Os distúrbios de aprendizagem e os distúrbios
específicos de leitura e da escrita
Jaime Luiz Zorzi
CEFAC
2004
Introdução
A noção de distúrbio de aprendizagem está diretamente ligada ao
desempenho acadêmico. É exatamente nesta situação escolar, de ensino
formalizado, baseado em programas e em controles, via procedimentos de
avaliação, que os problemas de aprendizagem podem mais claramente se
manifestar. Caracterizados por dificuldades principalmente na aquisição da
linguagem falada, da escrita e do cálculo, os distúrbios ou transtornos de
aprendizagem colocam-se como um grande desafio para a educação e para os
profissionais da área do desenvolvimento infantil, entre eles o fonoaudiólogo.
Um número muito elevado de crianças tem sido apontado como
apresentando dificuldades no processo de aprendizagem, principalmente da
língua escrita (ZORZI, 2000). Porém, esta situação não se restringe à realidade
brasileira, apresentando-se como um grande problema para os educadores de
todo o mundo. Mesmo em países mais desenvolvidos, como é o caso dos Estados
Unidos, estima-se que, no mínimo, 20 a 30% dos jovens estudantes têm
dificuldades acima da média para tal aprendizagem (LYON, 1999).
Em relação ao Brasil, como aponta Zorzi (2003), considerando-se dados
publicados pelo INEP (2002), uma população de mais de quarenta milhões de
crianças e jovens compõe o universo de estudantes freqüentando o ensino
elementar, que vai até a 8ª série. Deste total, cerca de vinte e cinco milhões estão
cursando o ensino fundamental de 1ª a 4ª série, em sua grande maioria atendida
pela rede escolar pública.
Considerando-se o desempenho escolar deste grande número de
estudantes, estima-se que cerca de 40%, ou mais, estão tendo dificuldades de
aprendizagem. Apesar de ser um índice muito alto, ele poderia ser atribuído às
adversidades das condições sociais e econômicas no Brasil. Todavia, o que é
mais agravante, os demais estudantes (60%), embora não sejam considerados
como portadores de dificuldades, estão apresentando, em sua maioria, um baixo
rendimento escolar.
Alguns destes dados vêm de encontro aos resultados de pesquisa realizada
por Zorzi et al (2004). Neste trabalho, a partir da análise de hábitos e atitudes de
268 escolares freqüentando desde a primeira até a quarta série de escolas da
rede particular de ensino da cidade de São Paulo, constatou-se que, deste total,
14,55% apresentavam o que pode ser considerado um perfil de leitor muito ativo;
38,08% possuíam características de leitor ativo e 47,39% um perfil de leitor pouco
ativo. Como a pesquisa aponta, quase a metade das crianças não possuía
atitudes e hábitos favoráveis em relação ao ato de ler. Chama ainda a atenção o
fato de que não se observou um efeito da escolaridade na formação de hábitos e
atitudes favoráveis ao longo das séries. Estes achados indicam que as atividades
escolares destinadas a desenvolver leitores não parecem ter sido efetivas, o que
se confirma pela tendência oposta, ou seja, o número de leitores pouco ativos
aumentou a partir da segunda série em vez de aumentar, como seria o esperado.
Estes fatos fundamentais a respeito de nossa realidade educacional levam-nos
a questionar o que estaria provocando esta situação que, dada sua configuração,
obriga a reflexões de natureza social, política, econômica e, como não poderia
deixar de ser, de ordem metodológica e de aprendizagem propriamente dita. Em
outras palavras, esse conjunto enorme de crianças apontadas como apresentando
dificuldades de aprendizagem está composto, em sua maioria, pelo que podemos
denominar pseudodistúrbios de aprendizagem ou dificuldades acadêmicas.
Mais especificamente, para podermos começar diferenciando os verdadeiros e
falsos distúrbios de aprendizagem, devemos inicialmente compreender que a
escola lida com crianças que poderiam ser encaixadas em categorias diversas.
Entre elas podemos apontar as seguintes (ZORZI, 2003a):
1. Aquelas
que
tiveram
a
oportunidade
de
constituir
conhecimentos
importantes a respeito da linguagem escrita por terem convivido, desde
muito cedo e em situação extra-escolar, com pessoas que lêem e escrevem
e terem tido acesso a textos escritos. Estas crianças, em geral,
principalmente a partir de situações reais e naturais de interação, foram, ao
longo do tempo, construindo noções significativas a respeito da escrita as
quais podem, em muito, facilitar o processo formal de aprendizado. Esta é a
categoria de crianças com maiores chances de sucesso frente às propostas
escolares para o ensino da leitura e da escrita. Entretanto, caberá à escola
a tarefa, nem sempre alcançada, de dar continuidade a este processo de
construção de conhecimentos formando pessoas realmente capazes de
fazer uso efetivo da leitura e da escrita.
2. Crianças que, embora tenham tido chances de interagir com a linguagem
escrita por viverem em ambientes nos quais esta forma de comunicação
está presente, não chegaram, principalmente por questões ligadas ao
interesse, a construir conhecimentos significativos. Temos podido observar
diferenças marcantes entre crianças, inclusive irmãos: enquanto alguns
desenvolvem alto interesse pela escrita e procuram informações cada vez
mais detalhadas sobre ela, outros não manifestam a mesma curiosidade,
como se ela não merecesse maior atenção. Isto nos leva a crer que, nem
sempre, a oportunidade garante a aprendizagem, mesmo quando o
aprendiz possa ter boas condições cognitivas e lingüísticas para tanto. O
desafio para as escolas, nestes casos, implicará também questões de
natureza motivacional, ou seja, como envolver, cognitiva e afetivamente,
uma criança com a leitura e com a escrita.
3. Crianças que, principalmente por viverem em condições sociais e
econômicas pouco favoráveis, acabam tendo muitas restrições em termos
de oportunidades para aprender fatos relativos à linguagem escrita. Não
podemos nos esquecer de que baixo nível de escolaridade, assim como o
analfabetismo, fazem parte de tal quadro. Embora uma criança que possa
ter boas condições de aprendizagem em geral, mas que sofre restrições
nas oportunidades para interagir com a linguagem escrita, assim como com
pessoas que dela fazem uso real, não terá como construir conhecimentos
sobre algo que, efetivamente, não faz parte de sua vida. Esta parece ser a
realidade de uma parcela significativa de crianças brasileiras cujo grande
problema não é a falta de capacidade para aprender, mas sim a ausência
de oportunidades para se tornar um aprendiz. Este grande conjunto de
crianças trará enormes desafios para a Educação principalmente tendo em
vista os recursos e métodos tradicionalmente empregados para a
alfabetização e as concepções de aprendizagem e desenvolvimento que
estão por detrás deles. A maior parte destas crianças está destinada ao
fracasso escolar e irá compor as estatísticas superiores a 40% de alunos
com dificuldades de aprendizagem, de uma grande porcentagem daqueles
com baixo rendimento escolar, de reprovações, daqueles com defasagem
entre a idade e a série, dos que estão em programas de aceleração escolar
e até mesmo daqueles que um dia acabarão abandonando a escola. Se
bem que tais crianças tendam a ser taxadas como portadoras de distúrbios
de aprendizagem estamos, na realidade, frente ao que podemos chamar de
“pseudodistúrbios”. Para podermos afirmar que alguém tem dificuldade de
aprendizagem precisaríamos garantir a existência de condições e
oportunidades efetivas para que a aprendizagem pudesse ter ocorrido
(ZORZI, 2003b). Caberá à escola, nestes inúmeros casos, o papel principal
e muitas vezes até mesmo único, de mediador entre a criança e a
linguagem escrita. Para tanto, a escola deverá ajustar suas propostas a
uma população que, apesar de capaz de aprender, precisa ser considerada
em suas verdadeiras particularidades.
4. Crianças com graus variáveis de reais dificuldades de aprendizagem.
porque apresentam alterações de alguma ordem em seu desenvolvimento,
como é o caso das deficiências sensoriais, da deficiência mental, dos
distúrbios motores, dos distúrbios neurológicos e comportamentais. Estas
são crianças consideradas como tendo necessidades educativas especiais,
para as quais muitas vezes estão destinadas escolas exclusivamente
especializadas ou classes especiais de escolas regulares. De acordo com
dados do INEP (2002) esta população corresponde a cerca de 8% dos
alunos.
Deve-se ainda considerar aqueles que estão participando de
programas de inclusão, ou seja, freqüentando classes comuns de escolas
regulares e que, segundo a mesma fonte, não passam de 0,10%.
5. Devemos ainda acrescentar aquelas crianças que, embora não se
encaixem nas categorias anteriores de deficiências mais conhecidas e
abrangentes, também apresentam dificuldades para aprender a ler,
escrever e realizar cálculos, caracterizando os chamados transtornos (ou
distúrbios) de aprendizagem propriamente ditos e que chegariam a até 10%
da população escolar (GIACHETI, 2002; GARCIA, 2003). Para ambos os
casos, a escola necessita ter recursos diferenciados e professores bem
preparados para poderem desenvolver propostas de ensino para estas
categorias de aprendizes.
A princípio, estas duas últimas categorias (4 e 5) deveriam ser os maiores
desafios para a educação e para os profissionais que trabalham com problemas
ligados ao desenvolvimento infantil (fonoaudiólogos, psicopedagogos, psicólogos,
médicos), uma vez que, de fato, referem-se a crianças portadoras de alguma
limitação que dificulta, em maior ou menor grau, as possibilidades de
aprendizagem. Entretanto, se somarmos o total que elas representam (cerca de
18%), estaremos muito longe da porcentagem de alunos apontados como
apresentando problemas de aprendizagem (mais de 40%) e mais distante, ainda,
do total de alunos apresentando baixo desempenho escolar, que corresponde à
maioria.
Como foi apontado, predominam nestes problemas, que configuram os
diversos tipos de distúrbios de aprendizagem, dificuldades relativas ao
desenvolvimento da linguagem, muitas vezes no plano da oralidade e,
invariavelmente, no que diz respeito ao domínio da leitura e da escrita. Estamos
falando, portanto, do desenvolvimento de habilidades lingüísticas fundamentais
para que o processo de escolarização, de uma forma geral, possa ser garantido:
aprender a linguagem para poder aprender pela linguagem. Este é um princípio
fundamental da educação. Neste sentido, o fonoaudiólogo, na condição de
profissional voltado para questões relativas à aquisição e desenvolvimento da
comunicação tendo em vista promover a prevenção, o diagnóstico e a intervenção
nos distúrbios da linguagem, oral e escrita, deveria ter, inerente à sua atuação,
uma dedicação muito especial e uma atenção bastante diferenciada para
problemas como os que foram até aqui descritos. Dada a dimensão destes
problemas que já atingem um caráter de ordem social, seu trabalho deve ir além
de questões de natureza clínica e voltar-se para uma atuação com uma
perspectiva educacional, desenvolvimentista (ZORZI, 2003a), integrado em
equipes pedagógicas para a elaboração de programas e para a capacitação de
professores.
O objetivo deste texto é o de abordar os chamados distúrbios ou transtornos da
aprendizagem propriamente ditos, procurando colaborar para sua melhor
compreensão, diagnóstico e propostas de intervenção, tanto do ponto de vista
clínico quanto escolar.
Mais especificamente, procuraremos diferenciar os
transtornos caracterizados como distúrbios de aprendizagem e os distúrbios
específicos da linguagem escrita das demais dificuldades encontradas no âmbito
escolar.
Toda dificuldade para aprender configura um distúrbio de aprendizagem?
Como tem sido pontuado, os problemas relativos à aprendizagem
manifestam-se fundamentalmente em situações mais formais de ensino,
principalmente no ambiente escolar e se refletem, em geral, na diminuição do
desempenho acadêmico, principalmente na área da linguagem escrita e do
cálculo, podendo levar até mesmo ao completo fracasso escolar. Embora a
resultante possa ser a mesma, ou seja, a criança não está aprendendo de acordo
com o que se espera, muitas podem ser as razões que podem provocar esta
situação. Podemos ter problemas de natureza emocional, metodológica,
motivacional, social/econômica, a presença de transtornos mais globais,
dificuldades ou dúvidas pontuais de natureza meramente acadêmica, entre outros
que poderíamos nos lembrar.
De forma generalizada têm-se aplicado o termo distúrbio de aprendizagem,
de modo indiscriminado, para uma grande variedade de casos, sempre com a
conotação de que o problema está centrado em quem aprende quando, muitas
vezes, ele pode ser de ordem pedagógica/metodológica. Algumas considerações
fundamentais devem ser feitas para que possamos compreender melhor o
universo confuso dos chamados “distúrbios de aprendizagem”:
1. Em primeiro lugar podemos começar falando das questões de ordem
motivacional que dizem respeito ao envolvimento cognitivo/afetivo com a
aprendizagem, principalmente de natureza escolar. Muitas crianças com
um potencial de aprendizagem favorável podem apresentar baixo
desempenho acadêmico pelo fato de não verem razão para investir naquilo
que a escola e/ou a família apresentam como importante. São crianças cuja
motivação não está orientada para o sucesso acadêmico. Não se pode
esperar as mesmas habilidades em leitura e escrita em uma criança para a
qual estes atos podem estar até mesmo carregados de prazer quando
comparada com outra que encara tais atividades como obrigação escolar
desprovida de qualquer sentido ou função pessoal. Aqui não há um
distúrbio de aprendizagem propriamente dito.
2. Muitas vezes podemos estar frente a dificuldades pontuais que revelam
dúvidas específicas e não um transtorno de aprendizagem. Por exemplo,
pode não estar muito claro para uma criança que um mesmo som pode ser
escrito por muitas letras ou que uma mesma letra pode representar vários
sons, dependendo da vogal que a acompanha. Esta falta de informação
pode levar a erros ortográficos específicos os quais podem ser superados
assim que o conhecimento necessário seja a ela oferecido. Outras crianças
podem ter problemas, ou dúvidas, acerca de alguma operação aritmética,
não por uma dificuldade intrínseca em lidar com números, mas como
resultado até mesmo de explicações insuficientes ou insatisfatórias por
parte da escola.
3. Transtornos emocionais primários, como a ansiedade, a depressão, as
fobias e psicoses, podem trazer desequilíbrios tanto no plano relacional
quanto acadêmico. Nestes casos, as dificuldades para aprender podem ser
consideradas secundárias a um problema de base, de natureza afetiva, e
não um distúrbio de aprendizagem como tal.
4. Transtornos mais globais do desenvolvimento que podem afetar aspectos
cognitivos, sociais/relacionais, comunicativos e motores, como é o caso das
deficiências mentais, do autismo, de alterações de natureza sindrômica e
de déficits neurológicos variados tendem, freqüentemente, a comprometer
a aprendizagem. Dificuldades na alfabetização, no domínio do cálculo e
desempenho inferior em várias matérias escolares são comuns. Também
nestes casos, os problemas de aprendizagem, embora presentes e
podendo ser acentuados, são secundários a transtornos mais gerais e não
caracterizam os distúrbios de aprendizagem propriamente ditos. O mesmo
se aplica às dificuldades decorrentes de transtornos sensoriais, como no
caso das deficiências auditivas e visuais. Os problemas de aprendizagem
aqui encontrados também são considerados secundários ou derivados.
5. Enquanto podemos ter crianças que não aprendem por apresentarem
dificuldades ou mesmo falta de interesse, também nos deparamos com
outras cujo problema reside, fundamentalmente, na falta de oportunidades
para aprender e não em suas capacidades para tanto. Como pudemos
anteriormente salientar encontramos, em nosso meio, um número muito
grande de crianças que não tem tido oportunidades suficientes ou
sistemáticas
para
poderem
desenvolver
determinados
tipos
de
conhecimentos que terão alta demanda na situação escolar, principalmente
em termos de experiências extra-acadêmicas relativas à leitura e à escrita.
6. Há de se considerar, ainda, a forte influência que a própria escola exerce
sobre a aprendizagem na medida em que pode criar situações favoráveis
ou desfavoráveis para tanto. As propostas pedagógicas podem ser
atraentes ou não para os alunos, podem ser motivadoras ou até mesmo
afastarem o interesse da criança. Elas podem ser eficientes e adequadas
do ponto de vista de facilitarem o processo de aprendizagem ou podem
carecer de qualquer princípio neste sentido, resultando em baixo índice de
retorno. Nestes casos, embora o não aprender manifeste-se no aluno, não
podemos falar em dificuldades ou distúrbios de aprendizagem e sim numa
insuficiência do ensino.
Caracterizando os distúrbios de aprendizagem propriamente ditos
Definir, de fato, o que corresponde a tal classe de problemas não é uma
tarefa fácil conforme podemos verificar pela definição do próprio National Joint
Comittee of Learning Disabilities
(1980) segundo o qual o Distúrbio de
Aprendizagem corresponde a “um termo genérico que se refere a um grupo
heterogêneo de transtornos que se manifesta por dificuldades significativas na
aquisição e uso de habilidades para ouvir, falar, ler, escrever e realizar cálculos
matemáticos.
Embora
o
distúrbio
de
aprendizagem
possa
ocorrer
concomitantemente com outras condições deficitárias (como distúrbios sensoriais,
deficiência mental, distúrbios sociais e emocionais), ou influências ambientais
(diferenças culturais, instrução insuficiente ou inapropriada), não é resultado direto
de tais condições ou influências.” Presume-se que tais transtornos são devidos a
uma disfunção do sistema nervoso central resultando de fatores como diferenças
anatômicas, genéticas, atraso neuromaturacional, desequilíbrio neuroquímico ou
metabólico e severa deficiência nutricional (HARRIS e HODGES, 1995)
Neste sentido, de acordo com Gonçalves (2003), a aplicação do modelo
neuropsicológico aos distúrbios de aprendizagem considera que eles constituem a
expressão de uma disfunção cerebral específica, causada por fatores genéticos ou
ambientais que alteram o neurodesenvolvimento. Relata, ainda, cinco sistemas
funcionais relacionados com funções cognitivas, conforme descreve Pennington
(1991, apud GONÇALVES, 2003):
1. Região perisilviana esquerda: responsável por funções ligadas ao
processamento fonológico, sendo que sua disfunção ocasionará transtornos
disléxicos.
2. Area do hipocampo e amígdalas de ambos os hemisférios: mantem relação
com a memória de longo prazo levando a transtornos mnésicos no caso de
alterações.
3. Região posterior do hemisfério cerebral direito: desempenha uma função
cognitiva espacial. Alterações desta área levam à síndrome de disfunção
hemisférica direita, com sintomas de déficit visuo-espacial, discalculia e
disgrafia.
4. Região anterior do hemisfério cerebral direito: a região do sistema límbico e
a região órbito-frontal do hemisfério direito têm função cognitiva social.
Disfunções nesta área produzem alterações comportamentais de gravidade
variada e com expressão mais grave nos quadros autísticos.
5. Lobo pré-frontal: desempenha função de planejamento e execução motora.
As alterações desta área produzem a síndrome disexecutiva com prejuízo
da atenção e da iniciativa, déficits nos processos de planejamento e
antecipação, assim como dificuldades nas abstrações .
Por outro lado, deve ser apontado que, conforme Ciasca (2003), as
dificuldades relativas ao aprendizado escolar podem atingir de 5 a 20% da
população escolar, em países desenvolvidos. Entretanto, somente 7% teriam
algum tipo de disfunção neurológica, sendo 5% com sinais neurológicos leves e
2% com disfunções graves.
Considerando-se
o
DSM-IV,
Manual
Diagnóstico
e
Estatístico
de
Transtornos Mentais (APA, 1994), vemos que os transtornos de aprendizagem são
definidos como “Transtornos das Habilidades Escolares” e incluem os Transtornos
de Leitura, Transtornos da Matemática, Transtornos da Expressão Escrita e
Transtornos da Aprendizagem sem outra Especificação.
Ainda, segundo o DSM-IV (APA, 1994), os “Transtornos de Aprendizagem
sem outra Especificação” dizem respeito aos “Transtornos de Aprendizagem que
não satisfazem os critérios para qualquer Transtorno da Aprendizagem Específico,
podendo incluir problemas em todas as três áreas (leitura, matemática, expressão
escrita) que, juntos, interferem significativamente no rendimento escolar, embora o
desempenho nos testes que medem cada habilidade isoladamente não esteja
acentuadamente abaixo do nível esperado, considerando a idade cronológica, a
inteligência medida e a escolaridade apropriada à idade do indivíduo.”
De acordo com o CID-10 (1999), os distúrbios de aprendizagem são
definidos com “Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades
Escolares”, sendo que correspondem a “Transtornos nos quais as modalidades
habituais de aprendizado estão alteradas desde as primeiras etapas do
desenvolvimento. O comprometimento não é somente a conseqüência da falta de
oportunidade de aprendizagem ou de um retardo mental, e ele não é devido a um
traumatismo ou doença cerebrais.” Aponta os seguintes problemas nesta
categoria: Transtorno Específico de Leitura (Dislexia); Transtorno Específico de
Soletração; Transtorno Específico da Habilidade em Aritmética; Transtorno Misto
de
Habilidades
Escolares;
Outros
Transtornos
do
Desenvolvimento
das
Habilidades Escolares e o Transtorno não Especificado do Desenvolvimento das
Habilidades Escolares.
Consultando o site www.schwablearning.org mantido por Charles and Helen
Schwab
Foundation
(http://www.schwablearning.org/articles.asp?r=25&g=1),
organização voltada para a orientação e ajuda de pessoas que apresentam
distúrbios de aprendizagem, encontramos os seguintes dados que, no geral, vão
de encontro às definições anteriores:
O que é um Distúrbio de Aprendizagem? (Learning Disability)
O Distúrbio de Aprendizagem afeta o modo pelo qual crianças com inteligência
média, ou acima da média, recebem, processam ou expressam informações e que
se mantém por toda a vida. Isto prejudica a habilidade para aprender habilidades
básicas em leitura, escrita ou matemática. A Coordinated Campaign for Learning
Disabilities (CCLD), uma coalizão de organizações nacionais ligadas aos distúrbios
de aprendizagem, define-os como “uma desordem neurobiológica na qual o
cérebro da pessoa trabalha ou é estruturado de uma maneira diferente.”
O que o Distúrbio de Aprendizagem não é
•
Déficit de atenção, tal como o Transtorno do Déficit de
Atenção/Hiperatividade (TDAH). Distúrbios de aprendizagem e TDAH
freqüentemente ocorrem ao mesmo tempo, mas não são a mesma coisa.
•
Distúrbio de aprendizagem não é a mesma coisa que deficiência ou retardo
mental, autismo, deficiência auditiva ou visual, deficiência física, distúrbio
emocional ou o processo normal de aquisição de uma segunda língua.
•
Distúrbios de aprendizagem não são causados por falta de oportunidade
educacional como trocas freqüentes de escolas, por faltas constantes às
aulas ou falhas no ensino das habilidades básicas.
Quais as manifestações?
Muitas vezes os transtornos de aprendizagem estão acompanhados de falta de
motivação, imaturidade e problemas comportamentais. Porém, caso a criança
apresente dificuldades significativas e mais duráveis em termos das habilidades
básicas de leitura, escrita e aritmética, o problema deve ser um distúrbio de
aprendizagem.
Algumas características:
Fase pré-escolar
•
Começa a falar mais tarde do que a maioria das crianças
•
Tem dificuldades para encontrar as palavras apropriadas em situação de
conversação
•
Tem dificuldades para nomear rapidamente palavras de uma determinada
categoria
•
Apresenta dificuldades com rimas
•
Tem problemas para aprender o alfabeto, dias da semana, cores, forma e
números
•
É extremamente agitada e facilmente se distrai
•
Dificuldades para seguir ordens e rotinas
Fase escolar inicial
•
Demora para aprender as relações entre letras e sons
•
Dificuldades para sintetizar os sons e formar palavras
•
Faz erros consistentes de leitura e de ortografia
•
Dificuldades para relembrar seqüências e para dizer as horas
•
Lentidão para aprender novas habilidades
•
Dificuldades em termos de planejamento
Fase escolar – séries mais avançadas
•
Lentidão para aprender prefixos, sufixos, rota lexical e outras estratégias de
leitura
•
Evita leitura em voz alta
•
Dificuldades com os enunciados de problemas em matemática
•
Soletra a mesma palavra de modos diferentes
•
Evita tarefas envolvendo leitura e escrita
•
Dificuldades para lembrar ou compreender o que foi lido
•
Trabalha lentamente
•
Dificuldades para compreender e/ou generalizar conceitos
•
Confusões em termos de endereços e informações
Distúrbios de aprendizagem e distúrbios específicos da linguagem escrita
(dislexias)
Vale a pena chamar a atenção para o fato de que tanto o DSM-IV quanto o
CID-10 apontam, em suas definições, para a situação (local) na qual os distúrbios
de aprendizagem, via de regra, se manifestam com maior clareza, que é a escola:
“Transtornos
das
Habilidades
Escolares”
e
“Transtornos
Específicos
do
Desenvolvimento das Habilidades Escolares”, respectivamente, sinalizam para o
ambiente escolar como o palco predileto para sua exibição.
A sintomatologia
acima apresentada, assim como o fato de habilidades orais estarem envolvidas
mostra, por outro lado, que tais problemas podem começar a se manifestar antes
mesmo da escolarização formal. De fato, embora os transtornos de aprendizagem
se tornem mais visíveis na situação de ensino, isto não significa que tenham se
iniciado neste período. Como reafirma Giacheti (2002), os problemas de
aprendizagem estão relacionados com o desenvolvimento da linguagem,
principalmente de certos aspectos que são fundamentais para o desenvolvimento
da expressão e da compreensão da linguagem falada e do processamento de
informações. Assim sendo, problemas na aquisição da linguagem oral podem ser
a primeira manifestação de distúrbios de aprendizagem e que poderão, mais
tarde, vir a comprometer o aprendizado da leitura, da escrita e do raciocínio lógicomatemático. Os distúrbios da aprendizagem, portanto, independem da idade
cronológica e do fato de a criança freqüentar ou não uma escola.
Também fica evidenciado que, nestas categorias amplas e heterogêneas de
transtornos, estão incluídas as dislexias como distúrbios específicos da linguagem
escrita: “...dificuldades significativas na aquisição e uso de habilidades para ... ler,
escrever...” (Joint Comittee of Learning Disabilities); “Transtornos de Leitura” e
“Transtornos da Expressão Escrita” (DSM-IV); “Transtorno Específico de Leitura”
e “Transtorno Específico de Soletração” (CID-10). Nestes casos, a Dislexia tende
a ser considerada como Transtornos de Leitura ou Transtornos Específicos de
Leitura, fazendo parte de tais quadros de distúrbios de aprendizagem.
Por outro lado, apesar das dificuldades neste sentido, existem tentativas de
diferenciar os distúrbios de aprendizagem dos distúrbios específicos da leitura e
da escrita, ou dislexias. Uma das formas que podem ser empregadas para tanto
diz respeito ao histórico de desenvolvimento da criança, no qual pode ser
identificado quando os problemas surgiram e de que tipo eram, assim como a
dimensão ou extensão dos transtornos encontrados: já presentes, desde cedo, na
aquisição da linguagem oral e antecedendo qualquer escolarização ou
manifestando-se somente na área da leitura e da escrita, a partir da alfabetização.
Para tal distinção, os seguintes critérios podem ser considerados (GIACHETI,
2002; CAPPELLINI e SALGADO, 2003):
1. O Distúrbio de aprendizagem é tido como uma problemática mais específica,
associada
à
presença
de
uma
disfunção
neurológica,
apresentando
características como:
•
Distúrbio fonológico;
•
Falhas em habilidades sintáticas, semânticas e pragmáticas;
•
Histórico revelando quadro de distúrbio de linguagem anterior à
escolarização;
•
Habilidade para realizar narrativas comprometida para contagem e
recontagem de histórias;
•
Falhas nas funções receptivas e ou expressivas;
•
Alteração no processamento de informações auditivas e visuais;
•
O processo de desenvolvimento da aprendizagem está comprometido
desde os primeiros anos de vida, manifestando-se principalmente na
linguagem;
•
Tais transtornos, que antecedem a alfabetização, irão afetar diretamente
o aprendizado da leitura, da escrita e da aritmética, podendo
comprometer o desempenho acadêmico como um todo.
•
Dificuldades nas relações espaço temporais
•
Problemas na aquisição de estratégias para aprender: falta de
organização e utilização de funções metacognitivas.
2. Nos casos de Distúrbios Específicos de Leitura e Escrita (ou Dislexias), o
processo de desenvolvimento inicial da criança não revela alterações.
Dificuldades significativas começarão a surgir no aprendizado da leituraescrita, desde o início do processo de alfabetização. Algumas características
descritas:
•
Dificuldades na correspondência som-letra, gerando prejuízos para a
escrita e para a leitura;
•
Nível de leitura encontra-se abaixo do esperado para a escolaridade
•
Ausência de problemas neurológicos, cognitivos, sensoriais, emocionais
e educacionais primários que possam justificar as dificuldades;
•
Habilidades sintáticas, semânticas e pragmáticas da linguagem oral
estão preservadas, sendo que problema está centrado na linguagem
escrita;
•
Por outro lado, habilidades fonológicas, a elaboração de narrativas
(recontagem), a função expressiva e o processamento de informações
podem apresentar comprometimentos como os observados nos
distúrbios de aprendizagem.
Para Catts e Kahmi (1999) a dislexia corresponde a um distúrbio de
desenvolvimento da linguagem, marcado por um déficit no processamento
fonológico, o qual seria o responsável pelas dificuldades na decodificação e
correspondência entre letras e sons.
Dificuldades de compreensão de textos,
nestes casos, derivariam das limitações na decodificação. Por outro lado, esses
mesmos textos, caso apresentados oralmente, poderiam ser bem compreendidos,
revelando que os aspectos semânticos estão preservados.
Procurando diferenciar diversas alterações que podem ser encontradas,
Catts, Fey e Tomblin (apud SANTOS e NAVAS, 2002) afirmam que pode haver
distúrbios de leitura e escrita que vão além do processamento fonológico,
comprometendo o vocabulário, a morfossintaxe e a própria compreensão do texto.
Embora fiquem mais visíveis na época da alfabetização, tais transtornos podem já
estar presentes desde muito cedo na vida da criança, com limitações até mesmo
na compreensão oral. Nestes casos, o que está sendo descrito como distúrbios de
leitura e escrita parece corresponder à categoria dos transtornos ou distúrbios de
aprendizagem uma vez que configuram problemas que vão além do domínio
específico de aprender a ler e a escrever, com prejuízos em vários aspectos da
linguagem, tanto oral quanto escrita. De acordo com Stanovich (2000), é como se
houvesse um contínuo que parte da dislexia para o distúrbio de leitura e escrita,
mais precisamente, saindo de uma dificuldade localizada no processamento
fonológico
e
caminhando
na
direção
de
alterações
mais
gerais
no
desenvolvimento da linguagem.
Há de se considerar, neste sentido, que diferenciações precisas podem
representar, na prática, um grande desafio, ou até mesmo uma impossibilidade.
Kaplan et al. (2001), analisando a questão da sobreposição de problemas de
desenvolvimento e aprendizagem, encontram uma alta comorbidade em vários
dos transtornos: dificuldades em leitura ou dislexia; déficits de atenção e
hiperatividade / impulsividade; transtornos do desenvolvimento da coordenação;
transtornos de conduta; depressão e ansiedade. Em relação aos déficits de
atenção e hiperatividade, por exemplo, somente 20% dos casos são puros, com
cerca de 80% de sobreposição de dois, três ou mais dos distúrbios relatados.
Quanto às dificuldades de leitura (dislexia), somente 48,4% seriam puros, com
uma sobreposição de 51,6% de casos com dois, três ou mais transtornos
manifestando-se ao mesmo tempo. Frente a esta situação de co-ocorrência
(comorbidades), os autores propõem, para estes casos, o conceito de
“desenvolvimento cerebral atípico” para dar conta de uma realidade muito mais
complexa do que os casos de diagnósticos considerados “puros”.
A avaliação fonoaudiológica
Em várias oportunidades apontou-se para o fato de que os distúrbios e
demais dificuldades de aprendizagem surgem, ou manifestam-se com mais
nitidez, principalmente dentro da situação escolar. Os problemas que a criança
apresenta para ler e escrever podem vir a motivar sua indicação, por parte da
escola, para profissionais voltados para os distúrbios de aprendizagem, entre eles
o fonoaudiólogo. Esta é uma situação muito freqüente.
Por esta razão, a queixa vem geralmente centrada na questão da leitura e
da escrita. Entretanto, devemos nos lembrar que certos transtornos do
desenvolvimento, incluindo os de aprendizagem, podem já estarem presentes
antes mesmo da alfabetização. Isto pode significar que as dificuldades que se
manifestam na linguagem escrita podem ser decorrentes de um transtorno global
do desenvolvimento, como é o caso de uma deficiência mental, podem ser
derivadas de um distúrbio de aprendizagem propriamente dito, podem
corresponder a um distúrbio específico de leitura e escrita (dislexia) ou podem,
simplesmente, estarem relacionadas a fatores de ordem motivacional, emocional,
metodológica, social e assim por diante.
Para responder a esta diversidade de situações e possibilidades, a
avaliação fonoaudiológica deve ter uma abrangência no sentido de considerar
uma série de variáveis: o rol das dificuldades, ou seja se estão limitadas à
linguagem escrita ou se também afetam a oralidade, e em que aspectos;
condições sócio-econômicas; oportunidades de aprendizagem; qualidade do
ensino a que a criança está exposta; características gerais de aprendizagem,
principalmente não acadêmica; diversidade das dificuldades observadas na
escola, assim como características comportamentais/afetivas. Em outras palavras,
a queixa deve orientar o exame, mas não limitar sua extensão ou abrangência.
Em linhas gerais, um procedimento de avaliação fonoaudiológica deve ter
como seu foco central o levantamento da história da criança e a análise de uma
série de habilidades de linguagem oral e escrita. Mais especificamente:
1. Anamnese ou Histórico do paciente: esta situação permite a obtenção de vários
dados de fundamental importância, entre eles as características gerais da criança,
aspectos familiares, possíveis problemas enfrentados ao longo de sua vida,
incluindo a possibilidade do aparecimento de problemas já no nível da linguagem
oral.
2. Avaliação propriamente dita:
2.1. Linguagem oral
•
Compreensão / reprodução de fatos narrados oralmente
•
Características da fala
•
Vocabulário
•
Construção de narrativas a partir da ordenação de figuras: além de permitir
a
verificação
de
aspectos
lingüísticos
propriamente
ditos
(fala,
morfossintaxe, léxico e pragmática) também possibilita a análise da
compreensão não verbal e o estabelecimento de relações lógico-temporais
entre os fatos.
2.2. Linguagem Escrita
Leitura
•
Palavras: familiares, não familiares e pseudo-palavras, as quais permitem
verificar possíveis estratégias de leitura empregadas pela criança
•
Frases: possibilitam a verificação da leitura, estratégias de decodificação,
velocidade de leitura e também a compreensão do conteúdo
•
Textos: além da compreensão, também permitem verificar aspectos
relacionados à leitura
Escrita
•
Ditado de palavras: para verificar domínio da ortografia
•
Elaboração de textos narrativos: com a finalidade de analisar aspectos
lexicais, sintáticos, de estruturação da narrativa assim como elementos
ligados à coesão e coerência textuais
2.3. Aspectos relacionados à consciência fonológica: habilidades para
segmentar e manipular unidades sonoras das palavras, ao nível da sílaba e do
fonema.
2.4. Avaliação audiológica
Estes
são
alguns
dos
aspectos
que
podemos
considerar
como
preponderantes para a compreensão do tipo de problema e da extensão que
ele pode apresentar no domínio da linguagem oral e escrita. Por outro lado,
como vimos, as dificuldades de aprendizagem de maneira geral não se limitam
somente a aspectos da linguagem podendo relacionar-se a questões de ordem
comportamental, afetiva, neurológica, social e assim por diante. Isto significa
que, idealmente, o procedimento de avaliação e diagnóstico deveria envolver
profissionais de várias áreas do desenvolvimento infantil, como psicólogos
médicos e psicopedagogos, além de fonoaudiólogos. Convém salientar que,
considerando-se que o transtornos da linguagem estão sempre presentes nas
alterações da aprendizagem, a avaliação fonoaudiológica desempenha um
papel central neste conjunto de exames que podem levar ao diagnóstico e à
definição das condutas terapêuticas.
A intervenção terapêutica
Uma vez detectado e delineado um problema, ele deve ser abordado ou
tratado. Não há uma forma única de intervenção, uma vez que os tipos de
problemas, assim como a extensão dos mesmos pode ser variada. Devemos estar
atentos para não transformar questões de natureza social/econômica ou
pedagógica em questões clínicas, centradas nas crianças. O fato de um problema
manifestar-se na criança na forma de um não aprender não significa,
obrigatoriamente, que o problema esteja no aprendiz. Embora nem sempre se
apresentem de uma maneira pura, os reais problemas de aprendizagem são
aqueles que justificam uma intervenção clínica por refletirem dificuldades
centradas no aprendiz e não simplesmente nele manifestadas.
Considerando os verdadeiros transtornos que podem prejudicar a
aprendizagem, podemos configurar, em primeiro lugar, aqueles que são
conseqüência ou que fazem parte de distúrbios mais globais do desenvolvimento,
como é o caso da deficiência mental, do autismo ou de outras complicações de
origem neurológica. Nestes casos, de comprometimentos de várias áreas do
desenvolvimento, a intervenção deve estar voltada para uma estimulação mais
ampla, envolvendo aspectos de linguagem tanto do ponto de vista da
compreensão quanto da expressão, oral e escrita, do uso da linguagem e da
formação de conceitos. O trabalho com o desenvolvimento da consciência
fonológica deve ser visto como mais um dos aspectos, dentre os muitos a serem
estimulados. A intervenção, desta forma, tendo em vista uma estimulação global,
deve levar em conta, quanto aos resultados possíveis, a extensão e a
profundidade
das
limitações
encontradas.
Algumas
crianças,
com
comprometimentos mais acentuados, apresentam certos níveis de problemas que
podem dificultar, em muito, a aprendizagem da linguagem escrita, assim como o
desempenho escolar em geral.
Os distúrbios de aprendizagem, apesar do nível de inteligência preservado,
também podem requerer uma estimulação com características mais amplas,
englobando a linguagem compreensiva e expressiva, oral e escrita, a formação de
conceitos numéricos e o desenvolvimento de habilidades metalingüísticas, como a
consciência fonológica.
Por outro lado, os distúrbios específicos da linguagem escrita (dislexias),
pelo seu caráter mais definido e pontual, requerem grande ênfase em habilidades
metalingüísticas (consciência fonológica) e no refinamento de habilidades
fonológicas, voltadas para a correção de possíveis alterações nesta área. Deve
ser dado um enfoque acentuado em leitura, visando estabilizar primeiramente a
rota
fonológica
(correspondências
entre
letras
e
sons),
facilitando
o
reconhecimento de palavras e o desenvolvimento progressivo de um léxico visual.
A compreensão de leitura também merece atenção uma vez que as dificuldades
de decodificação podem trazer prejuízos neste sentido. Do ponto de vista da
escrita, a elaboração de narrativas e o trabalho com a ortografia são dois aspectos
que geralmente necessitam ser bastante enfatizados.
Quadro síntese dos aspectos cognitivos e de linguagem a serem estimulados nos
casos de transtornos globais do desenvolvimento, distúrbios de aprendizagem e
distúrbios específicos de leitura/escrita
Distúrbios de
Distúrbios
Transtornos
aprendizagem
específicos
globais do
Aspectos a serem
de
desenvolvimento
trabalhados
leitura/escrita
(dislexias)
Compreensão oral
sim
sim
Aspectos morfossintáticos
sim
Sim
orais
Aspectos
sim
Sim
lexicais/semânticos orais
Sim
sim
Sim
Aspectos fonológicos (no
caso da presença de
alterações)
Aspectos pragmáticos orais
sim
Se houver
comprometimento
Sim
Aspectos cognitivos globais
ligados à formação de
conceitos em geral
sim
Sim
Aspectos
cognitivos
específicos, como o cálculo
e noções espaciais
Habilidades
sim
sim
Sim
metalingüísticas
sim
sim
Sim
Leitura: habilidades de
decodificação/identificação
de palavras
Leitura: compreensão
sim
sim
Sim
Escrita: elaboração de
sim
sim
Sim
textos
sim
sim
Sim
Ortografia
/
correspondência
entre
letras e sons
pontuação
sim
sim
Sim
sim
sim
sim
Trabalho
em
níveis
anteriores
e
mais
elementares de letramento
caso a criança não tenha
chegado
à
etapa
alfabética*
* Deve-se considerar que muitas dessas crianças, independentemente do tipo de
transtorno que apresentem, podem não ter alcançado, ainda, um nível alfabético
de escrita, requerendo uma abordagem que progressivamente possa levar à
descoberta e compreensão das relações entre letras e sons. Uma referência útil
neste sentido corresponde aos chamados níveis pré-silábico, silábico, silábicoalfabético e alfabético de aprendizagem da escrita.
Em síntese, o propósito deste capítulo foi o de apresentar a complexidade
de fatores e condições que envolvem as definições dos transtornos que podem
prejudicar a aprendizagem. Inicialmente o enfoque dirigiu-se para caracterizar os
possíveis perfis de crianças que chegam à escola e os possíveis desafios que elas
irão impor aos educadores e seus métodos de ensino. Também foram apontadas
causas que podem provocar as reais dificuldades de aprendizagem, assim como o
que estamos denominando falsos distúrbios. A compreensão destes fatos é de
fundamental
importância
para
que
possamos
identificar,
por
meio
de
procedimentos de avaliação, o tipo de problema apresentado pela criança, sua
extensão e profundidade. Considerando-se os verdadeiros problemas, três tipos
foram caracterizados: distúrbios globais do desenvolvimento, distúrbios de
aprendizagem e distúrbios específicos da leitura e da escrita. Para finalizar, o
texto procura apontar áreas ou aspectos do desenvolvimento geralmente
prejudicados em cada tipo de transtorno e que devem ser abordadas em
propostas de intervenção.
Alguns sites para consultas sobre o tema
www.dislexia.org.br
www.schwablearning.org
www.asha.org
www.ira.org
www.bireme.br
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http://www.schwablearning.org/articles.asp?r=25&g=1
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Alterações de linguagem e distúrbios de aprendizagem