfera individual quanto coletiva, que não seja amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder (ou mesmo ameaça) for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. O Mandado de Segurança está conceituado da seguinte forma na obra de Hely Lopes Meirelles: “Mandado de segurança é o meio constitucional posto á disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria 33 for e sejam quais forem as funções que exerça (CF, art. 5o, LXIX e LXX; Lei n. 1.533/51, art. 1o).”41 Nelson Nery e Rosa Maria ensinam em sua Constituição Federal comentada, que: “Esse writ presta-se à tutela de direito individual, coletivo ou difuso, não amparado por habeas corpus ou habeas data, ameaçado ou lesado por ato ilegal ou abusivo de autoridade. Apenas estes são os requisitos pra obterse a ordem de segurança...”42 E ainda: “Cabe MS preventivo para evitar-se que seja praticado ato ilegal ou abusivo por autoridade, que fira direito líquido e certo do impetrante. O provimento mandamental é ordem para que não se pratique o ato (mandamento inibitório). Cabe MS repressivo quando já tiver sido praticada a lesão: o provimento mandamental é ordem que anula o ato coator e que determina um facere à autoridade.”43 André Ramos Tavares detalha os requisitos de cabimento do Mandado de Segurança em sua obra: “O ato impugnado em via de mandado de segurança há de ser: 1) lesivo a direito: a) líquido e b) certo; 2) praticado com: a) ilegalidade ou b) abuso de poder; 3) a) emanado de autoridade pública ou b) de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; 4) não tutelável por meio de habeas corpus ou habeas data.”44 Conclui-se, pois, que o requisito nuclear do mandado de segurança é a proteção do direito líquido e certo, que já deve vir comprovado desde a petição inicial. André Ramos Tavares, quanto ao direito líquido e certo, afirma que: “tratase, certamente, de análise preliminar e necessária da existência do próprio direito 41 Meirelles. Hely Lopes. Mandado de segurança. 20a Edição atualizada por Arnoldo Wald. São Paulo: Malheiros, 1.998, p. 21-2. 42 Ob. cit. p. 139. 43 Ob. Cit. p. 774. 44 Tavares, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 2.006, p. 786. 34 invocado. Assim, a decisão que não reconhece a presença do direito líquido e certo é decisão de mérito.”45 Michel Temer, por sua vez, ensina quanto ao direito líquido e certo: “Quando se fala, pois, em direito líquido e certo quer-se significar que num primeiro momento o fato pode ser controvertido; depois, tornar-se-á certo pela adequada interpretação do direito. Por isso, não há instrução probatória no mandado de segurança. Impetrante e informante hão de produzir, documentalmente, todo o alicerce para sustentação das suas alegações. O fato, portanto, há de tornar-se incontroverso pela 46 interpretação do direito, dada por meio de decisão judicial.” José Afonso da Silva, aduz em sua obra que: ““Direito líquido e certo [no conceito de Hely Lopes Meirelles, aceito pela doutrina e pela jurisprudência] é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante; se a sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.” Mas o próprio autor acha o conceito insatisfatório, observando que o “direito, quando existente, é sempre líquido e certo; os fatos é que podem ser imprecisos e incertos, exigindo comprovação e esclarecimentos para propiciar a aplicação do direito invocado pelo postulante.””47 Ainda, as palavras do próprio Hely Lopes Meirelles: “A sentença em mandado de segurança poderá ser de carência ou de mérito, se antes não tiver sido indeferida a petição inicial por não ser o caso de impetração ou não atender às exigências formais da lei (art. 8o). A carência ocorre quando o impetrante não satisfaz os pressupostos processuais e as condições do direito de agir, tal como previsto no art. 267, VI, do CPC. A sentença de mérito decidirá sobre o 45 46 Ob. Cit. p. 788. Temer, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 184. 35 direito invocado, apreciando desde a sua existência até a sua liquidez e certeza diante do ato impugnado, para concluir pela concessão ou denegação da segurança.”48 (gn.) Logo, há de se concluir, que o direito líquido e certo é um requisito específico do mandado de segurança que deve estar expresso desde a inicial; mas não é uma condição da ação ensejadora da extinção prévia do processo sem exame de mérito. É de mérito a decisão relativa à existência do direito líquido e certo. Trata-se, pois, o direito líquido e certo, do mérito da demanda. Cumpre ressaltar que a Lei do MS, 1533/51, em seu artigo 16, prevê a possibilidade de ajuizamento de nova ação, caso não adentrado ao mérito da demanda. Outra ação coletiva integrante do microssistema, que tem regramento específico quanto ao documento a ser colacionado à inicial, é a ação popular. Neste sentido, a Lei 4717/65, em seu artigo 1º, § 3o, dispõe sobre a necessidade de se juntar o título de eleitor à petição inicial, sendo que o § 4º, por sua vez, dispõe sobre a possibilidade do cidadão requerer às entidades públicas ou assemelhadas, certidões e informações que julgar necessárias para instruir a inicial, deixando claro que documentos são necessários na peça de ingresso. Tratam-se claramente, sem aqui entrar na discussão sobre a real necessidade do cidadão ser eleitor, de documentos essenciais para propositura da ação. 5.2.8 Pedido de tutela antecipada e outros meios de obter a pretensão de forma célere e efetiva Os requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada em processo coletivo são os do artigo 84, parágrafo 3º do CDC, que são diversos dos do artigo 273, CPC, na medida em que se exige apenas a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final. O dispositivo refere-se a uma tutela liminar, mas parece evidente que estamos diante da possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional e não de uma liminar. Cumpre mencionar, fazendo um paralelo à tutela antecipada, e como estamos tratando de petições iniciais, que são também cabíveis ações coletivas cautelares. As espécies são as mesmas previstas no CPC, notadamente as medidas cautelares e procedimentos cautelares específicos previstos no CPC, artigo 796 e 47 Silva, José Afonso da. (Apud: Hely Lopes Meirelles. Mandado de Segurança e Ação Popular. p. 11) Curso de Direito Constitucional Positivo. 26aed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 447. 48 Ob. Cit. p. 88. 36 seguintes, de aplicação subsidiária. No caso da Ação Civil Pública, existe previsão específica de ação cautelar (artigos 4o e 5o da LACP), sendo previsto também, possibilidade de cominação liminar expressa (artigo 12 da referida Lei). Mazzilli assim ensina quanto às espécies de ação coletiva: “Cabem hoje ações civis públicas ou coletivas: a) principais: condenatórias (reparatórias ou indenizatórias), declaratórias e constitutivas; b) cautelares (preparatórias ou incidentes); c) cautelares satisfativas, que não dependem de outra ação dita principal; d) de execução de título extrajudicial; e) mandamentais; f) quaisquer outras, com qualquer preceito cominatório, declaratório ou constitutivo.”49 Mancuso, ao tratar em sua obra dos bens suscetíveis de proteção cautelar, assim se manifesta no tocante às ações cautelares, que englobam todos os interesses metaindividuais50. “Aliás, a tutela de tipo cautelar é, naturalmente, muito utilizada no campo dos interesses metaindividuais, onde o que interessa é a prevenção do dano, antes que sua reparação, esta última tornada às vezes impossível ou ineficaz, como se dá, v.g., no sítio paisagístico irremediavelmente desfigurado, na espécie animal tornada extinta, no alimento deteriorado já distribuído á população etc. Compreende-se, pois, concessão de liminares (art. 12 e § 1o), tudo reforçado pelos meios coercitivos voltados à obtenção da tutela específica da obrigação (astreintes, multa diária): CDC, ats. 84, §§ 3o e 4o, e 117; CPC, arts. 461-A e 475-I, todo esse contexto normativo sujeito, todavia, aos temperamentos advindos com a Lei 9.494/97, referida no item precedente. Compreende-se uma tal ênfase dada à tutela judicial preventiva, no campo dos interesses metaindividuais, em geral, e, em especial, em matéria ambiental, tendo em vista os princípios da prevenção, ou da precaução, que são basilares nessa matéria”51 Os legitimados à ação coletiva podem pleitear a antecipação dos efeitos da tutela na inicial, inclusive o MP, considerando que também se trata de um dos legitimados previstos em Lei, que pode requerer, além da tutela antecipada, imposição de multa ou de medida de apoio ou sub-rogação. 49 50 51 Ob. cit. p. 206-7. termo relativo aos interesses individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos. Ob. cit. p. 197. 37 Nelson e Rosa Maria Nery, em sua obra, destacam que “o que a norma veda é a concessão ex officio da tutela antecipada. Pode o MP requerê-la, quer atue como parte (CPC 81), quer atue como fiscal da lei (CPC 82) no processo civil”.52 A tutela antecipada concedida em processo coletivo relativo a direito individual homogêneo efetiva-se através do pedido inicial dos autores da ação, que são os entes enumerados no artigo 82 do CDC e 5º da LACP. A efetivação prescinde da necessidade de interesse manifestado pelos indivíduos substituídos na ação, o que ocorrerá efetivamente na fase de execução. Não há necessidade de prestar caução para o deferimento da tutela antecipada. Mesmo na execução, nos processos coletivos, a caução é dispensável. E mesmo para levantar o dinheiro, não é necessária caução. O réu deve ser citado e ter a oportunidade de oferecer embargos, considerando o contraditório e a ampla defesa. A conversão da obrigação de fazer, de não fazer ou de dar em perdas e danos será possível, consoante artigo 461 § 1º do CPC e artigo 84 § 1º do CDC, se por ela optar o autor, ou se for impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente. anterior. Deve-se sempre privilegiar a tentativa de retorno à situação A conversão se opera na forma do artigo 475-I e seguintes, do CPC, transformando-se em obrigação por quantia certa, que se resolverá por execução. A multa (§§ 2º e 4º do artigo 84 do CDC) e as medidas de apoio ou subrogação (§5º do artigo 84 do CDC) podem ser impostas em quaisquer espécies de processos, não obstante a previsão apenas no que se refere às obrigações de fazer e não fazer ou de entregar coisa. Esta a melhor interpretação normativa, principalmente no que tange à tutela coletiva, onde a efetividade é premente, considerando a importância dos interesses vindicados na ação. Tais medidas podem ser utilizadas também no processo de execução, buscando-se igualmente a efetividade. E certas medidas prescindem inclusive de pedido inicial específico, sendo ressaltado o já dito aqui anteriormente, quanto à mitigação do princípio/regra da congruência em casos específicos previstos no ordenamento jurídico. O artigo 273, § 7º do CPC, prevê a aplicação do princípio da fungibilidade, considerando que “se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”. 52 Ob. cit. p. 647. 38 Trata-se de clara “via de duas mãos”, podendo ser aplicada também nos casos em que o autor, a título de providência de natureza cautelar, requerer na inicial a tutela antecipada, que poderá assim ser deferida. Ou seja, eventual equívoco na inicial não prejudica a efetividade. Trata-se de regra boa, que traz efetividade, demonstrando progresso com a legislação do processo individual, in casu, compatível com as lides coletivas. 5.3 Resposta nas ações coletivas Inicialmente, ainda no contexto da petição inicial, mas tratando-se de questão que pode atingir o réu, portando de interesse na defesa, importante tecer considerações acerca do sistema de ciência/divulgação da ação coletiva. Sabe-se que pelo nosso ordenamento jurídico, isso pouco funciona, pois há clara dificuldade em efetivar tal ciência, que em muito contribuiria para a redução do número de ações repetidas, contribuindo para maior celeridade e economia processual e sucesso das lides coletivas. Pois, bem, apesar ausência de efetividade da regra do artigo 94 do CDC, utópica como se sabe, deveria ser suprida por algo efetivo. Pensa-se assim, no pedido inserido na petição inicial, de ciência e divulgação da ação proposta à custa do réu. Pedir logicamente é possível, sendo o problema o juiz deferir... A decisão judicial de exigir a publicação pelo réu poderia ser deferida, por exemplo, com base no artigo 84 e parágrafos do CDC – o problema, é que não existiria um pedido final neste sentido. Haveria, quando muito, uma relação do referido pedido com a necessidade de verificação de fundo (mérito). Discute-se então, se seria uma tutela antecipada o pedido formulado na inicial. Alguns dizem que seria sim o tipo de tutela antecipada. Controvérsias a parte, necessária é a reflexão sobre o tema, pois um dos pontos principais das tutelas coletivas, que as tornaria mais efetivas, como dito, é a divulgação. De qualquer forma, quem sabe nos processos individuais, o pagamento pelo réu da publicação de edital (considerando o art. 104, CDC) já não seria um começo? 5.3.1 Da intimação e citação no processo coletivo Não havendo regras específicas no CDC e LACP quanto à intimação e citação, aplicam-se as regras do CPC. A LAP possui regras específicas de citação, mas não são mais efetivas do que as do CPC, arts. 213/241. 39 Salvo as regras de citação de responsáveis solidários, quando há número excessivo de litisconsortes, situação que admitiria em tese, a aplicação do artigo 7º, II, da Lei 4717/65, inserida no microssistema. A ausência ou nulidade de citação gera vício processual, consoante artigos 248 e 214, do CPC, observando-se que as nulidades não serão acolhidas em certos casos, quando for possível decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração de nulidade (art. 249, § 2º, CPC). Ressalte-se que quanto ao artigo 285-A do CPC, sua aplicação não exige citação anterior. Se aplicável o dispositivo, isso será igualmente nas lides individuais e coletivas. Não há pena cominada para a ausência de intimação dos interessados na ação coletiva por edital (art. 94 do CDC). E a ausência de tal intimação, até por sua clara ineficácia, não prejudicaria o andamento do processo. 5.3.2 Prescrição entre ações coletivas e individuais. A questão da prescrição é tema controvertido nas ações coletivas. A disposição do CPC (art. 219), aplicada subsidiariamente, não traz a plena segurança jurídica necessária, gerando muitas vezes ações individuais paralelas à coletiva, por cautela dos indivíduos, que não crêem fielmente na proteção de seu direito pela ação coletiva, com medo de incorrer na prescrição na esfera individual. Este um dos principais problemas das lides coletivas, e infelizmente os novos códigos propostos, não o abordaram. O indivíduo que tem um problema de consumo, ainda que saiba que existe uma ação coletiva proposta por qualquer dos legitimados para proteger interesse semelhante ao seu, estando ele incluído na ação, prefere mesmo assim entrar com sua própria ação individual a aguardar o risco da ação coletiva. Os próprios advogados, visando a busca dos honorários, assim o incentivam. Trata-se sim de um belo problema. O CPC, como dito, não traz a devida segurança jurídica no que tange à interrupção da prescrição entre ações coletivas e individuais, exatamente porque tal dispositivo não foi feito para isso, sendo a questão dos processos coletivos estranha ao seu conteúdo, que é voltado à resolução de lides na esfera individual. O CPC fala em interrupção quanto ao objeto da ação proposta, no caso a coletiva. Será que isso se estenderia pacificamente às lides individuais, imaginando que a ação coletiva e individual que são diversas teriam o mesmo objeto? 40 Esta uma questão urgentíssima a ser resolvida pelo microssistema coletivo, não sendo o CPC suficiente para resolvê-la, pelo menos de forma totalmente segura. Não é tão seguro afirmar que se há interrupção da prescrição na esfera da ação coletiva, tal interrupção se aplicaria também à esfera individual, considerando que tais ações, de certa forma diversas, podem ser propostas concomitantemente, de acordo com o próprio microssistema. 5.3.3. Espécies de defesa admitidas no processo coletivo. Outras questões atreladas à defesa. Todas as espécies de defesa podem ser apresentadas nas ações coletivas, as indiretas de mérito (preliminares de natureza processual - art. 301 do CPC com exceção do inciso IX), e as diretas de mérito, em sentido estrito, relativas à impugnação dos fatos e fundamentos aduzidos na demanda. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, assim discorrem acerca de tal distinção: “1.Preliminares. As matérias enumeradas no CPC 301 são denominadas de preliminares de contestação, isto é, que devem ser argüidas e examinadas antes do mérito, que é a questão final. Salvo a convenção de arbitragem (CPC 301 IX), são defesas indiretas de mérito, matérias de ordem pública, insuscetíveis de preclusão, que devem ser examinadas de ofício pelo juiz a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição (CPC 301 § 4º e 267 § 3º). 2. Conteúdo da contestação. Divide-se em duas partes: preliminares e mérito. As preliminares são de natureza processual e devem, lógica e cronologicamente ser examinadas antes do mérito. Este pode dividir-se em preliminares de mérito e mérito em sentido estrito. A prescrição e a decadência (CPC 269 IV), bem como as exceções substanciais (de direito material), são preliminares de mérito. A impugnação do pedido é o mérito em sentido estrito. Uma terceira parte, eventual, pode compor a contestação. Podem integrar essa terceira parte, por exemplo, o pedido contraposto, as figuras de intervenção de terceiros.”53 Reconvenção é incabível no processo coletivo, considerando a regra do art. 315 e parágrafos do CPC. Ter-se-ia, ainda, que admitir a tutela coletiva passiva para admitir a reconvenção, sendo que esta, apesar de não ser objeto deste trabalho, ainda é questão polêmica não pacificada. Seja pelo direito disponível em geral, seja pela coincidência dos pólos na ação popular em específico, a reconvenção não pode ser admitida na esfera coletiva. 41 A ação declaratória incidental é cabível para o autor, mas não para o réu, tendo-se como óbice a mesma questão da legitimidade passiva. Contudo, se no pólo passivo estiver coincidentemente um dos legitimados à ação coletiva, poderá interpor a ação incidente.54 Exceções de impedimento e suspeição cabem normalmente, consoante artigo 134 e seguintes do CPC. Não cabe exceção de incompetência, pois a competência traçada no microssistema é absoluta, funcional. A matéria é preliminar de defesa. Pode até ser aceita como exceção, mas não será a forma processualmente correta. A legitimidade para aduzir a exceção de impedimento e suspeição é dos interessados, nos termos do artigo 138 do CPC. O membro do MP e o Juiz, deverão espontaneamente argüir seu impedimento ou suspeição e deixar de oficiar no processo. No caso do procurador ou promotor autores coletivos e suspeitos, não será o réu que irá acolher a suspeição, obviamente. O juiz não poderá de ofício acolher a suspeição do parquet, pois essa se dá através de exceção. O juiz só pode reconhecer impedimentos de ofício. Neste caso, a suspeição do MP poderá ser argüida por litisconsortes ativos ou assistentes litisconsorciais, englobando eventuais substituídos. Em matéria de interesses difusos, a questão da suspeição deve ser vista com ressalvas, pois muitas vezes os próprios julgadores estarão envolvidos na extensão do dano aduzido pelo autor da ação. Isso logicamente não os tornará suspeitos, não sendo também motivo para impedimento. A revelia é cabível no processo coletivo - mas seus efeitos são em certos casos limitados ou ausentes. No caso da ação popular, por exemplo, a contestação é mera opção para o réu (art. 6º par. 3º da LAP). Em geral aplica-se a revelia, mas esta não produz efeitos, consoante artigo 320, II, do CPC. O princípio da eventualidade também é aplicável ao réu, que deve ofertar toda a sua tese defensiva, aplicando-se também a regra do artigo 302 do CPC. 6. Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos e Projeto de Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América Após a explanação supra, quanto à existência do microssistema coletivo e aplicação subsidiária do CPC, considerando incompatibilidades acima focadas, cumpre ressaltar a existência de um Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, e 53 54 Ob. cit. p. 85 Cf. Mazzilli, ob. cit p. 319-0 42 de um Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, hoje convertido em Projeto. Ambos os instrumentos, o primeiro que seguirá caminho longo até a aprovação e que teve sua última versão alterada em janeiro/2007, e o segundo que já está vigente, e serve como norma modelo para vários países, mas sem efeito vinculante pleno (não é fonte heterônoma aplicável em nosso ordenamento) resolvem várias imperfeições do microssistema quanto à petição inicial e resposta. Procuramos abaixo, transcrever os dispositivos de tais instrumentos que se relacionam direta ou indiretamente com a petição inicial e a resposta nas lides coletivas, sendo de se concluir que tais dispositivos resolvem grande parte dos problemas hoje enfrentados, a saber: ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS Art. 5º Pedido e causa de pedir – Nas ações coletivas, a causa de pedir e o pedido serão interpretados extensivamente, em conformidade com o bem jurídico a ser protegido. Parágrafo único. A requerimento da parte interessada, até a prolação da sentença, o juiz permitirá a alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que seja realizada de boa-fé, não represente prejuízo injustificado para a parte contrária e o contraditório seja preservado, mediante possibilidade de nova manifestação de quem figure no pólo passivo da demanda, no prazo de 10 (dez) dias, com possibilidade de prova complementar, observado o parágrafo 3º do artigo 10. Art. 9o Efeitos da citação –A citação válida para a demanda coletiva interrompe o prazo de prescrição das pretensões individuais e transindividuais direta ou indiretamente relacionadas com a controvérsia, retroagindo o efeito à data da propositura da ação. Art. 24. Da instrução da inicial e do valor da causa – Para instruir a inicial, o legitimado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias. § 1º As certidões e informações deverão ser fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da entrega, sob recibo, dos respectivos requerimentos, e só poderão ser utilizados para a instrução da ação coletiva. 43 § 2º Somente nos casos em que a defesa da intimidade ou o interesse social, devidamente justificados, exigirem o sigilo, poderá ser negada certidão ou informação. § 3º Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior, a ação poderá ser proposta desacompanhada das certidões ou informações negadas, cabendo ao juiz, após apreciar os motivos do indeferimento, requisitá-las; feita a requisição, o processo correrá em segredo de justiça. § 4o Na hipótese de ser incomensurável ou inestimável o valor dos danos coletivos, fica dispensada a indicação do valor da causa na petição inicial, cabendo ao juiz fixá-lo em sentença. Art. 30. Citação e notificações – Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará a citação do réu e a publicação de edital, de preferência resumido, no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como assistentes, observado o disposto no parágrafos 5º e 6º deste artigo. § 1º Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código comunicados da existência da demanda coletiva e de seu trânsito em julgado, a serem também comunicados ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos § 2º Concedida a tutela antecipada e sendo identificáveis os beneficiários, o juiz determinará ao demandado que informe os interessados sobre a opção de exercerem, ou não, o direito à fruição da medida. § 3º Descumprida a determinação judicial de que trata o parágrafo anterior, o demandado responderá, no mesmo processo, pelos prejuízos causados aos beneficiários. § 4º Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, o juiz determinará a publicação de edital no órgão oficial, às expensas do demandado, impondo-lhe, também, o dever de divulgar, pelos meios de comunicação social, nova informação, compatível com a extensão ou gravidade do dano, observado o critério da modicidade do custo. Sem prejuízo das referidas providências, o juízo providenciará a comunicação aos órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código, bem como ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos. § 5º A apreciação do pedido de assistência far-se-á em autos apartados, sem suspensão do feito, recebendo o interveniente o processo no estado em que se encontre. § 6º Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais na fase de conhecimento do processo coletivo. 44 Art. 46. Do Cadastro Nacional de Processos Coletivos – O Conselho Nacional de Justiça organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos Coletivos, com a finalidade de permitir que todos os órgãos do Poder Judiciário e todos os interessados tenham acesso ao conhecimento da existência de ações coletivas, facilitando a sua publicidade. § 1º Os órgãos judiciários aos quais forem distribuídos processos coletivos remeterão, no prazo de 10 (dez) dias, cópia da petição inicial ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos. § 2º O Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 90 (noventa) dias, editará regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de Processos Coletivos, incluindo a forma de comunicação pelos juízos quanto à existência de processos coletivos e aos atos processuais mais relevantes, como a concessão de antecipação de tutela, a sentença e o trânsito em julgado, a interposição de recursos e seu andamento, a execução provisória ou definitiva; disciplinará, ainda, os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado. Art. 50. Nova redação – Dê-se nova redação aos artigos de leis abaixo indicados: a - Dê-se aos §§ 4º e 5º do art. 273 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), a seguinte redação: “Art. 273 .................................................................... §4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada, fundamentadamente, enquanto não se produza a preclusão da decisão que a concedeu (§1° do art. 273-B e art. 273-C). §5º. Na hipótese do inciso I deste artigo, o juiz só concederá a tutela antecipada sem ouvir a parte contrária em caso de extrema urgência ou quando verificar que o réu, citado, poderá torná-la ineficaz”. b - A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), passa a vigorar acrescida dos seguintes arts.: 273-A, 273-B, 273-C, 273-D: “Art. 273-A. A antecipação de tutela poderá ser requerida em procedimento antecedente ou na pendência do processo”. “Art. 273-B. Aplicam-se ao procedimento previsto no art. 273-A, no que couber, as disposições do Livro III, Título único, Capítulo I deste Código. §1º. Concedida a tutela antecipada em procedimento antecedente, é facultado, até 30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva: 45 a) ao réu, propor demanda que vise à sentença de mérito; b) ao autor, em caso de antecipação parcial, propor demanda que vise à satisfação integral da pretensão. §2º. Não intentada a ação, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida”. “Art. 273-C. Concedida a tutela antecipada no curso do processo, é facultado à parte interessada, até 30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva, requerer seu prosseguimento, objetivando o julgamento de mérito. Parágrafo único. Não pleiteado o prosseguimento do processo, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida”. “Art. 273-D Proposta a demanda (§ 1° do art. 273-B) ou retomado o curso do processo (art. 273-C), sua eventual extinção, sem julgamento do mérito, não ocasionará a ineficácia da medida antecipatória, ressalvada a carência da ação, se incompatíveis as decisões.” (...) d - O artigo 7o, inciso I, alínea “a”, da Lei n. 4717, de 29 de junho de 1965, passa a ter a seguinte redação: Art. 7o “……….............................................................. I ….............................................................................. a – além da citação dos réus, a intimação do representante do Ministério Público, que poderá intervir no processo como litisconsorte ou fiscal da lei, devendo fazê-lo obrigatoriamente quando se tratar, a seu exclusivo critério, de interesse público relevante, vedada, em qualquer caso, a defesa dos atos impugnados ou de seus autores. (...) ANTEPROJETO DE CÓDIGO MODELO DE PROCESSOS COLETIVOS PARA IBEROAMÉRICA Art. 10. Nas ações coletivas, o pedido e a causa de pedir serão interpretados extensivamente. 46 Par. 1o. Ouvidas as partes, o juiz permitirá a emenda da inicial para alterar ou ampliar o objeto da demanda ou a causa de pedir. Par. 2o. O juiz permitirá a alteração do objeto do processo a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, desde que seja realizada de boa-fé, não represente prejuízo injustificado para a parte contrária e o contraditório seja preservado. Art. 21. Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará a citação do réu e a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como assistentes ou coadjuvantes. Par. 1o – Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos protegidos neste Código cientificados da existência da demanda coletiva e de seu trânsito em julgado a fim de que cumpram o disposto no caput deste artigo. Par. 2o – Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, ou estiver preclusa a decisão antecipatória dos efeitos da tutela pretendida, o juiz determinará a publicação de edital no órgão oficial, às custas do demandado, impondo-lhe, também, o dever de divulgar nova informação pelos meios de comunicação social, observado o critério da modicidade do custo. Sem prejuízo das referidas providências, o juízo providenciará a comunicação aos órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos protegidos neste código, para efeito do disposto no parágrafo anterior. Par. 3o -. Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais no processo coletivo de conhecimento. Art. 22. Em caso de procedência do pedido, a condenação poderá ser genérica, fixando a responsabilidade do demandado pelos danos causados e o dever de indenizar. Par. 1o . Sempre que possível, o juiz calculará o valor da indenização individual devida a cada membro do grupo na própria ação coletiva Par. 2o . Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo for uniforme, prevalentemente uniforme ou puder ser reduzido a uma fórmula matemática, a sentença coletiva indicará o valor ou a fórmula de cálculo da indenização individual. Par.3o - O membro do grupo que considerar que o valor da indenização individual ou a fórmula para seu cálculo diverso do estabelecido na sentença coletiva, poderá propor ação individual de liquidação. 47 7. Ações trabalhistas coletivas e aplicabilidade do microssistema Na justiça do trabalho, existem ações coletivas, e em muitos casos, o microssistema acima estudado é aplicável igualmente. Ao comentar a LACP em seu CPC comentado, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, assim explicitam a aplicação do microssistema formado pelo CDC e LACP, dentre outras normas, nas lides trabalhistas: “ACP e ação de cumprimento na Justiça do Trabalho. A ação de cumprimento (CLT 872), forma peculiar de execução de sentença normativa proferida no âmbito da Justiça do Trabalho, é destinada à tutela de direitos individuais homogêneos (CDC 81 par. ún. III). Como se trata de direito individual homogêneo, estão legitimados a promovê-la: a) de forma individual, o trabalhador; de forma coletiva, não só os sindicatos (CLT 872 par. ún.), mas também o MP e quaisquer dos legitimados pela CF 5º XXI e 8º III, LACP 5º e CDC 82. A legitimação para a ação coletiva de cumprimento é ordinária (legitimação autônoma para a condução do processo), não se configurando como caso de substituição processual”.55 Em outra passagem do mesmo CPC comentado e legislação extravagante, os autores assim se manifestam quanto às ações coletivas cabíveis na justiça do trabalho: “Podem ser ajuizadas todas as ações cabíveis para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (CDC 81 par. un.) concernentes a relações trabalhistas e questões versando sobre Direito do Trabalho, por meio de ACP (difusos ou coletivos) ou ação coletiva (class action) para a defesa de direitos individuais homogêneos (CDC 81 par. ún. III e 91 a 100). Por exemplo, cabe ACP para a defesa do meio ambiente do trabalho (Ives Gandra Filho, Est. Amauri, 2, 198), de direitos da minorias étnicas e raciais ao trabalho, do princípio da isonomia dos trabalhadores de ambos os sexos (Nazar, Est. Amauri, 2, 237) etc. Como a CF 5º XXI, 8º III e 114 § 1º legitimou os sindicatos para a propositura de ação coletiva na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais da categoria, podem eles propor qualquer tipo de ação visando a tutela daqueles direitos.”56 (gn.). 55 56 Ob. cit p. 1.311. Ob. cit. p. 1311. 48 No mesmo sentido, Gregório Assagra de Almeida em sua obra consigna o seguinte, demonstrando novamente a aplicação do microssistema às lides trabalhistas: “o procedimento da ação civil pública trabalhista, no que for compatível com o microssistema de tutela jurisdicional coletiva criado pela completa interação existente entre LACP e o CDC, é o dos dissídios individuais, e a competência é das Varas Trabalhistas”57 Hugo Nigro Mazzilli, ao enfrentar o problema das ações trabalhistas coletivas, assim ensina em sua obra: “Sem dúvida, uma ação civil pública cuja causa de pedir consista em questões de natureza trabalhista, deve mesmo ser julgada pela Justiça do trabalho. Afinal, a Justiça comum estaria invadindo competência constitucional da Justiça trabalhista caso decidisse se o horário máximo de trabalho está ou não correto, se os intervalos entre as jornadas de trabalho podem ou não ser excedidos, se o salário está ou não dentro dos parâmetros legais, se o trabalho está ou não sendo prestado em condições equivalentes ao trabalho escravo, etc.”58 Existem, pois ações coletivas trabalhistas atreladas ao microssistema de jurisdição coletiva, e como o tema aqui discutido é a petição inicial e a resposta nas ações coletivas, cumpre concluir que estas serão regidas pela aplicação concomitante de regras do processo do trabalho e também do CPC, que é fonte subsidiária da CLT (art. 769). Em regra, aplicam-se às causas trabalhistas, as mesmas regras do processo civil no que tange a petição inicial e defesa. A CLT não possui disposição específica nestes pontos, salvo quanto à petição inicial. Mas o artigo 840 e § 1º da CLT, que prevê que a petição inicial poderá ser verbal ou escrita, e que neste último caso “deverá conter a designação do presidente da Junta, ou do juiz de direito, a quem for dirigida, a qualificação do reclamante e do reclamando, uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante”, caiu em desuso com o tempo, aplicando-se na realidade a regra do artigo 282 e seguintes do CPC, acima abordadas neste trabalho. 57 58 Ob. cit. p. 450. Ob. cit. p. 243. 49 O que cumpre aqui destacar, é que em sendo coletiva a ação, proposta por sindicato (espécie de associação civil), havia um grande entrave para a efetividade do processo, hoje cancelado, o que será objeto do tópico a seguir. 8.1 Da juntada de rol de substituídos na petição inicial da ação trabalhista coletiva. Da reação da defesa. Pois bem. Existem ações trabalhistas coletivas, e os sindicatos podem propô-las. Falaremos assim da petição inicial deste tipo de ação coletiva, considerando a substituição processual pelos sindicatos em juízo. Gregório Assagra de Almeida, ao tratar dos sindicatos em sua obra, afirma que “Os sindicatos, por possuírem natureza jurídica de associação civil, também estão legitimados para o ajuizamento de ações coletivas”59. Afirma ainda o citado autor sobre o sindicatos: “A Constituição Federal estabelece em seu art. 8º, III, que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. Para a defesa desses direitos coletivos, os sindicatos poderão: a) impetrar mandado de segurança (art. 5º, LXX, b, da CF); b) ajuizar dissídio coletivo (art. 114, § 2º, da CF); ou c) ajuizar ação civil pública ou ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos (esta prevista no art. 91 usque art. 100 do CDC) por possuírem natureza jurídica de associação civil.”60 Rodolfo de Camargo Mancuso assim anota a respeito dos sindicatos em sua obra: “Registre-se que hoje, forte no argumento de que os sindicatos revestem natureza jurídica de associação civil, já vai se formando consenso em sua admissão no rol dos legitimados ativos à ação civil pública, naturalmente nas questões afetas à categoria ou meio ambiente do trabalho, v.g.: dissídio coletivo (CF, art. 114, § 2º, redação da EC 45/2004); ações concernentes aos direitos de seus aderentes (CF, art. 8º, III); ainda, nas chamadas ações de cumprimento (CLT, art. 872, parágrafo único); ou mesmo no mandado de segurança coletivo (CF, art. 5º, LXX, b), este writ visto como modalidade potencializada de ação civil pública.”61 59 60 61 Ob. cit. p. 520. Ob. cit p. 520-1. Ob. cit. p. 150. 50 Por sua vez, Nelson Nery Junior, ao comentar o artigo 110 do Código de Defesa do Consumidor (comentado pelos autores do anteprojeto), assim afirma quanto à atuação de sindicatos nas lides coletivas: “(...) Com o advento da Constituição Federal de 1.988, os sindicatos deixaram de ser tutelados pelo governo e têm hoje perfil de associação civil. A eles foi dada legitimidade para a defesa, inclusive em juízo, dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria (art. 8o, nº III, CF), podendo, outrossim, impetrar mandado de segurança coletivo (art. 5o, nº LXX, b, CF). Além dessa legitimidade dada pela CF, podem ajuizar ação na defesa de direitos e interesses difusos, porque têm personalidade jurídica de Direito Privado, caracterizando-se como associação civil. Aliás, essa natureza jurídica de associação civil é reconhecida aos sindicatos pelo § 54 do BGB (Código Civil alemão). O Superior Tribunal Federal alemão (BGH) reconhece, inclusive, a capacidade judiciária aos sindicatos que, conquanto naquele país não tenham capacidade civil, podem promover ações judiciais no interesse da classe ou de seus filiados. Como têm qualidade de associação civil, os sindicatos são co-legitimados para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses protegidos pela LACP e pelo CDC, guardados os demais requisitos legais para o reconhecimento dessa legitimidade. Mas, mesmo que se não lhes reconheça a qualidade de associação, ad argumentandum tantum, permanece à disposição dos sindicatos o instrumental da LACP, bem como o CDC, em razão da integração dos sistemas processuais das duas leis. A legitimação extraordinária dos sindicatos, independentemente de serem considerados como associação civil, é extraída da Constituição Federal, como se disse no início deste comentário. Por derradeiro, o art. 3o, caput, da Lei nº 8.073, de 30.7.90, falando em substituição processual, concede aos sindicatos legitimação para agir em juízo, em nome próprio, no interesse dos integrantes da categoria”.62 E ainda, em outra passagem do CPC comentado, Nery e Nery assim afirmam ao tratar da legitimidade dos sindicatos: 62 Ob. cit. p. 1029-0. 51 “Para a propositura de ação civil pública na defesa de direitos difusos ou coletivos (v.g. dissídio coletivo: CF 114 § 2º), tem os sindicatos legitimidade autônoma para condução do processo, já que possuem natureza jurídica de associação civil (LACP 5º, CDC 82 IV) (Nery, CDC Coment. 635/636). Na defesa dos direitos individuais dos associados e integrantes da categoria, em ações relativas à atividade laboral e ações de cumprimento (CF 5º XXI e 8º III; CLT 872 par. ún.), age o sindicato como substituto processual. Contra, entendendo ser o sindicato representante processual, Carrion, CLT, 404/405 e 652/655. Quando o sindicato age, nos dissídios individuais e nas reclamatórias plúrimas, em nome dos associados, o faz na condição de representante (CLT 513 a e 843). O sindicato pode agir na defesa dos direitos dos membros da categoria, sejam ou não sindicalizados, na esfera administrativa e na judicial, trabalhista ou não (Barbosa Moreira, RP 61/191). V. L 8073/90 3º; TST 180, 255, 271, 286 e 310”63 (gn.). Cita-se ainda, neste sentido, o acórdão do TST proferido em sede de Embargos em Recurso de Revista interposto para a Seção Especializada I daquele Tribunal (Processo TST E-RR 741.470-2001.0- AC. SBDI-I 07.08.06, Rel. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi), no sentido em que os pleitos efetuados na ação podem ser realizados pelo sindicato, em substituição processual ampla. Segue a Ementa da decisão: “EMBARGOS SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL LEGITIMIDADE PROCESSUAL DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - ART. 8O, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO FORÇA PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO 1. A C. Turma não conheceu do Recurso de Revista do Sindicato, por considerá-lo ilegítimo na hipótese. Utilizou, para esse fim, a Súmula nº 310, posteriormente cancelada pela Res. nº 119/2003, DJ 01/10/2003. 2. No caso dos autos, constata-se que o Sindicato está pleiteando 1) diferenças salariais por atraso no pagamento; 2) multa normativa por atraso no pagamento dos salários; 3) multa por descumprimento de cláusula coletiva; 4) condenação em obrigação de fazer, relativa a pagamento dos salários em conta corrente sem atraso. Todos os pedidos enquadram-se dentro da categoria de direitos individuais homogêneos, cujo conteúdo é definido pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990, art. 81, III) como aqueles decorrentes de origem comum. 3. Os direitos individuais homogêneos caracterizam-se e esta é a razão do termo origem comum adotada pelo art. 81, III, do CDC pela sua homogeneidade e potencialidade de tutela por 63 Op. cit. p. 341. 52 ações coletivas, como a que ocorre pela substituição processual realizada pelo Sindicato. O que importa, para se averiguar a aplicação do teor do art. 81, III, do Código de Defesa do Consumidor, é que sejam direitos que derivem do mesmo fundamento de fato e de direito (art. 46, II, do CPC) e tenham relação de afinidade por um ponto comum de fato ou de direito (art. 46, IV, do CPC). 4. Ademais, para a configuração do direito homogêneo, há de se verificar as causas relacionadas com o nascimento dos direitos subjetivos; examinar se derivam de um mesmo complexo normativo sobre uma situação fática que seja idêntica ou semelhante. Para tanto, é imprescindível que haja a congruência de três elementos essenciais: 1o) identidade referente à obrigação; 2o) identidade relativa à natureza da prestação devida; 3o) identidade do sujeito passivo (ou sujeitos passivos) em relação a todos os autores. 5. Assumidas essas premissas, o entendimento adotado pela C. Turma funda-se em precedente já superado nesta Corte, porquanto foi cancelada a Súmula nº 310, ao fundamento de que o artigo 8º, inciso III, da Constituição da República autoriza o sindicato a atuar como substituto processual de toda a categoria, inclusive na defesa de direitos individuais homogêneos. 6. Esse entendimento decorre de interpretação coerente da Constituição, conferindo-lhe seu cunho deontológico. É de ressaltar que a Carta Magna não deve ser interpretada com base na lei, e, sim, a lei deve pautar-se na Constituição da República. É questão de lógica hierárquica que se aplica na interpretação jurisdicional, que deve, cada vez mais, ter como base que a Constituição da República estabelece deveres a serem cumpridos, especialmente se a questão envolve a ampliação do acesso à Justiça. Ao mesmo tempo, em uma análise mais detida, a questão coaduna-se com o princípio democrático, por que esta Corte deve continuamente zelar. 7. Ressalte-se que um dos valores basilares do Direito do Trabalho no Brasil, sobretudo com o processo de democratização trazido pela Constituição da República de 1988, é a ampliação da atuação dos sindicatos, conferindolhes, por meio do art. 8o, III, a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. 8. A ação coletiva apresenta importantes qualidades para a efetivação de direitos: 1o) por expressar o interesse da categoria, a pretensão ganha força enquanto qualificada pela coletividade; 2o) por ser exercido por um sindicato, a pretensão atinge um número acentuado de beneficiários, o que demonstra a efetivação do acesso à Justiça; 3o) por beneficiar a categoria, seu sindicato ganha em legitimidade, na medida em que busca exercer a função e o dever que lhe foram constitucionalmente previstos. 9. Garantir o acesso à Justiça por meio dos sindicatos, interpretando a Constituição como norma, e, não, como simples valor axiológico, é, sim, conferir o teor democrático que o Direito do Trabalho deve continuamente preservar. O art. 8o, III, da Constituição da República, por isso, é basilar; é norma de efetivação do princípio democrático. Embargos conhecidos e providos.” 53 Conforme recentemente decidido pelos Tribunais Superiores (TST e STF), na linha do acórdão acima referido, os sindicatos podem defender qualquer tipo de interesse metaindividual em juízo. Neste sentido a expressão “individuais” inserida no o artigo 8 , III, da CR/88, refere-se aos interesses individuais homogêneos, também passíveis de tutela pelos sindicatos, que são uma forma de associação, como dito acima. Não se pode deixar de reconhecer a amplitude dos interesses tuteláveis pelos sindicatos em Juízo. Os entraves processuais normalmente suscitados pelo réus em defesa são inócuos e irrelevantes, seja quanto à amplitude dos interesses defendidos pelos sindicatos, seja quanto a supostos vícios na petição inicial, o que aqui nos interessa, por ter relação com o tema deste trabalho. Alegações comuns de defesa em ações coletivas movidas por sindicatos, são a inépcia da petição inicial, a falta de uma condição da ação, ou ausência de requisito processual essencial, tudo isso pela falta de indicação do nome dos substituídos na petição inicial. Alegam ainda as rés dos processos, que haveria dificuldade de defesa pela ausência do rol de substituídos, que deveria estar colacionado à peça de ingresso. Ocorre que o rol de substituídos não é mais obrigatório neste tipo de ação, pois a Súmula 310 do TST, que exigia o malfadado requisito, foi felizmente cancelada, o que converge com a efetividade da ação coletiva. No tocante à Súmula 310, felizmente cancelada pelo TST em outubro/03 por Resolução da daquela Corte, Hugo Nigro Mazzilli assim afirma em sua obra: “É verdade que o inc. V da Súm. 310-TST chegara a dispor que: “em qualquer ação proposta pelo sindicato como substituto processual, todos os substituídos serão individualizados na petição inicial e, para o início da execução, devidamente identificados pelo número da Carteira de Trabalho e Previdência Social ou de qualquer documento de identidade.” Tratava-se, porém, de exigência descabida, tanto que a Súm. 310 foi revogada, embora com tardança. Propondo ação de índole coletiva, o sindicato age como substituto processual e não como representante da categoria, de forma que, para ajuizar ação civil pública ou coletiva, não precisa exibir autorização específica de seus sindicalizados para 64 comparecimento em juízo...” No mesmo sentido, mesmo antes do cancelamento da Súmula, Gregório Assagra de Almeida, na obra aqui já citada, assim já se posicionava sobre o tema: 54 “Observa-se que o Enunciado 310, I, do TST não pode prevalecer, já que decorre de interpretação restritiva do art. 8º, III, da CF, pois fixa entendimento de que o referido dispositivo constitucional não conferiu ao sindicato a posição de substituto processual. Essa interpretação restritiva não é compatível quando estejam em jogo direitos u garantias 65 fundamentais e direitos sociais.” As petições iniciais dos sindicatos, entidades legitimadas para ingresso de ações coletivas, prescindem da juntada do rol de substituídos, o que não deixa de ser um progresso, rumo a maior efetividade processual, considerando inclusive que os indivíduos podem ser protegidos, quanto aos seus interesses metaindividuais, de forma menos lesiva, sem sequer indício de exposição direta na ação, o que poderia ser prejudicial aos seus empregos em curso. 8. Conclusão No presente trabalho, foi abordada a questão da petição inicial e da defesa nos processos coletivos. O processo coletivo é ramo relativamente novo, e o microssistema que o rege composto por diversas leis e principalmente pela LACP e CDC, tornou-se verdadeiramente coeso após a vigência deste último diploma, tornando conhecido seu grande potencial, certamente não imaginado quando da vigência do CDC, apenas algum tempos depois. Mas este microssistema voltado à tutela jurisdicional coletiva, ainda que amplo, é omisso em vários pontos, onde é invocada a aplicação subsidiária do CPC. Ocorre que o processo comum, como foi visto, pela sua natureza, voltado que é a resolução de conflitos na esfera individual, não consegue resolver grande parte dos problemas processuais que envolvem a tutela coletiva. Isso se aplica à petição inicial e à defesa, que comportam problemas práticos, incluindo o prazo limite para aditar a petição inicial; a identificação de quem pode aditar; a escolha do rito processual adequado, considerando que questões complexas exigem instrução probatória ampla e isso prejudica a celeridade necessária nas lides coletivas; a possibilidade de aplicar o julgamento antecipado da lide, pelos mesmos motivos da adoção do rito; a exigência de sempre se dar um valor exato à causa, o que em questões altamente complexas, onde é difícil ou impossível determinar valores, torna-se claramente impossível; a cumulatividade de pedidos envolvendo interesses diversos da coletividade que são enfrentados em uma mesma ação; dentre outros acima abordados e aqui reiterados; etc. 64 65 Ob. cit. p. 287. Op. cit. p. 521. 55 A forma em que o microssistema de jurisdição coletiva está consolidado, ainda que muitas normas do processo comum sejam com ele incompatíveis, resulta em certa efetividade, pois os princípios são sempre invocados para resolver os principais problemas, e a jurisprudência caminha bem em adaptar soluções dentro da sistemática constitucional, invocando igualmente princípios constitucionais, como ilustram os julgados do STJ transcritos neste trabalho. A tutela coletiva é sem dúvida uma idéia futurista, que traz consigo a possível resolução do mais grave problema enfrentado pelos jurisdicionados, que é o abarrotamento das varas e tribunais com inúmeros processos idênticos. Tem grande importância, como por exemplo, as recentes súmulas vinculantes previstas na CR/88. O crescimento e modernização das ações coletivas representariam claro progresso para a justiça do país, como ocorre em muitos países desenvolvidos, diminuindo sensivelmente o número de ações individuais. E a tutela coletiva pode resolver problemas diversos de forma simultânea, e isso evita, por outro lado, decisões contraditórias, sendo estes apenas alguns dos benefícios das lides coletivas, que podem se estender por todos os ramos do direito, como se viu neste trabalho, que englobou a análise de lides coletivas trabalhistas e cíveis. Há muito a se alterar e melhorar no processo em geral, sendo o ideal coletivo, apenas mais um progresso visível. É evidente que o problema maior enfrentado pelas lides coletivas que por aí tramitam, mormente pela esfera cível, é a grande morosidade, e talvez apenas a coletivização das ações, com as vantagens acima destacadas, não resolva este problema de forma plena. O processo civil hoje subsidiariamente aplicado às lides coletivas para suprir grandes lacunas, não obstante o esforço da doutrina e jurisprudência de vanguarda é muito lento, e ainda muito formal, perdendo-se muitas vezes em discussões teóricas sem qualquer efetividade; isso em detrimento, por exemplo, ao processo do trabalho, claramente mais efetivo e dinâmico no que tange às ações coletivas, ainda que grande parte dos processualistas civis assim não reconheça, talvez por claro “capricho” ou “vaidade”. É triste imaginar, por exemplo, que aquela famosa ação coletiva contra laboratório acusado de vender pílulas anticoncepcionais de farinha (placebos), que resultou em inúmeras gestações indesejadas e problemas sociais correlatos, fato ocorrido em 1.998 e noticiado pela mídia, apenas em dezembro deste ano, mais de 10 depois, teve um recurso do laboratório julgado pelo STJ, conforme notícia recentemente divulgada no site oficial daquele tribunal. E o processo ainda não acabou. Esse o resultado de um processo lento, que “trava” constantemente por questões burocráticas e formais, que admite recursos infindáveis e repetitivos. 56 Assim, o problema aqui focado, em se tratando das lides coletivas, é mais complexo e não se resolverá apenas pelo seu maior reconhecimento e aplicação no mundo jurídico, não bastando apenas a maior utilização das ações coletivas. A questão envolve a necessidade de reforma no processo em geral, seja no próprio bojo do microssistema coletivo, seja pela reformulação da dinâmica do CPC, hoje aplicado subsidiariamente e que poderia, com certas alterações, trazer maior celeridade e efetividade ao processo individual, e também ao coletivo como conseqüência. Neste contexto, apesar do anteprojeto de código brasileiro de processo coletivo em tramitação, talvez a melhor solução sejam alterações pontuais no microssistema já existente, inserindo normas processuais específicas em seu bojo; ou então a reforma pontual do próprio CPC, que continuaria a ser aplicado subsidiariamente neste caso. O CPC tem passado por reformas importantes, que aceleraram a execução, dificultaram os recursos, dentre outras novidades. Apesar das críticas de que tais alterações seriam semelhantes a “remendos”, pois a harmonia do código estaria sendo quebrada, surgindo dispositivos contraditórios e incompatíveis, não há como não reconhecer os progressos advindos com as reformas. Logo, o tal anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos, talvez não seja a melhor saída. A sua exposição de motivos elenca inúmeras falhas que estariam presentes no ordenamento jurídico atual voltado à tutela coletiva, ou seja, no microssistema hoje utilizado, formado pela integração da LACP e CDC, além de outros instrumentos (lei do mandado de segurança coletivo, ação popular, etc.), e da própria aplicação subsidiária do CPC. De certa forma, coloca a questão da efetividade do processo coletivo como pouco eficaz hoje, o que não é verdade. Apesar de alguns problemas que de fato existem, como os enfrentados no presente trabalho quanto à petição inicial e defesa nas lides coletivas, é inegável que o sistema atual é bem funcional, inexistindo as falhas lá propaladas, pelo menos da forma em que lá constam. Muitas das falhas estão no atraso da legislação atual em geral, como dito acima, e não na ação coletiva em si, que tem se demonstrado eficaz. O microssistema atual, exatamente por ser amplo e possibilitar a aplicação concomitante de vários diplomas e dispositivos recíprocos e integrados como dito acima, aproveitando até mesmo a aplicação subsidiária do CPC no que é compatível, garante certa efetividade. Exatamente por ser aberto, o microssistema permite saídas mais inusitadas, respostas processuais mais céleres e efetivas, baseadas em princípios gerais e constitucionais. Não se sabe se a codificação prevista no anteprojeto aqui discutido de 57 certa forma travaria o sistema funcional aberto que hoje vigora, sedimentando aspectos prejudiciais, menos inovadores que os atuais. Trata-se de uma boa intenção a codificação de regras voltadas à tutela coletiva, mas talvez não seja tão efetiva quanto se imagina; não se podendo deixar de lado, apesar dos problemas, a efetividade razoável que até aqui se conquistou com o microssistema hoje utilizado, que seria todo revogado pela nova regra acima transcrita. Pelo anteprojeto, o CDC e a LACP seriam revogados, entre outras alterações, o que poderia ser um grande retrocesso, ante a funcionalidade certa do microssistema atual, inclusive no tocante aos direitos individuais do consumidor que seriam também suprimidos. Como o dito, a intenção é boa, mas se vigente a nova regra, poderia ocorrer sedimentação de algumas coisas ruins hoje aplicáveis entre as regras do microssistema, que é aberto e dá várias opções aos atuantes na área jurídica. Alterações pontuais, inclusive processuais, sem qualquer sombra de dúvida seriam a melhor solução, para resolver os problemas do processo coletivo, inclusive quanto ao tema aqui enfrentado, acerca da petição inicial e resposta nas lides coletivas. ___________________________________________________________ Bibliografia Almeida, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. Bonavides, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo. 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