


Todos nós, ao longo do tempo, vamos construindo um modo
de ser e de estar no mundo, o que delineia aquilo que
chamamos de personalidade.
Personalidade, portanto, seria um conjunto de traços e de
condutas que expressam como lidamos com determinadas
situações e como reagimos a tudo aquilo que nos cerca.
Independente do maior peso ser dado aos fatores
constitucionais ou adquiridos na formação de nossa
personalidade, sem dúvida, o ambiente desempenha um
importante papel, o que se estende à funçao do ego em sua
tarefa de articular e discriminar as experiências, imprimindo a
elas um dado sentido.




Nesta perspectiva, a formação da personalidade está
intimamente relacionada à cultura em que vivemos e
expressa de que forma construímos nossas subjetividades.
Subjetividade compreendida como um modo de ser, de agir,
de sentir, de desejar, enfim, de estar no mundo. Poderíamos
dizer que a construção da subjetividade tem sua expressão
mais viva no modo como constituimos nossa personalidade.
Quando falamos em construção de subjetividade,
necessariamente devemos levar em conta os processos de
subjetivação que estão em jogo nesta construção.
Entendemos os processos de subjetivação como um campo
de forças, de diferentes níveis, que não se centram nem se
reduzem ao indíviduo.


Esses processos são duplamente descentrados. Implicam o
funcionamento de máquinas de expressão que podem ser
tanto de natureza extrapessoal, extra-individual (sistemas
maquínicos, econômicos, sociais, tecnológicos, icônicos,
ecológicos, etológicos, de mídia,enfim sistemas que não são
mais imediatamente antropológicos), quanto de natureza
infra-humana, infrapsíquica, infrapessoal (sistemas de
percepção, de sensibilidade, de afeto, de desejo, de
representação, de imagens, de valor, ...., sistemas corporais,
orgânicos, biológicos, fisiológicos, etc.)”
Todos estes campos de forças devem ser, portanto,
considerados
quando
tentamos
compreender
uma
determinada personalidade.



A partir desses pressupostos, o que seriam, então, os transtornos
de personalidade?
Novamente outra inflexão se faz necessária para tentar responder
esta questão. Como pano de fundo é fundamental que nos
posicionemos quanto ao que designamos por saúde e doença.
Adotamos a perspectiva de que saúde e doença não são estados,
mas configuram-se como processos que fazem parte de um mesmo
indivíduo. Freud já lembrava que o que diferencia o normal do
patológico não é de caráter qualitativo, mas sim quantitativo. Nesta
mesma direção poderíamos dizer que saúde diz respeito à
capacidade do indivíduo de criar respostas para lidar com os
desequílibrios tanto internos como externos; Doença seria a falha
dessas respostas criativas, a cristalização da conduta.


A OMS ao tratar deste assunto assim descreve os
transtornos de personalidade: abrangem padrões de
comportamento profundamente arraigados e permanentes,
manifestando-se como respostas inflexíveis a uma ampla
série de situações pessoais e sociais. Eles representam
desvios extremos ou significativos do modo como o indivíduo
médio, em uma dada cultura, percebe, sente e,
particularmente, se relaciona com os outros.
Percebe-se, nesta definição, que tanto a doença, como
cristalização da conduta, como os elementos culturais nos
quais um determinado indivíduo está inserido são
considerados.


Torna-se especialmente delicado o diagnóstico de
transtornos
de
personalidade,
sobretudo
na
contemporaneidade. Isto porque vivemos, na atualidade, em
uma paisagem cultural subjetiva que estimula, incita e
encoraja manifestações muito próximas ao que poderíamos
chamar de transtornos de personalidade.
Alguns aspectos da paisagem cultural subjetiva: Estética do
consumo; satisfação acessada imediatamente; evacuação do
lugar do impossível, não há limites; sociedade que aponta em
todas as direções sem se fixar em nenhuma. cultura
performática e narcísica.



Como bem lembra Luis Claudio Figueiredo, o homem
contemporâneo é um homem traumático, entendendo trauma
como o excesso de excitações que o eu não é capaz de se
assenhorar, de dominar. O homem contemporâneo é, ao
mesmo tempo, protagonista e refém desse excesso,
buscando, defensivamente, sobreviver aos efeitos desse
processo.
O excesso se manifesta imediata e inicialmente no registro
do SENTIR para, então, as intensidades se disseminarem
nos registros do corpo e da ação;
Súbitas variações de humor, polarizadas entre Apatia e
Irritabilidade, campo em que se inscrevem as Distimias;



O Excesso no campo da Ação: Existimos em uma
hiperatividade permanente, isto é, em uma Excitabilidade
Elevada, condição de possibilidade de Violência e
Compulsão.
No campo do Pensamento: perde-se a temporalidade e a
capacidade de simbolizar as experiências. Esgarçamento
dos laços afetivos, dos elos de ligação, fragilidade das
regulações simbólicas.
A fragilidade das regulações simbólicas impede que as
intensidades se increvam como trilhamentos no campo
psíquico (Freud, 1895), a descarga tende a se impor de
maneira brutal: distimia, somatizações, passagem ao ato.



Em uma sociedade altamente competitiva, individualista,
permeada pela cultura do medo, como diagnosticar os
diferentes tipos de transtornos da personalidade? Transtorno
paranóide, esquizóide, explosivo, histriônico, ansioso,
obssessivo, compulsivo, sociopata e tantos outros?
Estariam estes transtornos se apresentando como um modus
operanti para lidar e se adequar a esta cartografia cultural
subjetiva? Seriam estratégias de defesa em direção a
respostas adptativas?
Em que pese a importância do diagnóstico dos transtornos
de personalidade, posto que eles existem, creio que é
fundamental uma análise do contexto no qual se insere cada
pessoa, pois será a partir desta análise que as intervenções
serão possíveis.



No que diz respeito às intervenções psicológicas neste
campo, a ética do cuidado parece ser uma proposta
interessante.
Um cuidado capaz de reconhecer e legitimar o sofrimento,
buscando, em um trabalho de co-responsabilização, se
construir uma morada em que as experiências possam ter
um sentido.
Sentido não é algo que está lá, pronto a ser desvelado.
Sentido se constrói e pode ser definido como a capacidade
de articular e discriminar as experiências. Mais do que
interpretações, creio que precisamos de intervenções
capazes de fornecer sentidos e compreensões ao vivido, em
um processo de permanente transformação de si e do
mundo.
Download

TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE