António Pereira Coelho
Dois séculos após a sua descrição inicial, a
endometriose constitui no quadro das patologias femininas, aquela que continua a
apresentar o maior número de enigmas relativamente à quase totalidade dos diferentes
aspectos e enquadramentos sob os quais
efectuemos a sua análise.
Convém recordar que o reconhecimento da
sua identidade terá sido efectuada no já
longínquo ano de 1860 e que, se a sua definição genérica – presença de focos de tecido endometrial fora da sua localização
normal – é pacificamente aceite, já o mesmo não se pode dizer quanto ao significado
das múltiplas formas que esse mesmo conceito abarca.
1. ETIOPATOGENIA
A existência de várias e distintas teorias para
tentar explicar o aparecimento da endometriose é bem reveladora do nosso insuficiente conhecimento acerca da natureza desta
patologia, que muitos admitem que só de
uma forma simplista pode ser considerada
como uma entidade única.
Como quer que seja, todas elas têm que ser
tomadas em consideração, na medida em que
os mecanismos invocados são passíveis de explicar diferentes situações anatomoclínicas.
1.1. TEORIA DA IMPLANTAÇÃO
Pode considerar-se a concepção que reúne
um maior consenso, talvez porque constitui
efectivamente a explicação que de uma forma mais coerente explica um maior número
de quadros.
De acordo com esta teoria descrita por
Sampson em 19251, a endometriose resultaria da implantação pélvica de fragmentos de
endométrio viável provenientes de uma
menstruação retrógrada.
Os pilares em que assenta esta teoria advêm
da constatação de vários fenómenos que
analisados em simultâneo, lhe conferem unidade e coerência.
O primeiro e, talvez o mais óbvio, resulta da
verificação efectuada inicialmente por laparotomia e, mais tarde por laparoscopia, da
presença de sangue de aspecto menstrual,
fluindo através das trompas e acumulando-se
nas regiões mais baixas da cavidade pélvica,
simultaneamente próximas do pavilhão – fundo-de-saco de Douglas, ligamentos útero-sagrados e fossetas ováricas, bem como nos folhetos posteriores dos ligamentos largos.
Paralelamente, a valorização do papel destas
designadas menstruações retrógradas foi
estabelecido, porque as localizações peritoneais dos focos de endometriose pélvica
coincidem precisamente com as zonas «banhadas» pelo sangue menstrual refluído.
Uma outra constatação fundamental é a da
presença quase sistemática de permeabilidade tubária, indispensável para o refluxo;
os raros casos de obstrução, melhor dito, de
dificuldade de passagem, advêm de distorções anatómicas secundárias aos processos
inflamatórios que apresentam os estádios
mais graves da doença.
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17 Endometriose
de tecido endometrial funcionante em
locais distantes, localizações essas insusceptíveis de explicação pelas duas teorias
anteriores.
Para essas localizações, nomeadamente pulmonares, nasais, umbilicais, ganglionares,
torna-se possível invocar a possibilidade de
uma migração ou metastização, tal como o
propôs Halban4 em 1924.
Os focos à distância são compatíveis com
uma propagação quer por via hemática,
quer linfática.
1.2. TEORIA DA METAPLASIA
1.5. TEORIA AUTOIMUNE
Esta teoria propõe como explicação para o
aparecimento da endometriose pélvica a
ocorrência de fenómenos de metaplasia
do mesotélio peritoneal, relacionados com
a presença de factores irritativos, um dos
quais podia ser precisamente o sangue
menstrual.
Como facilmente se depreende, esta concepção não só não invalidava a teoria do refluxo, como pelo contrário a reforçava, ao
apresentar uma explicação que preenchia a
lacuna que advinha da dúvida quanto à viabilidade do endométrio descamado.
Pode sem grandes reservas afirmar-se que a
conjugação destas duas concepções é suficiente para explicar a maioria, se não mesmo a totalidade das situações de endometriose peritoneal.
Esta concepção é de algum modo abrangente, na medida em que assenta num pressuposto que não exclui qualquer das concepções anteriores, mas que ajuda a
compreender, porque razão nem todas as
mulheres apresentam endometriose, nem
as mesmas manifestações clinicopatológicos delas decorrentes. É uma concepção
que parte do reconhecimento da existência
de alterações fisiopatológicas comuns a
múltiplas doenças auto-imunes, alterações
essas que permitiriam explicar não apenas a
ocorrência da doença em si mesma, como
de algumas das suas frequentes e controversas consequências, caso da infertilidade
por exemplo.
1.3. TEORIA METASTÁTICA
Nas diferentes teorias descritas precedentemente, fica por explicar a razão pela qual
nem todas as mulheres sofrem de endometriose, mesmo quando sujeitas a circunstâncias favorecedoras.
Para além das formas mais frequentes e conhecidas de endometriose pélvica, têm ao
longo dos tempos sido encontrados focos
278
1.4. TEORIA DAS CÉLULAS PRECURSORAS
Restos embriofetais de origem mal definida,
mas eventualmente genital, poderiam ser
estimulados pelas hormonas que habitualmente exercem o seu efeito sob o endométrio e levá-los a reagir da mesma forma.
1.6. FACTORES GENÉTICOS
Capítulo 17
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Mais tarde, e inspirados por estas constatações, Te Linde e Scott2 conceberam e executaram um trabalho de investigação em fêmeas de macacos Rhesus, em que lhes foi
possível desencadear processos de endometriose invertendo o útero e assim drenando
o sangue menstrual para a cavidade pélvica.
Uma das reservas postas a esta teoria apontava para a dúvida quanto à viabilidade dos
fragmentos do endométrio menstrual, dúvida, que de certo modo foi eliminada
quando em 1958 Ridley3 conseguiu que
fragmentos desse tipo de endométrio dessem origem a focos de endometriose ao serem transplantados para a pele aquando da
realização de laparotomias. Apesar de tudo,
continuam a surgir dúvidas quanto à concepção biológica subjacente a esta explicação o que deu azo ao aparecimento da teoria da metaplasia.
2. HISTOPATOLOGIA
Se considerarmos a adenomiose, em tempos
designada endometriose interna, como uma
patologia diferente da outrora descrita endometriose externa, devemos ainda assim
confrontar-nos com formas de apresentação
que, possuindo em comum alguns traços
que permitem considerá-la uma entidade
única, divergem em múltiplos aspectos.
Esta diversidade é de tal forma acentuada
nos seus aspectos morfológicos, sintomatologia, evolução e resposta à terapêutica, que
muitos autores se interrogam quanto à legitimidade de continuar a considerá-la como a
mesma doença, admitindo que possam e devam antes ser consideradas entidades distintas. Reconhecendo embora, que esta perspectiva apresenta muitos argumentos em
que possa alicerçar-se, julgamos que, apesar
de tudo, são mais fortes as razões que nos levam a considerar a concepção unicista.
Nesta óptica, consideraremos como uma
mesma patologia as diferentes lesões peritoneais, as lesões ováricas nomeadamente os
endometriomas e os focos útero-sagrados
com extensão para os planos profundos, com
destaque para as lesões infiltrativas rectovaginais; esta opção assenta fundamentalmente
na existência de aspectos histológicos que no
essencial são comuns às lesões enunciadas.
Endometriose
2.1. ASPECTOS MICROSCÓPICOS
O denominador comum às lesões endometriósicas é a presença em todas elas dos
dois elementos morfológicos que caracterizam o tecido endometrial: glândulas e
estroma. Mas, para que a concepção unicista possa ser reforçada há que considerar
que a identidade não se limita à histologia,
exigindo-se para uma mais rigorosa definição e caracterização, um idêntico comportamento funcional, em particular a receptividade aos estímulos hormonais, com
destaque para a resposta à estimulação
pelos estrogénios e, em menor grau, pela
progesterona.
Contudo, importa acentuar que a similitude
com o tecido endometrial original é incompleta e variável, tal como diferentes são também os diversos focos na sua caracterização
morfológica e funcional, alargando-se esta
diversidade ao comportamento variável que
vão apresentando de acordo com a sua longevidade e a idade da mulher.
Múltiplos têm sido os trabalhos efectuados
no sentido de precisar as razões explicativas
da heterogeneidade aludida, mas todos os
esforços efectuados não permitiram até agora chegar a conclusões irrefutáveis.
Uma das dúvidas que persiste é relativa à
manifesta discrepância constatada na transformação decidual, um fenómeno que como
é sabido resulta essencialmente da acção da
progesterona, ou seus derivados sintéticos,
sobre o componente estroma endometrial;
esta decidualização, porque constitui um
dos mais importantes fundamentos da terapêutica médica da endometriose, tem sido
particularmente estudada.
Os resultados apresentam uma extrema variabilidade, qualquer que seja a perspectiva
sob a qual sejam estudados, embora se
possa dizer que existe uma tendência manifesta a destacar o papel dos receptores de
estrogénios; uma certa inferioridade dos receptores de progesterona relativamente aos
estrogénicos, dos quais dependem, poderia
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Parece cada vez mais óbvia a existência
de uma predisposição, assente numa base
genética, com um modelo de transmissão
de tipo mendeliano, tal como acontece por
exemplo na diabetes.
A presunção para este conceito assenta num
certo número de constatações:
— Manifestação preferencial em vários
membros de uma mesma família5.
— Aparecimento simultâneo em gémeas
monozigóticas6.
— Prevalência da doença nos familiares de
1.o grau, seis a nove vezes superior à da
população em geral.
2.2. LESÕES MACROSCÓPICAS
De acordo com a visão mais generalizada e
aceite, devem salientar-se como possuindo
características próprias as lesões peritoneais
superficiais, quase sempre acompanhadas
de focos ováricos também superficiais, mas
que frequentemente dão origem a formações quísticas, outrora quase sempre designados por «quistos de chocolate» e actualmente mais descritos por endometriomas7,
conceito extensivo a qualquer colecção de
sangue hemolisado revestida por tecido
endometrial.
Retomando as lesões peritoneais, representativas das formas consideradas menos graves de endometriose, o destaque vai para
aquele que historicamente foi considerado o
aspecto típico, como de queimaduras de
pólvora, de localização preferencial no Douglas, ligamentos útero-sagrados e folheto
posterior do ligamento largo; com o progresso obtido na identificação das variadas
formas de apresentação da endometriose
conclui-se que estes aspectos tradicionais
correspondiam na maioria dos casos a zonas
antigas, em regressão, provavelmente inactivas. Mas em paralelo com elas foram sendo
caracterizadas outras lesões de aspecto consideravelmente distinto, duvidando-se até
em determinado momento que pudessem
corresponder à mesma entidade.
Assim, lesões tão variadas como zonas vermelhas com componente vascular mais ou
280
menos marcado (Fig. 1), pequenas formações de aspecto polipóide, vesículas de dimensão e conteúdo nem sempre semelhante (Figs. 2 e 3), placas esbranquiçadas isoladas
ou incluindo algumas das formas anteriormente descritas, manchas castanho-amareladas de extensão variável (Fig. 4), acabaram
por ser reconhecidas como diferentes expressões de endometriose peritoneal, dado
que as biopsias efectuadas nessas zonas
apresentavam no essencial o padrão histológico que descrevemos anteriormente como
definidor da endometriose8-10.
As lesões infiltrativas ligamentares, particularmente dos ligamentos útero-sagrados,
podem ser consideradas como charneira entre as lesões peritoneais e os endometriomas
de localização extra-ovárica e de transição
também para as formas infiltrativas profundas, de que se destacam os complexos infiltrados rectovaginais; não se nos afigura distinta a natureza e comportamento das lesões
profundas genitovesicais, tal como as anteriores de características nodulares e com
uma tendência invasiva de tal forma marcada, que frequentemente são equiparadas a
lesões cancerosas.
Talvez também devam merecer um lugar de
destaque as lesões diverticulares localizadas
na junção útero-tubárica (JUT), que muitos
assumem como focos de adenomiose de características peculiares e que devem ser distinguidas das classicamente designadas lesões de salpingite ístmico-nodosa. Com
efeito, estas entidades têm em comum apenas a hipertrofia nodular da JUT (Fig. 5) e,
distinguindo-se umas pela penetração intramuscular do tecido endometrial (ou de revestimento do lúmen tubário) e as outras
pelo predomínio acentuado do tecido fibroso, de origem pouco clara.
Muito do trabalho executado posteriormente incidiu na tentativa de estabelecer uma
relação precisa com a idade das lesões, com
o grau de actividade ou a gravidade das
mesmas, com a associação a fenómenos bioquímicos tradutores de disfunções como a
dor ou a infertilidade.
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constituir a explicação mais simples e aceitável para os maus resultados terapêuticos obtidos em muitos casos de utilização de gestagénios ou estroprogestativos.
De destacar também relativamente a todos
os tipos de lesões de endometriose a presença de tecido fibroso, envolvendo ou penetrando nos diferentes focos. Esta fibrose,
que é quase unanimemente considerada reaccional, parece apresentar alguma relação
com a longevidade dos focos e poderia traduzir uma diminuição significativa da sua
actividade.
Figura 4. Aderências laxas de formação recente, ligadas a processo inflamatório.
Figura 1. Lesões polimorfas: placas brancas, lesões vasculares,
vesículas citrinas e vesículas azuladas (hemáticas).
Figura 5. Lesões de salpingite ístmica nodosa na junção útero-tubar direita.
3. HISTÓRIA NATURAL
Figura 2. Zona vermelha com componente vascular.
Figura 3. Lesões vesiculares de conteúdo esbranquiçado, castanho e hemático na superfície ovárica e ligamento útero-sagrado.
Endometriose
À semelhança do que acontece com quase
todas as análises efectuadas a respeito dos
diferentes aspectos relativos à endometriose, também no que concerne à sua evolução
existe uma significativa divergência de constatações e da interpretação das mesmas.
Em condições normais, isto é, fora de uma situação de gravidez ou de qualquer contexto terapêutico, afigura-se que na maioria dos casos
as lesões de endometriose tendem a persistir
durante o período de vida reprodutiva da
mulher.
Tentando particularizar por tipo de lesões,
poder-se-á dizer que a maioria das lesões
superficiais tendem a manter-se estáveis ou
a evoluírem no sentido do agravamento,
embora estejam descritos casos, aparente-
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Apesar do progresso conseguido nesta linha
de actuação, deve reconhecer-se que são
ainda mais as dúvidas que subsistem do que
as certezas que foram sendo adquiridas.
282
Aparentemente inexplicáveis são também
as situações de mulheres assintomáticas,
que engravidam facilmente, e que mais tarde vêm a apresentar lesões exuberantes de
localização ovárica, ou de infiltração do septo rectovaginal.
Teoricamente, com a instalação da menopausa, a endometriose regride de uma forma definitiva; mas se alguns casos de persistência
perante terapêuticas de substituição são fáceis de entender, mais difíceis de interpretar
se tornam as lesões activas por vezes encontradas na pós-menopausa, eventualmente
associadas a produção hormonal endógena,
para além do que seria legítimo esperar.
4. DIAGNÓSTICO
4.1. QUADRO CLÍNICO
Se alguma unanimidade existe relativamente
à endometriose, ela diz respeito à dor e à sua
valorização como o elemento clínico mais significativo para a o seu diagnóstico. Ainda
assim, também neste aspecto, nem todos os
casos apresentam um padrão de dor sobreponível, sendo quase consensual porém, que
a maior discrepância se verifica entre a intensidade da dor e a gravidade das lesões.
Natural será referir em primeiro lugar a ocorrência da dismenorreia, ou dor menstrual,
embora seja justamente em relação a ela
que nem sempre existe o paralelismo que
atrás referimos.
Uma primeira dificuldade reside no facto de
uma grande maioria de raparigas apresentarem uma dismenorreia dita primária, também designada por essencial ou funcional,
supostamente não associada a qualquer patologia orgânica. Por outro lado e, por definição, a dismenorreia da endometriose é uma
dismenorreia dita secundária, progressiva e
total, isto é, abrangendo grande parte ou
mesmo a totalidade dos dias da menstruação, por contraponto à inicial. Sucede que a
evolução de uma forma para a outra pode ser
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mente excepcionais, de regressão dessas
mesmas formas.
Parece também acontecer com alguma frequência um outro tipo de evolução, a passagem de focos considerados mais recentes e
activos (lesões vermelhas, polipóides ou vesiculares) para as clássicas lesões em queimadura de pólvora o que traduziria uma remissão
espontânea do processo, pelo menos na perspectiva de atenuação da actividade funcional,
interferindo com o processo reprodutivo e/ou
causadora de sintomas mais marcados.
Particularmente interessante e controversa é
a formação dos quistos do ovário, que surgindo em condições tão distintas, legitimam
todas as especulações acerca dos mecanismos do seu aparecimento11,12.
Contudo, a situação menos clara e consensual tem a ver com o papel da gravidez. Classicamente tem sido admitida como dogma a
noção que a gravidez e o clima endócrino
que lhe está associado constituem os factores mais favoráveis para a contenção, se não
mesmo para a remissão duradoura das lesões endometriósicas; daqui nasceu de resto
o fundamento para o tratamento médico da
endometriose, a designada «pseudogravidez» assente na abolição da menstruação e
na criação de um ambiente hormonal favorável à decidualização e, consequente reabsorção dos focos.
Contudo, esta concepção não reúne um consenso absoluto, havendo casos descritos de
agravamento nas semanas iniciais, embora
com involução posterior, e outros de ausência de efeitos positivos notórios, persistentes,
podendo nestes casos dizer-se que eles correspondem às situações mencionadas de lesões desprovidas de receptores hormonais.
Embora não se possa fazer uma extrapolação directa, pode partir-se da situação gravídica para a consideração acerca do mérito
dos diferentes tipos de tratamento médico
propostos, cuja eficácia como veremos posteriormente, apresenta uma extrema diversidade consoante as metodologias e o tipo de
pacientes analisadas.
4.2. EXAME OBJECTIVO
Na nossa experiência pessoal, tem sido possível desde o exame ginecológico com espéculo, iniciar a confirmação da suspeita de
uma endometriose sugerida pela história clínica. Com efeito, quer o aparecimento de
manchas azuladas cervicais, presumíveis
equivalentes das lesões em queimadura de
pólvora, quer sobretudo a constatação de
pequenos sangramentos peri-orificiais, preEndometriose
cedendo a menstruação (a verdadeira explicação para os spottings?) não sendo muito
frequentes, estão quase sistematicamente
associados a outros elementos diagnósticos.
Patognomónicos, consideramos nós os nódulos visíveis no fundo-de-saco posterior,
particularmente quando assumem um aspecto polipóide, frequentemente vascularizado; correspondem obviamente a processos infiltrativos graves.
No toque ginecológico tem sido historicamente referida a ocorrência de um útero em
retroversão como um dos mais valiosos indícios da existência de endometriose. Não pretendendo negar esta realidade, afigura-senos porém, que mais do que uma simples
variação anatómica como esta, são de valorizar as profundas distorções anatómicas associadas aos processos graves: hipertrofias nodulares e encurtamentos por vezes unilaterais
dos ligamentos útero-sagrados, nódulos quase sempre múltiplos e irregulares, palpação
de massas mais ou menos volumosas, correspondendo eventualmente a endometriomas
ováricos, tendo por denominador comum a
dor intensa que desperta a sua palpação.
4.3. EXAMES COMPLEMENTARES
Historicamente e durante largos anos, a histerossalpingografia (HSG) foi o exame auxiliar de diagnóstico que mais contribuiu para
confirmar uma suspeita de endometriose
baseada na história clínica e no exame ginecológico da doente; por vezes, embora menos frequentemente, foram as imagens radiológicas que alertaram para a possibilidade
da doença, aquando da investigação de um
processo de infertilidade em que as manifestações álgicas não eram muito chamativas e
a observação nada revelava de específico.
Destaque então nestas circunstâncias para
as clássicas imagens de um útero em baioneta, de longas trompas permeáveis, apresentando um perfeito desenho das pregas
numa região ampolar anormalmente distendida, ou para um esvaziamento revelando os
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progressiva o que tornaria a sua valorização
mais difícil, embora com alguma frequência
ela venha a manifestar-se apenas após um
intervalo livre, de duração variável.
Fugindo um pouco ao conceito dor, consideramos apesar de tudo vantajoso abordar
desde já uma manifestação menstrual que
pela sua especificidade se pode considerar
quase patognomónica da endometriose:
trata-se do que em linguagem anglo-saxónica se designa por spotting pré-menstrual e
que se refere ao aparecimento de pequenas
perdas tipo borra de café, com a duração de
3-4 dias. Menos específicas, mas também comuns são manifestações como diarreia e vómitos, traduzindo uma aceleração do trânsito intestinal, associado presumivelmente à
libertação de prostaglandinas.
Retomando o sintoma dor, dever-se-á talvez
colocar em segundo lugar numa escala de valorização, tomando por critério a incapacidade que determina, a dispareunia, assumindo
esta mais comummente uma localização profunda, simples ou com irradiação. São as formas infiltrativas as mais frequentemente imputáveis pela dispareunia, bem como pela dor
espontânea de localização lombossagrada;
também nestes casos podem manifestar-se
aquando da defecação dores com irradiação
rectal. Disúria ou cólicas renais acompanham
frequentemente as formas com compromisso
ureteral ou vesical, podendo acompanhar-se
de hematúria durante as menstruações, tal
como ocorrem por vezes rectorragias nas
mesmas circunstâncias.
284
Se quase se torna desnecessário destacar a importância da imagem, para nós inconfundível,
dos endometriomas ováricos com a sua fina
ecogenicidade, parece-nos igualmente importante, sobretudo na interpretação do papel da
endometriose na infertilidade, reter a imagem
de um ovário retro-uterino, fixado (Fig. 6), que
dispensa qualquer outro elemento adicional
para assumir uma atitude terapêutica numa
mulher de idade reprodutiva avançada.
Figura 6. Ovários retro-uterinos, fixados, típicos de endometriose.
CA 125 é a designação abreviada de um antigénio (uma glicoproteína de alto peso molecular com origem nas células superficiais
de estruturas derivadas de restos embrionários do epitélio celómico), considerado um
marcador importante de tumores não-mucinosos do ovário14. Constatou-se que os valores plasmáticos do CA 125 também se encontram elevados na maioria dos casos de
endometriose moderada ou grave e particularmente na fase menstrual15,16.
Não havendo dúvidas quanto à ocorrência
de uma correlação positiva com os processos graves de endometriose, traduzida numa
especificidade superior a 80%, o problema
põe-se na sua falta de sensibilidade (variações de 20 a 50%) e associação com outros
processos patológicos, nomeadamente doença inflamatória pélvica17. Outra limitação
deriva da grande variabilidade dos valores
encontrados – 8-22 U/ml na menstruação de
mulheres sem endometriose, 14-31 U/ml
Capítulo 17
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contornos de um ovário, cuja imagem se tornava perceptível pelas aderências que o fixavam à parede pélvica.
Em situações bem mais raras a imagem de
bago de azevinho, reveladoras de uma endossalpingiose, com os clássicos divertículos
semelhantes aos da tuberculose genital, dela
se distinguindo pela ausência da obstrução
distal que esta quase sempre apresentava.
O uso generalizado da laparoscopia nos anos
80 foi decisivo para o correcto conhecimento
dos aspectos morfológicos já descritos, para a
determinação da sua real incidência e evolução, para precisar o verdadeiro significado
das lesões então consideradas atípicas e que
as múltiplas biopsias efectuadas revelaram de
uma forma algo surpreendente serem outras
faces de um mesmo processo13.
Ainda no plano diagnóstico, mas numa perspectiva que entroncava no conhecimento
da fisiopatologia, a possibilidade de analisar
o líquido peritoneal, a sua composição celular e bioquímica foram essenciais; mas essencial também para melhor compreender a
evolução natural da doença e a sua resposta
aos diferentes tipos de tratamento.
Sem desprezar a correlação das imagens histerossalpingográficas com os aspectos das
alterações morfológicas a que essas imagens
correspondiam.
Também no plano da imagem e, coincidindo
com a fase áurea da laparoscopia emerge
em toda a sua pujança a ecografia, em particular a ecografia vaginal, que possibilitou associar o uso de um método não-invasivo de
utilização simples à caracterização dos quadros morfológicos suspeitados pela HSG e
corroborados, por vezes é certo também
desmentidos, pela laparoscopia.
Para um observador que tenha tido a oportunidade de durante um tempo suficientemente longo ser o executante único dos três
exames, HSG, ecografia (ECO) e laparoscopia,
pode com segurança afirmar-se que só não
será feito o diagnóstico com a utilização de
dois deles (a ECO e a HSG) nos casos de lesões mínimas.
5. ESTADIAMENTO
Desde sempre foi sentida a necessidade de
estabelecer uma classificação da endometriose, que permitisse estabelecer um prognóstico e, particularmente a eficácia das variadas formas de tratamento médico e
cirúrgico, particularmente nas situações de
infertilidade.
Também neste aspecto os trabalhos de Sampson em 1921 foram pioneiros, embora limitando as suas avaliações ao tratamento cirúrgico conservador dos «quistos de chocolate»;
desde então múltiplas foram as tentativas realizadas com este objectivo, mas por insuficiente conhecimento dos aspectos morfológicos quase todas votadas ao insucesso.
Foi contudo a utilização corrente da laparoscopia, particularmente na investigação da
infertilidade, que forneceu a base para o
reconhecimento das múltiplas formas de
apresentação e a eficácia dos diferentes tipos de tratamento médico e cirúrgico na
eventual redução ou mesmo eliminação das
lesões pré-existentes e, consequente repercussão no aspecto reprodutivo.
Pode dizer-se que foi com Acosta19, et al. em
1973 que se estabeleceram as bases que
permitiram após múltiplas correcções e
aperfeiçoamentos criar o esqueleto daquela
que é actualmente a classificação quase
universalmente aceite e utilizada – a classificação da American Fertility Society (actualmente American Society for Reproductive Medicine), cuja última versão data da revisão
Endometriose
efectuada em 1996 e está essencialmente
dirigida para o papel da endometriose na
infertilidade.
Nesta última classificação, assente num somatório de pontos decorrentes de lesões de
endometriose peritoneais e ováricas discriminando as lesões vermelhas, brancas e escuras, eventual obliteração do fundo-desaco e de aderências ováricas e tubáricas são
estabelecidos quatro estádios (Quadro 1):
— Estádio I (mínimo): 1–5.
— Estádio II (ligeiro): 6–15.
— Estádio III (moderado): 16–40.
— Estádio IV (grave ou severo) > 40.
Deste modo se explica a valorização atribuída às novas formas de expressão da endometriose peritoneal, que podendo não ter
grande repercussão clínica, nomeadamente
através do sintoma dor, interferem no processo reprodutivo através de mecanismos
essencialmente bioquímicos.
6. ENDOMETRIOSE E INFERTILIDADE
A relação entre a endometriose e a infertilidade é um dado adquirido desde há muito
tempo e demonstrado por inúmeros trabalhos de investigação e publicações relacionadas com o tema; contudo, nem sempre é
fácil ou possível estabelecer uma relação
causal, ou precisar os mecanismos a ela
subjacentes.
É óbvio e consensual que os estádios mais
graves e avançados da doença podem ser
facilmente implicados na infertilidade feminina através das profundas distorções anatómicas que determinam, independentemente da sua associação a outros mecanismos
fisiopatológicos mais subtis.
Que esta asserção é correcta, comprovamno os múltiplos casos em que a destruição
de focos, a eliminação de aderências, a exérese de endometriomas ováricos, associados
ou não a terapêutica médica transitória, possibilitam a ocorrência de uma gravidez subsequente a mais ou menos curto prazo.
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nos estádios mínimo e ligeiro e 13-95 U/ml
nas situações moderadas e graves.
Também tem sido tentada através do CA 125
a avaliação da resposta à terapêutica médica
e/ou cirúrgica. Nestes casos as variações
deste parâmetro de avaliação têm permitido
detectar respostas positivas aos tratamentos
instituídos, tal como prever a falência dos
mesmos, ou a recorrência após períodos
mais ou menos prolongados de remissão18.
Lesões peritoneais (considerar apenas a lesão mais grave superficial ou profunda)
Peritoneu
Superficiais
Profundas
<1
1
2
1-3 cm
2
4
> 3 cm
4
6
Lesões ováricas (considerar apenas a lesão mais grave e adicionar os scores dos ovários direito e esquerdo)
Ovário direito
Superficiais
Profundas
<1
1
2
1-3 cm
2
16
> 3 cm
4
20
Ovário esquerdo
Superficiais
Profundas
< 1 cm
1
4
1-3 cm
2
16
> 2/3
4
20
Aderências anexiais (adicionar os scores dos ovários direito e esquerdo e das trompas direita e esquerda)
Ovário direito
Finas
Densas
< 1/3
1
4
1/3-2/3
2
8
> 2/3
4
16
Ovário esquerdo
Finas
Densas
< 1/3
1
4
1/3-2/3
2
8
> 2/3
4
16
Trompa direita
Finas
Densas
< 1/3
1
4
1/3-2/3
2
8
> 2/3
4
16
Trompa esquerda
Finas
Densas
< 1/3
1
4
1/3-2/3
2
8
> 2/3
4
16
Pavilhão tubar englobado em aderências = 16
Obliteração do fundo-de-saco de Douglas
286
Parcial
4
Total
40
Capítulo 17
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Quadro 1. Classificação da endometriose da Sociedade Americana de Medicina da Reprodução
Endometriose
Também outras fases do processo reprodutivo foram consideradas afectadas pela endometriose, nomeadamente a fecundação,
quer através do comprometimento da mobilidade e capacidade fecundante dos espermatozóides pelo líquido peritoneal, quer por
uma eventual perda da qualidade dos ovócitos, ou ainda alterações da captação e do
transporte tubário.
Mais importantes, porque poderiam eventualmente interferir com a utilização das técnicas de fertilização extracorporal, foram as
dúvidas quanto à qualidade dos embriões25,
o processo de implantação dos mesmos26 e
ainda uma eventual maior incidência de
abortos precoces27.
7. TERAPÊUTICA
Muitas das formas de endometriose não justificam a realização de qualquer terapêutica, médica ou cirúrgica; genericamente pode dizer-se
que os casos que impõem uma terapêutica
são os que têm subjacente uma situação de infertilidade arrastada, os que estão associados a
problemas de dor incontrolável, e eventualmente os que apresentam massas pélvicas.
A decisão quanto à necessidade ou à utilidade da terapêutica passa também pelo seu
valor profiláctico, isto é pela sua capacidade
de prevenir o aparecimento de novas lesões,
de evitar sintomatologia incapacitante, ou
possibilitar a manutenção de um potencial
reprodutivo.
7.1. ATITUDE EXPECTANTE
São sobretudo as situações de endometriose
pouco grave (estádios I e II, por vezes também
alguns casos de estádio III) associadas a infertilidade, que podem permitir a opção de não
realizar qualquer forma de tratamento dirigida especificamente às lesões existentes.
São múltiplos os factores intervenientes nesta
opção, mas como acontece frequentemente
com os problemas de infertilidade, a idade da
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Dentro deste grupo deve destacar-se o caso
peculiar da endossalpingiose, ou salpingite
ístmica nodosa de natureza endometriósica,
a qual deve ser considerada na prática como
uma situação de obstrução tubária proximal
definitiva e irreversível.
Bastante mais complexa é a situação dos estádios I e II, em que não só se torna difícil
afirmar de uma forma indubitável a relação
causal endometriose/infertilidade, como
precisar qual ou quais dos mecanismos invocados estão envolvidos no processo, ou ainda se se justifica a realização de uma terapêutica específica.
Existe um reconhecimento quase consensual
da importância da composição do líquido peritoneal na perturbação dos mecanismos da
captação ovular e fecundação, destacando-se
de entre eles quer elementos celulares como
os macrófagos20, quer factores bioquímicos associados a processos inflamatórios em geral21,
quer ainda substâncias mais especificamente
relacionadas com problemas auto-imunes.
O reconhecimento através da laparoscopia,
do significado das lesões «jovens» estruturalmente diferente das clássicas lesões em queimadura de pólvora, veio permitir atribuir a
estas lesões um papel mais activo na síntese
dos factores mediadores da infertilidade.
Mas se esta constatação pode esclarecer pelo
menos parcialmente o problema da relação
causa-efeito, muito resta ainda por definir
quanto à sua evolução e à sua sensibilidade
aos diferentes agentes terapêuticos e quais.
Uma perspectiva muito considerada e valorizada há algumas décadas atrás e que actualmente tende a ser desvalorizada, ou pelo
menos subalternizada, tem a ver com as possíveis disfunções ováricas e/ou tubáricas22.
Desde alterações da foliculogénese, à tão
discutida insuficiência luteal nas suas múltiplas expressões23, passando pela designada
luteinização sem ruptura folicular24, várias
foram as hipóteses postuladas, tendo sempre presentes alterações esteroidogénicas
condicionadas ou condicionantes do anormal processo reprodutivo.
7.2. TRATAMENTO MÉDICO
Os fundamentos da terapêutica médica assentam na extrapolação para os focos de endometriose, dos dados conhecidos acerca
do comportamento do endométrio funcional normal, quando submetido a acções farmacológicas exógenas, predominantemente
de tipo hormonal.
Este raciocínio, embora genericamente verdadeiro, não é passível de uma transposição
completa, dado que, apesar da existência de
identidade em muitos aspectos, ocorrem
também diferenças significativas não apenas na estrutura, como ainda no comportamento funcional do endométrio normal e do
endométrio ectópico.
288
Como quer que seja, a fundamentação para
o recurso às diferentes armas terapêuticas
reside na necessidade de contrariar o efeito
estimulante, proliferativo, dos estrogénios
sobre os dois principais componentes endometriais, com o objectivo de obter a sua
atrofia e/ou transformação decidual.
Já noutro local tivemos oportunidade de
referir que, após o abandono do uso obsoleto de testosterona e estilbestrol, coube a
Kistner o mérito de conceber a noção de
«pseudogravidez»29 assente na decidualização do tecido endometriósico, com a
previsível atrofia e reabsorção, conduzindo a uma ulterior fibrose e cura. O essencial da actividade farmacológica derivava
da acção dos progestativos de síntese, utilizados isoladamente ou em associação
com o etinil-estradiol na composição de
pílulas monofásicas30.
7.2.1. ESTROPROGESTATIVOS
Utilizados de uma forma contínua começam
por induzir uma amenorreia e, consequente
eliminação das menstruações retrógradas,
que como já foi dito constitui um dos mecanismos fisiopatológicos indutores da doença
e da sua perpetuação.
Mas para além deste efeito, exercem o também já referido papel de agentes de decidualização atribuível na sua essência ao componente gestagénico do medicamento.
A resultante mais óbvia e mais imediata da
eficácia terapêutica é comprovada pelo rápido desaparecimento, ou no mínimo atenuação, da dor menstrual e de uma forma talvez
menos exuberante dos outros tipos de dor,
nomeadamente a dispareunia.
Mais questionável é o seu papel na resolução das situações de infertilidade, reportando-nos naturalmente às formas mínimas ou ligeiras, já que no que concerne aos
endometriomas ováricos será previsível
apenas uma redução do volume decorrente da redução da componente líquida do
seu conteúdo.
Capítulo 17
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mulher acaba por ser um factor decisivo. Dada
a inconstante eficácia dos diferentes tipos de
tratamento na correcção de uma incapacidade reprodutiva, afigura-se legítimo ponderar
de imediato o recurso a formas agressivas de
terapêutica, v.g. técnicas de procriação medicamente assistida (PMA), em idades iguais ou
superiores a 37 anos. No outro extremo, idades inferiores a 35 anos podem ser compatíveis com uma atitude expectante, ou com o
recurso a terapêuticas médicas e/ou cirúrgicas. São os múltiplos os estudos realizados
que pretendem fundamentar e justificar quer
a atitude intervencionista, quer a abstencionista; esse facto, juntamente com as experiências muitas vezes contraditórias observadas
na prática clínica, não permitem definir uma
linha de actuação incontroversa28.
Há que ter em conta que, apesar de se admitir
uma idêntica eficácia de ambas as atitudes, os
casais inférteis aceitam quase sempre mal
uma postura não-intervencionista, quando
está diagnosticado um problema que pode
legitimamente ser responsabilizado pela sua
infertilidade.
Naturalmente que nas situações de infertilidade a ocorrência simultânea de outro, ou
outros factores associados obrigam a reequacionar a situação em termos distintos.
7.2.2. PROGESTATIVOS
Assentando o seu uso em mecanismos de
acção que têm subjacente a transformação
decidual dos focos de endometriose, são nisso comparáveis aos estroprogestativos. Contudo, quer efeitos colaterais quase irrelevantes como as hemorragias endometriais por
disrupção, quer outras manifestações subjectivas e objectivais menos bem toleradas
como problemas digestivos, o aumento de
peso, retenção hídrica, associadas à necessidade de altas doses para conseguir a manutenção da amenorreia, tornam menos aconselhável o seu uso.
Dos vários tipos de gestagénios disponíveis,
terá sido o acetato de medroxiprogesterona,
particularmente a sua forma de administração injectável, de efeito prolongado, a mais
utilizada. Se é certo que nestas situações se
conseguia uma efectiva e duradoura amenorreia, também não podem ser ignorados,
a par dos aspectos clínicos negativos já referidos, as alterações metabólicas graves nos
tratamentos de longa duração.
7.2.3. DANAZOL
Trata-se de um derivado da 17-A-etiniltestosterona introduzido na prática clínica por
Greenblatt31, e que historicamente é apontado como possuindo uma acção indutora de
uma pseudomenopausa, concepção só aceitável pela comprovada acção inibitória da
esteroidogénese ovárica, já que em simultâneo inibe também por acção hipotálamo-hipofisária a secreção de LH e FSH.
Nos primórdios foram os efeitos endócrinos
do danazol aqueles que conduziram a um uso
Endometriose
corrente com resultados positivos quer a nível da dor, quer no tratamento da infertilidade; resultados positivos minimizados porém,
pelos manifestações colaterais decorrentes
da sua acção simultaneamente androgénica
e anabolizante, como pele oleosa, acne, alterações da voz, associados a problemas metabólicos incidindo particularmente na alteração do perfil lipídico.
Mais tarde e, coincidindo temporalmente
com um melhor conhecimento das alterações imunológicas associadas à endometriose, veio a constatar-se também um papel importante do danazol a este nível, o
que veio reacender o interesse potencial do
seu uso terapêutico32,33 não apenas na endometriose, mas também numa série de
doenças auto-imunes.
De entre os efeitos relacionados com a endometriose podem destacar-se a diminuição dos níveis séricos de imunoglobulinas,
de C3, C4, de auto-anticorpos antifosfolípidos e ainda das concentrações de CA 12534,
bem como interleucina-1 e factor de necrose tumoral (TNF)35, além da supressão da citotoxicidade mediada pelos macrófagos e
monócitos em pacientes com endometriose mínima ou ligeira36.
Pessoalmente, tivemos uma longa e satisfatória experiência com o danazol durante
uma década, iniciando quase sempre a terapêutica com doses de 600 mg/dia até assegurar a instalação da amenorreia e, prosseguindo depois com 400 mg e por vezes até
com 200 mg/dia durante períodos de seis ou
nove meses, em doentes jovens. Raros foram
os casos com este esquema, que apresentaram manifestações colaterais, que obrigassem à suspensão do tratamento.
7.2.4. GESTRINONA
É um derivado da 19-nortestosterona com
propriedades androgénicas e simultaneamente antigonadotróficas, antiestrogénicas
e antiprogesterónicas, que acabam por determinar em função da dose utilizada, uma
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Desta opção terapêutica possuímos uma experiência francamente positiva com o seu
emprego no pós-operatório de processos
em que predominam os endometriomas
ováricos, associados no seu início a pílula a
um análogo de GnRH por um período não
superior a um mês.
7.2.5. AGONISTAS DA GNRH
Abstemo-nos de evocar os mecanismos pelos quais os agonistas conduzem a um estado de hipoestrogenismo de que decorre o
seu efeito terapêutico.
Embora seja referida na literatura uma tolerância comparável à do danazol ou dos progestativos, quando administrados isoladamente, não é essa a nossa experiência, pelo
que desde há muito os utilizamos exclusivamente em associação com estroprogestativos e, exclusivamente para favorecer a instalação da amenorreia.
Parece-nos particularmente útil, quando
este esquema é instituído cerca de duas
semanas antes de uma planeada intervenção cirúrgica destinada à realização de
quistectomia(s) de endometriomas ováricos. Não só é possível nestas condições
efectuar o estadiamento da doença, como
ainda não se estabeleceu a fibrose que poderia dificultar a dissecção.
Utilizando apenas uma injecção de uma das
diferentes apresentações de agonistas depot
consegue-se prosseguir a terapêutica com
estroprogestativos isoladamente com uma
redução significativa das hemorragias de
disrupção durante um período de mais 3-4
meses e sem o risco de provocar uma osteoporose inicial como vimos acontecer em casos de agonistas utilizados isoladamente38.
290
7.3. TRATAMENTO CIRÚRGICO
O tratamento cirúrgico modificou-se naturalmente ao longo dos tempos em função
de um melhor conhecimento do significado
dos diferentes tipos de lesões e sua evolução, bem como também dos recursos técnicos disponíveis, em particular nas últimas
décadas com a generalização da cirurgia laparoscópica, devendo nesta destacar-se as
diferentes formas de energia que lhe estão
associadas.
Antes da era laparoscópica, a cirurgia era essencialmente uma cirurgia amputadora: histerectomia mais ou menos alargada quando
já não estava em causa o potencial reprodutivo, anexectomias, ooforectomias ou quistectomias quando se tornava necessário preservar a fertilidade da mulher. Frequentemente
também lise de aderências, quando o objectivo era precisamente corrigir uma infertilidade
em que o processo de endometriose desempenhava um papel preponderante.
O conceito de que lesões mínimas ou ligeiras
podem por um lado ser reversíveis e não
evoluir obrigatoriamente para lesões mais
graves39,40, e que por outro podem estar associadas às formas infiltrativas profundas essencialmente ligadas à dor, representam um
ponto de viragem nas opções terapêuticas41.
Assim, nas formas mínimas e ligeiras, podendo não ser indispensável tratar cirurgicamente dado o seu carácter potencialmente
reversível, não deixa de ser aconselhável
destruir as lesões superficiais, se no decurso
de uma laparoscopia diagnóstica é possível
o recurso a uma vaporização laser, particularmente do tipo CO2. Trata-se de uma cirurgia «limpa», precisa, com limitada criação de
zonas de necrose e de potencial formação
de aderências; o mesmo não se poderá afirmar em rigor da coagulação mono ou mesmo bipolar. Ademais, foi possível demonstrar
que este tipo de actuação permitia melhorar
a fertilidade da mulher42.
Mais controverso é o papel destas lesões
no desencadear da dor, quando não estão
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amenorreia em 50-100% dos casos; para
além deste efeito parece actuar directamente a nível celular com inactivação e degenerescência dos focos de endometriose.
Dada a sua natureza, tem naturalmente
efeitos colaterais sobreponíveis, embora
aparentemente menos intensos, do que
os do danazol e uma semivida mais longa
o que possibilita a utilização em doses
mais espaçadas37.
A nossa experiência pessoal com a gestrinona tem sido muito escassa, pelo que não
possuímos uma opinião formada acerca dos
seus méritos e/ou deméritos.
Endometriose
tantes está hoje bem estabelecido que não
apenas se deve operar, como essa cirurgia
deve ser efectuada exclusivamente em centros possuindo equipas altamente diferenciadas e dotadas da mais sofisticada tecnologia. Admitir sempre nestes casos a eventual
necessidade de estender a cirurgia aos aparelhos urinário e digestivo.
7.4. ENDOMETRIOSE E TÉCNICAS DE PRO
CRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA
Existe uma controvérsia aparentemente infindável sobre este tema, a que na nossa
perspectiva tem faltado um pouco de saudável pragmatismo, que permita decidir também à margem das conclusões exclusivamente baseadas na evidência.
Afigura-se-nos que nos casos de endometriose mínima ou ligeira em que não foi
possível conseguir obter gravidez após terapêutica médica, complementada eventualmente com o recurso a inseminação intrauterina, se deve recorrer a FIV; por maioria
de razão, idêntica conduta deve ser preconizada, se a idade da mulher aquando do
estabelecimento do diagnóstico de infertilidade não é compatível com delongas que
inviabilizem em definitivo a resolução do
problema reprodutivo.
Nas formas moderadas e graves, o problema
deve equacionar-se de forma diferente e não
estaremos deslocados, se dissermos que a
questão nuclear nestes estádios se centra
primordial, para não dizer exclusivamente,
na conduta a assumir perante os endometriomas ováricos com a tentativa de encontrar uma resposta satisfatória para o grande
dilema: má qualidade eventual dos ovócitos
versus diminuição da resposta ovárica.
Duas publicações recentes abordam de uma
forma muito clara e interessante este tema,
pelo que ousamos fazer uma reprodução quase literal dos seus pressupostos e conclusões.
Assim, na primeira45 são citados os prós e os
contras da abordagem cirúrgica prévia dos
endometriomas nos seguintes termos:
291
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associadas a formas profundas. Assumindo
que pelo menos certas mulheres poderiam
apresentar um quadro álgico essencialmente ligado à inflamação, também essas situações poderiam justificar a opção cirúrgica,
embora controversa.
Controverso também é o tratamento cirúrgico dos endometriomas ováricos, particularmente quando o objectivo principal da
terapêutica é resolver um problema de infertilidade e mais ainda quando se admite
como muito provável o recurso a uma técnica de PMA. É que os resultados da cirurgia
laparoscópica dos endometriomas variam
entre os 23 e 67% de taxa de gravidez43, podendo uma tão grande discrepância ser explicada entre outras razões, pelas diferentes
características das pacientes, os critérios de
selecção, a duração do follow-up e a técnica
cirúrgica utilizada.
Um dado pode ser considerado adquirido
neste momento, salvo se tecnicamente for
inexequível: a quistectomia, pressupondo a
execução do designado stripping é o método de eleição, relegando definitivamente
para segundo plano a simples drenagem
com coagulação subsequente do leito44; esta
última ficaria reservada para os casos de pequenos endometriomas, muito aderentes e,
com elevado componente de fibrose.
Em que circunstâncias se pode considerar
indispensável o recurso à cirurgia?
Nas situações de infertilidade em que não
existam outros factores que levem a pensar
na necessidade de recurso à PMA e a idade da
doente o permitir, a opção cirúrgica parece
óbvia e os resultados compensadores (4050% de gravidezes em doentes jovens); a
grande polémica põe-se quando é forte a
probabilidade de recurso ulterior à PMA, tema
que abordaremos num capítulo específico.
Fora das situações de infertilidade e, sobretudo se foi ultrapassada a idade reprodutiva,
é inquestionável a indicação operatória, associada ou não a histerectomia.
Quanto à abordagem cirúrgica das formas
profundas, infiltrativas, fortemente incapaci-
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Capítulo 17
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— A favor: risco de abcesso pélvico, contaminação do conteúdo hemático, dificuldades na aspiração folicular, prevenção
da progressão da endometriose e detecção de degenerescência maligna.
— Contra: riscos cirúrgicos genéricos e específicos, diminuição significativa da reserva ovárica, acréscimo considerável
dos custos, falta de evidência de uma
melhoria dos resultados da FIV/ICSI.
Concluem os autores que se torna impossível no momento presente afirmar de uma
forma insofismável qual a melhor atitude,
embora admitam que não existem dados
que suportem a abordagem cirúrgica sistemática, prévia à fertilização extracorporal.
A outra publicação a que aludimos46 não se
afasta muito dos pressupostos referidos no
trabalho precedente e conclui sob uma forma
afirmativa/interrogativa: há uma premência
desesperada (sic) de estudos randomizados
que respondam às seguintes questões:
— O tratamento cirúrgico prévio aumenta o
sucesso das técnicas de PMA?
— Qual regime de estimulação faz correr o
menor risco de recorrência e/ou agravamento da doença?
Endometriose
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Capitulo XVII