PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Pós-Graduação em Direito
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM “DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS”
DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS
ASPECTOS RELEVANTES DA TUTELA INDIVIDUAL E COLETIVA DO CONSUMIDOR
Mestrado - Doutorado
Prof.ª Dra.ª PATRICIA MIRANDA PIZZOL
MONOGRAFIA:
TUTELA COLETIVA. PETIÇÃO INICIAL E RESPOSTA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
2º SEMESTRE – 2007
Aluno.: MARCELO TAVARES CERDEIRA
1
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Da busca da efetividade da tutela no processo
coletivo 3. Microssistema coletivo 4. Lacunas do microssistema coletivo e
aplicação subsidiária do CPC 5. Petição inicial e resposta nas lides coletivas –
aspectos procedimentais relevantes 5.1. Aspectos gerais da petição inicial e
resposta no processo coletivo. 5.2. Petição inicial. 5.2.1. Valor da causa. Fixação
do rito processual e outras implicações. 5.2.2. Pedido e causa de pedir. Teorias
da substanciação e individuação. Princípio ou regra da congruência. 5.2.3.
Pedido certo e determinado. Condenação genérica. 5.2.4. Pedidos cumulativos,
sucessivos, subsidiários e alternativos. 5.2.5. Aditamento à petição inicial
coletiva. Atuação do Ministério Público. 5.2.6. Limites da atuação do Ministério
Público na ação popular. 5.2.7. Documentos necessários para instruir a petição
inicial coletiva. 5.2.8. Pedido de tutela antecipada e outros meios de obter a
pretensão de forma célere e efetiva. 5.3. Resposta nas ações coletivas. 5.3.1. Da
intimação e citação no processo coletivo. 5.3.2. Prescrição entre ações coletivas
e individuais. 5.3.3. Espécies de defesa admitidas no processo coletivo. Outras
questões atreladas à defesa. 6. Anteprojeto de código brasileiro de processos
coletivos e projeto de código modelo de processos coletivos para Ibero-América
7. Ações trabalhistas coletivas e aplicabilidade do microssistema 7.1. Da
juntada de rol de substituídos na petição inicial da ação trabalhista coletiva. Da
reação da defesa 8. Conclusão
2
1. Introdução
O presente estudo é voltado à análise da petição inicial e da contestação no
processo coletivo.
Trata-se de tema de grande interesse, considerando que a petição
inicial é peça fundamental do processo, que em regra fixa os limites a serem atingidos
pela ação em seu objetivo final. E as regras da defesa fazem-se igualmente importantes,
pois há peculiaridades essenciais em se tratando de lide coletiva.
Visa assim o presente trabalho, abordar alguns pontos acerca das
peculiaridades da petição inicial e da defesa nos processos coletivos, considerando as
regras aplicáveis inseridas no denominado microssistema voltado às lides coletivas,
composto pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei de Ação Civil Pública, Lei da
Ação Popular, Mandado de Segurança Coletivo, dentre outros instrumentos, bem como
suas lacunas, supridas pela aplicação do processo comum (CPC).
Em muitos pontos, como se verá, a petição inicial e a defesa são
praticamente idênticas às regras do processo comum, disciplinado pelo Código de
Processo Civil.
Em outras oportunidades, veremos que as disposições do processo
comum, diante das lacunas do microssistema, são incompatíveis, considerando, por
exemplo, os próprios limites do pedido inicial e os efeitos da revelia no processo coletivo,
que na maioria das vezes trata de direitos indisponíveis.
Trata-se sem dúvida de questão polêmica a aqui enfrentada, cuja doutrina
e jurisprudência infelizmente não são tão vastas, havendo várias questões de difícil
solução ou pelo menos de solução não tão pacífica.
Em se tratado de processos
coletivos, os principais problemas decorrem das grandes lacunas do microssistema e da
incompatibilidade da aplicação subsidiária das regras do processo comum (CPC), cuja
origem é nitidamente voltada a resolução de conflitos na esfera individual.
Há questões como os limites do pedido e a causa de pedir, aditamento à
petição inicial, resposta, impedimento e suspeição, revelia, julgamento antecipado da
lide, valor da causa, etc., que não são resolvidas pelo microssistema de jurisdição
coletiva e nem pela aplicação subsidiária do processo comum.
Há necessidade de
verdadeira “adaptação” das regras do processo comum na maioria dos casos enfrentados
na esfera coletiva, cabendo aos princípios e à jurisprudência resolver certos entraves.
A LACP, assim como o CDC, são leis processuais extravagantes, e como tal,
tem cunho predominantemente processual: dispõem sobre modalidade de ações, sobre
foro,
rito,
legitimidade,
atuação
do
MP,
sentença,
coisa
julgada
e
execução
coletiva/individual; mas são omissas em muitos aspectos processuais, não bastando a
3
simples aplicação subsidiária das regras do processo comum para resolver todos os
problemas das lides coletivas.
As disposições do Anteprojeto de Código de Processo Coletivo bem como
do Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, visam solucionar vários
impasses do processo coletivo atual, buscam enfrentar as questões polêmicas hoje sem
solução plena, como as enfrentadas neste trabalho.
Mas o primeiro diploma está em
lenta tramitação, e tende a ter grande parte de seus dispositivos excluídos ou vetados ao
final.
O segundo diploma, cujo anteprojeto foi recentemente aprovado, apesar de sua
importância, não tem força plena de lei.
Por fim, em se tratando de ações coletivas, cumpre ainda mencionar nesta
introdução, a importância das ações coletivas trabalhistas, onde a efetividade tem se
demonstrado superior aos outros ramos do direito, devido à maior celeridade processual
trabalhista e inexistência de mecanismos protelatórios similares aos do processo comum,
como é caso, por exemplo, do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias.
Também nas lides trabalhistas coletivas, observa-se a aplicação do microssistema
coletivo acima mencionado (regras do CDC, LACP, etc.), além das regras do direito
processual do trabalho, que tem suas lacunas supridas pelas regras do processo comum.
Na esfera trabalhista, por exemplo, quanto às possíveis modalidades de
ação coletiva, observam-se o dissídio coletivo, as ações civis públicas, as ações coletivas
tutelando interesses coletivos em sentido estrito, e individuais homogêneos, cabendo aos
co-legitimados coletivos a interposição destas ações, como se dá com o Ministério Público
do Trabalho, Associações, Sindicatos, etc.
Neste contexto, a seguir, serão abordadas algumas questões relacionadas
ao pedido inicial e resposta nas ações coletivas, sendo inevitável a abordagem paralela
de alguns pontos ligados ao processo individual e coletivo, bem como peculiaridades de
ações integrantes do microssistema de jurisdição coletiva.
2. Da busca da efetividade da tutela no processo coletivo
Em se tratando do estudo da petição inicial e resposta nas ações coletivas,
necessário um parêntesis sobre os princípios que norteiam esta modalidade de tutela.
Os princípios, no que tange ao Direito, são parte estrutural do sistema
jurídico, interferindo na elaboração das normas.
fontes acessórias do Direito.
De outro ângulo, os princípios são
Além disso, os princípios são auxiliares e definidores na
interpretação e na aplicação do Direito no caso concreto.
4
O CPC, diploma de solução de conflitos tipicamente individuais, é a fonte
subsidiária para suprir lacunas do denominado microssistema aplicável à tutela coletiva,
composto pela interação entre CDC e LACP, dentre outras normas1. Considerando assim
que muitas das regras do CPC são incompatíveis com o processo coletivo, e que dentro
do próprio microssistema podem surgir contradições e outras incompatibilidades que
prejudicariam o processo coletivo, tem-se nos princípios a solução de grande parte dos
problemas, não só como fonte inspiradora de normas mais perfeitas e compatíveis, mas
também no que tange a sua aplicação como fonte subsidiária do Direito, e também
quanto à sua função interpretativa e norteadora da aplicação do Direito ao caso concreto.
Gregório Assagra de Almeida destaca em sua obra, dentre outros, o que
denomina de “Princípios específicos do direito processual coletivo comum”, destacando a
importância do princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do
processo coletivo; do princípio da máxima prioridade jurisdicional da tutela jurisdicional
coletiva; do princípio da disponibilidade motivada da ação coletiva, do princípio da
presunção da legitimidade “ad causam” ativa pela afirmação do direito, do princípio da
não taxatividade da ação coletiva; do princípio do máximo benefício da tutela
jurisdicional coletiva comum; do princípio da máxima efetividade do processo coletivo; do
princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum; do princípio da
obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Publico.2
O princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do
processo coletivo é sem dúvida muito importante, também no que se refere aos
formalismos processuais normalmente exigidos, onde se inclui a exigida perfeição da
petição inicial por exemplo. Ao discorrer sobre tal princípio, o referido autor assim o faz:
“Assim, como guardião dos direitos e garantias sociais fundamentais, o
Poder Judiciário, no Estado Democrático de Direito, tem interesse em
enfrentar o mérito do processo coletivo, de forma que possa cumprir seu
mais importante escopo: o de pacificar com justiça, na busca da efetivação
dos valores democráticos. Com efeito, o Poder Judiciário deve flexibilizar
os requisitos de admissibilidade processual, para enfrentar o mérito do
processo coletivo e legitimar sua função social.”3
Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., em sua classificação quanto aos
princípios atinentes à tutela coletiva, destacam o que denominam de princípio da
1
O microssistema voltado às ações coletivas será estudado no tópico seguinte
Almeida, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p.
570-9.
2
5
instrumentalidade substancial das formas e do interesse jurisdicional no conhecimento do
mérito do processo coletivo, definindo-o de forma similar ao princípio acima destacado:
“O princípio em comento, subdividido em duas funções, apresenta íntima
relação com as premissas do formalismo-valorativo de Carlos Alberto
Alvaro de Oliveira, o processo não é fim em si mesmo, está voltado para a
obtenção da justiça material e de pacificação social, sendo que seus
institutos, na atual quadra da história de nosso desenvolvimento jurídico,
deverão ser conformados pelas máximas estabelecidas pela Constituição
Federal.
A Constituição que estabelece ser o nosso país um Estado Democrático
Constitucional de feição pluralista, significa dizer aberto o sistema a
realidade social e a efetivação dos valores democráticos”.4
Apesar de impossível neste estudo focado enfrentar todos os princípios
relativos à tutela coletiva, não há como negar a infinita importância dos princípios em
qualquer ramo do direito, mormente em se tratando de ramo novo, onde existem ainda
mais lacunas e incompatibilidades.
Os princípios, neste contexto, são fundamentais para a solução dos
conflitos. E quanto aos formalismos processuais inúteis, os princípios indicam a
necessidade de uma visão mais aberta, mais ampla, na busca da efetividade plena da
ação, que deve ter seu mérito analisado.
Isso se aplica não só quanto às regras da
petição inicial coletiva, mas também quanto à defesa, considerando, por exemplo, o
princípio do contraditório, aplicável às lides coletivas.
Rodolfo
de
Camargo
Mancuso,
analisando
em
sua
obra
aspectos
procedimentais da ação civil pública, e como conseqüência das demais ações que
integram o microssistema de jurisdição coletiva, valendo-se dos ensinamentos de
Cândido Rangel Dinamarco, assim se manifesta em relação aos princípios, em vista de
sua importante atuação, que se situa hierarquicamente, acima do procedimento:
“Cândido Rangel Dinamarco, discorrendo sobre a instrumentalidade, como
idéia-força para se alcançar a efetividade da prestação jurisdicional, aponta
quatro escopos (admissão em juízo, o modo-de-ser do processo, justiça
das decisões e efetividade das decisões). Um desses escopos – o modo de
3
Ob. cit. p. 572.
Junior. Fredie Didier e Hermes Zaneti. Curso de direito processual civil – processo coletivo – vol.
4. 1a. ed. Edições JusPODIVM:Salvador, 2007, p. 120.
4
6
ser do processo – corresponde ao rito ou procedimento – “é o amálgama
que funciona como fator de coesão do sistema, cooperando na condução do
processo sobre os trilhos dessa conveniente participação do juiz e das
partes (aqui incluindo o Ministério Público). Compreende-se que seja
relativo o valor do procedimento em face desses objetivos, sendo vital a
interpretação inteligente dos princípios e a sua observância racional em
cada caso;””
5
(gn.)
A seguir, será traçado um panorama do microssistema voltado à tutela
coletiva, considerando as normas que o compõe e regem, para que depois seja
enfrentado o problema da petição inicial e defesa nas lides coletivas.
3. Microssistema coletivo
Em se tratando de análise da petição inicial e da resposta nas lides
coletivas, necessária se faz uma abordagem sobre a legislação existente e aplicável à
tutela coletiva.
Acerca das diversas normas jurídicas referentes à tutela dos interesses
metaindividuais em juízo, Hugo Nigro Mazzilli destaca o seguinte em sua obra, fazendo
um verdadeiro retrospecto:
“Advinda pouco antes da promulgação da Constituição de 1988, chegou a
marcar época a chamada Lei da Ação Civil Pública – LACP (Lei n.
7.347/85), por permitir a propositura de inúmeras ações para a defesa de
interesses transindividuais e servir de base para novas leis que ampliaram
sua abrangência.
(...)
Reportando-se à LACP, sobrevieram a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de
1989 (que cuidou da ação civl pública em defesa das pessoas portadoras
de deficiência), a Lei n. 7.913, de 7 de dezembro de 1989 (que dispôs
sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos
investidores no mercado de valores imobiliários), a Lei n. 8.069, de 13 de
julho de 1990 (ECA), a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 (CDC), a Lei
n. 8.864, de 11 de junho de 1994 (que instituiu a ação de responsabilidade
por danos causados por infração à ordem econômica), a Lei n. 9.494, de 10
de setembro de 1997 (que intentou limitar o alcance da coisa julgada na
LACP), a Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade, que
5
Mancuso, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. 10 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 86.
7
incluiu no objeto da ação civil pública a defesa da ordem urbanística), a
Med. Prov. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001 (que restringiu o objeto da
ação civil pública), a Lei n. 10.628, de 24 de dezembro de 2002 (que
alterou o art. 88 do CPP, intentando ampliar o foro por prerrogativa de
função em algumas hipóteses de ações civis públicas).”6
Neste sentido, apesar da inexistência de uma legislação coletiva específica,
pois ainda não há um código de processo coletivo vigente, existe um microssistema,
formado por leis diversas que se integram e dão suporte processual às ações coletivas,
propiciando sua existência.
O Código de Defesa do Consumidor, embora aparentemente voltado ao
consumidor e às relações de consumo, como é estampado na sua própria denominação,
alterou substancialmente a Lei 7.347/85, Lei da Acão Civil Pública, e como corolário,
alterou a própria Ação Civil Pública, tornando-a sem dúvida mais abrangente e efetiva.
José Marcelo Menezes Vigliar, assim discorre em sua obra acerca da alteração de
sistemática legal dos interesses metaindividuais:
“Repita-se: no texto original da chamada “Lei da Ação Civil Pública” previase apenas a tutela de interesses difusos.
Os coletivos e os individuais
homogêneos, gradativamente, foram sendo inseridos no ordenamento
jurídico pátrio, por diplomas legais subconstitucionais posteriores e pela
própria Constituição Federal vigente.”7
A grande evolução da tutela coletiva lato sensu no ordenamento jurídico
brasileiro deve-se, em grande parte, a duas leis que são recíprocas e apresentam-se
interligadas - a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor merecendo destaque, as alterações que esta segunda Lei inseriu no texto da primeira.
O artigo 21 da Lei 7.347/85 (LACP) ganhou nova redação com o advento
da Lei 8.078/90 (CDC):
Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e
individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que
instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Redação dada pelo artigo
117, da Lei nº 8.078, de 11.09.1990)
6
Mazzilli, Hugo Nigro. A Defesa dos interesses difusos em juízo. 19a Ed. São Paulo:Saraiva, 2006,
p. 113-4
8
E quanto à inequívoca reciprocidade das citadas entre as leis, cita-se o
artigo 90 inserido no CDC:
Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de
Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de junho de 1985, inclusive no que
respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.
Com relação à reciprocidade dos dois diplomas legais, e quanto à maior
abrangência e efetividade da tutela jurisdicional dos interesses metaindividuais trazida
pelo CDC, aplicado em conjunto com a Lei anterior (LACP), Vigliar afirma o seguinte:
“De qualquer forma, não há o menor receio em se afirmar que a Lei nº
7.347/85 e a Lei nº 8.078/90 tornaram-se diplomas recíprocos, conforme
também já se teve a oportunidade de mencionar e que a Lei 8.078/90
aprimora e eleva a tutela dos interesses transindividuais em juízo,
constituindo um Diploma a serviço do acesso à justiça, eis que o legislador,
com base no excelente anteprojeto apresentado pela comissão de juristas
notáveis (Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Júnior,
Antonio
Herman
Vasconcelos e Benjamim,
dentre outros), ampliou
sobremaneira as modalidades de interesses transindividuais passíveis de
serem tutelados em juízo, aprimorou a questão da representatividade
adequada, veiculou vocabulário jurídico mais preciso para indicar os vários
institutos jurídicos que integram o seu conjunto de disciplinas, disciplinou
com mais rigor os limites subjetivos da coisa julgada em matéria de
interesses transindividuais etc.”8
As conseqüências práticas que podem ser extraídas da adoção do princípio
da interação no tocante a tais diplomas legais é a formação de um microssistema voltado
à tutela coletiva, formado pela integração não só dos dois diplomas acima focados (LACP
e CDC), mas também de outras normas, anteriores e posteriores ao seu advento, que se
completam, tornando a tutela coletiva possível e ainda mais eficaz.
Gregório Assagra de Almeida ao tratar da importância da LACP para o
processo coletivo, afirma o seguinte em sua obra:
“Não há como falar ou pensar em direito processual coletivo comum, no
Brasil, antes da entrada em vigor da Lei n. 7.347/85, que instituiu a ação
7
Vigliar, José Marcelo Menezes. Interesses difusos e coletivos. 2a Edição. São Paulo: CPC, 2002, p.
51.
8
Ob. cit. p. 64.
9
civil pública. Isso porque não existia em nosso país um microssistema
próprio, como existe hoje, de tutela dos direitos de massa.”9
E mais adiante, ao tratar do tal microssistema em si, no tocante à
integração de outros dispositivos legais, assim se manifesta:
“com o advento do CDC, passou a existir, em nosso Ordenamento Jurídico,
um microssistema integrado, decorrente da completa interação entre o
CDC (art. 90) e a LACP (art. 21), diplomas esses fundamentais para a
tutela jurisdicional coletiva comum”10
Em matéria coletiva, ocorre interação também com a Lei da Ação Popular,
bem como com as regras do Mandado de Segurança Coletivo. O tal microssistema deve
ser visto amplamente, considerando os princípios que regem a tutela coletiva.
Neste
sentido, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., ao tratarem em sua obra do microssistema
do processo coletivo, afirmam o seguinte:
“o CDC não traz todas as disposições atinentes ao nosso processo coletivo
e é importante para a finalidade que atende o processo coletivo que
busquemos integrar, no que existe de positivo, os diversos diplomas que
referem sobre as ações coletivas.”11
E mais adiante, os mesmos autores assim completam seu raciocínio:
“A recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aponta para esta
direção em reiterados votos o do eminente Min. Luiz Fux: “A lei de
improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da
ação popular, do mandado de segurança coletivo, do código de Defesa do
Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõe
um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse
enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se (...)”.”12
Exemplificativamente, cita-se a aplicação das regras do microssistema ao
mandado de segurança coletivo, o que demonstra a interação das normas voltadas à
tutela coletiva, normas essas, que como dito acima pelo i. Ministro do Superior Tribunal
de Justiça, Luiz Fux, “interpenetram-se e subsidiam-se”.
Sobre o tema, assim se
9
Op. cit. p. 263.
Ob. cit. p. 582.
11
Ob. cit. p. 49.
12
Ob. cit. p. 51 – citando julgado do STJ – RESP nº 510.150/MA, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j.
17.2.2004. DJU de 29.3.2004, p. 173.
10
10
manifesta o professor Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ao tratarem do
mandado de segurança coletivo, comentando o artigo 5o LXX, da CR/88:
“(...)
Quanto ao procedimento, o MSC segue as regras processuais previstas nas
leis que regulam o MS tradicional (v.g. LMS). Como se trata de ação
coletiva,
são
aplicáveis
ao
MSC
os
preceitos
processuais
e
procedimentais da parte processual do CDC e LACP, como, por
exemplo, o regime jurídico da coisa julgada coletiva (CDC 103),
pois as normas sobre a coisa julgada individual, previstas no CPC
472, são insuficientes para solucionar os problemas do processo
civil coletivo do mandado de segurança”.13 (gn.)
Nestes termos, todos os dispositivos aplicáveis à tutela coletiva, como por
exemplo, à ação civil pública e à ação popular, são aplicáveis também à ação
constitucional do MSC, que se vale do microssistema voltado à tutela coletiva.
Assim, indicada a integração legislativa básica dos dispositivos que compõe
o microssistema aplicável à tutela coletiva, mais fácil se tornará o estudo da petição
inicial e da defesa nas lides coletivas, considerando ainda a aplicabilidade das regras do
processo comum nas omissões.
Ou seja, aquilo que Rodolfo de Camargo Mancuso
chamou de “a contemporânea e prestigiada diretriz do diálogo das fontes: LACP, CDC,
CPC”14, referindo-se às regras que compõe o microssistema e à aplicação acessória das
do processo comum, será o objeto de estudo quanto a petição inicial e defesa nas lides
coletivas.
4. Lacunas do microssistema coletivo e aplicação subsidiária do CPC
O microssistema possui lacunas, não é completo quanto às regras
processuais aplicáveis.
Por isso a aplicação subsidiária do CPC, a seguir demonstrada
pela transcrição dos artigos 90 do CDC e 19 da LACP:
Art. 90. CDC. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do
Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de junho de 1985,
inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas
disposições.
13
Nery Junior, Nelson e Nery, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação
constitucional. São Paulo: Editora RT, 2006, p. 139.
14
Ob. cit. p. 89.
11
Art. 19. LACP. Aplica-se à ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de
Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973,
naquilo em que não contrarie suas disposições.
A Lei de Ação Popular, 4717/65, também, como dito acima, integrante do
microssistema, possui disposição similar, a saber:
Art. 22. Aplicam-se à ação popular as regras do Código de Processo Civil,
naquilo em que não contrariem os dispositivos desta lei, nem a natureza
específica da ação.
Mancuso, ao analisar em obra voltada ao estudo da ação coletiva alguns
aspectos procedimentais, assim ensina quanto a tais lacunas:
“À semelhança do que dispõe o art. 22 da Lei de Ação Popular (Lei
4.717/65), o art. 19 da Lei 7.347/85, sobre a ação civil pública, manda
aplicar “o código de Processo Civil, aprovado pela Lei 5.869, de 11 de
janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições”.
Dessa norma se inferem duas conclusões, que podem apresentar interesse
para resolver questões de interpretação na aplicação da Lei 7.347/85: (...)
B) justifica-se a remissão e a aplicação subsidiária do Código de Processo
Civil porque a Lei 7.347/85, embora de caráter predominantemente
processual, não se ateve, detalhadamente, sobre certos temas relevantes,
como o pedido, a resposta, a revelia, o julgamento antecipado etc.”15
(gn.).
E neste contexto, traz o autor em nota de rodapé de sua obra, na mesma
página, a seguinte anotação, que vale a pena transcrever, pela sua clareza:
“Na óptica de Pedro da Silva Dinamarco, a lei 7.347/85 “não visa à criação
de comportamento para as pessoas, na vida em sociedade. Ela contém
apenas regras procedimentais a serem seguidas pelo juiz e pelas partes
sempre que surgir um conflito de interesses envolvendo direitos e
interesses metaindividuais que tenham sido lá especificados. Trata do foro,
rito, legitimidade, atuação do Ministério Público, sentença, coisa julgada,
execução, aplicação subsidiária do Código de Processo Civil etc. Ela
depende essencialmente das normas de direito material para que possa ter
vida” (Ação civil pública, cit., 2001, p. 47).”
12
Pode-se concluir que o microssistema possui alguns aspectos processuais,
e que também quanto ao procedimento, elegeu o processo comum como fonte
subsidiária, isso apesar deste último não possuir índole coletiva.
José Marcelo Menezes Vigliar, em outra obra, assim se manifesta quanto a
compatibilidade do CPC com os conflitos coletivos:
“O Código, na maioria de seus dispositivos, disciplina o procedimento e a
forma da relação jurídica processual, constituindo um diploma que é
utilizado
para que conflitos de interesses envolvendo
a tutela de
direitos/interesses não-penais sejam levados ao Judiciário, para o exercício
da denominada jurisdição civil (vide o item anterior) seja realizado. Os
dispositivos do Código, ainda, devem ser utilizados para a tutela de
determinadas situações especiais, toda vez que a legislação que estabelece
o procedimento para essas situações não discipline toda a relação
processual possível, como ocorre, por exemplo, com a Lei do Mandado de
Segurança (dentre muitas outras).
Devemos sempre lembrar que o Código de Processo Civil constitui uma
expressão de sua época e, assim, não se acha apto para a solução de
conflitos coletivos.”16
Por sua vez, o i. Jurista Gregório Assagra de Almeida, em obra aqui já
mencionada, acerca da aferição da compatibilidade entre o CPC e as regras do
microssistema, assim nos ensina:
“A filosofia que constituiu os referidos diplomas legais é totalmente
incompatível com o fenômeno denominado de coletivização do processo.
Em razão disso, foram criadas formas próprias e específicas de tutela
jurisdicional coletiva, visando justamente resolver conflitos coletivos em
relação aos quais o CPC era impróprio, como ainda o é. Todavia, tanto a
LACP (art. 19), quanto o CDC (art. 90) prevêem a aplicabilidade subsidiária
do
CPC.
Entretanto,
para
que
isso
ocorra,
deve
existir
dupla
compatibilidade, formal (inexistência de disposição legal sobre a matéria no
direito processual coletivo comum) e material (a regra do CPC só será
aplicável se não ferir o espírito do direito processual coletivo comum e,
portanto, não colocar em risco a efetivação da tutela jurisdicional coletiva
15
16
Ob. cit. p. 85.
Vigliar. José Marcelo Menezes. Ações coletivas. 1a. ed. Edições JusPODIVM:Salvador, 2007, p. 24
13
adequada. Se colocar em risco a efetividade do respectivo direito coletivo
tutelado, essa aplicabilidade deverá ser rechaçada pelo operador do direito.
Com efeito, observa-se que a aplicabilidade subsidiária do CPC no
direito processual comum é limitada.”17 (gn.).
É de se ressaltar que Gregório Assagra de Almeida, em seu brilhante
trabalho, trouxe a inovadora concepção do processo coletivo como ramo autônomo de
direito.
Em sua concepção inovadora, o direito processual coletivo é subdividido em
direito processual coletivo especial, voltado à proteção potencializada do Estado
Democrático
de
Direito,
tendo
como
objetivo
o
controle
concentrado
da
constitucionalidade das leis ou atos normativos. Já a efetivação potencializada ficaria a
cargo do direito processual coletivo comum, voltado à resolução dos conflitos coletivos
ocorridos em casos concretos.
A idéia trazida por Gregório Assagra de Almeida e acima transcrita, muito
bem sintetiza o dito até aqui, considerando a necessidade de uma máxima efetividade da
tutela coletiva em detrimento das regras CPC, que por ser diploma de concepção
individualista, muitas vezes se revela incompatível com os objetivos do processo coletivo.
O estudo aqui é quanto à petição inicial e resposta nas lides coletivas, itens em que o
CPC é chamado a resolver o problema das lacunas e omissões do microssistema. Daí a
importância da análise desta compatibilidade entre os instrumentos.
O CPC é a fonte subsidiária do microssistema, mas muitas de suas regras,
considerando que o CPC está pautado em concepção individualista, revelam-se
incompatíveis com a tutela coletiva,
demonstrando
algumas
vezes formalismos
exacerbados e contra a efetividade buscada com as ações coletivas. É neste contexto
que analisaremos a petição inicial e resposta nas ações coletivas.
5. Petição inicial e resposta nas lides coletivas – aspectos procedimentais
relevantes
5.1 Aspectos gerais da petição inicial e resposta no processo coletivo
Os requisitos da petição inicial, em se tratando de tutela coletiva,
considerando a ausência de disposição específica no microssistema, são aqueles
previstos no CPC, art. 282 e seguintes, com algumas exceções adiante comentadas.
E o mesmo se diz quanto à defesa (resposta), pois o microssistema
17
Op. cit. p. 583
14
coletivo não dispõe de regras específicas neste aspecto, sendo necessária a aplicação
subsidiária do CPC, sempre verificando a compatibilidade das normas, considerando
também os princípios, conforme acima referido.
Rodolfo de Camargo Mancuso ensina o seguinte sobre a aplicação das
regras processuais subsidiárias ao microssistema coletivo no que tange à petição inicial,
observação que isso se aplica igualmente à resposta nos processos coletivos:
“Cabe ressaltar que, tanto na parte processual do CDC (arts. 81 a 104)
como no bojo da Lei 7.347/85, não foram indicados os requisitos formais a
serem observados nas petições iniciais. Compreende-se que assim seja,
visto que em face de ambos esses textos o Código de Processo Civil opera
como fonte subsidiária (Lei 8.078, art. 90; Lei 7.347/85, art. 19) – logo, a
regularidade procedimental da peça vestibular, tanto nas ações de cunho
cominatório/ressarcitório
como
nas
ações
de
índole
cautelar,
é
parametrizada pelo texto processual padrão, ou seja, o CPC, arts. 282,
286, 801. Isso sem prejuízo, naturalmente, da utilização de certas
disposições específicas da ação civil pública (v.g., a imposição de multa
diária “suficiente ou compatível” – art. 11) ou previstas para as ações do
Código de Defesa do Consumidor (de resto aplicáveis à ação civil pública –
art. 117),
como,
v.g., as diversas modalidades de coisa julgada,
concernentes a cada tipo de interesse metaindividual (CDC, art. 103 e
incisos).”18
5.2. Petição Inicial
Uma questão relevante, em se tratando de lides coletivas, seria quanto a
necessidade de demonstração pelo autor, na petição inicial, do requisito da relevância,
bem como da predominância de questões comuns.
Parece que quanto o requisito da relevância, este se encontra implícito nas
ações coletivas, considerando que a tutela coletiva engloba questões de grande interesse
e relevância social.
Neste sentido, o próprio artigo 1º do CDC, não sendo necessário
assim demonstrar expressamente o requisito da relevância na inicial, o que está implícito
na própria ação.
Quanto à predominância de questões comuns, isso não se revela
necessário para a ação. A Súmula 630 do STF, ao dispor que: “a entidade de classe tem
18
Op. cit. p. 95
15
legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse
apenas a uma parte da respectiva categoria”, demonstra claramente, por analogia, que
não é necessária a predominância de questões comuns para a existência e efetividade da
ação.
Neste sentido, se uma parte da coletividade tutelada na ação se insurgisse
conta ela – por ex.: se alguns pais de alunos, em ação para redução de mensalidade
escolar, achassem que o preço cobrado estava adequado e poderia ser mantdo, a
sentença prevaleceria sobre tais manifestações contrárias, não atingindo o conjunto as
opiniões de alguns.
Cumpre ainda registrar, neste tópico preliminar relativo à petição inicial,
que custas iniciais são dispensadas na ação coletiva, consoante artigos 18 da LACP e 87
do CDC, inseridas no microssistema de jurisdição coletiva, e aplicável a todas as ações
que o integram.
Outro ponto de interesse trata-se do julgamento antecipado da lide, que é
possível nos processos coletivos, não havendo incompatibilidade em adotá-lo no caso
concreto.
Mas deverá ser observada a restrição probatória muitas vezes incompatível
com o processo coletivo que normalmente exige, além de uma cognição exauriente,
instrução probatória ampla.
5.2.1. Valor da causa. Fixação do rito processual e outras implicações.
O valor da causa em se tratando de tutela coletiva, pode muitas vezes se
demonstrar de difícil indicação. Como auferir com exatidão desde a petição inicial o valor
de um grande dano ambiental, por exemplo? Mas a indicação é sempre necessária,
inclusive nas medidas liminares e cautelares jurisdicionais. Incorreto é o entendimento
de que a causa teria valor inestimável e isso desobrigaria a indicação de um valor (art.
20, § 4º, CPC). Os artigos 258 e 259 do CPC são aplicáveis e algum valor, ainda que
estimado, deverá sempre ser indicado, ainda nas ações de preceito cominatóriomandamental, mesmo que inexistentes pedidos alternativos ou subsidiários.
Melhor
seria nas lides coletivas, pela sua natureza e implicações monetárias, indubitavelmente,
a flexibilização da exigência da regra da correspondência exata com o bem tutelado
(arts. 258 e 259, do CPC).
O valor dado à causa fixa o rito da ação, que em se tratando de causas
coletivas, melhor o ordinário ao sumário, que não admite, por exemplo, a cumulatividade
de pedidos, ação declaratória incidental, intervenção de terceiros, etc. (arts. 279 e 280,
do CPC). Mazzilli afirma que “nas ações civis públicas, pode-se valer do procedimento
16
sumário ou ordinário, nos termos da lei processual”
19
remetendo aos artigos 274/5 do
CPC, o que serve par aas demais ações do microssistema. O valor da causa também
serve para fixação de honorários devidos em razão da sucumbência.
E em se tratando de valor da causa, que também se atrela ao rito
processual, interessante mencionar que as ações coletivas em geral não tramitarão pelo
rito especial dos Juizados Especiais, por disposição da Lei 10259/01, artigo 3º, I, relativo
às ações atreladas à Justiça Federal, isso por analogia, considerando a ausência de
disposição específica no artigo 3º da Lei 9099/95.
Mancuso, em sua obra voltada ao estudo da ação civil pública, enfrenta
com propriedade o problema do valor da causa, o que também se aplica às demais ações
que integram o microssistema voltado à tutela coletiva.
Após analisar as disposições
processuais em geral relativas ao valor da causa previstas no CPC, elenca as seguintes
observações relevantes acerca da matéria:
“A) essa ação é de preceito cominatório-mandamental (fazer, não fazer) ou
condenatório-pecuniário (arts. 3º, 11 e 13); logo, têm interesse os incs. III
e IV do art. 259 do CPC, aquele a dispor que, na alternatividade, prevalece
o pedido de maior valor, e este estabelecendo a primazia do pedido
principal sobre o subsidiário; B) tendo o art. 258 do CPC dito que toda
causa terá “um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico
imediato”, é imperioso que algum valor, ainda que estimado, deve ser
atribuído à causa, em que pesem as dificuldades para tal, em algumas
ações civis públicas, tanto ambientais, (qual indenização reparará a
degradação em sítio de relevante valor paisagístico?) quanto consumeristas
(como avaliar, monetariamente, a extensão do prejuízo causado por
publicidade enganosa?); C) embora o § 4º do art. 20 do CPC fale em
causas de “valor inestimável”, cremos que essa locução deve ser evitada,
conforme a doutrina de Vicente Greco Filho: “(...) não é correto que na
inicial apenas refira o autor que a causa, não tendo conteúdo econômico, é
de valor inestimável: é necessário que se atribua um valor em dinheiro,
ainda que ficticiamente. Não se admite, também, que o valor seja variável,
porque é o valor fixo contemporâneo à inicial que é relevante para as
conseqüências processuais acima aludidas, de modo que a conversão em
unidades variáveis seria irrelevante”.20
19
20
Ob. Cit. p. 209.
Ob. cit. p. 92-3.
17
Aplicável às lides coletivas as disposições do CPC quanto ao valor da causa.
Cumpre em reforço a tal entendimento, trazer à colação julgado que trata da
necessidade de fixação do valor da causa, também no caso de lide coletiva:
“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA –
PEDIDO PRINCIPAL – ANULAÇÃO DE CONTRATOS – VALOR DO CONTRATO EQUIVALENTE
AO DOS VEÍCULOS EFETIVAMENTE UTILIZADOS NA LINHA – PESQUISA INFORMAL DE
MERCADO NÃO IMPUGNADA PELA AGRAVADA – 1. O descumprimento ao art. 526 do
Código de Processo Civil, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de
Justiça, não impede o conhecimento do agravo de instrumento, que foi interposto antes
da Lei nº 10.352, de 26.12.2001. 2. Os critérios para fixação do valor da causa em
ação civil pública são os mesmos previstos no Código de Processo Civil e, sendo
vários os pedidos formulados, deve-se utilizar para tal arbitramento o pedido
principal, conforme art. 259, IV, do Código de Processo Civil, que, no caso, é o
valor dos contratos de concessão que o Ministério Público Federal objetiva ver
anulados. 3. Embora o contrato de concessão não tenha valor monetário
expresso, válida é a utilização de cláusula que prevê que o valor do contrato
equivale ao dos veículos efetivamente utilizados na linha. 4. O fato de o valor do
veículo ter sido obtido pelo Ministério Público em informal pesquisa de mercado,
não o invalida, porquanto à impugnante incumbia demonstrar, então, com
elementos concretos, o outro suposto valor da causa. 5. Agravo de instrumento
provido. (TRF 1ª R. – AG 01001395312 – GO – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Joao Batista
Moreira – DJU 16.12.2003 – p. 08)” (gn.).
O anteprojeto de código brasileiro de processo coletivo, como será visto em
tópico abaixo, resolve bem o problema do valor da causa nas ações coletivas, sendo
possível não indicá-lo em certos casos, cabendo ao juiz fixá-lo em sentença (artigo 24 do
anteprojeto, transcrito em tópico deste trabalho).
Neste contexto, certo é que um pedido genérico poderá acarretar sentença
líquida, sendo desnecessário atribuir valor à causa para o resultado ser líquido.
E de outra parte, no caso de um pedido em valor exato, com perícia
processual que vem a aumentar tal valor, o resultado final (sentença) não será vinculado
ao valor dado à causa, que poderá ser acolhido em valor diverso. Essa a melhor solução
processual para o problema.
18
5.2.2. Pedido e causa de pedir. Teorias da Substanciação e da Individuação.
Princípio ou regra da Congruência.
Hugo Nigro Mazzili afirma em sua obra quanto à causa de pedir:
“Causa de pedir são os fundamentos de fato e de direito em que se baseia
a ação (respectivamente causa de pedir próxima e remota), os quais
devem vir expostos na petição inicial. Não é ela coberta pela coisa julgada,
salvo se a respeito houver pedido expresso, ainda que incidental.”21
Quanto à causa de pedir, nosso CPC adotou a teoria da substanciação do
pedido. Exige-se na petição inicial, para identificação do pedido, a dedução dos
fundamentos de fato (causa de pedir próxima, imediata) e de direito da pretensão (causa
de pedir remota, mediata).22
Isso significa que o autor da ação deve indicar concretamente os
fundamentos de fato para que o juiz dê o direito, não sendo, contudo, necessário indicar
os números das leis e artigos para cumprir plenamente a exigência do artigo 282, III, do
CPC (da mihi factum, dabo tibi ius).
Já pela teoria da individuação ou individualização, seria necessária a
indicação, quanto à causa de pedir, tão somente dos fundamentos jurídicos do pedido
para a ação ser admitida, o que resultaria na abordagem do pedido de forma mais
ampla.
Seria suficiente, por exemplo, indicar na petição inicial, como causa de pedir,
apenas que determinado contrato foi descumprido, sem qualquer informação adicional
acerca dos fatos (o motivo pelo qual o direito estaria ameaçado ou teria sido violado), e
isso seria suficiente para a entrega da tutela jurisdicional adequada e suficiente ao caso,
tornado admissível a ação.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao abordarem a causa
de pedir, ensinam o seguinte sobre tais teorias ao comentarem os artigos 103 e 282 do
CPC:
21
Ob. cit. p. 124.
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (ob. cit. p. 103 e 671) referem-se aos fatos, como
sendo a causa de pedir próxima, a razão imediata do pedido; e aos fundamentos jurídicos, como
sendo a causa de pedir remota, razão mediata do pedido. Mancuso, citando José Carlos Barbosa
Moreira (ob. cit. p. 89) afirma que a “a causa de pedir remota é constituída pelos próprios fatos, ao
passo que a causa de pedir próxima é o fundamento jurídico, propriamente dito.” A doutrina
dominante acompanha esta última classificação, isso apesar da classificação de Nery e Nery, dentre
outros (Mazzilli, por exemplo, acima citado), ser sem dúvida a mais correta, eis que “o direito, o
título, não podem ser a causa de pedir próxima porque, enquanto não ameaçados ou violados, não
22
19
“2. Conceito de causa de pedir. São os fundamentos de fato e de direito
do pedido. É a razão pela qual se pede. O direito brasileiro, a exemplo do
direito alemão (ZPO § 253 2), adotou a teoria da substanciação do pedido,
segundo a qual se exige, para identificação do pedido, a dedução dos
fundamentos de fato e de direito da pretensão (v. coment. CPC 282).
Divide-se em causa de pedir próxima e causa de pedir remota.”23
“7. Substanciação. Nosso sistema processual adotou a teoria da
substanciação do pedido (v. coment. CPC 103). A ela se opunha a teoria da
individuação, que exigia apenas a indicação dos fundamentos jurídicos para
caracterizar a causa de pedir e tornar admissível a ação. Ambas as teorias
nasceram e foram desenvolvidas na Alemanha.”24
Rodolfo de Camargo Mancuso vê na atual sistemática da ação coletiva,
certa aproximação da teoria da individuação, na medida em que vários dispositivos legais
inseridos no microssistema coletivo levariam à possibilidade de deferimento amplo do
pedido, independentemente de constar da petição inicial, no tocante à causa de pedir,
apenas um fundamento geral para a pretensão, sem necessidade de se aduzir os
fundamentos de fato.
O autor faz um paralelo, invocando a regra da congruência (ou
adstrição, ou correlação) decorrente do princípio dispositivo, para demonstrar o
afastamento da teoria da substanciação em certos casos:
“Visto que o art. 264 do CPC dispõe que, “feita a citação, é defeso ao autor
modificar o pedido ou a causa de pedir”, e o art. 460 impõe ao juiz a
proibição de sentenciar extra, ultra ou citra petita, tem-se que o nosso
Código adotou a chamada teoria da substanciação, ou seja: a causa de
pedir e o pedido definem a lide e determinam os limites dentre os quais se
há de operar a jurisdição no caso concreto; ao passo que a outra teoria,
dita da individuação, permite que a petição inicial apenas indique um
fundamento geral para a pretensão: “A petição inicial teria apenas a função
de apontar a causa, abrangendo a decisão todos os aspectos de fato
relevantes”.
No caso da Lei da Ação Civil Pública, a interpretação conjunta dos arts. 3º,
11, 13 e 16 sugere que o legislador, sem descurar da teoria adotada pelo
Código
de
Processo
individuação...”
Civil,
aproximou-se
um
tanto
da
teoria
da
25
ensejam ao seu titular a necessidade do ingresso em juízo, ou seja, não caracterizam per se o
interesse processual primário e imediato, aquele que motiva o pedido” (ob. cit. p. 671).
23
Ob. cit. p. 503.
24
Ob. cit. p. 671.
25
Ob. cit. p. 89-0, Cf. Vicente Greco Filho, Direito Processual..., cit., 16. Ed, v. 2, p. 100.
20
A questão é de fato complexa, e a aplicação das teorias da substanciação
ou da individuação, inerentes à causa de pedir, liga-se inevitavelmente ao princípio do
dispositivo (regra da congruência), pois a aplicação da teoria da individuação significaria
a possibilidade do pedido ser abordado de forma mais ampla na sentença.
Pois bem; se é verdade que não se pode afirmar de forma simplista que foi
adotada a teoria da individuação ou individualização no caso das tutelas coletivas, é
impossível não detectar que a regra da congruência que decorre do princípio do
dispositivo, é “quebrada” em certos casos, sendo mitigada, permitindo julgamento fora
dos limites do pedido inicial.
Por exemplo, na esfera coletiva, temos as situações
envolvendo a hipótese de incidência do arts 84 do CDC (461 e 461-A do CPC); 3º, II, 13,
14 e 16 da LACP; art. 11 da LAP. Há possibilidade de decisão deferimento de itens não
pleiteados expressamente na inicial, atuando o juízo de ofício em muitos casos, como se
dá, por exemplo, com os juros, correção monetária e verba honorária. Apesar de raras
discordâncias, diga-se de passagem equivocadas, isso também ocorre com as questões
de ordem pública, que admitem julgamento fora dos limites do pedido, mas sem afronta
aos artigos 460 e 128 do CPC. Lembremos, ademais, que as normas do CDC são de
ordem pública (art. 1º), ligadas ao interesse social da coletividade.
Nery e Nery, em seu CPC comentado, assim definem o pedido, ao tratarem
dos requisitos da petição inicial, em comentário ao artigo 282:
“No sistema do CPC pedido tem como sinônimas as expressões lide,
pretensão, mérito, objeto. É o bem da vida pretendido pelo autor: a
indenização, os alimentos, a posse, a propriedade, a anulação do contrato,
etc. O regime jurídico do pedido está no CPC 286 a 294. Dividi-se em
pedido imediato (sentença) e pedido mediato (bem da vida). Pede-se a
prolação de uma sentença (imediato) que garanta ao autor o bem da vida
pretendido (mediato). O pedido deve ser sempre explícito, pois é
interpretado restritivamente (CPC 293). Há pedidos que não precisam
constar da petição inicial para serem examinados pelo juiz, porque
decorrem de disposição legal (vg., juros de mora,
correção
monetária, honorários de advogado). As questões de ordem pública
devem
ser
conhecidas
e
decididas
de
ofício
pelo
juiz,
independentemente de pedido da parte ou do interessado. Isto se
aplica tanto às questões de ordem pública de direito material (vg.,
cláusulas gerais da função social do contrato [CC 421], da boa-fé objetiva
[CC 422], da função social da propriedade [CF 5.º XXIII e 170 III; CC 1228
§ 1.º] etc.), quanto de direito processual (vg., condições da ação [CPC 3.º,
21
267 VI, 267 § 3º, 301, X e § 4º], pressupostos processuais [CPC 7º, 8º,
13, 113 § 2º, 267 IV e § 3º, 301 e § 4º], requisitos de admissibilidade dos
recursos, etc.). Nas questões de ordem pública não incide a regra da
congruência entre o pedido e a sentença (CPC 128 e 460), estando
fora, portanto, dos vícios da sentença extra, ultra e/ou infra
petita.”.26 (gn.).
Se na esfera individual este rompimento da regra da congruência se faz
possível, como dito acima, mais ainda o será em se tratando da tutela coletiva, onde os
interesses são em regra bem relevantes, envolvendo questões de ordem pública, como
dito e exemplificado acima. Ocorre a mitigação da regra da congruência em situações
específicas, expressamente previstas no ordenamento jurídico, sendo que a regra geral é
a da exata correspondência da sentença com o pedido inicial, como discorre Mazzilli em
passagem de sua obra aqui já citada:
“A ação civil pública e a ação coletiva estão sujeitas à observância do
princípio da congruência, ou da correlação ou seja, o juiz deve decidir a
lide dentro dos limites do pedido. Assim, se o autor do processo coletivo
quer que a sentença também forme título executivo em favor de lesados
individuais homogêneos, deverá formular pedido correspondente, sob pena
de não poder aproveitar o decisum em ações individuais.”27
Mas sempre que possível a mitigação do princípio/regra da congruência
pelo julgador, isso de acordo com o ordenamento jurídico, visando preservação de
valores constitucionais maiores, agindo em benefício da dignidade humana, e primando
pela efetividade da tutela, isso deverá ser feito, como demonstram a Ementas a seguir
colacionadas, obtidas no endereço eletrônico www.stj.gov.br:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO. ART. 544, CPC. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DIREITO À
VIDA E À SAÚDE. PACIENTE PORTADORA DE DISTÚRBIOS MENTAIS. DEVER DO
ESTADO. CONDENAÇÃO GENÉRICA. INOCORRÊNCIA. 1. O Sistema Único de Saúde-SUS
visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender
aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando
comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia,
necessitando de determinado medicamento para
debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a
26
27
Ob. cit. p. 671.
Ob. cit. p. 125.
22
garantia à vida digna. 2. Configurada a necessidade de a recorrida ver atendida a sua
pretensão, posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o
direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, como de sabença, é direito de
todos e dever do Estado. 3. Proposta a ação objetivando a condenação dos entes
públicos ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de
distúrbios mentais, resta inequívoca a cumulação de pedidos posto umbilicalmente
interligados o tratamento e o fornecimento de medicamento. É assente que os pedidos
devem ser interpretados, como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo
efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide. Precedentes: REsp
625329 / RJ, Ministro LUIZ FUX, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 23.08.2004; REsp 735477 /
RJ, Ministra ELIANA CALMON, T2 – SEGUNDA TURMA, DJ 26.09.2006; REsp 813957 /
RJ, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 28.04.2006. 4. A
decisão que ante a pretensão genérica do pedido defere tratamento com os
medicamentos consectários, desde que comprovada a necessidade por atestado
médico, não incide no vício in procedendo do julgamento ultra ou extra petita,
tampouco configura condenação genérica. 5. Agravo regimental a que se nega
provimento.” (AgRg no Ag 865880/RJ, Relator o Ministro LUIZ FUX, T1 - PRIMEIRA
TURMA, DJ 09.08.2007, p. 325)
“RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE COM
INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA. DIREITO À VIDA E À SAÚDE.
DEVER DO ESTADO.
JULGAMENTO EXTRA E ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. 1. O Sistema Único de SaúdeSUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo
atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que,
restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada
moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser
fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. 2.
Configurada a necessidade da recorrida de ver atendida a sua pretensão posto legítima
e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o direito à saúde e, em última
instância, à vida. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado. 3.
Proposta a ação objetivando a condenação dos entes públicos ao fornecimento gratuito
dos medicamentos necessários ao tratamento de insuficiência renal crônica, resta
inequívoca a cumulação de pedidos posto umbilicalmente interligados o tratamento e o
fornecimento de medicamento. É assente que os pedidos devem ser interpretados,
como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à
justiça amplo e justa a composição da lide. Precedentes: REsp 625329 / RJ, Ministro
LUIZ FUX, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 23.08.2004; REsp 735477 / RJ, Ministra ELIANA
CALMON, T2 – SEGUNDA TURMA, DJ 26.09.2006; REsp 813957 / RJ, Ministro TEORI
ALBINO ZAVASCKI, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 28.04.2006. 4. A decisão que ante a
23
pretensão genérica do pedido defere tratamento com os medicamentos consectários,
não incide no vício in procedendo do julgamento ultra ou extra petita. 5. Recurso
especial desprovido.” (REsp 863240/RJ, Relator o Ministro LUIZ FUX, T1 - PRIMEIRA
TURMA, DJ 14.12.2006, p. 314).
Mancuso, ao concluir em sua obra acerca da possibilidade de rompimento
da regra da congruência, rumo à efetividade processual coletiva, o que se encontra em
consonância com o acima abordado, assim se manifesta de forma brilhante:
“Esta breve digressão serve para mostrar que, em tema de ação civil
pública,
e
em
virtude
mesmo
de
seu
objeto
ser
um
interesse
metaindividual, a correlação entre causa petendi e sentença há que
ser vista com certos temperamentos: seja porque a teoria da
substanciação, acolhida no Código de Processo Civil, pressupõe a
solução de litígios interindividuais; seja porque o que deve
prevalecer é a efetiva e específica tutela, em nível cautelar ou em
via principal, do interesse metaindividual judicializado, antes que a
simples acolhida do pedido tal como estritamente formulado na
inicial. Essa preocupação com a efetividade, do processo e com a eficácia
das decisões nele proferidas está presente no CPC, com as possibilidades
de antecipação da tutela (art. 273) e de obtenção da tutela específica da
obrigação de fazer ou não fazer e entregar coisa (arts. 461, 461-A, 475-I).
Daí afirmar Paulo Gustavo Guedes fontes, que “algumas obrigações
determinadas pelo juiz na sentença não necessitam de previsão
normativa explícita: elas derivam das peculiaridades da noção de
responsabilidade nessa matéria e representam muitas vezes a
maneira prática de evitar ou reparar o dano. A lei confere ao juiz
considerável margem de liberdade na escolha dessas medidas de
reparação”28 (gn.).
5.2.3. Pedido certo e determinado. Condenação genérica.
Quanto à questão do pedido ser certo e determinado, Hugo Nigro Mazzilli
afirma em sua obra:
“Pedido é o objeto da ação, ou seja, é o bem da visa pretendido pelo autor,
a ser devidamente explicitado na petição inicial. Em regra, dever o pedido
ser certo e determinado; será, entretanto, genérico quando não seja
28
Ob. cit. p. 91.
24
possível determinar na petição inicial, de modo definitivo, as conseqüências
do ato ou do fato ilícito.”29
A previsão de sentença genérica (CDC, art. 95), não significa que tal
requisito processual aplicável, quanto à necessidade do pedido ser certo e determinado,
possa ser prescindido. A condenação versará sobre os prejuízos causados e não sobre os
prejuízos sofridos. A sentença genérica não deixa de ser certa, apesar de ilíquida, o que
é sanado na fase de liquidação e execução.
E há casos em que a sentença sequer é
genérica. Ada Pellegrini Grinover conclui o seguinte a respeito, ao comentar o artigo 95
do CDC:
“A sentença genérica do art. 95 é, portanto, certa e ilíquida. Enquadra-se
no disposto no art. 586, § 1º do CPC, que contempla a condenação
genérica como aquela que, reconhecendo em definitivo o direito, há de ser
liquidada para “estabelecer o quantum, ou a res, ou o facere ou non facere.
A referida sentença contém-se, ainda, nos limites do pedido – que também
será genérico, porquanto ilíquido -, nenhuma exceção representando às
regras dos arts. 460 e 461 do CPC.”30
Ou seja, o pedido genérico gerará condenação genérica, que não por isso
perderá o caráter de certeza e liquidez, relativos à existência e determinação do objeto.
A condenação genérica poderá ser especificada e ampliada para o grupo (coletividade) na
fase de liquidação e execução.
5.2.4. Pedidos cumulativos sucessivos, subsidiários e alternativos
Pode haver, ainda, cumulação de pedidos na petição inicial, observando-se
em regra os requisitos do processo comum (CPC, arts. 288/289).
No caso de ações
coletivas, onde interesses coletivos em sentido lato são tuteláveis (difusos, coletivos em
sentido estrito e individuais homogêneos) é possível, além de agrupar pedidos diversos
na inicial, abordar interesses também diversos.
Um mesmo fato trazido na petição inicial pode ser lesivo a direitos difusos,
coletivos ou individuais homogêneos, gerando pedidos diversos. Sérgio Shimura, em sua
obra voltada à efetividade da tutela, assim discorre sobre o assunto:
29
Ob. cit. p. 124.
Pellegrini Grinover... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos
Autores do Anteprojeto. 9a Ed. Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2007. p. 904.
30
25
“De outra forma, o que qualifica cada tipo de interesse ou direito é o
conjunto formado pela causa de pedir e pelo pedido deduzido em juízo.
Afirmam Nelson Nery e Rosa Nery que o critério classificatório é o tipo de
tutela jurisdicional que se objetiva.
(...)
A trilogia trazida pelo CDC apenas serve de parâmetro mínimo na tutela
dos interesses metaindividuais, uma categoria não excluindo a outra, antes
convivendo simultaneamente numa mesma demanda. Em outras palavras,
a ação civil pública não pode limitar a iniciativa do particular na busca de
proteção individual.
Exemplo: ação civil pública contra publicidade – enganosa – envolvendo o
comércio de aparelho de ginástica passiva, em que se anuncia queima de
calorias e enrijecimento dos músculos abdominais, pelo uso por 10 minutos
diários, sem, no entanto, informar os efeitos colaterais, como danos ao
coração. Na ação, o pedido pode ser o de obstar a veiculação, além
da contrapropaganda (direitos difusos), pode ser de impedir o uso
em academias (direitos coletivos), ou, ainda, o de exigir reparação
pelas lesões causadas (direitos individuais homogêneos).”31 (gn.)
Ou como afirma Mazzilli: “Na mesma ação civil pública ou coletiva, é
possível pedir a tutela de mais de um tipo de interesse transindividual, bem como nela é
ainda possível acumular pedidos, desde que compatíveis.”32
Logicamente, os pedidos a serem cumulados na petição inicial, que podem
como dito acima incidir sobre interesses metaindividuais diversos, devem ser compatíveis
entre si. No caso de pedidos mal feitos ou incompatíveis, questiona-se se deveriam ser
desmembrados em ações diversas.
Pergunta-se se no caso do desmembramento de
litisconsórcio, o autor escolhendo, não poderia desmembrar o pedido. Alguns afirmam
que a solução mais adequada, uma vez observada incompatibilidade diante de pedidos
contraditórios entre si, seria indeferir a ação, aplicando-se friamente as regras do
processo comum.
Questiona-se, contudo, se seria possível restringir o pedido,
aproveitando a parte íntegra da ação, desmembrando o necessário.
A busca do
aproveitamento da ação, ainda que em parte, parece a solução mais adequada.
Pedidos cumulativos, o que significa vários pedidos na mesma ação, podem
ser independentes entre si, não se relacionando uns com os outros (pedidos autônomos).
Mas também podem ser cumulados pedidos de forma alternativa e subsidiária. Há ainda
o pedido sucessivo muitas vezes confundido com o pedido subsidiário, pela própria
31
32
Shimura.Sérgio. Tutela Coletiva e sua efetividade.1a ed. São Paulo: Editora Método, 2006. p. 47.
Ob. cit. p. 127.
26
imperfeição do Código, conforme se observa da redação contraditória dos artigos 289 e
259, IV, do CPC, vistos conjuntamente.
Certo é, que pedido denominado sucessivo, é o que contém relação de
continuidade com o pedido anterior, sendo sua análise e deferimento dependentes do
sucesso do pedido anterior. Já o pedido subsidiário, significa que há um principal a ele
relacionado, que será analisado de forma primordial, sendo que seu afastamento, levará
à análise do pleito subsidiário. Alternativo é aquele em que uma reparação é pleiteada de
duas formas igualmente possíveis, cabendo ao réu, pela legislação civil vigente, a escolha
da condenação na forma que melhor lhe convir.
Cumpre colacionar alguns julgados sobre cumulatividade de pedidos, para
melhor entendimento da matéria:
“PEDIDO ALTERNATIVO E NÃO SUCESSIVO – DISTINÇÃO – CONSEQÜÊNCIA – Se na
inicial a parte expõe os direitos vindicados num mesmo patamar, formulando pedido
alternativo (art. 288, CPC) e não sucessivo (art. 289, CPC), de reintegração ou
indenização pelo período estabilitário, compete ao Juízo, independentemente da ordem
em que foram colocados, proceder à escolha dentre as opções apresentadas para a
satisfação da obrigação, que, nas circunstâncias específicas dos autos, deve recair sobre
aquela menos onerosa para o réu.” (TRT 2ª R. – RO 00238-2002-481-02-00 –
(20050807212) – 4ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DOESP
25.11.2005)
“VALOR DA CAUSA – Impugnação do réu acolhida e valor majorado - Ação de reparação
de danos, materiais e morais - Pedidos sucessivos - Pretensão única, de indenização em
danos emergentes e lucros cessantes - Pedidos, principal e subsidiário, distintos na
grandeza - Valor da causa regido pelo art. 259, inciso IV, c.c. o art. 289, ambos do CPC,
igual ao do pedido principal - Agravo desprovido.” (1º TACSP – AI 7001852-5 – (59234)
– São Paulo – Rel. Juiz Cerqueira Leite – J. 30.03.2005)
Nas lides coletivas, é muito comum a existência de pedidos cumulativos
sucessivos, subsidiários ou alternativos. Muitas vezes é pleiteada primordialmente uma
obrigação de fazer ou de não fazer (ou de entregar coisa), consoante artigo 84 e
parágrafos do CDC (461 e 461-A e parágrafos do CPC), formulando-se pedidos
subsidiários, sucessivos ou alternativos, dependendo do caso, desde que não se pretenda
o inaceitável bis in idem. Hugo Nigro Mazzilli afirma a respeito, exemplificando:
“(...) Mas nada impede que se condene o réu a pagar uma indenização pelo
dano causado e ainda a suportar uma obrigação de fazer para serem
27
evitados danos futuros; também pode ser condenado a reflorestar uma
área ambiental, danificada, sem prejuízo de ter de arcar com uma
indenização pelo dano à coletividade, correspondente ao período de tempo
em que esta terá de aguardar até que se obtenha o resultado prático do
cumprimento da obrigação de fazer.”33
Uma observação importante, quanto aos pedidos de tutela específica, é
que parece inviável a cumulação de forma alternativa desta espécie de pedido. Fora da
hipótese alternativa, se subsidiário for o pedido, aí sim é possível pedir a tutela
específica, e caso impossível sua concessão, pedir o resultado prático equivalente.
Poderia ser pedido, por exemplo, de forma subsidiária, a reparação de um equipamento
específico quebrado, ou então na total impossibilidade da reparação, outro equipamento
compatível.
5.2.5 Aditamento à petição inicial coletiva. Atuação do Ministério Público
Pode haver aditamento da inicial para alteração ou ampliação do pedido,
aplicando-se subsidiariamente as regras do CPC (arts. 294, 321, 264, etc.). Aditamento
é muitas vezes utilizado como gênero, compreendendo a alteração ou correção do pedido
(também denominada emenda) e também ampliação do pedido.
Mera retificação de
erros materiais (de digitação, etc.), não é aditamento, sendo possível a qualquer tempo.
Aqui utilizaremos o termo aditamento como gênero, englobando alterações, correções ou
ampliações do pedido. A legitimidade para o aditamento, no caso da ação coletiva,
pertence aos co-legitimados à ação coletiva, consoante artigo 5º da LACP e 82 do CDC,
que poderão ingressar na ação coletiva já ajuizada para tal fim.
O que se discute, é que o prazo para o aditamento deveria ser maior em se
tratando de lide coletiva, pois muito limitado o prazo previsto no CPC.
Quanto a este
assim se manifestam Fredie Didier jr. e Hermes Zaneti jr. em sua obra voltada ao
processo coletivo:
“É direito processual do autor promover a alteração (substituição) dos
elementos objetivos da demanda (pedido e causa de pedir) antes da
citação do réu (art. 264 do CPC). Após a citação, o autor somente poderá
fazê-lo com o consentimento do demandado, ainda que revel (art. 321 do
CPC), que terá novo prazo de resposta, pois a demanda terá sido alterada.
Trata-se de verdadeiro negócio jurídico processual. A negativa do réu deve
ser expressa, pois o silêncio, após intimação da proposta de mudança,
33
Ob. cit. p. 126.
28
poderá ser interpretado como concordância tácita, operando-se a preclusão
(art. 245, CPC). Há entendimento segundo o qual a mudança objetiva ex
officio pelo magistrado dever ser impugnada, sob pena de operar-se a
preclusão.
Após o saneamento, é vedada qualquer alteração objetiva promovida pelo
autor, mesmo com o consentimento do réu. (...)”34
É evidente que tais regras são incompatíveis com o processo coletivo. Há
certos danos coletivos, que pela sua própria natureza se alteram no tempo e no curso do
processo, como ocorrem com os danos ambientais, considerando a notória lentidão da
justiça, mormente da cível. Correto seria a possibilidade de emenda para alteração ou
ampliação do pedido constante de ação coletiva no mínimo até o encerramento da
instrução processual, senão depois, até antes da sentença, o que representaria clara
celeridade e economia processual.
neste contexto.
Não se justifica a aplicação subsidiária fria no CPC
Essa, inclusive, a proposta do anteprojeto de código brasileiro de
processos coletivos (art. 5º par. único.), bem como do projeto de código coletivo para
Ibero-América (art. 10, par. 1º e 2º), dispositivos adiante abordados e transcritos.
Entende-se que no caso de alteração ou ampliação do pedido da ação
coletiva por aquele co-legitimado que depois nela ingressa, haveria litisconsórcio ulterior,
e no caso dos co-legitimados apenas adentrarem na demanda, mas sem alterar o pedido,
estes passariam a assistentes litisconsorciais.35
Quanto ao parquet em específico, ainda que não seja o autor originário da
ação, caso esteja nela atuando como mero fiscal da lei (custos legis) poderá aditar a
inicial, mas neste caso, pela lógica, passará a ser co-autor da ação.
E ainda que se
entenda que não seja necessário que se torne o MP um co-autor efetivo na ação que
aditou, parece tranqüila a conclusão de se exigir que pelo menos potencialmente tenha
condições de ser autor daquela demanda coletiva, tendo pois, iguais condições de propôla.
Neste contexto, a primeira conclusão a que se chega, é que não é possível
ao Ministério público, como mero custos legis, atuar na causa como se fosse parte,
havendo necessidade de analisar, pelo menos, seu potencial de ser parte e de propor
34
Ob. Cit. p. 283-4.
Cf. Hugo N. Mazzilli, Ob. cit. p. 307-8.
O autor compartilha entendimento quanto ao
litisconsórcio ulterior, com Rodolfo Mancuso e Cândido Dinamarco, afirmando que: “Se não
admitíssemos pudesse um co-legitimado ativo aditar a inicial para alterar ou ampliar o objeto do
processo, bastar-lhe-ia propor em separado uma ação conexa ou até mesmo de objeto mais
abrangente; isto levaria à reunião de ações e as partes passariam a ser tratadas como
litisconsortes...”
35
29
aquela ação específica, para que possa aditar a inicial.
Aditamento é ato correlato de
quem propõe a ação, de quem realiza o pedido inicial.
Assim, parece não ser viável a interferência do MP em certas ações em que
atua de forma diversa, sem a possibilidade de ser parte ativa, o que ocorre na ação
popular constitucional, pois lá, apesar de amplos poderes, o parquet nem poderia agir
como autor, sendo a legitimidade ativa da ação popular exclusiva do cidadão.
Neste
contexto, ainda que se imagine que não haveria prejuízos com o aditamento da inicial, é
inviável que pudesse o MP aditar uma inicial de ação popular constitucional, ou de
qualquer outra ação que atuou, não sendo parte nem podendo ser.
Ser parte ativa,
ainda que potencialmente (podendo sê-lo) é essencial para se admitir o aditamento de
uma ação.
A questão é processual e assim deve ser enfrentada.
Poder-se-ia alegar
que o MP estaria apesar de não poder ser parte retificando e propiciando a correção da
inicial defeituosa ou incompleta.
Mas poderia o MP simplesmente, isso dentro de suas
atribuições, manifestar nos autos para que fosse o autor intimado pelo juiz a aditar a
inicial, quanto aos itens que entender cabíveis (art. 284 do CPC), o que na prática, daria
no mesmo, atingindo o mesmo objetivo.
5.2.6. Limites de atuação do Ministério Público na ação popular
Para que não restem dúvidas acerca da atuação do Ministério Público,
cumpre registrar que é amplo o seu papel na ação popular, o que é inegável; mas não a
ponto de poder propor a ação ou aditar a petição inicial.
É o MP parte adesiva ativa na referida ação, possui legitimidade ativa
subsidiária incidental. Já na execução, possui legitimidade ativa subsidiária obrigatória.
Pode até rescindir o julgado coletivo formado, considerando a possibilidade de existência
de outra ação coletiva de sua titularidade com objeto similar (arts. 6o, § 4o, e 9o e 16 da
LAP).
O Ministério Público não pode interpor e nem aditar a petição inicial, pois
não é parte legítima para propor a ação. Aditar a inicial abrange o mesmo ato de propor
a ação, pois o aditamento é mera complementação daquela, o que não lhe retira a
essência.
O parquet, apesar da ausência de legitimidade provocativa, é parte adesiva
ativa da ação (§ 4o do art. 6o da LAP), eis que pode acompanhar a ação, apressar a
prova, não sendo mero fiscal da lei (custos legis); ao contrário, é parte assistencial que
30
atua em nome do interesse da sociedade e na defesa da ordem jurídica. A vedação do
MP em qualquer hipótese assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores liga-se
a preocupação de que o MP passe a atuar como órgão assistente dos demandados,
agindo no interesse destes, requerendo em nome destes a produção de provas, etc..
Pode o parquet (na verdade deve, tem clara obrigação legal) assumir a ação em caso de
desistência do autor popular (art. 9o da Lei).
Deve ainda, assumir a execução, nos
termos do artigo 16 da Lei. Pode até propor ação rescisória quanto à decisão final da
ação. Mas propor ou aditar a inicial não pode, pois não tem legitimidade e a ação a ele
não pertence – é do cidadão.
O professor Gregório A. Almeida bem afirma que o “Ministério Público,
apesar de não deter legitimidade provocativa, exerce papel singular e fundamental na
ação popular”.36
Rodolfo C. Mancuso bem explica as funções do Ministério Público em sua
obra voltada especificamente à ação popular:
“As atividades do Ministério Público na ação popular, de fato, são múltiplas,
como resulta da leitura dos seguintes dispositivos da Lei 4.717/65: § 4o do
art. 6o; § 1o do art. 7o; arts. 9o e 16; § 2o do art. 19. A interpretação
sistemática conduz a este rol de atribuições do Ministério Público nessa
ação: a) oficiante necessário, enquanto fiscal da lei (custos legis); b) órgão
ativador e agilizador da prova; c) sucessor processual do autor. Verdade
que José Afonso da Silva acrescenta ser o Ministério Público, ainda, “parte
principal” e “titular da ação popular, também”.
Todavia, parece-nos que essas duas últimas não são exatamente funções
do Ministério Público nessa ação porque: (i) ele será parte principal na ação
penal, que resultar da constatação, nos autos, de eventual infração penal
(lei supra, art. 15); (ii) ele será, eventualmente, autor popular, mas isso
enquanto cidadão no gozo dos direitos políticos, e não enquanto promotor
de justiça). (gn.)”37
Totalmente correta tal abordagem do autor.
Aliás, respeitando-se os
38
entendimentos doutrinários e jurisprudenciais contrários ; e sem desmerecer o rol de
atribuições do MP previsto na CR/88 (arts. 127 e seguintes), certo é que se o MP tivesse
36
Ob. Cit. p. 406.
Ob. Cit. p. 231.
38
Neste sentido: STJ – RESP 637332 – RR – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 13.12.2004 – p.
00242 – citando precedentes no mesmo sentido. E também o entendimento de Nelson Nery Junior
e Rosa Maria de Andrade Nery, in Constituição Federal comentada e legislação constitucional, p.
142, 568 e 571, citando RJTJSP 105/316 e entendimento de Hugo Nigro Mazzilli.
37
31
legitimidade ativa para propor uma ação popular, o que seria necessário para se permitir
o aditamento da inicial, esta deixaria, logicamente, de ser uma legítima ação popular,
que deve ser proposta necessariamente por qualquer um do povo, no exercício de sua
soberania (art. 1o, § único, CR/88).
E mais, o MP já tem em suas mãos, a ação civil
pública, que abrange todo o objeto da ação popular e mais alguma coisa.
Tem
finalmente em mãos, caso a caso, ações previstas no regramento específico do MP, com
objeto idêntico à ação popular constitucional aqui abordada, sendo que para essas tem
legitimidade ativa.
No mais, da interpretação sistêmica do artigo 1o da LACP,
considerando seu texto: “regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação
popular...”, não se conclui, absolutamente, pela legitimidade do MP para propor a ação
popular.
Há quem defenda que a polêmica sobre a existência ou não de legitimidade
ativa do MP para propor a ação popular ao invés do ente popular, está no fato do objeto
das ações popular e civil pública serem semelhantes. Neste sentido, Fredie Didier Jr. e
Hermes Zaneti Jr., explicam em sua obra, após discorrerem sobre a multifacetária
atuação do MP, destacando o entendimento de José Afonso da Silva já inserido no trecho
da obra de Mancuso acima transcrita, que: “Essa corrente se justifica na circunstância de
o mesmo bem tutelado na ação popular poder ser tutelado em ação civil pública, sendo
possível, até mesmo, cogitar-se de litispendência entre elas, não obstante a diversidade
de procedimentos.”39
A litispendência de fato pode existir. Mas a identidade de objeto e pedido
das ações diversas, ao contrário de explicar a pretendida legitimação ativa do MP quanto
à ação popular, justifica sua desnecessidade, por demonstrar que há outra ação
específica, similar e até mais abrangente, que o MP pode-se se utilizar para a mesma
finalidade, que é a ação civil pública.
Mazzilli afirma o que parece correto diante das regras do CPC aplicadas
subsidiariamente à tutela coletiva:
“(...) para os aditamentos, devem ser observados os critérios de
compatibilidade e oportunidade, exigíveis em qualquer aditamento, o
que inclui o consentimento do réu, se já feita a citação, e a impossibilidade
de modificar o pedido ou da causa de pedir, depois do saneamento do
processo.40 (gn.).
39
40
Ob. cit. p. 244.
Ob. cit. p. 308.
32
Conclui-se assim, pelo acima exposto (tópicos antecedentes), quanto ao
aditamento, que poderão os entes coletivos legitimados para a ação coletiva aditar a
petição inicial; e no caso do MP, a condição de legitimado ativo, ainda que
potencialmente, deverá ser auferida. No mais, no caso do processo coletivo, revelam-se
incompatíveis as regras do CPC no tocante ao tempo do aditamento, problema que seria
resolvido com uma nova legislação coletiva, o que será visto adiante.
5.2.7. Documentos necessários para instruir a petição inicial coletiva
Em regra, inexiste um rol taxativo de documentos indispensáveis à
propositura da ação coletiva, considerando a diversidade das situações que podem ser
tuteladas, e até mesmo as regras de ônus da prova aplicáveis (inversão). Cada caso é
um caso é certas ações de fato exigirão documentos para instruir a inicial.
Mas não
deixa de ser de boa conduta, a juntada de documentos se existentes, para melhor
instruir o feito, considerando, por exemplo, que no Mandado de Segurança coletivo, há
necessidade de direito líquido e certo pré-existente, prova pré-constituída que deverá
instruir a inicial. No caso de associações, por exemplo, é preciso juntar estatutos, para
comprovar o requisito (ope legis) da representatividade adequada, e do ano mínimo de
funcionamento.
Quanto ao MS coletivo, questão importante a ser abordada, relacionada
com a petição inicial, é a dos requisitos da ação - quanto ao direito líquido e certo, tratase de condição da ação ou de mérito no MS?
Os requisitos do Mandado se Segurança, que pode ser individual ou
coletivo, estão previstos no artigo 5o LXIX e LXX da CR/88, e também Lei 1533/51. O
mandamus serve-se para proteger direito líquido e certo tanto na esfera individual
quanto coletiva, que não seja amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de poder (ou mesmo ameaça) for autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
O
Mandado de Segurança está conceituado da seguinte forma na obra de Hely Lopes
Meirelles:
“Mandado de segurança é o meio constitucional posto á disposição de toda
pessoa
física
ou
jurídica,
órgão
com
capacidade
processual,
ou
universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou
coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data,
lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria
33
for e sejam quais forem as funções que exerça (CF, art. 5o, LXIX e LXX; Lei
n. 1.533/51, art. 1o).”41
Nelson
Nery
e Rosa
Maria ensinam
em
sua
Constituição
Federal
comentada, que:
“Esse writ presta-se à tutela de direito individual, coletivo ou difuso, não
amparado por habeas corpus ou habeas data, ameaçado ou lesado por ato
ilegal ou abusivo de autoridade. Apenas estes são os requisitos pra obterse a ordem de segurança...”42
E ainda:
“Cabe MS preventivo para evitar-se que seja praticado ato ilegal ou
abusivo por autoridade, que fira direito líquido e certo do impetrante. O
provimento mandamental é ordem para que não se pratique o ato
(mandamento inibitório). Cabe MS repressivo quando já tiver sido
praticada a lesão: o provimento mandamental é ordem que anula o ato
coator e que determina um facere à autoridade.”43
André Ramos Tavares detalha os requisitos de cabimento do Mandado de
Segurança em sua obra:
“O ato impugnado em via de mandado de segurança há de ser: 1) lesivo a
direito: a) líquido e b) certo; 2) praticado com: a) ilegalidade ou b) abuso
de poder; 3) a) emanado de autoridade pública ou b) de agente de pessoa
jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; 4) não tutelável por
meio de habeas corpus ou habeas data.”44
Conclui-se, pois, que o requisito nuclear do mandado de segurança é a
proteção do direito líquido e certo, que já deve vir comprovado desde a petição inicial.
André Ramos Tavares, quanto ao direito líquido e certo, afirma que: “tratase, certamente, de análise preliminar e necessária da existência do próprio direito
41
Meirelles. Hely Lopes. Mandado de segurança. 20a Edição atualizada por Arnoldo Wald. São
Paulo: Malheiros, 1.998, p. 21-2.
42
Ob. cit. p. 139.
43
Ob. Cit. p. 774.
44
Tavares, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 2.006, p. 786.
34
invocado. Assim, a decisão que não reconhece a presença do direito líquido e certo é
decisão de mérito.”45
Michel Temer, por sua vez, ensina quanto ao direito líquido e certo:
“Quando se fala, pois, em direito líquido e certo quer-se significar que num
primeiro momento o fato pode ser controvertido; depois, tornar-se-á certo
pela adequada interpretação do direito. Por isso, não há instrução
probatória no mandado de segurança. Impetrante e informante hão de
produzir, documentalmente, todo o alicerce para sustentação das suas
alegações.
O
fato,
portanto,
há
de
tornar-se
incontroverso
pela
46
interpretação do direito, dada por meio de decisão judicial.”
José Afonso da Silva, aduz em sua obra que:
““Direito líquido e certo [no conceito de Hely Lopes Meirelles, aceito pela
doutrina e pela jurisprudência] é o que se apresenta manifesto na sua
existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento
da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável
por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em
si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante; se a sua
existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se
o seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não
rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios
judiciais.” Mas o próprio autor acha o conceito insatisfatório, observando
que o “direito, quando existente, é sempre líquido e certo; os fatos é que
podem ser imprecisos e incertos, exigindo comprovação e esclarecimentos
para propiciar a aplicação do direito invocado pelo postulante.””47
Ainda, as palavras do próprio Hely Lopes Meirelles:
“A sentença em mandado de segurança poderá ser de carência ou de
mérito, se antes não tiver sido indeferida a petição inicial por não
ser o caso de impetração ou não atender às exigências formais da
lei (art. 8o). A carência ocorre quando o impetrante não satisfaz os
pressupostos processuais e as condições do direito de agir, tal como
previsto no art. 267, VI, do CPC. A sentença de mérito decidirá sobre o
45
46
Ob. Cit. p. 788.
Temer, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 184.
35
direito invocado, apreciando desde a sua existência até a sua liquidez e
certeza diante do ato impugnado, para concluir pela concessão ou
denegação da segurança.”48 (gn.)
Logo, há de se concluir, que o direito líquido e certo é um requisito
específico do mandado de segurança que deve estar expresso desde a inicial; mas não é
uma condição da ação ensejadora da extinção prévia do processo sem exame de mérito.
É de mérito a decisão relativa à existência do direito líquido e certo. Trata-se, pois, o
direito líquido e certo, do mérito da demanda.
Cumpre ressaltar que a Lei do MS, 1533/51, em seu artigo 16, prevê a
possibilidade de ajuizamento de nova ação, caso não adentrado ao mérito da demanda.
Outra ação coletiva integrante do microssistema, que tem regramento
específico quanto ao documento a ser colacionado à inicial, é a ação popular.
Neste
sentido, a Lei 4717/65, em seu artigo 1º, § 3o, dispõe sobre a necessidade de se juntar
o título de eleitor à petição inicial, sendo que o § 4º, por sua vez, dispõe sobre a
possibilidade do cidadão requerer às entidades públicas ou assemelhadas, certidões e
informações que julgar necessárias para instruir a inicial, deixando claro que documentos
são necessários na peça de ingresso.
Tratam-se claramente, sem aqui entrar na
discussão sobre a real necessidade do cidadão ser eleitor, de documentos essenciais para
propositura da ação.
5.2.8 Pedido de tutela antecipada e outros meios de obter a pretensão de forma
célere e efetiva
Os requisitos necessários para a concessão da tutela antecipada em
processo coletivo são os do artigo 84, parágrafo 3º do CDC, que são diversos dos do
artigo 273, CPC, na medida em que se exige apenas a relevância do fundamento da
demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento final. O dispositivo refere-se
a uma tutela liminar, mas parece evidente que estamos diante da possibilidade de
antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional e não de uma liminar.
Cumpre mencionar, fazendo um paralelo à tutela antecipada, e como
estamos tratando de petições iniciais, que são também cabíveis ações coletivas
cautelares.
As espécies são as mesmas previstas no CPC, notadamente as medidas
cautelares e procedimentos cautelares específicos previstos no CPC, artigo 796 e
47
Silva, José Afonso da. (Apud: Hely Lopes Meirelles. Mandado de Segurança e Ação Popular. p.
11) Curso de Direito Constitucional Positivo. 26aed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 447.
48
Ob. Cit. p. 88.
36
seguintes, de aplicação subsidiária.
No caso da Ação Civil Pública, existe previsão
específica de ação cautelar (artigos 4o
e
5o da LACP), sendo previsto também,
possibilidade de cominação liminar expressa (artigo 12 da referida Lei). Mazzilli assim
ensina quanto às espécies de ação coletiva:
“Cabem hoje ações civis públicas ou coletivas: a) principais: condenatórias
(reparatórias ou indenizatórias), declaratórias e constitutivas; b) cautelares
(preparatórias
ou
incidentes);
c)
cautelares
satisfativas,
que
não
dependem de outra ação dita principal; d) de execução de título
extrajudicial; e) mandamentais; f) quaisquer outras, com qualquer preceito
cominatório, declaratório ou constitutivo.”49
Mancuso, ao tratar em sua obra dos bens suscetíveis de proteção cautelar,
assim se manifesta no tocante às ações cautelares, que englobam todos os interesses
metaindividuais50.
“Aliás, a tutela de tipo cautelar é, naturalmente, muito utilizada no campo
dos interesses metaindividuais, onde o que interessa é a prevenção do
dano, antes que sua reparação, esta última tornada às vezes impossível ou
ineficaz, como se dá, v.g., no sítio paisagístico irremediavelmente
desfigurado, na espécie animal tornada extinta, no alimento deteriorado já
distribuído á população etc. Compreende-se, pois, concessão de liminares
(art. 12 e § 1o), tudo reforçado pelos meios coercitivos voltados à obtenção
da tutela específica da obrigação (astreintes, multa diária): CDC, ats. 84,
§§ 3o e 4o, e 117; CPC, arts. 461-A e 475-I, todo esse contexto normativo
sujeito, todavia, aos temperamentos advindos com a Lei 9.494/97, referida
no item precedente.
Compreende-se uma tal ênfase dada à tutela judicial preventiva, no campo
dos interesses metaindividuais, em geral, e, em especial, em matéria
ambiental, tendo em vista os princípios da prevenção, ou da precaução,
que são basilares nessa matéria”51
Os legitimados à ação coletiva podem pleitear a antecipação dos efeitos da
tutela na inicial, inclusive o MP, considerando que também se trata de um dos
legitimados previstos em Lei, que pode requerer, além da tutela antecipada, imposição
de multa ou de medida de apoio ou sub-rogação.
49
50
51
Ob. cit. p. 206-7.
termo relativo aos interesses individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos.
Ob. cit. p. 197.
37
Nelson e Rosa Maria Nery, em sua obra, destacam que “o que a norma
veda é a concessão ex officio da tutela antecipada. Pode o MP requerê-la, quer atue
como parte (CPC 81), quer atue como fiscal da lei (CPC 82) no processo civil”.52
A tutela antecipada concedida em processo coletivo relativo a direito
individual homogêneo efetiva-se através do pedido inicial dos autores da ação, que são
os entes enumerados no artigo 82 do CDC e 5º da LACP.
A efetivação prescinde da
necessidade de interesse manifestado pelos indivíduos substituídos na ação, o que
ocorrerá efetivamente na fase de execução. Não há necessidade de prestar caução para
o deferimento da tutela antecipada.
Mesmo na execução, nos processos coletivos, a
caução é dispensável. E mesmo para levantar o dinheiro, não é necessária caução. O réu
deve ser citado e ter a oportunidade de oferecer embargos, considerando o contraditório
e a ampla defesa.
A conversão da obrigação de fazer, de não fazer ou de dar em perdas e
danos será possível, consoante artigo 461 § 1º do CPC e artigo 84 § 1º do CDC, se por
ela optar o autor, ou se for impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado
prático equivalente.
anterior.
Deve-se sempre privilegiar a tentativa de retorno à situação
A conversão se opera na forma do artigo 475-I e seguintes, do CPC,
transformando-se em obrigação por quantia certa, que se resolverá por execução.
A multa (§§ 2º e 4º do artigo 84 do CDC) e as medidas de apoio ou subrogação (§5º do artigo 84 do CDC) podem ser impostas em quaisquer espécies de
processos, não obstante a previsão apenas no que se refere às obrigações de fazer e não
fazer ou de entregar coisa.
Esta a melhor interpretação normativa, principalmente no
que tange à tutela coletiva, onde a efetividade é premente, considerando a importância
dos interesses vindicados na ação.
Tais medidas podem ser utilizadas também no
processo de execução, buscando-se igualmente a efetividade.
E certas medidas
prescindem inclusive de pedido inicial específico, sendo ressaltado o já dito aqui
anteriormente, quanto à mitigação do princípio/regra da congruência em casos
específicos previstos no ordenamento jurídico.
O artigo 273, § 7º do CPC, prevê a aplicação do princípio da fungibilidade,
considerando que “se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de
natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a
medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.
52
Ob. cit. p. 647.
38
Trata-se de clara “via de duas mãos”, podendo ser aplicada também nos
casos em que o autor, a título de providência de natureza cautelar, requerer na inicial a
tutela antecipada, que poderá assim ser deferida. Ou seja, eventual equívoco na inicial
não prejudica a efetividade. Trata-se de regra boa, que traz efetividade, demonstrando
progresso com a legislação do processo individual, in casu, compatível com as lides
coletivas.
5.3 Resposta nas ações coletivas
Inicialmente, ainda no contexto da petição inicial, mas tratando-se de
questão que pode atingir o réu, portando de interesse na defesa, importante tecer
considerações acerca do sistema de ciência/divulgação da ação coletiva.
Sabe-se que
pelo nosso ordenamento jurídico, isso pouco funciona, pois há clara dificuldade em
efetivar tal ciência, que em muito contribuiria para a redução do número de ações
repetidas, contribuindo para maior celeridade e economia processual e sucesso das lides
coletivas.
Pois, bem, apesar ausência de efetividade da regra do artigo 94 do CDC,
utópica como se sabe, deveria ser suprida por algo efetivo. Pensa-se assim, no pedido
inserido na petição inicial, de ciência e divulgação da ação proposta à custa do réu. Pedir
logicamente é possível, sendo o problema o juiz deferir...
A decisão judicial de exigir a publicação pelo réu poderia ser deferida, por
exemplo, com base no artigo 84 e parágrafos do CDC – o problema, é que não existiria
um pedido final neste sentido. Haveria, quando muito, uma relação do referido pedido
com a necessidade de verificação de fundo (mérito).
Discute-se então, se seria uma
tutela antecipada o pedido formulado na inicial. Alguns dizem que seria sim o tipo de
tutela antecipada.
Controvérsias a parte, necessária é a reflexão sobre o tema, pois um dos
pontos principais das tutelas coletivas, que as tornaria mais efetivas, como dito, é a
divulgação. De qualquer forma, quem sabe nos processos individuais, o pagamento pelo
réu da publicação de edital (considerando o art. 104, CDC) já não seria um começo?
5.3.1 Da intimação e citação no processo coletivo
Não havendo regras específicas no CDC e LACP quanto à intimação e
citação, aplicam-se as regras do CPC. A LAP possui regras específicas de citação, mas
não são mais efetivas do que as do CPC, arts. 213/241.
39
Salvo as regras de citação de responsáveis solidários, quando há número
excessivo de litisconsortes, situação que admitiria em tese, a aplicação do artigo 7º, II,
da Lei 4717/65, inserida no microssistema.
A ausência ou nulidade de citação gera vício processual, consoante artigos
248 e 214, do CPC, observando-se que as nulidades não serão acolhidas em certos
casos, quando for possível decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a
declaração de nulidade (art. 249, § 2º, CPC).
Ressalte-se que quanto ao artigo 285-A do CPC, sua aplicação não exige
citação anterior. Se aplicável o dispositivo, isso será igualmente nas lides individuais e
coletivas.
Não há pena cominada para a ausência de intimação dos interessados na
ação coletiva por edital (art. 94 do CDC).
E a ausência de tal intimação, até por sua
clara ineficácia, não prejudicaria o andamento do processo.
5.3.2 Prescrição entre ações coletivas e individuais.
A questão da prescrição é tema controvertido nas ações coletivas.
A
disposição do CPC (art. 219), aplicada subsidiariamente, não traz a plena segurança
jurídica necessária, gerando muitas vezes ações individuais paralelas à coletiva, por
cautela dos indivíduos, que não crêem fielmente na proteção de seu direito pela ação
coletiva, com medo de incorrer na prescrição na esfera individual. Este um dos principais
problemas das lides coletivas, e infelizmente os novos códigos propostos, não o
abordaram. O indivíduo que tem um problema de consumo, ainda que saiba que existe
uma ação coletiva proposta por qualquer dos legitimados para proteger interesse
semelhante ao seu, estando ele incluído na ação, prefere mesmo assim entrar com sua
própria ação individual a aguardar o risco da ação coletiva. Os próprios advogados,
visando a busca dos honorários, assim o incentivam. Trata-se sim de um belo problema.
O CPC, como dito, não traz a devida segurança jurídica no que tange à
interrupção da prescrição entre ações coletivas e individuais, exatamente porque tal
dispositivo não foi feito para isso, sendo a questão dos processos coletivos estranha ao
seu conteúdo, que é voltado à resolução de lides na esfera individual. O CPC fala em
interrupção quanto ao objeto da ação proposta, no caso a coletiva.
Será que isso se
estenderia pacificamente às lides individuais, imaginando que a ação coletiva e individual
que são diversas teriam o mesmo objeto?
40
Esta uma questão urgentíssima a ser resolvida pelo microssistema coletivo,
não sendo o CPC suficiente para resolvê-la, pelo menos de forma totalmente segura.
Não é tão seguro afirmar que se há interrupção da prescrição na esfera da ação coletiva,
tal interrupção se aplicaria também à esfera individual, considerando que tais ações, de
certa forma diversas, podem ser propostas concomitantemente, de acordo com o próprio
microssistema.
5.3.3. Espécies de defesa admitidas no processo coletivo.
Outras questões
atreladas à defesa.
Todas as espécies de defesa podem ser apresentadas nas ações coletivas,
as indiretas de mérito (preliminares de natureza processual - art. 301 do CPC com
exceção do inciso IX), e as diretas de mérito, em sentido estrito, relativas à impugnação
dos fatos e fundamentos aduzidos na demanda.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de
Andrade Nery, assim discorrem acerca de tal distinção:
“1.Preliminares. As matérias enumeradas no CPC 301 são denominadas de
preliminares de contestação, isto é, que devem ser argüidas e examinadas antes
do mérito, que é a questão final. Salvo a convenção de arbitragem (CPC 301 IX),
são defesas indiretas de mérito, matérias de ordem pública, insuscetíveis de
preclusão, que devem ser examinadas de ofício pelo juiz a qualquer tempo e em
qualquer grau de jurisdição (CPC 301 § 4º e 267 § 3º).
2. Conteúdo da contestação. Divide-se em duas partes: preliminares e
mérito. As preliminares são de natureza processual e devem, lógica e
cronologicamente ser examinadas antes do mérito. Este pode dividir-se em
preliminares de mérito e mérito em sentido estrito. A prescrição e a decadência
(CPC 269 IV), bem como as exceções substanciais (de direito material), são
preliminares de mérito. A impugnação do pedido é o mérito em sentido estrito.
Uma terceira parte, eventual, pode compor a contestação. Podem integrar essa
terceira parte, por exemplo, o pedido contraposto, as figuras de intervenção de
terceiros.”53
Reconvenção é incabível no processo coletivo, considerando a regra do art.
315 e parágrafos do CPC. Ter-se-ia, ainda, que admitir a tutela coletiva passiva para
admitir a reconvenção, sendo que esta, apesar de não ser objeto deste trabalho, ainda é
questão polêmica não pacificada.
Seja pelo direito disponível em geral, seja pela
coincidência dos pólos na ação popular em específico, a reconvenção não pode ser
admitida na esfera coletiva.
41
A ação declaratória incidental é cabível para o autor, mas não para o réu,
tendo-se como óbice a mesma questão da legitimidade passiva.
Contudo, se no pólo
passivo estiver coincidentemente um dos legitimados à ação coletiva, poderá interpor a
ação incidente.54
Exceções de impedimento e suspeição cabem normalmente, consoante
artigo 134 e seguintes do CPC. Não cabe exceção de incompetência, pois a competência
traçada no microssistema é absoluta, funcional. A matéria é preliminar de defesa. Pode
até ser aceita como exceção, mas não será a forma processualmente correta.
A legitimidade para aduzir a exceção de impedimento e suspeição é dos
interessados, nos termos do artigo 138 do CPC.
O membro do MP e o Juiz, deverão
espontaneamente argüir seu impedimento ou suspeição e deixar de oficiar no processo.
No caso do procurador ou promotor autores coletivos e suspeitos, não será o réu que irá
acolher a suspeição, obviamente.
O juiz não poderá de ofício acolher a suspeição do
parquet, pois essa se dá através de exceção. O juiz só pode reconhecer impedimentos
de ofício. Neste caso, a suspeição do MP poderá ser argüida por litisconsortes ativos ou
assistentes litisconsorciais, englobando eventuais substituídos. Em matéria de interesses
difusos, a questão da suspeição deve ser vista com ressalvas, pois muitas vezes os
próprios julgadores estarão envolvidos na extensão do dano aduzido pelo autor da ação.
Isso logicamente não os tornará suspeitos, não sendo também motivo para impedimento.
A revelia é cabível no processo coletivo - mas seus efeitos são em certos
casos limitados ou ausentes.
No caso da ação popular, por exemplo, a contestação é
mera opção para o réu (art. 6º par. 3º da LAP). Em geral aplica-se a revelia, mas esta
não produz efeitos, consoante artigo 320, II, do CPC.
O princípio da eventualidade também é aplicável ao réu, que deve ofertar
toda a sua tese defensiva, aplicando-se também a regra do artigo 302 do CPC.
6. Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos e Projeto de Código
Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América
Após a explanação supra, quanto à existência do microssistema coletivo e
aplicação subsidiária do CPC, considerando incompatibilidades acima focadas, cumpre
ressaltar a existência de um Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, e
53
54
Ob. cit. p. 85
Cf. Mazzilli, ob. cit p. 319-0
42
de um Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero-América, hoje
convertido em Projeto.
Ambos os instrumentos, o primeiro que seguirá caminho longo até a
aprovação e que teve sua última versão alterada em janeiro/2007, e o segundo que já
está vigente, e serve como norma modelo para vários países, mas sem efeito vinculante
pleno (não é fonte heterônoma aplicável em nosso ordenamento) resolvem várias
imperfeições do microssistema quanto à petição inicial e resposta.
Procuramos abaixo, transcrever os dispositivos de tais instrumentos que se
relacionam direta ou indiretamente com a petição inicial e a resposta nas lides coletivas,
sendo de se concluir que tais dispositivos resolvem grande parte dos problemas hoje
enfrentados, a saber:
ANTEPROJETO DE
CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS
Art. 5º Pedido e causa de pedir – Nas ações coletivas, a causa de pedir e o pedido
serão
interpretados extensivamente, em conformidade com o bem jurídico a ser
protegido.
Parágrafo único. A requerimento da parte interessada, até a prolação da sentença, o
juiz permitirá a alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que seja realizada de
boa-fé, não represente prejuízo injustificado para a parte contrária e o contraditório seja
preservado, mediante possibilidade de nova manifestação de quem figure no pólo passivo
da demanda, no prazo de 10 (dez) dias, com possibilidade de prova complementar,
observado o parágrafo 3º do artigo 10.
Art. 9o Efeitos da citação –A citação válida para a demanda coletiva interrompe o
prazo de prescrição das pretensões individuais e transindividuais direta ou indiretamente
relacionadas com a controvérsia, retroagindo o efeito à data da propositura da ação.
Art. 24.
Da instrução da inicial e do valor da causa – Para instruir a inicial, o
legitimado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que
julgar necessárias.
§ 1º As certidões e informações deverão ser fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da
entrega, sob recibo, dos respectivos requerimentos, e só poderão ser utilizados para a
instrução da ação coletiva.
43
§ 2º Somente nos casos em que a defesa da intimidade ou o interesse social,
devidamente justificados, exigirem o sigilo, poderá ser negada certidão ou informação.
§ 3º Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior, a ação poderá ser proposta
desacompanhada das certidões ou informações negadas, cabendo ao juiz, após apreciar
os motivos do indeferimento, requisitá-las; feita a requisição, o processo correrá em
segredo de justiça.
§ 4o Na hipótese de ser incomensurável ou inestimável o valor dos danos coletivos, fica
dispensada a indicação do valor da causa na petição inicial, cabendo ao juiz fixá-lo em
sentença.
Art. 30. Citação e notificações – Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará a
citação do réu e a publicação de edital, de preferência resumido, no órgão oficial, a fim
de que os interessados possam intervir no processo como assistentes, observado o
disposto no parágrafos 5º e 6º deste artigo.
§ 1º Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os órgãos e
entidades de defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código comunicados da
existência da demanda coletiva e de seu trânsito em julgado, a serem também
comunicados ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos
§ 2º Concedida a tutela antecipada e sendo identificáveis os beneficiários, o juiz
determinará ao demandado que informe os interessados sobre a opção de exercerem, ou
não, o direito à fruição da medida.
§ 3º Descumprida a determinação judicial de que trata o parágrafo anterior, o
demandado responderá, no mesmo processo, pelos prejuízos causados aos beneficiários.
§ 4º Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, o juiz determinará
a publicação de edital no órgão oficial, às expensas do demandado, impondo-lhe,
também, o dever de divulgar, pelos meios de comunicação social, nova informação,
compatível com a extensão ou gravidade do dano, observado o critério da modicidade do
custo. Sem prejuízo das referidas providências, o juízo providenciará a comunicação aos
órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código, bem
como ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos.
§ 5º A apreciação do pedido de assistência far-se-á em autos apartados, sem suspensão
do feito, recebendo o interveniente o processo no estado em que se encontre.
§ 6º Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais na fase de
conhecimento do processo coletivo.
44
Art. 46. Do Cadastro Nacional de Processos Coletivos – O Conselho Nacional de
Justiça organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos Coletivos, com a
finalidade de permitir que todos os órgãos do Poder Judiciário e todos os interessados
tenham acesso ao conhecimento da existência de ações coletivas, facilitando a sua
publicidade.
§ 1º Os órgãos judiciários aos quais forem distribuídos processos coletivos remeterão, no
prazo de 10 (dez) dias, cópia da petição inicial ao Cadastro Nacional de Processos
Coletivos.
§ 2º O Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 90 (noventa) dias, editará regulamento
dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de Processos Coletivos, incluindo a
forma de comunicação pelos juízos quanto à existência de processos coletivos e aos atos
processuais mais relevantes, como a concessão de antecipação de tutela, a sentença e o
trânsito em julgado, a interposição de recursos e seu andamento, a execução provisória
ou definitiva; disciplinará, ainda, os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e
seu acompanhamento por qualquer interessado.
Art. 50. Nova redação – Dê-se nova redação aos artigos de leis abaixo indicados:
a - Dê-se aos §§ 4º e 5º do art. 273 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código
de Processo Civil), a seguinte redação:
“Art. 273 ....................................................................
§4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada, fundamentadamente,
enquanto não se produza a preclusão da decisão que a concedeu (§1° do art. 273-B e
art. 273-C).
§5º. Na hipótese do inciso I deste artigo, o juiz só concederá a tutela antecipada sem
ouvir a parte contrária em caso de extrema urgência ou quando verificar que o réu,
citado, poderá torná-la ineficaz”.
b - A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), passa a vigorar
acrescida dos seguintes arts.: 273-A, 273-B, 273-C, 273-D:
“Art.
273-A.
A
antecipação
de tutela poderá ser
requerida em procedimento
antecedente ou na pendência do processo”.
“Art. 273-B. Aplicam-se ao procedimento previsto no art. 273-A, no que couber, as
disposições do Livro III, Título único, Capítulo I deste Código.
§1º. Concedida a tutela antecipada em procedimento antecedente, é facultado, até 30
(trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva:
45
a) ao réu, propor demanda que vise à sentença de mérito;
b) ao autor, em caso de antecipação parcial, propor demanda que vise à satisfação
integral da pretensão.
§2º. Não intentada a ação, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos
limites da decisão proferida”.
“Art. 273-C. Concedida a tutela antecipada no curso do processo, é facultado à parte
interessada, até 30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva, requerer
seu prosseguimento, objetivando o julgamento de mérito.
Parágrafo único. Não pleiteado o prosseguimento do processo, a medida antecipatória
adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida”.
“Art. 273-D Proposta a demanda (§ 1° do art. 273-B) ou retomado o curso do processo
(art. 273-C), sua eventual extinção, sem julgamento do mérito, não ocasionará a
ineficácia da medida antecipatória, ressalvada a carência da ação, se incompatíveis as
decisões.”
(...)
d - O artigo 7o, inciso I, alínea “a”, da Lei n. 4717, de 29 de junho de 1965, passa a ter a
seguinte redação:
Art. 7o “………..............................................................
I …..............................................................................
a – além da citação dos réus, a intimação do representante do Ministério Público, que
poderá intervir no processo como litisconsorte ou fiscal da lei, devendo fazê-lo
obrigatoriamente quando se tratar, a seu exclusivo critério, de interesse público
relevante, vedada, em qualquer caso, a defesa dos atos impugnados ou de seus autores.
(...)
ANTEPROJETO DE CÓDIGO MODELO DE PROCESSOS COLETIVOS PARA IBEROAMÉRICA
Art. 10. Nas ações coletivas, o pedido e a causa de pedir serão interpretados
extensivamente.
46
Par. 1o. Ouvidas as partes, o juiz permitirá a emenda da inicial para alterar ou ampliar o
objeto da demanda ou a causa de pedir.
Par. 2o. O juiz permitirá a alteração do objeto do processo a qualquer tempo e em
qualquer grau de jurisdição, desde que seja realizada de boa-fé, não represente prejuízo
injustificado para a parte contrária e o contraditório seja preservado.
Art. 21. Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará a citação do réu e a
publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no
processo como assistentes ou coadjuvantes.
Par. 1o – Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os órgãos e
entidades de defesa dos interesses ou direitos protegidos neste Código cientificados da
existência da demanda coletiva e de seu trânsito em julgado a fim de que cumpram o
disposto no caput deste artigo.
Par. 2o – Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, ou estiver
preclusa a decisão antecipatória dos efeitos da tutela pretendida, o juiz determinará a
publicação de edital no órgão oficial, às custas do demandado, impondo-lhe, também, o
dever de divulgar nova informação pelos meios de comunicação social, observado o
critério da modicidade do custo. Sem prejuízo das referidas providências, o juízo
providenciará a comunicação aos órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos
protegidos neste código, para efeito do disposto no parágrafo anterior.
Par. 3o -. Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais no
processo coletivo de conhecimento.
Art. 22. Em caso de procedência do pedido, a condenação poderá ser genérica, fixando a
responsabilidade do demandado pelos danos causados e o dever de indenizar.
Par. 1o . Sempre que possível, o juiz calculará o valor da indenização individual devida a
cada membro do grupo na própria ação coletiva
Par. 2o . Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo for
uniforme, prevalentemente uniforme ou puder ser reduzido a uma fórmula matemática, a
sentença coletiva indicará o valor ou a fórmula de cálculo da indenização individual.
Par.3o - O membro do grupo que considerar que o valor da indenização individual ou a
fórmula para seu cálculo diverso do estabelecido na sentença coletiva, poderá propor
ação individual de liquidação.
47
7. Ações trabalhistas coletivas e aplicabilidade do microssistema
Na justiça do trabalho, existem ações coletivas, e em muitos casos, o
microssistema acima estudado é aplicável igualmente.
Ao comentar a LACP em seu CPC comentado, Nelson Nery Junior e Rosa
Maria de Andrade Nery, assim explicitam a aplicação do microssistema formado pelo CDC
e LACP, dentre outras normas, nas lides trabalhistas:
“ACP e ação de cumprimento na Justiça do Trabalho. A ação de
cumprimento
(CLT 872), forma peculiar de execução
de sentença
normativa proferida no âmbito da Justiça do Trabalho, é destinada à tutela
de direitos individuais homogêneos (CDC 81 par. ún. III). Como se trata de
direito individual homogêneo, estão legitimados a promovê-la: a) de forma
individual, o trabalhador; de forma coletiva, não só os sindicatos (CLT 872
par. ún.), mas também o MP e quaisquer dos legitimados pela CF 5º XXI e
8º III, LACP 5º e CDC 82. A legitimação para a ação coletiva de
cumprimento é ordinária (legitimação autônoma para a condução do
processo), não se configurando como caso de substituição processual”.55
Em outra passagem do mesmo CPC comentado e legislação extravagante,
os autores assim se manifestam quanto às ações coletivas cabíveis na justiça do
trabalho:
“Podem ser ajuizadas todas as ações cabíveis para a defesa de direitos
difusos,
coletivos
e
individuais
homogêneos
(CDC
81
par.
un.)
concernentes a relações trabalhistas e questões versando sobre Direito do
Trabalho, por meio de ACP (difusos ou coletivos) ou ação coletiva (class
action) para a defesa de direitos individuais homogêneos (CDC 81
par. ún. III e 91 a 100). Por exemplo, cabe ACP para a defesa do meio
ambiente do trabalho (Ives Gandra Filho, Est. Amauri, 2, 198), de direitos
da minorias étnicas e raciais ao trabalho, do princípio da isonomia dos
trabalhadores de ambos os sexos (Nazar, Est. Amauri, 2, 237) etc. Como
a CF 5º XXI, 8º III e 114 § 1º legitimou os sindicatos para a propositura de
ação coletiva na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais da
categoria, podem eles propor qualquer tipo de ação visando a tutela
daqueles direitos.”56 (gn.).
55
56
Ob. cit p. 1.311.
Ob. cit. p. 1311.
48
No mesmo sentido, Gregório Assagra de Almeida em sua obra consigna o
seguinte, demonstrando novamente a aplicação do microssistema às lides trabalhistas:
“o procedimento da ação civil pública trabalhista, no que for compatível
com o microssistema de tutela jurisdicional coletiva criado pela completa
interação existente entre LACP e o CDC, é o dos dissídios individuais, e a
competência é das Varas Trabalhistas”57
Hugo Nigro Mazzilli, ao enfrentar o problema das ações trabalhistas
coletivas, assim ensina em sua obra:
“Sem dúvida, uma ação civil pública cuja causa de pedir consista em
questões de natureza trabalhista, deve mesmo ser julgada pela Justiça do
trabalho.
Afinal,
a
Justiça
comum
estaria
invadindo
competência
constitucional da Justiça trabalhista caso decidisse se o horário máximo de
trabalho está ou não correto, se os intervalos entre as jornadas de trabalho
podem ou não ser excedidos, se o salário está ou não dentro dos
parâmetros legais, se o trabalho está ou não sendo prestado em condições
equivalentes ao trabalho escravo, etc.”58
Existem, pois ações coletivas trabalhistas atreladas ao microssistema de
jurisdição coletiva, e como o tema aqui discutido é a petição inicial e a resposta nas
ações coletivas, cumpre concluir que estas serão regidas pela aplicação concomitante de
regras do processo do trabalho e também do CPC, que é fonte subsidiária da CLT (art.
769).
Em regra, aplicam-se às causas trabalhistas, as mesmas regras do
processo civil no que tange a petição inicial e defesa.
A CLT não possui disposição
específica nestes pontos, salvo quanto à petição inicial. Mas o artigo 840 e § 1º da CLT,
que prevê que a petição inicial poderá ser verbal ou escrita, e que neste último caso
“deverá conter a designação do presidente da Junta, ou do juiz de direito, a quem for
dirigida, a qualificação do reclamante e do reclamando, uma breve exposição dos fatos
de que resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu
representante”, caiu em desuso com o tempo, aplicando-se na realidade a regra do
artigo 282 e seguintes do CPC, acima abordadas neste trabalho.
57
58
Ob. cit. p. 450.
Ob. cit. p. 243.
49
O que cumpre aqui destacar, é que em sendo coletiva a ação, proposta por
sindicato (espécie de associação civil), havia um grande entrave para a efetividade do
processo, hoje cancelado, o que será objeto do tópico a seguir.
8.1 Da juntada de rol de substituídos na petição inicial da ação trabalhista
coletiva. Da reação da defesa.
Pois bem. Existem ações trabalhistas coletivas, e os sindicatos podem
propô-las. Falaremos assim da petição inicial deste tipo de ação coletiva, considerando a
substituição processual pelos sindicatos em juízo.
Gregório Assagra de Almeida, ao tratar dos sindicatos em sua obra, afirma
que “Os sindicatos, por possuírem natureza jurídica de associação civil, também estão
legitimados para o ajuizamento de ações coletivas”59. Afirma ainda o citado autor sobre
o sindicatos:
“A Constituição Federal estabelece em seu art. 8º, III, que “ao sindicato
cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da
categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. Para a
defesa desses direitos coletivos, os sindicatos poderão: a) impetrar
mandado de segurança (art. 5º, LXX, b, da CF); b) ajuizar dissídio coletivo
(art. 114, § 2º, da CF); ou c) ajuizar ação civil pública ou ação coletiva
para a tutela de direitos individuais homogêneos (esta prevista no art. 91
usque art. 100 do CDC) por possuírem natureza jurídica de associação
civil.”60
Rodolfo de Camargo Mancuso assim anota a respeito dos sindicatos em sua
obra:
“Registre-se que hoje, forte no argumento de que os sindicatos revestem
natureza jurídica de associação civil, já vai se formando consenso em sua
admissão no rol dos legitimados ativos à ação civil pública, naturalmente
nas questões afetas à categoria ou meio ambiente do trabalho, v.g.:
dissídio coletivo (CF, art. 114, § 2º, redação da EC 45/2004); ações
concernentes aos direitos de seus aderentes (CF, art. 8º, III); ainda, nas
chamadas ações de cumprimento (CLT, art. 872, parágrafo único); ou
mesmo no mandado de segurança coletivo (CF, art. 5º, LXX, b), este writ
visto como modalidade potencializada de ação civil pública.”61
59
60
61
Ob. cit. p. 520.
Ob. cit p. 520-1.
Ob. cit. p. 150.
50
Por sua vez, Nelson Nery Junior, ao comentar o artigo 110 do Código de
Defesa do Consumidor (comentado pelos autores do anteprojeto), assim afirma quanto à
atuação de sindicatos nas lides coletivas:
“(...) Com o advento da Constituição Federal de 1.988, os sindicatos
deixaram de ser tutelados pelo governo e têm hoje perfil de associação
civil. A eles foi dada legitimidade para a defesa, inclusive em juízo, dos
direitos e interesses coletivos e individuais da categoria (art. 8o, nº III,
CF), podendo, outrossim, impetrar mandado de segurança coletivo (art. 5o,
nº LXX, b, CF).
Além dessa legitimidade dada pela CF, podem ajuizar ação na defesa de
direitos e interesses difusos, porque têm personalidade jurídica de Direito
Privado, caracterizando-se como associação civil.
Aliás, essa natureza jurídica de associação civil é reconhecida aos
sindicatos pelo § 54 do BGB (Código Civil alemão).
O Superior Tribunal
Federal alemão (BGH) reconhece, inclusive, a capacidade judiciária aos
sindicatos que, conquanto naquele país não tenham capacidade civil,
podem promover ações judiciais no interesse da classe ou de seus filiados.
Como têm qualidade de associação civil, os sindicatos são co-legitimados
para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses protegidos pela LACP e
pelo CDC, guardados os demais requisitos legais para o reconhecimento
dessa legitimidade.
Mas, mesmo que se não lhes reconheça a qualidade de associação, ad
argumentandum tantum,
permanece
à
disposição
dos
sindicatos o
instrumental da LACP, bem como o CDC, em razão da integração dos
sistemas processuais das duas leis. A legitimação extraordinária dos
sindicatos, independentemente de serem considerados como associação
civil, é extraída da Constituição Federal, como se disse no início deste
comentário.
Por derradeiro, o art. 3o, caput, da Lei nº 8.073, de 30.7.90, falando em
substituição processual, concede aos sindicatos legitimação para agir em
juízo, em nome próprio, no interesse dos integrantes da categoria”.62
E ainda, em outra passagem do CPC comentado, Nery e Nery assim
afirmam ao tratar da legitimidade dos sindicatos:
62
Ob. cit. p. 1029-0.
51
“Para a propositura de ação civil pública na defesa de direitos
difusos ou coletivos (v.g. dissídio coletivo: CF 114 § 2º), tem os
sindicatos legitimidade autônoma para condução do processo, já
que possuem natureza jurídica de associação civil (LACP 5º, CDC 82
IV)
(Nery,
CDC
Coment.
635/636).
Na
defesa
dos
direitos
individuais dos associados e integrantes da categoria, em ações
relativas à atividade laboral e ações de cumprimento (CF 5º XXI e
8º III; CLT 872 par. ún.), age o sindicato como substituto
processual. Contra, entendendo ser o sindicato representante processual,
Carrion, CLT, 404/405 e 652/655. Quando o sindicato age, nos dissídios
individuais e nas reclamatórias plúrimas, em nome dos associados, o faz na
condição de representante (CLT 513 a e 843). O sindicato pode agir na
defesa
dos
direitos
dos
membros
da
categoria,
sejam
ou
não
sindicalizados, na esfera administrativa e na judicial, trabalhista ou não
(Barbosa Moreira, RP 61/191). V. L 8073/90 3º; TST 180, 255, 271, 286 e
310”63 (gn.).
Cita-se ainda, neste sentido, o acórdão do TST proferido em sede de
Embargos em Recurso de Revista interposto para a Seção Especializada I daquele
Tribunal (Processo TST E-RR 741.470-2001.0- AC. SBDI-I 07.08.06, Rel. Maria Cristina
Irigoyen Peduzzi), no sentido em que os pleitos efetuados na ação podem ser realizados
pelo sindicato, em substituição processual ampla. Segue a Ementa da decisão:
“EMBARGOS SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL
LEGITIMIDADE PROCESSUAL
DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS -
ART. 8O, III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO
FORÇA
PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO 1. A C. Turma não conheceu
do Recurso de Revista do Sindicato, por considerá-lo ilegítimo na hipótese. Utilizou, para
esse fim, a Súmula nº 310, posteriormente cancelada pela Res. nº 119/2003, DJ
01/10/2003. 2. No caso dos autos, constata-se que o Sindicato está pleiteando 1)
diferenças salariais por atraso no pagamento; 2) multa normativa por atraso no
pagamento dos salários; 3) multa por descumprimento de cláusula coletiva; 4)
condenação em obrigação de fazer, relativa a pagamento dos salários em conta corrente
sem atraso. Todos os pedidos enquadram-se dentro da categoria de direitos individuais
homogêneos, cujo conteúdo é definido pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078/1990, art. 81, III) como aqueles decorrentes de origem comum. 3. Os direitos
individuais homogêneos caracterizam-se
e esta é a razão do termo origem comum
adotada pelo art. 81, III, do CDC pela sua homogeneidade e potencialidade de tutela por
63
Op. cit. p. 341.
52
ações coletivas, como a que ocorre pela substituição processual realizada pelo Sindicato.
O que importa, para se averiguar a aplicação do teor do art. 81, III, do Código de Defesa
do Consumidor, é que sejam direitos que derivem do mesmo fundamento de fato e de
direito (art. 46, II, do CPC) e tenham relação de afinidade por um ponto comum de fato
ou de direito (art. 46, IV, do CPC). 4. Ademais, para a configuração do direito
homogêneo, há de se verificar as causas relacionadas com o nascimento dos direitos
subjetivos; examinar se derivam de um mesmo complexo normativo sobre uma situação
fática que seja idêntica ou semelhante. Para tanto, é imprescindível que haja a
congruência de três elementos essenciais: 1o) identidade referente à obrigação; 2o)
identidade relativa à natureza da prestação devida; 3o) identidade do sujeito passivo (ou
sujeitos passivos) em relação a todos os autores. 5. Assumidas essas premissas, o
entendimento adotado pela C. Turma funda-se em precedente já superado nesta Corte,
porquanto foi cancelada a Súmula nº 310, ao fundamento de que o artigo 8º, inciso III,
da Constituição da República autoriza o sindicato a atuar como substituto processual de
toda a categoria, inclusive na defesa de direitos individuais homogêneos. 6. Esse
entendimento decorre de interpretação coerente da Constituição, conferindo-lhe seu
cunho deontológico. É de ressaltar que a Carta Magna não deve ser interpretada com
base na lei, e, sim, a lei deve pautar-se na Constituição da República. É questão de lógica
hierárquica que se aplica na interpretação jurisdicional, que deve, cada vez mais, ter
como base que a Constituição da República estabelece deveres a serem cumpridos,
especialmente se a questão envolve a ampliação do acesso à Justiça. Ao mesmo tempo,
em uma análise mais detida, a questão coaduna-se com o princípio democrático, por que
esta Corte deve continuamente zelar. 7. Ressalte-se que um dos valores basilares do
Direito do Trabalho no Brasil, sobretudo com o processo de democratização trazido pela
Constituição da República de 1988, é a ampliação da atuação dos sindicatos, conferindolhes, por meio do art. 8o, III, a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais
da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas. 8. A ação coletiva
apresenta importantes qualidades para a efetivação de direitos: 1o) por expressar o
interesse da categoria, a pretensão ganha força enquanto qualificada pela coletividade;
2o) por ser exercido por um sindicato, a pretensão atinge um número acentuado de
beneficiários, o que demonstra a efetivação do acesso à Justiça; 3o) por beneficiar a
categoria, seu sindicato ganha em legitimidade, na medida em que busca exercer a
função e o dever que lhe foram constitucionalmente previstos. 9. Garantir o acesso à
Justiça por meio dos sindicatos, interpretando a Constituição como norma, e, não, como
simples valor axiológico, é, sim, conferir o teor democrático que o Direito do Trabalho
deve continuamente preservar. O art. 8o, III, da Constituição da República, por isso, é
basilar; é norma de efetivação do princípio democrático. Embargos conhecidos e
providos.”
53
Conforme recentemente decidido pelos Tribunais Superiores (TST e STF),
na linha do acórdão acima referido, os sindicatos podem defender qualquer tipo de
interesse metaindividual em juízo.
Neste sentido a expressão “individuais” inserida no
o
artigo 8 , III, da CR/88, refere-se aos interesses individuais homogêneos, também
passíveis de tutela pelos sindicatos, que são uma forma de associação, como dito acima.
Não se pode deixar de reconhecer a amplitude dos interesses tuteláveis
pelos sindicatos em Juízo. Os entraves processuais normalmente suscitados pelo réus
em defesa são inócuos e irrelevantes, seja quanto à amplitude dos interesses defendidos
pelos sindicatos, seja quanto a supostos vícios na petição inicial, o que aqui nos
interessa, por ter relação com o tema deste trabalho.
Alegações comuns de defesa em
ações coletivas movidas por sindicatos, são a inépcia da petição inicial, a falta de uma
condição da ação, ou ausência de requisito processual essencial, tudo isso pela falta de
indicação do nome dos substituídos na petição inicial. Alegam ainda as rés dos processos,
que haveria dificuldade de defesa pela ausência do rol de substituídos, que deveria estar
colacionado à peça de ingresso.
Ocorre que o rol de substituídos não é mais obrigatório neste tipo de ação,
pois a Súmula 310 do TST, que exigia o malfadado requisito, foi felizmente cancelada, o
que converge com a efetividade da ação coletiva.
No tocante à Súmula 310, felizmente cancelada pelo TST em outubro/03
por Resolução da daquela Corte, Hugo Nigro Mazzilli assim afirma em sua obra:
“É verdade que o inc. V da Súm. 310-TST chegara a dispor que: “em
qualquer ação proposta pelo sindicato como substituto processual, todos os
substituídos serão individualizados na petição inicial e, para o início da
execução, devidamente identificados pelo número da Carteira de Trabalho
e Previdência Social ou de qualquer documento de identidade.”
Tratava-se, porém, de exigência descabida, tanto que a Súm. 310 foi
revogada, embora com tardança.
Propondo ação de índole coletiva, o
sindicato age como substituto processual e não como representante da
categoria, de forma que, para ajuizar ação civil pública ou coletiva, não
precisa
exibir
autorização
específica
de
seus
sindicalizados
para
64
comparecimento em juízo...”
No mesmo sentido, mesmo antes do cancelamento da Súmula, Gregório
Assagra de Almeida, na obra aqui já citada, assim já se posicionava sobre o tema:
54
“Observa-se que o Enunciado 310, I, do TST não pode prevalecer, já que
decorre de interpretação restritiva do art. 8º, III, da CF, pois fixa
entendimento de que o referido dispositivo constitucional não conferiu ao
sindicato a posição de substituto processual. Essa interpretação restritiva
não
é
compatível
quando
estejam
em
jogo
direitos
u
garantias
65
fundamentais e direitos sociais.”
As petições iniciais dos sindicatos, entidades legitimadas para ingresso de
ações coletivas, prescindem da juntada do rol de substituídos, o que não deixa de ser um
progresso, rumo a maior efetividade processual, considerando inclusive que os indivíduos
podem ser protegidos, quanto aos seus interesses metaindividuais, de forma menos
lesiva, sem sequer indício de exposição direta na ação, o que poderia ser prejudicial aos
seus empregos em curso.
8. Conclusão
No presente trabalho, foi abordada a questão da petição inicial e da defesa
nos processos coletivos.
O processo coletivo é ramo relativamente novo, e o
microssistema que o rege composto por diversas leis e principalmente pela LACP e CDC,
tornou-se verdadeiramente coeso após a vigência deste último diploma, tornando
conhecido seu grande potencial, certamente não imaginado quando da vigência do CDC,
apenas algum tempos depois.
Mas este microssistema voltado à tutela jurisdicional
coletiva, ainda que amplo, é omisso em vários pontos, onde é invocada a aplicação
subsidiária do CPC.
Ocorre que o processo comum, como foi visto, pela sua natureza, voltado
que é a resolução de conflitos na esfera individual, não consegue resolver grande parte
dos problemas processuais que envolvem a tutela coletiva. Isso se aplica à petição inicial
e à defesa, que comportam problemas práticos, incluindo o prazo limite para aditar a
petição inicial; a identificação de quem pode aditar; a escolha do rito processual
adequado, considerando que questões complexas exigem instrução probatória ampla e
isso prejudica a celeridade necessária nas lides coletivas; a possibilidade de aplicar o
julgamento antecipado da lide, pelos mesmos motivos da adoção do rito; a exigência de
sempre se dar um valor exato à causa, o que em questões altamente complexas, onde é
difícil
ou
impossível
determinar
valores,
torna-se
claramente
impossível;
a
cumulatividade de pedidos envolvendo interesses diversos da coletividade que são
enfrentados em uma mesma ação; dentre outros acima abordados e aqui reiterados; etc.
64
65
Ob. cit. p. 287.
Op. cit. p. 521.
55
A forma em que o microssistema de jurisdição coletiva está consolidado,
ainda que muitas normas do processo comum sejam com ele incompatíveis, resulta em
certa efetividade, pois os princípios são sempre invocados para resolver os principais
problemas, e a jurisprudência caminha bem em adaptar soluções dentro da sistemática
constitucional, invocando igualmente princípios constitucionais, como ilustram os
julgados do STJ transcritos neste trabalho.
A tutela coletiva é sem dúvida uma idéia futurista, que traz consigo a
possível resolução do mais grave problema enfrentado pelos jurisdicionados, que é o
abarrotamento das varas e tribunais com inúmeros processos idênticos.
Tem grande
importância, como por exemplo, as recentes súmulas vinculantes previstas na CR/88. O
crescimento e modernização das ações coletivas representariam claro progresso para a
justiça do país, como ocorre em muitos países desenvolvidos, diminuindo sensivelmente
o número de ações individuais. E a tutela coletiva pode resolver problemas diversos de
forma simultânea, e isso evita, por outro lado, decisões contraditórias, sendo estes
apenas alguns dos benefícios das lides coletivas, que podem se estender por todos os
ramos do direito, como se viu neste trabalho, que englobou a análise de lides coletivas
trabalhistas e cíveis.
Há muito a se alterar e melhorar no processo em geral, sendo o ideal
coletivo, apenas mais um progresso visível. É evidente que o problema maior enfrentado
pelas lides coletivas que por aí tramitam, mormente pela esfera cível, é a grande
morosidade, e talvez apenas a coletivização das ações, com as vantagens acima
destacadas, não resolva este problema de forma plena.
O processo civil hoje
subsidiariamente aplicado às lides coletivas para suprir grandes lacunas, não obstante o
esforço da doutrina e jurisprudência de vanguarda é muito lento, e ainda muito formal,
perdendo-se muitas vezes em discussões teóricas sem qualquer efetividade; isso em
detrimento, por exemplo, ao processo do trabalho, claramente mais efetivo e dinâmico
no que tange às ações coletivas, ainda que grande parte dos processualistas civis assim
não reconheça, talvez por claro “capricho” ou “vaidade”.
É triste imaginar, por exemplo, que aquela famosa ação coletiva contra
laboratório acusado de vender pílulas anticoncepcionais de farinha (placebos), que
resultou em inúmeras gestações indesejadas e problemas sociais correlatos, fato ocorrido
em 1.998 e noticiado pela mídia, apenas em dezembro deste ano, mais de 10 depois,
teve um recurso do laboratório julgado pelo STJ, conforme notícia recentemente
divulgada no site oficial daquele tribunal.
E o processo ainda não acabou.
Esse o
resultado de um processo lento, que “trava” constantemente por questões burocráticas e
formais, que admite recursos infindáveis e repetitivos.
56
Assim, o problema aqui focado, em se tratando das lides coletivas, é mais
complexo e não se resolverá apenas pelo seu maior reconhecimento e aplicação no
mundo jurídico, não bastando apenas a maior utilização das ações coletivas. A questão
envolve a necessidade de reforma no processo em geral, seja no próprio bojo do
microssistema coletivo, seja pela reformulação da dinâmica do CPC, hoje aplicado
subsidiariamente e que poderia, com certas alterações, trazer maior celeridade e
efetividade ao processo individual, e também ao coletivo como conseqüência.
Neste contexto, apesar do anteprojeto de código brasileiro de processo
coletivo em tramitação, talvez a melhor solução sejam alterações pontuais no
microssistema já existente, inserindo normas processuais específicas em seu bojo; ou
então a reforma pontual do próprio CPC, que continuaria a ser aplicado subsidiariamente
neste caso. O CPC tem passado por reformas importantes, que aceleraram a execução,
dificultaram os recursos, dentre outras novidades.
Apesar das críticas de que tais
alterações seriam semelhantes a “remendos”, pois a harmonia do código estaria sendo
quebrada, surgindo dispositivos contraditórios e incompatíveis, não há como não
reconhecer os progressos advindos com as reformas.
Logo, o tal anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos, talvez
não seja a melhor saída.
A sua exposição de motivos elenca inúmeras falhas que
estariam presentes no ordenamento jurídico atual voltado à tutela coletiva, ou seja, no
microssistema hoje utilizado, formado pela integração da LACP e CDC, além de outros
instrumentos (lei do mandado de segurança coletivo, ação popular, etc.), e da própria
aplicação subsidiária do CPC.
De certa forma, coloca a questão da efetividade do processo coletivo como
pouco eficaz hoje, o que não é verdade.
Apesar de alguns problemas que de fato
existem, como os enfrentados no presente trabalho quanto à petição inicial e defesa nas
lides coletivas, é inegável que o sistema atual é bem funcional, inexistindo as falhas lá
propaladas, pelo menos da forma em que lá constam. Muitas das falhas estão no atraso
da legislação atual em geral, como dito acima, e não na ação coletiva em si, que tem se
demonstrado eficaz.
O microssistema atual, exatamente por ser amplo e possibilitar a aplicação
concomitante de vários diplomas e dispositivos recíprocos e integrados como dito acima,
aproveitando até mesmo a aplicação subsidiária do CPC no que é compatível, garante
certa efetividade.
Exatamente por ser aberto, o microssistema permite saídas mais
inusitadas, respostas processuais mais céleres e efetivas, baseadas em princípios gerais
e constitucionais. Não se sabe se a codificação prevista no anteprojeto aqui discutido de
57
certa forma travaria o sistema funcional aberto que hoje vigora, sedimentando aspectos
prejudiciais, menos inovadores que os atuais.
Trata-se de uma boa intenção a codificação de regras voltadas à tutela
coletiva, mas talvez não seja tão efetiva quanto se imagina; não se podendo deixar de
lado, apesar dos problemas, a efetividade razoável que até aqui se conquistou com o
microssistema hoje utilizado, que seria todo revogado pela nova regra acima
transcrita.
Pelo anteprojeto, o CDC e a LACP seriam revogados, entre outras
alterações, o que poderia ser um grande retrocesso, ante a funcionalidade certa do
microssistema atual, inclusive no tocante aos direitos individuais do consumidor que
seriam também suprimidos.
Como o dito, a intenção é boa, mas se vigente a nova regra, poderia
ocorrer sedimentação de algumas coisas ruins hoje aplicáveis entre as regras do
microssistema, que é aberto e dá várias opções aos atuantes na área jurídica.
Alterações pontuais, inclusive processuais, sem qualquer sombra
de dúvida seriam a melhor solução, para resolver os problemas do processo
coletivo, inclusive quanto ao tema aqui enfrentado, acerca da petição inicial e
resposta nas lides coletivas.
___________________________________________________________
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