DEIVI DE OLIVEIRA SCARPARI A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA: O ENSINO MÉDIO DEVE FORMAR PARA A VIDA OU PARA O MERCADO DE TRABALHO? Criciúma, Dezembro de 2003. DEIVI DE OLIVEIRA SCARPARI A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA: O ENSINO MÉDIO DEVE FORMAR PARA A VIDA OU PARA O MERCADO DE TRABALHO? Monografia apresentada à Diretoria de PósGraduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, para a obtenção do título de especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior. Criciúma, Dezembro de 2003. DEDICATÓRIA Aos meus pais, Pedro e Deonilda, meus irmãos, Rivelino, Jean, Andréia (in memorian) e minha namorada Silvane. AGRADECIMENTOS A Deus, figura abstrata, mas muito concreta em todos os momentos de minha vida. Aos meus pais, meus maiores mestres, pois suas sabedorias transcenderam as barreiras entre o existente e o não existente. Aos meus irmãos, presenças marcantes e constantes em minha vida, que sempre unidos, nunca me deixaram desanimar. À minha namorada Silvane, que sempre foi meu braço direito e minha força motriz nessa caminhada final. Em especial a Giani Rabelo – orientadora – que com sabedoria e tranqüilidade guiou-me. Através da sua prática docente mostrou-me que formar para a vida é a “tomada consciente de decisões” (Paulo Freire). Enfim, a todos os amigos, aos professores, aos meus alunos, aos educadores que generosamente responderam ao questionário e àqueles que me acompanharam durante este curso de especialização. “Que se destine meu aluno à carreira militar, à eclesiástica ou à advocacia, pouco me importa. Antes da vocação dos pais, a natureza chama-o para a vida humana. Viver é o ofício que quero ensinar. Saindo de minhas mãos, ele não será, concordo, nem magistrado, nem soldado, nem padre: será primeiramente um homem”. (Jean Jacques Rousseau) “Se vi mais longe foi porque subi em ombros de gigantes” (Isaac Newton) RESUMO Esta monografia teve por objetivo principal realizar estudo sobre o papel/função social da escola com ênfase no Ensino Médio. A educação cumpre a função de socialização do homem. A escola surgiu para suprir as necessidades impostas pela sociedade. Hoje, a escola forma o indivíduo para atuar sobre a sociedade. O Ensino Médio, em seu primórdio, tinha por finalidade preparar o indivíduo para o mercado de trabalho (vestibular). A nova Lei de Diretrizes e Bases redimensiona o Ensino Médio, assim ele deve contribuir para a transformação social do aluno. Percebe-se ao longo da história da educação que o Ensino Médio constitui-se como nível de mais difícil enfrentamento. Em sua versão propedêutica preparatória para o vestibular a aprendizagem se dá de forma mecânica, ou seja, os conteúdos são transmitidos. Em decorrência disso a reformulação da Lei revela a necessidade de atualização da educação. A Lei é clara ao definir as finalidades do Ensino Médio. Ela prevê a formação e o aprimoramento do ser humano, incluindo a formação ética e a autonomia intelectual. Assim, o papel que o educador passa a desempenhar é uma importante função onde ensinar não é transmitir conhecimentos, mas oportunizar, mediar o conhecimento. Neste sentido o conteúdo escolar não ficará obsoleto, será ampliado. Os educadores e as instituições são chamados a refletirem sobre as habilidades e as competências. Partindo do princípio que a educação passou e passa por diferentes mudanças foi realizada uma pesquisa com os professores do Ensino Médio a fim de analisar seus pensamentos a respeito do papel social do ensino ministrado nas Escolas Públicas, bem como sua formação e prática docente. A escola escolhida pertence à Rede Pública e localiza-se no Sul de Santa Catarina. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 07 CAPÍTULO I 1 – ORIGEM E PAPEL SOCIAL DA ESCOLA ...................................................... 12 1.1 – Origem da escola ......................................................................................... 12 1.2 – Papel social da escola ................................................................................. 15 1.2.1 – No início de sua existência ....................................................................... 15 1.2.2 – Nos dias atuais .......................................................................................... 16 CAPÍTULO II 2 – O ENSINO MÉDIO .......................................................................................... 20 2.1 – Desmistificando sua origem ......................................................................... 20 2.2 – A atual função social do Ensino Médio ........................................................ 24 CAPÍTULO III 3 – O PROFESSOR .............................................................................................. 28 3.1 – Papel social do professor nos dias atuais .................................................... 28 3.2 – O perfil docente na atualidade educacional ................................................. 32 CAPÍTULO IV 4 – A PESQUISA .................................................................................................. 36 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 43 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 47 ANEXOS ................................................................................................................ 50 INTRODUÇÃO Para a maioria das pessoas, a educação existe, supostamente, para ajudar a formar o caráter intelectual de uma pessoa e proporcionar oportunidades de ascensão social e econômica. Entretanto o processo de definir o verdadeiro papel da educação e as formas desejáveis de sua ocorrência está ligado a regimes particulares de moralidade. A verdade é que a realidade não se apresenta a nós já rotulada. Tudo é socialmente construído. Isto ocorre, mesmo quando falamos sobre as instituições que organizam boa parte de nossas vidas. Tomemos as escolas como exemplo. Para alguns, esta é vista como casta engrenagem de democracia: abre horizontes, assegura mobilidade. Para outros, é forma de controle social ou, talvez, de expressão de ameaças culturais em instituições cujos currículos e ideologias ameaçam o universo moral dos estudantes que as freqüentam. Com toda a retórica sobre o ensino o que se destaca, na verdade, é a sua função. Há atualmente uma imensa pressão para definir a função da escola, assim esta monografia tem por objetivo buscar respostas sobre qual o verdadeiro papel social do Ensino Médio ministrado nas escolas da rede pública. No dia-a-dia do ambiente escolar convive-se com a dupla tarefa de proporcionar aos jovens situações de ensino aprendizagem com o objetivo de possibilitar uma formação cultural e científica mais ampla aos alunos do Ensino Médio. Porém, o ideal de formar cidadãos pensantes que possam atuar na sociedade tem sido um caminho de tortura, pois esbarra-se em muitas situações problemas que limitam o trabalho docente. Diante desses problemas, como professor de Física há quatro anos na Escola Pública, passo a refletir sobre alguns aspectos. Um dos aspectos que me deixa pensativo e inquieto é referente ao “verdadeiro papel social da escola”. Percebe-se que existem duas correntes ideológicas: formar para o vestibular (ou seja, para o mundo do trabalho) e formar para a vida. Segundo a primeira concepção, formar para o vestibular significa preparar o aluno para encarar a dura concorrência às vagas dos cursos superiores. Os alunos que têm essa pretensão encaram a escola como a chave que abrirá a porta para o curso e, certamente, a vida tão sonhada. O objetivo é passar no vestibular. Não importa se amanhã determinados conteúdos serão utilizados ou não pelos alunos. Este é o caso das grandes empresas-escolas que centralizam seus objetivos no lucro. É fato consumado, estatisticamente, que a maioria da população brasileira não consegue chegar ao Ensino Superior. Desta forma, o Ensino Médio torna-se a “graduação” de muitos alunos. Baseado nestes dados, o formar para a vida, parece apresentar-se como a concepção mais importante. Assim, questiono-me sobre qual meu papel, enquanto professor, dentro desse contexto. Como os professores do Ensino Médio encaram esta escola que forma para a vida? Como deve ser a prática pedagógica no dia-adia? Perguntas como estas têm sido incógnitas nestes quatro anos de “sala de aula”. Durante estes anos venho trabalhando junto aos alunos a disciplina de Física. Percebo que, às vezes, nós, professores, nos perdemos em meio a tantas correntes filosóficas que parecem fazer parte de um certo modismo. Ora deve-se ensinar dessa forma e priorizar tal aspecto, ora a prioridade já é outra. Desta forma minhas ações e decisões em sala de aula nem sempre vão de encontro àquilo que planejei e revoltar-se diante de alguns fatos e situações que acontecem no cotidiano das escolas é, diria, natural, pois ouve-se com freqüência comentários do tipo: - Ele tirou três, mas acho que ele deve passar porque é tão educado, responsável... - Ah; passa, passa! Essa menina está noiva, só pensa em casar. - Ah, passa ele, tadinho! Ele só vai trabalhar na roça1 mesmo. Não precisa saber todos esses conteúdos, na roça não vai usar isso. É lamentável encarar a realidade. Saber que o aluno não vai cursar o Ensino Superior não o torna menos importante que o outro. Ao contrário, este deveria ser visto com outros olhos, uma vez que ele, dificilmente, irá ocupar outros bancos escolares. Portanto deveria receber uma formação mais profunda e consistente. Sendo assim, a tarefa: formar para a vida torna-se muito mais difícil do que apenas preparar para o vestibular. O aluno deve sair do Ensino Médio capaz de reconhecer e aplicar, no seu dia-a-dia, o conteúdo escolar. Deve torná-lo instrumento que lhe possibilite uma vida justa. No entanto, como encarar esse 1 Neste caso se refere ao aluno que reside em área rural. desafio? Como transformar nossa escola numa escola libertadora? Parece que esta jornada é árdua, entretanto quero, ao fim deste trabalho, ter metas e conceitos definidos para que possa promover novos caminhos para uma realidade cheia de perspectivas. O professor é parte fundamental no processo ensino-aprendizagem, pois dá sentido e concretude à prática educativa. Sem ele não seria possível realizar um estudo amplo sobre este tema. Para que este trabalho atingisse seu verdadeiro objetivo foi realizada uma pesquisa com intuito de coletar informações a respeito do pensamento dos professores sobre o papel/função social do Ensino Médio, bem como aspectos relevantes sobre sua formação e prática docente. A pesquisa foi desenvolvida por meio de um Estudo de Caso, com nove professores do Ensino Médio numa escola2 da rede pública estadual, situada na Região Sul do estado de Santa Catarina. Tomei o estudo de Caso como modalidade de pesquisa, pois segundo Lüdke & André (1986, p.17), o estudo de Caso se constitui numa unidade dentro de um sistema maior. O destaque está naquilo que ele tem de único, de particular, mesmo que posteriormente se evidenciem semelhanças com outros casos e situações. Chizzotti (2001, p. 102), diz que o caso é tomado como unidade significativa do todo e é suficiente para fundamentar julgamento fidedigno e para propor uma intervenção. Para o autor, o estudo de Caso retrata uma realidade e também revela uma multiplicidade de aspectos globais. O estudo foi desenvolvido em quatro fases distintas. Na primeira fase dediquei-me à revisão bibliográfica e ao estudo teórico sobre a origem da escola, seu papel social desde sua origem até os dias atuais, dando ênfase ao Ensino Médio. Na segunda fase, procurei a Direção da escola escolhida para realização da pesquisa, pedindo-lhe autorização para a execução da mesma. Na terceira fase, estabeleci contato com os professores aos quais apliquei um questionário de perguntas abertas. Escolhi esta técnica de coleta de dados porque este tipo de questionário permite uma expressão maior de sentimentos e idéias sobre os assuntos indagados. Uma das grandes vantagens deste tipo de questionário são as informações mais gerais e mais refletidas por parte dos pesquisados. Na quarta fase, analisei os dados obtidos à luz de todo referencial teórico construído. 2 Por princípios éticos não mencionarei o nome e nem a localização exata da escola pesquisada. Para alcançar uma apresentação mais clara e entendimento mais profundo sobre as questões aqui abordadas, esta monografia será apresentada em quatro momentos diferentes. O primeiro capítulo aborda a origem e o papel social da escola. Veremos que nos primórdios, os conhecimentos necessários para a vida eram adquiridos mediante à participação do adolescente nos afazeres da vida adulta no seio familiar. Com o passar dos séculos, essa forma de transmissão de conhecimento se tornara insuficiente e ineficaz. Para acompanhar a velocidade do desenvolvimento e a complexidade do dia-a-dia da sociedade burguesa do século XVI, criou-se a instituição chamada escola, cuja peculiar função seria a de melhorar o processo de socialização com intenção de integrar o jovem aos modos de produção. Além do mais, para a sociedade capitalista burguesa da época havia necessidade de dominação da classe menos favorecida socialmente. O segundo, primeiramente se refere à origem e desmistificação da educação escolar: sua função, seu destino, seu público. Posteriormente este capítulo direciona-se ao surgimento e regulamentação do Ensino Médio no Brasil e as controvérsias que passam a existir, pois ao longo da história o Ensino Médio constitui-se a partir de duas vertentes: a propedêutica - que prepara para o vestibular - e a que prepara para a vida, que surge a partir da reformulação do Ensino Médio estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, onde enfatiza não mais a preparação para o vestibular, mas o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico (LDB/96 – seção IV – art. 35). O terceiro, enfoca o papel e perfil do professor nos dias atuais, caracterizando a escola como centro de excelência de vida da população excluída socialmente, assim ao professor é atribuído um papel importantíssimo: o sucesso da aprendizagem dos alunos, fazendo do desenvolvimento curricular um processo vivo e concretizando as reformas pelas quais o ensino passa, onde ensinar não se trata apenas de uma coleção de habilidades técnicas. O ato de ensinar assume a função e complexidade de transmitir o conhecimento historicamente acumulado e não transferir conhecimentos. Segundo Freire, “quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (1998, p. 25). É neste sentido que ensinar não é transmitir conhecimentos, conteúdos, muito menos formar deve assumir sentido de moldar, dar forma. Por último, no quarto capítulo, faço uma análise do pensamento dos professores a respeito do papel/função social do Ensino Médio, bem como dos aspectos relevantes sobre sua formação e prática docente. Este capítulo pretende discutir a função do professor no contexto do trabalho de uma escola localizada, como já foi mencionado, no Sul de Santa Catarina. Os professores foram questionados de forma a responder sobre a função do Ensino Médio hoje. As respostas obtidas evidenciam a falta de sintonia entre realidade escolar e teorias pedagógicas. Assim cada professor pensa, age, e compreende o sentido e relevância do seu trabalho separadamente do outro. Desta forma, falta clareza sobre como conduzir o aprendizado de modo a promover, junto ao aluno, as qualificações humanas que é dever do Ensino Médio. A pesquisa revelou dados importantes referentes à compreensão da função do professor e do Ensino Médio da Escola Pública que serão apresentados e discutidos ao longo do capítulo. CAPÍTULO I ORIGEM E PAPEL SOCIAL DA ESCOLA 1.1 – Origem da escola A educação faz parte da nossa vida, ninguém está isento dela. Em casa, na rua, na Igreja ou na escola, de um modo ou de outro, estamos envolvidos com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos pedaços de nossa vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações? Sabendo então que a educação “invade” nossa vida, por que não começar a pensar sobre ela. Segundo Gómez: A educação, num sentido amplo, cumpre uma iniludível função de socialização, desde que a configuração social da espécie se transforma em um fator decisivo da hominização e em especial da humanização do homem. A espécie humana, constituída biologicamente com tal, elabora instrumentos, artefatos, costumes, normas, códigos de comunicação e convivência como mecanismos imprescindíveis para a sobrevivência do grupo e da espécie. Paralelamente, e posto que as aquisições adaptativas da espécie às peculiaridades do meio não se fixam biologicamente nem se transmitem através de herança genética, os grupos humanos põem em andamento mecanismos e sistemas externos de transmissão para garantir, a sobrevivência nas novas gerações de suas conquistas históricas. Este processo de aquisição por parte das novas gerações das conquistas sociais – processo de socialização – costuma denominar-se genericamente como processo de educação (1998, p. 13). Numa análise histórica, percebe-se que nas sociedades primitivas devido às necessidades de produção a educação das crianças era de responsabilidade dos adultos e principalmente das famílias. O conhecimento necessário à vida adulta e ao futuro ofício se dava de forma prática no contato direto com o trabalho do pai. Dessa forma a criança crescia com sua profissão praticamente definida. Geralmente a mesma do pai. Enguita retrata que na Roma Arcaica havia (...) uma mistura de aprendizagem familiar e participação na vida adulta em geral: o jovem varão simplesmente acompanhava o pai no trabalho da terra, no foro ou na guerra, enquanto as filhas permaneciam junto à mãe ajudando-a em outras tarefas (1998, p. 105). Ainda, ele afirma, que para os camponeses auto-suficientes da época as instituições escolares existentes desempenhavam apenas um papel de educar na religiosidade, ou quando não, na política (ibidem, p. 105). Conforme Aranha, a transmissão do conhecimento acontecia de forma direta e “informal, no sentido de não obedecer a regras explícitas nem ser submetidas a rígido controle externo” (1996, p. 72), mediante a participação cotidiana das crianças nas atividades da vida adulta. Esta forma de transmissão de conhecimento simples e rudimentar que havia na época fica também evidenciada na fala de Enguita quando ele diz que: Em geral, a aprendizagem e a educação tinham lugar como socialização direta de uma geração por outra, mediante a participação cotidiana das crianças nas atividades da vida adulta e sem a intervenção sistemática de agentes especializados que representa hoje a escola, instituição que então desempenhava um papel marginal (1989, p. 107). Desta forma, os conhecimentos necessários para a vida só poderiam ser adquiridos mediante à participação do adolescente nos afazeres da vida adulta. O jovem aprenderia seu ofício em contato com o mundo adulto, geralmente no seio da sua própria família. Na Idade Média, o processo educativo se diferenciava um pouco. A permanência na família original era substituída em grande medida pela educação ou aprendizagem em outro ambiente social – outra família. Essa mudança de ambiente era necessária para que os laços afetivos não influenciassem na auto-disciplina e na formação da criança. Segundo Enguita: Esta espécie de intercâmbio familiar tinha lugar de forma especial no artesanato. O mestre artesão acolhia um pequeno número de aprendizes entrando com eles numa relação de mútuas obrigações. O aprendiz estava obrigado a servir fielmente ao mestre não apenas nas tarefas do oficio, mas no conjunto da vida doméstica. O mestre estava obrigado a ensinar-lhes as técnicas do ofício, mas também a alimentá-lo e a vesti-lo, dar-lhe uma formação moral e religiosa e prepará-lo para converter-se em um cidadão, e com freqüência, a ensinar-lhe os rudimentos literários e a enviá-lo a uma escola na qual pudesse adquiri-los (Ibidem, p. 106-107). Percebe-se que essa mudança de ambiente familiar era sinal de decadência. O sistema de ensino no seio familiar já não dava mais conta de preparar, não conseguia mais ensinar com qualidade as crianças e os jovens para conviver futuramente no mundo adulto, no sistema de produção, na sociedade. Com o passar dos séculos, o crescimento populacional e a aceleração do desenvolvimento científico e histórico das comunidades humanas, bem como a complexidade das estruturas, acentuam a ineficácia e insuficiência dos processos de socialização direta das novas gerações nas células primárias de convivência tal como a família, a comunidade ou grupos de trabalho e produção. Como o processo de transmissão de conhecimentos já não tinha mais força para acompanhar a velocidade do desenvolvimento e a complexidade do dia a dia da sociedade, o ensino promovido pela família não dava mais conta de preparar os jovens para os sistemas produtivos da época. Segundo Gómez: Para suprir tais deficiências surgem ao longo da história diferentes formas de especialização do processo de educação ou socialização secundária (tutor, preceptor, academia, escola religiosa, escola laica...), que conduziriam aos sistemas de escolarização obrigatória para todas as camadas da população nas sociedades industriais contemporâneas. Nestas sociedades a preparação das novas gerações para sua participação no mundo do trabalho e na vida pública requer a intervenção de instâncias específicas como a escola, cuja peculiar função é atender e canalizar o processo de socialização (Ibidem, p. 13). Havia necessidade de uma educação mais formal para completar a formação necessária ao indivíduo para a futura atuação no mercado de trabalho e na sociedade Moderna, pois a complexidade científica, tecnológica e as mudanças introduzidas pelos novos valores conduziriam e reforçariam que a transmissão do conhecimento deveria prosseguir por outro caminho. Paro conclui que tornaram-se (...) insuficientes os mecanismos informais de transmissão e apropriação desse saber, havendo a necessidade de instituições formalmente destacadas para essa tarefa. Entre essas instituições, destaca-se a escola, cuja especificidade é precisamente de transmissão do saber de forma sistemática e organizada (1988, p. 105). Enfim, podemos concluir que a instituição escolar nem sempre existiu. A escola surgiu para suprir as necessidades imposta pela sociedade Moderna. Sua existência é decorrente da complexidade e das necessidades originadas pelos avanços dos meios de produção da sociedade moderna. A escola institucionalizada, semelhante àquela que hoje conhecemos, é uma criação burguesa do século XVI. 1.2 – Papel social da escola 1.2.1 – No início de sua existência Dentro deste complexo processo de socialização que a escola cumpre nas sociedades contemporâneas é necessário aprofundar a análise para compreender quais são os objetivos explícitos no processo de socialização da educação. Com a aceleração do desenvolvimento histórico, a complexidade das estruturas e a diversificação de funções e tarefas da vida nas sociedades, cada dia mais povoadas e complexas, aumenta o número de pessoas marginalizadas socialmente. Para a sociedade capitalista esses “marginais”, “mendigos”, “vagabundos”, amedrontavam a ordem pública. Com a necessidade de dominação da massa subvertida criam-se instituições escolares a fim de “(...) dar remédio à grande perdição que de vagabundos, órfãos e crianças desamparadas havia, (...) porque é certo que ao se remediar estas crianças perdidas põe-se obstáculo aos latrocínios, delitos graves” (VARELA,1983, p.240, apud Enguita, 1989, p. 109). Além do mais, as pessoas desocupadas representavam um desperdício de mão de obra, pois seus braços eram inativos. Assim, a educação escolar cresce satisfatoriamente com ênfase na formação para o mercado de trabalho, seguindo a filosofia da classe dominante. Para os burgueses, pessoas ocupadas não teriam tempo para conturbar a ordem pública. Além disso, quando bem controladas e manipuladas geram renda à nação. A educação escolar visando ao mercado de trabalho se reafirma com a revolução industrial, pois, segundo Enguita: (...) foi o desenvolvimento das manufaturas que converteu definitivamente as crianças na guloseima cobiçada pelos industriais: diretamente, como mão de obra barata, indiretamente, como futura mão de obra necessitada de disciplina. O momento culminante dos orfanatos e, em geral, do internamento e disciplinamento das crianças em casas de trabalho e outros estabelecimentos similares foi o século XVIII. Na Inglaterra, as workhouses converteram-se em Schools of Industry ou Colleges of Labour. O essencial não era já pôr os vagabundos e seus filhos a fazer um trabalho útil com vistas à sua manutenção, mas educá-los na disciplina e nos hábitos necessários para trabalhar posteriormente (Ibidem, p.109). Fica expresso claramente que a origem da escola de massas se dá para controlar e dominar a classe menos favorecida socialmente. A escola seria o “painel de controle” do povo, lugar onde se poderia divulgar o conhecimento necessário e o doutrinamento ideológico da classe dominante. Assim, podia-se formar mão de obra qualificada, tanto em produção quanto em subserviência. É claro que a burguesia recitava um discurso de “educação para o povo” pois necessitava “formar” os trabalhadores para sua messe. Entretanto temia as conseqüências de que a educação demasiada poderia alimentar ambições àquelas pessoas de níveis mais baixos, como percebemos na fala de Enguita: A via intermediária era a única que podia suscitar o consenso das forças bem-pensantes: educá-los, mas não demasiadamente. O bastante para que aprendessem a respeitar a ordem social, mas não tanto para que pudessem questioná-la. O suficiente para que conhecessem a justificação de seu lugar nesta vida, mas não ao ponto de despertar neles expectativas que lhes fizessem desejar o que não estavam chamados a desfrutar (Ibidem, p. 112). A escola surge como instituição formadora de indivíduos. Formadora no sentido literal, de formar, moldar mentes, sempre mantendo viva a falsa idéia de preparar o povo para a vida e para o mercado de trabalho. O que se queria na verdade era preparar mão de obra barata e de fácil manipulação para atender as necessidades de consumo da burguesia que sempre se sobressai sobre a classe de menor poder aquisitivo. Esta, talvez por ingenuidade, ou mesmo por necessidade de sobrevivência, acabava submetendo-se aos princípios ditados pela alta sociedade. 1.2.2 – Nos dias atuais Desde o surgimento das sociedades industriais, a função principal que a sociedade delega e encarrega à escola é a incorporação futura ao mercado de trabalho. Na visão neoliberal a escola é colocada como um bem a ser adquirido, um tesouro que trará ao seu possuidor ascensão social, profissional e prosperidade econômica. As crianças e jovens que não freqüentam a escola são rotuladas de “inferiores” ou “fracassadas” socialmente, “sem futuro”. Essa ideologia se faz fortemente presente na atualidade onde várias empresas educacionais vivem exclusivamente deste tipo de exploração. O marketing contendo essa visão aparece evidente nos meios de comunicação, principalmente nas épocas de vestibulares. Uma outra função da escola é a formação do indivíduo para sua intervenção na vida pública. Segundo Gómez, “a escola deve prepará-lo para que se incorpore à vida adulta e pública, de modo que se possa manter a dinâmica e o equilíbrio nas instituições, bem como as normas de convivência que compõem o tecido social da comunidade humana” (1998, p. 15). A educação escolar é uma prática que tem como função criar condições para que todos os alunos desenvolvam suas capacidades e aprendam o conteúdo para construir instrumentos de compreensão da realidade e de participação em relações sociais, políticas e culturais diversificadas e amplas. Condições estas fundamentais na construção de uma sociedade democrática e não excludente. Preparar para a vida pública nas sociedades formalmente democráticas na esfera política, governadas pela implacável e às vezes selvagem lei do mercado na esfera econômica, comporta necessariamente que a escola provoque o desenvolvimento de conhecimentos, idéias, atitudes e pautas de comportamento que permitam sua incorporação eficaz no mundo civil, no âmbito da liberdade do consumo, da liberdade de escolha e participação política, da liberdade e responsabilidade na esfera familiar. Características bem diferentes daquelas que requer sua incorporação submissa e disciplinada, para a maioria, no mundo do trabalho assalariado. O Ensino Médio proposto pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) sugere um currículo voltado para o desenvolvimento de competências, no qual a interdisciplinaridade e contextualização estejam presentes na prática pedagógica. A finalidade é educar para a vida, superando o rótulo de ensino preparatório para vestibular. A nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) propõe o rompimento do modelo neoliberal que tinha como objetivo preparar para o prosseguimento de estudos (Ensino Superior) e a formação para o trabalho (Segundo Grau Profissionalizante). A idéia proposta nesta lei é de integrar numa mesma e única modalidade, finalidades até então dissociadas, para oferecer, de forma articulada, uma educação equilibrada, com funções equivalentes para todos os educandos. Em seu art. 35, verifica-se que as finalidades do novo Ensino Médio são: • A formação da pessoa, desenvolvendo os seus valores e as competências necessárias à integração de seu projeto de vida ao meio social no qual está inserido; • A preparação para sua integração no mundo do trabalho, com as competências que garantam seu aprimoramento profissional e permitam acompanhar as mudanças que caracterizam a produção no nosso tempo; • O desenvolvimento das competências para continuar aprendendo, de forma autônoma e crítica, em níveis mais complexos de estudos. Etapa final da educação básica, o Ensino Médio precisa dar fechamento à vida escolar básica de forma a assegurar uma base comum a todos aqueles que o cursaram, pela própria compreensão do que seja a etapa educacional que é direito de todos e que deve favorecer a construção dos alicerces para o exercício da vida cidadã - uma inserção social situada, uma possibilidade de inserção econômica plena. Desta forma, pressupõe uma unidade de construção que objetive a igualdade de acesso aos bens econômicos e culturais, que tenha como premissa a preparação para a vida adulta com autonomia. As competências que o educando deve demonstrar ao final do Ensino Médio requerem, na construção do currículo desse nível, um comprometimento com o mundo do trabalho e com a prática social, dentro de uma dimensão de aprimoramento do aluno, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Assim, a educação poderá contribuir para a transformação social, na medida que for capaz de ser instrumento em poder dos grupos sociais dominados em seu esforço de superação da atual sociedade de classes. Desta forma, a questão da educação enquanto fator de transformação social inscreve-se no contexto mais amplo do problema das relações entre educação e política. Segundo Paro: (...) a educação se revela como fator de transformação social, também, em seu caráter intrínseco da apropriação do saber historicamente acumulado, na medida em que, através dela, a classe revolucionária se apodera da ciência, da tecnologia, da filosofia, da arte, enfim, de todas as conquistas culturais realizadas pela humanidade em seu desenvolvimento histórico, que hoje estão nas mãos da minoria dominante. Esse saber, ao ser apropriado pela classe dominada, serve como elemento de sua afirmação e emancipação cultural na luta pela desarticulação do poder capitalista e pela organização de uma nova ordem social (1998, p. 105). Para que essa transformação social ocorra é necessário que a escola oportunize a apreensão do conhecimento. Este é essencial, jamais poderá ficar em segundo plano. A escola existe para socializar o conhecimento construído historicamente. O aluno deve ter a oportunidade de fazer uso de todos os conhecimentos acumulados a fim de se desenvolver intelectualmente para que no futuro possa agir e interagir socialmente sempre em busca de uma vida melhor para si e para a comunidade em que vive. Essa visão social da escola de formar para a vida é muito mais ampla. Sendo assim, a formação intelectual do indivíduo também será capaz de proporcionar sua integração ao mercado de trabalho. CAPÍTULO II O ENSINO MÉDIO 2.1 – Desmistificando sua origem Como vimos no capítulo anterior, a educação escolar surge nos moldes da ideologia capitalista burguesa, com a finalidade de formar os indivíduos com menor poder aquisitivo para servir de mão de obra barata e qualificada e também como forma de controlar as mentes para a aceitação da sua “inferior classe social”, mantendo, assim, a ordem e gerando lucro nos meios de produção. No Brasil, esta ideologia se mantém impregnada no surgimento da educação escolar. Até 1932 existiam no Brasil os seguintes cursos: (...) ao curso primário havia as alternativas de curso rural e curso profissional, todos com 4 anos de duração; ao curso primário poderiam suceder o curso ginasial e o curso normal antecedido de 3 anos de curso propedêutico. Já ao curso rural sucedia necessariamente o curso básico agrícola com 2 anos de duração, e ao curso profissional sucedia o curso complementar, também de 2 anos (KUENZER, 1997, p.11). Estes cursos eram voltados para os fins de um processo produtivo, aos interesses das indústrias e dos grandes latifundiários, por isso, destinavam-se na maioria das vezes às classes sociais com menor poder aquisitivo. Afinal, estes empregos asseguravam-lhes a sobrevivência. Os cursos eram de poucos anos de duração. Vale a pena lembrar que estes cursos não davam acesso aos cursos superiores existentes. O acesso às melhores oportunidades de emprego se dava através dos cursos superiores. Esse acesso se tornava quase que restrito à população de maior poder aquisitivo, pois a mediação entre o curso ginasial e o superior se dava através de estudos livres e exames de seleção. O surgimento do Ensino Médio (chamado de Secundário na época) no Brasil se regulamenta a partir da reforma “Gustavo Capanema”, em 1942. Segundo Kuenzer, (...) com a reforma CAPANEMA, e com a promulgação das Leis Orgânicas, extinguem-se os cursos complementares, que são substituídos por cursos de 2° ciclos, denominados genericamente de cursos legais, com a diferenciação de científico clássico, com 3 anos de duração sempre destinados a preparar os estudantes para o ingresso ao nível superior; os cursos normal, agrotécnico, comercial técnico e industrial técnico, colocavam-se no mesmo nível. Estes, contudo, não asseguravam o acesso ao nível superior (Ibidem, p.13). Nota-se que mesmo surgindo essa nova modalidade de ensino – Ensino Secundário – não se descarta a formação para o mercado de trabalho. A óptica de formar trabalhadores para servir ao capital ainda prevalece. Ainda mais, que a conclusão do Ensino Secundário não dava, ao certo, direito de freqüentar o Ensino Superior. Para ingressar nas poucas vagas existentes era necessário realizar testes classificatórios. Por essa e outras razões a população mais carente da sociedade optava pela realização dos cursos profissionalizantes. Assim, consumava-se a supremacia da classe dominante. Através da formação superior a classe dominante cria para si uma camada de intelectuais que seriam responsáveis pela sua homogeneidade, consciência e função, nos campos econômicos, sociais e político. A classe desfavorecida só serviria de mão de obra manipulável a serviço do capitalismo burguês. Para Kuenzer, o Ensino Secundário (hoje Médio), quando da sua criação, tinha por finalidade: • Formação da personalidade integral do adolescente; • Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e humanística; • Preparação intelectual que possa servir de base a estudos mais elevados de formação especial (Ibidem, p.14). É importante notar que estas finalidades vão de encontro com as do papel social da escola, citadas no capítulo anterior, quando se refere à dominação ideológica da classe menos favorecida economicamente. Ainda, a autora afirma que: Esta marcada separação em duas vertentes distintas para atender à demanda bem definida da divisão social e técnica do trabalho organizado e gerido pelo paradigma taylorista/fordista como resposta ao crescente desenvolvimento industrial, se complementa com a criação do sistema SENAI, em 1942, e SENAC, em 1946, pela iniciativa privada, como forma de atender às demandas de mão-de-obra qualificada. É neste período, também que as escolas de aprendizes artífices transformam-se em Escolas Técnicas Federais, com a Lei Orgânica do Ensino Industrial (Ibidem, p. 14). Assim, reitera-se a existência do duplo caminho: os que vão estudar com vistas à formação mercadológica - mão-de-obra às indústrias - e os que vão estudar para serem intelectuais mandantes da futura geração – classe dominante. Apenas em 1961, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, os cursos técnicos dariam acesso ao ensino de nível superior. Essa diferenciação, contudo, não altera a essência do princípio educativo que era atender as necessidades definidas pela divisão técnica e social do trabalho de formar trabalhadores instrumentais e trabalhadores intelectuais através de cursos distintos. Porém, essa igualdade de direitos de acesso ao Ensino Superior durou apenas dez anos. Em 1971, com a Lei de Diretrizes e Bases do Governo Militar, a equivalência entre o Ensino Médio (secundário) e Técnico é substituída pela obrigatoriedade da habilitação profissional para todos os que cursassem, passando a ser chamado de ensino de Segundo Grau3. Assim, todos teriam formação técnica para servir as necessidades industriais do país. Essa articulação do ensino ao modelo político e econômico da ditadura, é claro, tinha seus objetivos implícitos: • A contenção da demanda de estudantes secundarista ao Ensino Superior, como forma de impedir futuras ideologias contrárias aos interesses governamentistas; • A despolitização do Ensino Secundário, por meio de um currículo tecnicista, que visasse apenas repetição e o cumprimento de tarefas, sem questionamentos. • A preparação de forças de trabalho qualificada para atender às demandas do desenvolvimento econômico que se anunciava com o crescimento obtido no “tempo de milagre”, o qual com pretensão anunciava o acesso do Brasil ao bloco do primeiro mundo. Sendo assim, surge na década de 70 vários cursos de ordem puramente técnica. Kuenzer afirma que “o Parecer 45/72 fixa em uma primeira listagem, 52 habilitações plenas (nível técnico) e 78 habilitações parciais (auxiliar técnico), perfazendo um total de 130 possíveis cursos, sendo a maior parte voltada para ocupações do setor secundário” (1997, p.18). Vale a pena ressaltar que esse montante de cursos é uma visão explícita da educação para o mercado de trabalho. 3 Há, ainda hoje, muitas pessoas que usam essa expressão ao se referirem ao Ensino Médio. A afirmação acima confirma-se com a fala de Agnelo Correia Viana, em um documento oficial: Já se pode ter idéia de que a relevante missão do ensino de segundo grau é a de abrir oportunidades educativas para uma grande parte dos adolescentes, fazendo habilitação profissional não um apêndice coercitivo e artificial nos currículos de estudos gerais, mais uma real preparação para as atividades do trabalho destinadas àqueles que o desejam, dela necessitam de imediato e com ela pretendem realizar suas aptidões em qualquer época (MEC, 1979, p.14 apud Kuenzer, 1997, p.19). Em 1975, o Conselho Federal de Educação faz um novo estudo sobre o sistema educacional brasileiro. No parecer 76/75 o ensino de 2° Grau deixa de ser puramente tecnicista passando a ter outro enfoque – o de formação profissionalizante básica. Segundo esta nova visão, o jovem aprenderia na escola os amplos princípios de formação profissional que seriam complementados na Universidade ou no emprego. A formação deixa de ser entendida somente como preparatória para o exercício de uma única ocupação e passa a ser considerada como formação global. Global, no sentido de formar o aluno não para o exercício de uma única profissão mais para várias outras. É claro que estes “ajustes” ocorreram devido às rápidas e profundas transformações no mundo do trabalho. O aperfeiçoamento viria a ser adquirido no Ensino Superior. Então, os alunos poderiam acessar qualquer curso superior desde que conseguissem passar pelo funil apertado que é o vestibular. Segundo Kuenzer o que concretamente fez o parecer 76/75 foi “permitir a coexistência de todas as ofertas possíveis – técnico pleno, técnico parcial e habilitação básica, acomodando a legislação à realidade, legitimando tudo o que já existia de tal modo que permanecesse como era antes de 1971” (1997, p. 24), porém com a diferença que agora haveria um núcleo comum na formação básica. A idéia de formação para o trabalho continua sendo alvo neste parecer. Porém abre vistas ao acesso ao Ensino Superior para qualquer pessoa que completasse o Ensino Técnico. Com a promulgação da Constituição de 1988, o Ensino Médio toma novos rumos na história. Em seu artº 208 determina o dever do Estado para com a educação em todos os níveis, assegurando no item II a “progressiva universalização do Ensino Médio gratuito”. E mais, em seu artº 205, Capítulo III, reconhece a imprescindibilidade de um mínimo de educação básica ao estabelecer que, “a educação, direito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Estariam assim, pois, assegurados os princípios básicos, no texto constitucional que levariam a discussão de um projeto de educação nacional, comprometido com um modelo de sociedade mais democrática. Percebe-se nesta nova lei constitucional, a idéia de universalização dos direitos e acesso universal ao conhecimento acumulado ao longo dos séculos. Com relação aos fins da educação, o artº 205 aponta para uma formação mais diferenciada, priorizando o desenvolvimento intelectual da pessoa, do preparo para o exercício da cidadania e da qualificação para o trabalho. Conclui-se, então, que ao longo da história, o Ensino Médio no Brasil tem se caracterizado pela formação puramente para o mercado de trabalho, sempre em consonância com os meios de produção. Porém, após a promulgação da nova Constituição Federal com princípios mais igualitários redireciona a educação média a novos caminhos e não apenas ao do mercado de trabalho. Hoje o Ensino Médio confronta-se com duas finalidades intrínsecas: preparar para a vida ou preparar para o mercado de trabalho? 2.2 – A atual função social do Ensino Médio Sempre que se procura saber qual a função da Escola e principalmente do Ensino Médio, as respostas que se obtém, tanto por parte dos alunos e pais, quanto dos professores e demais setores educacionais, convergem para a questão do trabalho. Fala-se que se estuda “para ter uma vida melhor”. Mas, quando se procura saber o que isso significa, surge a idéia de ter sucesso, de “ser alguém na vida”. E, quando indagados sobre as formas de se obter essa melhoria financeira, surge a fala de que se consegue pelo trabalho, ou melhor, pelo emprego. Uns, querem emprego de imediato – geralmente a classe menos favorecida economicamente; outros, com maior expectativa, se preparam para conseguir passar no vestibular com o intuito de ter emprego melhor futuramente. Além do mais, os empregadores estão exigindo a conclusão do Ensino Médio na admissão de novos funcionários, o que força às pessoas a concluírem o Ensino Médio. Esta é uma visão ideológica da formação escolar para o trabalho. A escola é considerada a chave da porta do mundo do trabalho. Do ponto de vista ideológico Neoliberal, o modelo estrutural escolar deve ser tal que vise suprir as necessidades impostas pelo mercado de trabalho. A escola necessária a esse modelo é aquela que desenvolve no futuro trabalhador as habilidades cognitivas, sociais e culturais exigidas no seu futuro emprego. Gandin, ao discutir sobre a função social da escola atual comenta que “o novo papel da escola parece ser o de dotar os indivíduos de armas modernas para a acirrada competição do mercado de trabalho. Toda e qualquer habilidade gerada ou conteúdo desenvolvido deve estar a serviço deste objetivo maior” (1999, p. 64). Essas armas modernas não são adquiridas facilmente. O mercado de trabalho exige muita competência de seus trabalhadores. Competência essa que se pauta pelo conhecimento. Percebe-se ao longo da história da educação brasileira, e também nos dias atuais, que o Ensino Médio se constituiu como o nível de mais difícil enfrentamento, em termos de sua concepção, estrutura e formas de organização, em decorrência de sua própria natureza de mediação entre a educação fundamental e a educação superior. A característica mais geral observada é a de Ensino Fundamental, Ensino Médio propedêutico e completando pelo Ensino Superior. Ao fim do Ensino Superior, o aluno ganha certificado de conclusão, estando apto a encarar o competitivo mercado de trabalho. Percebe-se que nesse sistema, o Ensino Médio tem função de ligação entre o Ensino Fundamental e o Superior. Em sua versão propedêutica preparatória para o vestibular, o Ensino Médio tem se caracterizado por uma ênfase na estrita divisão disciplinar do aprendizado. Seus objetivos educacionais se expressavam, e usualmente, ainda se expressam em termos de listas de tópicos que a escola média deveria tratar, a partir da idéia de que o domínio de cada disciplina era requisito necessário e suficiente para o prosseguimento dos estudos. A escola que trabalha estritamente esta versão é uma escola conteudista que frisa a memorização e a decoreba. Os conteúdos são literalmente transmitidos. Quando questionados sobre a utilização e a aplicação de determinados conteúdos surge a fala: ah, não interessa. O importante é saber resolver para passar no vestibular. Dessa forma, parecia aceitável que só em etapa superior tais conhecimentos disciplinares adquiririam, de fato, amplitude cultural ou sentido prático. Geralmente é a escola procurada pela classe dominante, afim de conseguir acesso ao nível superior. Em contrapartida, na sua versão técnica profissionalizante, o ensino médio é caracterizado por uma ênfase no treinamento de habilidades práticas, associados por vezes a algumas disciplinas gerais, mas, sobretudo voltados a atividades produtivas ou de serviços. Treina-se para uma especialidade, razão pela qual se promove certo aprofundamento ou especialização de caráter técnico, em detrimento da formação mais geral, ou seja, promove-se competências específicas dissociadas de formação cultural mais ampla. Geralmente esse tipo de escola é destinado à classe dominada visto a difícil acessibilidade ao Ensino Superior. É necessário, sem dúvida, a existência desse tipo de escola que promove especialização profissional em Ensino Médio, mas que essa especialização não comprometa a formação geral para a vida pessoal e cultural em qualquer tipo de atividade. A reformulação do Ensino Médio no Brasil, estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação nacional publicada em 1996, regulamentada em 1998 pelas Diretrizes do Conselho Nacional de Educação e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), revela a “(...) necessidade de atualização da educação brasileira, tanto para impulsionar uma democratização social e cultural mais efetiva pela ampliação da parcela da juventude brasileira que completa a educação básica quanto para responder aos desafios impostos pelos processos globais (...)” que exigem um trabalhador mais qualificado. Assim, a seção IV da LDB, mais precisamente o artº 35, estabelece o Ensino Médio como etapa conclusiva da educação básica cujas finalidades são: I – A consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos; II – A preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz se adaptar com flexibilidade as novas condições de ocupação e aperfeiçoamentos posteriores; III – O aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. IV – A compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Baseado nos princípios da lei maior, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), trazem: O novo ensino médio, nos termos da lei, de sua regulamentação e de seu encaminhamento, deixa de ser, portanto, simplesmente preparatório para o ensino superior ou estritamente profissionalizante, para assumir necessariamente a responsabilidade de completar a educação básica. Em qualquer de suas modalidades, isso significa preparar para a vida, qualificar para a cidadania e capacitar para o aprendizado permanente, em eventual prosseguimento dos estudos ou diretamente do mundo do trabalho.(2002, p.8) Estes princípios que norteiam a Educação Média priorizam a formação para vida, pois no mundo atual, de várias e rápidas transformações estar formando para a vida é muito mais do que apenas formar para uma determinada profissão. Formar para vida implica em traduzir o conhecimento em ação, o que é, sem dúvida, tarefa árdua, difícil e de longa caminhada, mas não impossível. As mudanças ocorrem dias após dias. Ficar estático no tempo é sinal de decadência. Um país que almeja um melhor padrão de vida precisa ter uma população que disponha de uma educação de maior qualidade. Isso desafia a comunidade educacional a pôr em prática propostas que superem as limitações do antigo Ensino Médio, organizado em duas tradições formativas, a pré-universitária e a profissionalizante. A escola deve ser como um centro de excelência na formação básica para que possa, realmente, colaborar para uma melhor qualidade de vida de nossa gente. CAPÍTULO III O PROFESSOR 3.1. Papel social do professor nos dias atuais Tornar a escola um centro de excelência na formação básica que contribua para uma melhor qualidade de vida da população excluída socialmente desafia a “comunidade educacional” a repensar sua prática docente. Em função dessa necessidade é preciso rediscutir o papel social do professor e sua real contribuição no processo ensino-aprendizagem. Um dos poucos consensos entre educadores é o fato de que ao professor é atribuído um papel de suma importância para o sucesso da aprendizagem dos alunos. Por isso, é amplamente reconhecido que a presença, em cada sala de aula, de um professor bem preparado, motivado e comprometido com a aprendizagem dos alunos poderá garantir a eficácia, a médio e longo prazo, dos objetivos propostos pela nova Lei. A LDB é clara ao definir as finalidades do Ensino Médio. Dentre estas, lêse: "o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico" (art. 35, inciso III). Eis aí uma das chaves para a compreensão do papel dos sistemas educacionais, incluindo-se a escola e os professores. Ou a educação escolar contribui efetivamente para que o educando se torne uma pessoa crítica e sensível, dotada de identidade e autonomia, como pretende o novo Ensino Médio, ou seguese insistindo em restringir a vida dos alunos ao acúmulo de informações muitas vezes desconexas e a avaliações que quase sempre não expressam o processo de aprendizagem. Embora todas as ações voltadas para a melhoria das condições de funcionamento das escolas e o aprimoramento da gestão escolar sejam importantes, somente professores que se assumem como protagonistas das mudanças poderão reinventar a prática cotidiana de ensinar e de aprender, fazendo do desenvolvimento curricular um processo vivo e dando à gestão educacional a dimensão pedagógica que ela requer. É o professor, em última instância, que dá sentido e concretude às reformas que pregam transformar o ensino propedêutico num ensino para a vida; Quando as incorpora na sua prática profissional, constroe, no seu dia-a-dia, uma nova concepção de organização pedagógica. Sem o engajamento do professor como agente principal das mudanças, as diretrizes e parâmetros curriculares nacionais para a educação básica não passam de literatura que alimenta o sonho de se construir uma escola que contribua na transformação da realidade. Espera-se que a escola abra suas portas, olhos e ouvidos. Que saiba incorporar a diversidade das práticas sociais como subsídios ao processo de aprendizagem e que saiba propiciar o retorno dessa mesma aprendizagem às práticas. Que mude o seu dia-a-dia, as suas rotinas. Que não tenha tantas rotinas, mas que proponha desafios aos alunos, estimulando-os à curiosidade, à formulação de hipóteses, à busca de respostas, à construção de mecanismos e ferramentas de estudo, de pesquisa, enfim, de produção de conhecimento. Que incorpore o erro como parte do processo de aprendizagem e não como desvio moral passível de punição ou banimento. Que supere assim a cultura do fracasso que destrói a autoestima do educando e compromete o mesmo processo de construção da identidade pelo qual devia zelar. A LDB trouxe a autonomia às escolas. São elas que devem elaborar seu Projeto Político Pedagógico, baseadas na realidade que vivenciam, na sua concepção de Educação e no que esperam para o futuro. Não há conteúdo programático listado a ser seguido, não há livros obrigatórios a serem adotados. Esta autonomia causa angústia em alguns docentes, acostumados a tomar como base programas de vestibular e índices de livros didáticos. Repensar a organização curricular causa desconforto porque gera desequilíbrio. Implica mexer na estrutura praticamente imutável e hierarquizada dos saberes e disciplinas. Segundo Gandin: Os professores têm que preocupar-se com os “como”, com as técnicas, a metodologia de trabalho, mas somente depois de ter clareza sobre qual rumo desejam tomar, ou seja, depois de ter traçado (ainda que provisoriamente) o seu “para onde” e ter respondido o seu ‘por quê’ – o trabalho ganha consistência se esta resposta não é individual e sim do conjunto da escola. (1999, p.131) Nesse sentido, cabe aos professores selecionar o quê e como aprender de cada disciplina. Sendo meios e não fins em si mesmos, os conteúdos disciplinares devem ser significativos aos jovens, favorecer o desenvolvimento de competências. Isso significa dizer que a escola não terá que abrir mão da qualidade do ensino que oferece. Mas importa reconhecer que a qualidade da educação não reside na quantidade do que se ensina, mas na quantidade e qualidade do que se aprende. Ensinar não se trata apenas de uma coleção de habilidades técnicas, um pacote de procedimentos. Técnicas e habilidades são importantes, mas ensinar é muito mais do que isso. O ato de ensinar tem relação com a natureza de decisões e dos critérios dos professores. Ensinar é enfrentar complexidade, agir na urgência, tomar decisões responsáveis nos momentos de incerteza. Segundo Freire “o educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua submissão” (1998, p. 28). Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, pois sua tarefa não é apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo. Por isso cabe à escola, na pessoa do educador, respeitar não só os saberes com que os educandos chegam à escola, mas os saberes socialmente construídos na prática comunitária. Ensinar exige reflexão, pesquisa, estética e ética. A prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de docência e de pureza porque todo pensar certo é radicalmente coerente, exigindo que se reflita a partir da prática. É pensando criticamente a prática de hoje e de ontem que se pode melhorar a próxima prática. Uma das tarefas mais importantes da prática-educativo-crítica é proporcionar as condições em que os educandos e educadores ensaiam a experiência profunda de assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, transformador. Assim, o papel do professor é saber que ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua própria produção. Paulo Freire diz: É preciso insistir: este saber necessário ao professor que ensinar não é transferir conhecimento – não apenas precisa de ser aprendido por ele e pelos educando nas suas razões de ser – ontológica, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas também precisa ser constantemente testemunhado, vivido. (1998, p. 52) É necessário que o professor seja um profissional. Para Altet “o professor profissional é, antes de tudo um profissional da articulação do processo ensinoaprendizagem em uma determinada situação, um profissional da interação das significações partilhadas” (2001, p. 26). Segundo Paro, a escola também tem função de transmitir o conhecimento historicamente acumulado, “(...) para que a humanidade não tenha que reinventar tudo a cada nova geração, fato que a condenaria a permanecer na mais primitiva situação (...)” (apud FERRETTI, p. 109). No entanto, deve-se reconhecer que estes conteúdos transmitidos sejam conhecimentos com vigência e eficácia social. Que estejam ligados a problemas concretos da natureza, da sociedade e da cultura, que se estruturem em torno de conceitos e teorias com alto poder explicativo e aplicáveis a contextos diversos. Para Oliveira: A prática educativa deveria estar, então, necessariamente vinculada a uma prática social global. Ou seja, “a concretização efetiva do processo de transmissão-assimilação do saber elaborado, de uma maneira ou de outra, é o ato mesmo de instrumentalizar os educandos para sua prática social mais ampla” (apud PEREIRA, 2000, p. 27). Assim o conteúdo escolar não ficará obsoleto ou esquecido. Poderá ser ampliado e mobilizado em diferentes situações ao longo da vida, permitindo ao aluno continuar a aprender, seja na continuidade formal dos estudos, no mundo do trabalho ou na vida pessoal e social. Para concluir, é importamte que o professor se conscientize da função da escola na transformação da realidade social dos seus alunos e que tenha clareza da necessidade da prática educativa estar associada a uma prática social mais global, com vistas a formar para a vida. Neste mundo altamente globalizado não podemos deixar nossos alunos a ver navios. Estamos vivendo a era do conhecimento. A escola deve ser o lugar privilegiado na construção deste. Sendo assim, não podemos esquecer que a formação para a vida não implica deixar o conhecimento em segundo plano, mas sim, saber mediar didaticamente o conhecimento erudito de uma forma interdisciplinar, contextualizada e que tenha significado aos alunos. Que o conteúdo lecionado não seja apenas para cumprir currículo, mas que tenha efetiva contribuição social para a vida do aluno. Para isso, é necessário que a comunidade escolar desenvolva seu Projeto Político Pedagógico calcado nas suas necessidades e que coloquem em prática através dos professores no dia-a-dia de sala de aula. 3.2. O perfil docente na atualidade educacional Como sabemos, o ensino na atualidade atravessa um momento ímpar em sua história. Enfrenta a dúbia realidade em relação à formação para a vida versus formação para o trabalho. A condição social pós-moderna impõe à prática educacional um número bastante expressivo de demandas, responsáveis por obrigar os educadores a revisarem e renovarem, permanentemente, o seu entendimento acerca dos sentidos da educação que defendem e executam. A escola, organizada nos moldes tradicionais e tecnicistas, não atende às exigências constituídas hoje, pelo avanço da sociedade, no que diz respeito aos conhecimentos que devem compor a formação dos alunos. Não mais se sustenta a fragmentação do conhecimento, acentuando-se, ao contrário, a necessidade de uma formação de caráter mais geral. Deve a escola formar o cidadão multicompetente, curioso, capaz de reunir e transferir recursos conceituais e de procedimentos, que permitam aos cidadãos criar suas próprias saídas aos desafios enfrentados. A imprecisão, a mutabilidade e as incertezas do nosso tempo devem levar a escola a trabalhar com a dúvida em lugar das verdades absolutas. As habilidades requeridas pelo marcante avanço das tecnologias e das novas formas que o trabalho vem assumindo, impõem a exigência de uma maior competência dos educadores para entenderem e interpretarem informações, o que implica o domínio cultural sobre as diferentes áreas do conhecimento e das relações existentes entre elas. Hoje, os educadores e as instituições de ensino são chamados a refletirem sobre as habilidades e as competências inalienáveis à formação dos jovens, o que implica, necessariamente, pensar na competência dos profissionais de educação. Alteram-se as condições de trabalho e os padrões da profissão. A exigência define-se, hoje, sobretudo, pela constituição de um educador com um perfil próprio, contudo, capaz de se transformar inúmeras vezes, tendo em vista as contingências do contexto no qual se desenvolve a ação, sem que com isso venha a colocar em risco os princípios éticos inerentes à sua profissão. Novas habilidades cognitivas, sociais e relacionais são requeridas a todos, quase como condição de sobrevivência. Mais do que nunca, o educador não pode ser considerado somente como aquele que “dá aula”. Sua ação não se esgota nos limites das quatro paredes da sala de aula e, nela, não se apresenta somente como representante do ofício escolhido, mas como a pessoa que é composta de saberes, experiências, dúvidas, aspirações, conflitos, entre outros. Não se separa o educador da pessoa. A formação, entendida na perspectiva da promoção de transformações e não simplesmente como oferta de um instrumental técnico a ser utilizado, perpassa diferentes momentos e dimensões do educador, implicando-o como pessoa e como história de vida, que se integram e compõem a sua identidade profissional. Os professores estão totalmente conscientes do fato de que o trabalho docente mudou bastante nas últimas décadas. Ensinar não é mais o que era. As especulativas intensificaram-se. As obrigações ficaram mais difusas. Como já foi dito, o professor é mais do que um simples pacote de conhecimento. Há muito mais no desenvolvimento de um professor do que a aprendizagem de novas habilidades. São muitos os fatores importantes na construção de um professor. A visão do professor como pessoa possui implicações essenciais para a compreensão de mudança, de desenvolvimento profissional. Fullan (2000, p. 41) nos remete a um fato bastante interessante sobre o professor: antes de ser professor ele é pessoa. Julgamos a competência do docente e nos esquecemos que há vários aspectos em torno de seu trabalho; o sexo, a idade, a experiência são fatores que estão ligados diretamente com a prática pedagógica. Diferentes tipos de contextos, de lideranças e de relações de trabalho são necessários para garantir a continuidade das mudanças. O contexto aqui invocado é aquele que corporifica uma determinada cultura de ensino, um conjunto específico de relações de trabalho entre professores, colegas de trabalho e alunos conectados a uma comunidade de apoio e de questionamento comprometida com metas comuns e com o aperfeiçoamento contínuo. Fullan diz que ensinar: “(...) sempre será um trabalho exaustivo, os professores estão envolvidos em centenas de interações geradoras de tensão. Uma delas decorre de batalhas solitárias e de esforços não-valorizados, de perda de referências e de sentimentos corrosivos de desesperança. Levando o professor a acreditar em sua incapacidade. O cansaço em decorrência à sobrecarga e as culturas escolares fazem com que o professor se enfraqueça, perca sua identidade e a pressão aumenta (ibidem, p. 17) Se Paulo Freire (1998, p. 32) afirma que para ensinar é necessário pesquisar, pois não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino, Fullan (2000, p.17) em contra partida diz que as escolas precisam se transformar e que o professor está perigosamente sobrecarregado. Está ocupado buscando formas para saber lidar com uma gama de habilidades e de dificuldades que, em muitas situações rotulam e restringem sua prática. Na atualidade das exigências impostas à educação, para o professor, não basta ter o domínio do conhecimento específico da sua disciplina. Na verdade, o que é necessário hoje, mais do que nunca, é a presença de um profissional ciente e implicado na dinâmica viva da escola, o qual, além da dedicação ao conhecimento e ao aluno, possua uma visão sistêmica do espaço onde atua. A competência, solicitada aos educadores, parece ir bem além daquela referida aos saberes específicos às áreas do conhecimento. A estes se devem somar o conhecimento e a capacidade de lidar com o aluno, de trabalhar a informação que chega à sala de aula por vias diversas, de responder às expectativas inerentes a uma nova abordagem do currículo, tanto no que diz respeito à seleção e ao tratamento conceitual e integrador de conteúdos, quanto ao tratamento metodológico adotado. Exige-se, portanto, um profissional com saberes diferenciados e com sensibilidade para disponibilizá-los adequadamente. A competência dos profissionais da educação parece referir-se ao conjunto de características que o educador, sintonizado com as questões do seu tempo/espaço histórico, possa vir a reunir para o desempenho de sua ação pedagógica educacional. A par de um conhecimento técnico e inalienável, agregarem-se atitudes pessoais de respeito e vislumbre do outro, de compartilhamento e participação no coletivo de trabalho, de abertura à crítica e revisão de suas ações e conceitos, de coerência e retidão frente aos valores defendidos, tudo isso aliado a uma consciência crítica do educador sobre a realidade na qual se inscreve a sua prática e a existência de seus alunos. Na medida em que essa condição de saber, em todos os níveis, não é e nem poderia ser definitiva, sobretudo hoje, numa existência caracterizada por uma estabilidade precária, entende-se porque a competência, e igualmente a formação, não podem ser conquistadas de uma vez por todas em um processo terminal, mas, antes, como aquisição complexa, diversa e exigente, inscrita num tempo muito mais longo. A mudança educacional depende dos educadores e da formação que possam ter. Dependerá, também, das transformações possíveis a serem operadas no sistema de ensino e de seu funcionamento. CAPÍTULO IV A PESQUISA Como vi no segundo capítulo, o papel e a função social do Ensino Médio tem passado por diferentes mudanças: modernidade, futuro, esgotamento de utopias, de sentido e paradigmas. Isso permite-me pensar a educação como uma prática social, que também se encontra em crise, onde o professor é a pessoa que representa a promessa ilustrada, porém não conquistada, fruto da própria indefinição do atual papel social da profissão-professor e do próprio sistema de ensino. Partindo desse princípio, realizei uma pesquisa com os professores do Ensino Médio a fim de analisar seus pensamentos a respeito do papel social do ensino ministrado nas Escolas Públicas, bem como sua formação e prática docente. A escola4 escolhida pertence à Rede Pública e está localizada no Sul de Santa Catarina. Todos os professores foram envolvidos, totalizando 9 (nove) ao todo. Nesse capítulo passarei a analisar as questões sobre o papel social do professor e da Escola – mais especificamente o Ensino Médio - com base nos dados coletados através de questionário5 contendo perguntas abertas que foram respondidas pelos professores da referida escola. Num primeiro instante, procurei conhecer os motivos que levaram cada um dos pesquisados a escolher a profissão professor. Como sabemos, a profissão docente é composta majoritariamente por mulheres e que são muitos os fatores que influenciam na escolha da mesma. Uma das pesquisadas relata que fez esta opção “por morar em uma região onde não há oferta de emprego, principalmente para o sexo feminino”. Outra diz que: “meus pais gostariam que eu fosse professora”. Essas respostas demonstraram a ausência de uma autonomia na hora da escolha da profissão magistério, principalmente para o sexo feminino. Em seguida, busquei delinear o perfil dos professores, desta escola, que atuam no Ensino Médio. Destes professores, 22% desempenham há mais de dez anos a função docente, 45% estão atuando entre cinco e dez anos e os demais, 22%, menos de cinco anos. Estes professores atuam no Ensino Médio por diferentes razões. Uns dizem que sua disciplina é exclusiva desse nível de ensino; outros, dizem que fizeram esta escolha porque os alunos apresentam mais maturidade e 4 5 Por princípios éticos não identificarei a escola pesquisada. Vide questionário em anexo mais senso crítico. Com relação à formação superior, 56% dos professores têm graduação na área em que atuam, sendo eles efetivos na escola. Os demais, 44% não são formados na disciplina que lecionam atualmente – professores transitórios pois não são efetivos. Com vistas nas informações citadas acima, posso questionar a qualidade de ensino oferecida pela escola pública. Percebo que o número de profissionais na educação que não têm formação ainda é grande. Como podemos esperar uma escola de qualidade, que forme para a vida, se os profissionais que nela atuam não tem formação na área que lecionam? Como fazer discussões a respeito do processo ensino-aprendizagem se estes profissionais não têm embasamento teórico a respeito de tais teorias? Ensinar não é tarefa fácil, não é simples. Ensinar exige competência profissional. Conforme Freire “(...) nenhuma autoridade docente se exerce ausente de competência” (1998, p.103). Para ele, o professor que não leva a sério sua formação, o professor que não estuda, que não se esforça para estar à altura de sua função, não tem moral para coordenar as atividades de sua classe. Ainda, ressalva que a incompetência desqualifica o processo de ensino e a própria autoridade do professor. A discussão sobre a formação e atuação dos professores amplia-se quando percebo que ainda há falta de condições materiais do trabalho docente. Ainda hoje, persistem problemas nas condições do exercício profissional, fato este que foi comprovado após a aplicação da pesquisa, pois 56% dos professores trabalham mais de duas disciplinas. Tais aspectos nos levam a entender que ainda há sérios problemas relacionados à formação e atuação dos professores. Outro fato que requer atenção é de que o magistério é encarado como “bico”. Isso se evidenciou a partir da pesquisa, pois alguns professores entrevistados têm vínculos empregatícios distintos. Durante o dia desempenham funções que nada tem em comum com o magistério. A situação de trabalho dos profissionais do Ensino Médio agrava-se ainda mais quando se analisa a carga horária. Dos professores entrevistados somente 11% têm carga semanal equivalente à 10 h/a6, 22% trabalham 30 h/a semanais. 6 h/a significa hora/aula Na rede pública os professores geralmente têm jornada de trabalho equivalente à 40 h/a semanais. A pesquisa comprova tal afirmação, porque 44% deles estão dentro desta margem. 33% estão além da carga horária “normal”, pois têm jornada de trabalho superior à 50 h/a. E mais, 11% dos restantes trabalham somente 10 h/a, porém a pesquisa revela que eles possuem outra profissão além da docência, comprometendo todo seu tempo livre. Essa realidade, que se apresenta nessa escola e com esses professores, faz parte de todo um contexto social de desvalorização da profissão professor. O que ocorre é que grande parte dos professores se sobrecarrega em função da questão salarial. 40 h/a não garante renda satisfatória, muito menos uma vida digna em relação a salário. Em contra partida a isso fica um questionamento: qual o tempo que estes professores disponibilizam para pesquisar? Novamente retomo a pergunta sobre a qualidade de ensino. Segundo Freire “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino” (1998, p. 32). Talvez, se os professores tivessem mais tempo poder-se-ia melhorar a prática educativa. Para isso seria necessário repensar e estudar o plano de carreira desta área profissional no que diz respeito à carga horária. A questão da formação do docente ao lado da reflexão sobre a prática educativa é análise que se incorpora à análise de tempo que o docente dispõe para pesquisar. Segundo Freire (1998, p. 32) fala-se hoje com insistência no professor pesquisador. O que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma como pesquisador. Na verdade ser pesquisador com uma carga horária tão exaustiva é utopia, é impossível. Se Freire fala sobre a importância da pesquisa, Fullan diz que alguns dos problemas do ensino, de maneira geral, estão relacionados à sobrecarga acumulada pelos profissionais da educação. Segundo ele (2000, p.17) os professores estão conscientes do fato de que seu trabalho mudou bastante nas últimas décadas. Ensinar não é mais o que era. As expectativas intensificaram-se. As obrigações ficaram mais difusas. As inovações como soluções, ironicamente, exarcebam o problema da sobrecarga. Os modismos e outras mudanças passageiras, as reformas em massa e multifacetadas – tudo isso deixa o professor ainda mais desanimado e sem tempo. A sobrecarga de expectativas supera a sobrecarga do trabalho. À medida que os professores enfrentam as expectativas crescentes maior é a sobrecarga de inovações e de reformas. É importante que eles busquem formas para por em prática o ato da pesquisa. Assim, partindo de princípios distintos, ambos autores comungam a idéia de que não há como ensinar sem pesquisar. Diante disso há necessidade de se pensar no tempo coletivo para preparação de aulas e outras tarefas coletivas do ambiente escolar, visando trabalhar de forma interdisciplinar, sempre de acordo com os objetivos estabelecidos no Plano Político Pedagógico da escola. Sendo assim, a política pública deveria repensar o entendimento sobre o assunto “hora-atividade”. Acredito que muito poderia melhorar se o profissional da educação permanecesse efetivamente na escola as quarenta horas de atividades, sendo que 50% dessa carga horária seria destinada à docência e o restante, momento para elaboração de material didático, atendimento aos alunos com defasagem (aulas de reforço), correção de provas, planejamento coletivo, reuniões pedagógicas, etc. Outro questionamento dirigido aos educadores desta escola foi referente à função social da escola e do professor do Ensino Médio. Na visão dos professores entrevistados a educação, num sentido amplo, cumpre sua função de socialização, uma vez que a configuração social da espécie se transforma em um fator decisivo da humanização. No entanto parece que ainda há muitas dúvidas acerca do papel social da escola e do professor. A maioria dos entrevistados parece não saber de fato o que é socialização. Para um dos professores entrevistados compete ao Ensino médio: “preparar para a vida e para o vestibular”. Dentro deste complexo e dialético processo para que a escola cumpra sua função nas sociedades contemporâneas, é necessário que os educadores da escola aqui mencionada aprofundem estudos para que compreendam, de fato, quais são os objetivos explícitos e latentes do processo de socialização mediante alguns mecanismos e procedimentos. As definições acerca da função social da escola aqui citada são diversas e distintas. Há educadores que entendem a escola como uma trama de relações sociais que se organiza a partir da experiência cotidiana e pessoal do aluno e que compete ao professor e à escola oportunizar ao aluno condições para que transforme o meio em que vive. Tal afirmação comprova-se através do depoimento de um dos professores: “a função social da escola e do professor, bem como a função social do Ensino Médio é aproveitar todo o conhecimento do aluno, pois ao chegar no Ensino Médio, traz consigo uma carga de experiências que se traduzem como conhecimento historicamente adquirido, tendo, o professor a função de mediador”. Por outro lado há educadores que defendem a idéia de que o professor do Ensino Médio deve exclusivamente ensinar conteúdos que sejam subsídios para o ingresso na universidade, afim de que o aluno garanta um lugar na sociedade, ou seja, que esteja preparado para enfrentar o mercado de trabalho. Uma grande parte dos educadores questionados perdem-se em meio a conceitos equivocados sobre a função social não só do Ensino Médio como a do professor. Dão atenção exclusiva à transmissão de conteúdo e intercâmbio de idéias ocasionando uma ruptura na concepção e no trabalho pedagógico induzido pela primazia de uma formação totalmente utilitarista, quando não, imediatista. Assim os alunos aprendem e assimilam teorias/conteúdos. Este aprender e assimilar são conseqüências da transmissão, não das interações sociais do próprio ambiente escolar ou fora dela. Converte-se assim numa aprendizagem acadêmica para passar no vestibular. Isso se comprova a partir do depoimento de uma professora que defende a idéia que o Ensino Médio “deve garantir ao educando os conteúdos”. Como já disse, os professores encontram-se confusos, perdidos em relação à definição da função social da escola. Um dos pesquisados afirma que o professor da rede pública deve “(...) ensinar e repassar conhecimentos com qualidade”. Já, outro, diz que o educador deve “(...) mediar”. Ser o elo entre o aluno e o que ele busca na escola”. As contradições são muitas. Cada um dos seguimentos parece desempenhar sua função separadamente. A escola parece estar desvinculada do professor e este do processo e da sua função. Portanto pode-se afirmar que na escola, como em qualquer instituição social marcada por contradições e interesses em confronto, existem espaços de relativa autonomia que podem ser utilizados para desequilibrar a evidente tendência à reprodução conservadora do status quo (GÓMEZ, 1996, p. 19). Assim o processo de socialização acontece sempre através de um complicado e ativo movimento de negociação em que as reações e resistências dos professores e alunos como indivíduos provocam a recusa e ineficiência das tendências reprodutoras da instituição escolar. Os dados da pesquisa comprovam que os professores da escola escolhida para a realização desta pesquisa estão preocupados com “preparar o aluno para o vestibular”, com conteúdos programáticos e com a inserção do educando no mundo do trabalho. Entendem o aluno como parte, não como todo, dividindo em aluno-escola versus aluno-sociedade. Os professores quando afirmaram: “(...) preparar o aluno para enfrentar o mundo lá fora (...)”, esquecem que a escola faz parte do mundo. Portanto não pode estar dissociada do mundo, ou seja, da sociedade, pois a escola faz parte dela e, em alguns momentos, está a seu serviço. As relações que se estabelecem dentro da escola, muitas vezes, são reflexos do que ocorre fora dela. Sei que se atribui quase tudo à escola e aos professores. Os acontecimentos sociais são de responsabilidade de todos. Não só a escola age sobre o aluno, mas a família, os amigos, os meios de comunicação e a própria sociedade. Então, responsabilizar somente os educadores por tudo que ocorre é negar a existência do problema. Portanto a função social da escola e dos professores do Ensino Médio ultrapassa a reprodução da teoria, pois embasa-se no conhecimento público para provocar o desenvolvimento do conhecimento privado de cada um dos seus alunos (GÓMEZ, 1996, p. 22). O último questionamento feito aos educadores foi a respeito do entendimento de cada um sobre o “ensinar para a vida”. A maioria dos professores parece não ter muito conhecimento acerca do assunto. Falta-lhes conceitos teóricos sobre a teoria do formar para a vida. Associam formar para a vida a preparar o aluno para o mercado de trabalho, conforme declaração de um dos pesquisados. Sem compreender o que se faz, a prática pedagógica é uma reprodução de hábitos e pressupostos dados ou respostas que os professores dão a demandas ou ordens externas. Conhecer a realidade herdada, discutir os pressupostos de qualquer proposta e suas possíveis conseqüências é uma condição da prática docente ética e profissionalmente responsável. Portanto, o enfoque dado ao formar para a vida exige além da prática profissional do docente, o conhecimento da visão teórica aqui mencionada. Pareceme que falta aos professores dessa escola conhecer o que é “formar para a vida” estreitando, assim, a disparidade existente entre teoria e prática. Se por um lado falta a estes professores a investigação referente às concepções de educação aqui abordadas, o conhecimento pedagógico será útil e relevante a eles e, certamente, será incorporado ao pensamento e ação destes. Por outro lado, os educadores revelam desejos e expectativas, embora ingênuas e tímidas, a respeito do ato de ensinar. O senso comum e a investigação pedagógica possibilitam uma melhor integração do docente ao processo-ensino-aprendizagem. Se falta a esses educadores conhecimentos teóricos para discernir a teoria do formar para a vida, sobra-lhes razões para acreditar que buscam alternativas e esclarecimentos, embora ainda insuficientes. Reconhecidamente os professores estão vivendo e sendo influenciados pela crise pela qual passa a educação. O momento atual exige do professor mudança de atitude. Parece-me relevante encerrar este capítulo registrando o depoimento de um dos professores sobre da necessidade de transformar: “Como consideração final, gostaria de dizer que não sei tudo, tenho muito a aprender, mas entendo que, a classe de educadores está carente de ética e união. Eu nunca ouvi professores falarem em ‘greve’ por mudanças, greve por ética, por respeito, ou ainda, greve por conhecimento”. CONCLUSÃO A função social da escola distingue-se de outras práticas educativas, como as que acontecem na família, no trabalho, na mídia, no lazer e nas demais formas de convívio social por constituir-se em uma ajuda intencional, sistemática, planejada e continuada para crianças e jovens durante um período contínuo e extensivo de tempo. A função da escola em proporcionar um conjunto de práticas preestabelecidas tem o propósito de contribuir para que os alunos se apropriem de conteúdos sociais e culturais de maneira crítica e construtiva. Esta função socializadora nos remete a dois aspectos: o desenvolvimento individual e o contexto social e cultural. É nesta dupla determinação que nos construímos como pessoas iguais, mas ao mesmo tempo, diferentes de todas as outras. Iguais por pertencermos à mesma matriz cultural, o que no permite fazer parte de grupos e compartilhar com outras pessoas um mesmo conjunto de saberes e formas de conhecimento que, por sua vez, só é possível ao que individualmente pudermos incorporar. Não há individual possível à margem da sociedade, da cultura. É no universo da escola que o aluno vivencia situações diversificadas que favorecem o aprendizado, para dialogar de maneira competente com a comunidade, aprender a respeitar e a ser respeitado, a ouvir e ser ouvido, a reivindicar direitos e cumprir obrigações, a participar ativamente da vida científica, cultural, social e política do país e do mundo. O papel formal da escola é o de ser a principal responsável pela organização, sistematização e desenvolvimento das capacidades científicas, éticas e tecnológicas de uma nação. Inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania, sua qualificação para o trabalho, bem como, meios para progredir nele e em estudos posteriores. O Ensino Médio, como é entendido, não favorece a realização das ambições cultivadas por seus alunos. Mas é necessário que cada um vença os obstáculos existentes e teste a sua perseverança, mesmo em condições hostis. Isso não exime o governo de suas obrigações nem transfere aos estudantes todas as responsabilidades de vencer, usando apenas a sua obstinação e sem dispor de um ensino qualitativo. É imperioso, porém, não esmorecer, mentalizar um projeto de vida e persegui-lo. É também importante que os alunos compreendam a luta dos professores e diretores de escola pela recuperação do ensino público Fundamental e Médio. Nessa perspectiva se inclui a tarefa de repensar o papel do professorado no Ensino Médio, capacitando-os cada vez mais. O professor deve oferecer aos seus alunos referências básicas do conhecimento e transmitir valores. Mas, acima de tudo, cabe a ele ser um desafiador, partindo do perfil da sua classe para conduzila sempre a uma etapa mais ousada e motivá-la a conquistar algo que vá além da competência já adquirida. O aluno quer ver em seu professor não só o depositário de informação atualizada, mas um indivíduo que tem a capacidade de analisar e relacionar variáveis e fatos, de forma superior a que ele, aluno, consegue fazer. Não basta ao docente, demonstrar conhecimento dos fatos. Isso o aluno pode obter pelos meios de comunicação de massa. O que ele espera, na sala de aula, é uma interpretação surpreendente e diferenciada. Uma revisão do papel docente deve coincidir com a melhora da gestão escolar, a expansão qualitativa e quantitativa do sistema, o aperfeiçoamento dos currículos. Neste novo contexto serão desenvolvidas atitudes para fazer das próximas décadas uma era civilizatória, marcada pelo espírito de empreendimento e solidariedade. A escola pública, em qualquer nível, deve guiar-se pelo culto à cidadania e pela excelência pedagógica. Somente assim o estudante guardará prazerosamente a sua memória escolar. A sala de aula é um lugar inesquecível, para o bem ou para o mal. Qualquer adulto lembra, com saudade ou alívio, a configuração exata do espaço retangular em que aprendeu as primeiras letras e depois, no colégio e na faculdade, veio a descobrir os conhecimentos necessários à vida em sociedade e ao trabalho. Tornar esse lugar marcante no melhor sentido é uma tarefa dos mestres, principalmente no ensino público. É importante que o jovem não apague de sua lembrança o tempo vivido na escola. Não por um exercício gratuito de nostalgia, mas porque nesse período teve alguma coisa definitivamente colada à personalidade e que definiu, para toda a vida, a sua visão de mundo. A estrutura do atual Ensino Médio é a de um curso enciclopédico, supostamente propedêutico ao Ensino Superior. Querendo tudo ensinar, pouco ensina e, deste modo, falha em sua finalidade propedêutica. O atual Ensino Médio, nos tempos correntes, não se destina apenas a alguns, mas à grande maioria, senão a todos os jovens de uma nação moderna. Por isto mesmo, impõe-se a modificação de suas finalidades e de seus objetivos. Desmistificando o conceito de que educar para a vida é sinônimo de rejeição àquilo que está ligado à aquisição do conhecimento científico. Educar para a vida é saber trabalhar com o conhecimento científico. Educar para a vida é saber trabalhar com o conhecimento numa perspectiva universal; ou seja, saber lidar com o conhecimento proximal do aluno e a realidade que o explique. O Ensino Médio é destinado a todos, ou quase todos. Assim se diversifica segundo os interesses e as aptidões dos alunos, podendo para alguns assumir o caráter de severo curso acadêmico de preparo para estudos posteriores, ou seja, estudos universitários de caráter teórico e científico ou altos estudos de natureza literária, filosófica e artística. Para tal, seria necessário levar o indivíduo a aceitar a idéia das diferenças individuais e a adequar a escola aos tipos de inteligência e aptidão dos alunos, não impondo a todos um mesmo tipo uniforme de estudo. Cedo ou tarde, chegaremos a um curso geral prático, com ênfase na língua vernácula e em nossa literatura, nas matemáticas, e nas ciências – físicas e sociais – aplicadas e, ao lado deste curso comum, cursos enriquecidos com línguas estrangeiras e estudos teóricos para aqueles que se mostrarem interessados e capazes de ensino desta natureza. No entanto o Ensino Médio não deve ter por objetivo único a preparação do aluno para o seu ingresso na universidade. Deve, acima de tudo, prepará-lo sob diretrizes que garantam a ele capacidade de construir um referencial teórico capaz de dar-lhe possibilidade para enfrentar os obstáculos que a vida oferecer. O Ensino Médio concretiza-se, de fato, no educar para a vida. Este “educar para a vida” estará associado ao processo educacional considerado básico para o exercício da cidadania onde o aluno se entenda como integrante da sociedade colocando seus conhecimentos a serviço do bem comum, posicionando-se diante de temas polêmicos provocados pelo uso de tecnologias, pela exploração indiscriminada do ser humano e no que concerne à necessária intenção ética humana. Assim educar para a vida exige sem dúvida, a aquisição e conceitos necessários para a apropriação do conhecimento. A pesquisa revelou que os professores da escola pesquisada mostram-se, ainda, confusos a respeito do formar para a vida. Enquanto um pensa o professor como transmissor de conhecimentos, o outro define professor como “um grande showman”, capaz de fazer milagres através da sua prática docente. São extremos presentes na educação. A preocupação mais evidente destes professores é a formação, quase que em massa, para o mercado de trabalho. Quando discordam desse ponto de vista perdem-se nas suas definições. Encontram-se entre a “cruz e a espada”. A cruz é o formar para a vida, porém um formar que se define a partir do senso comum, sem base na teoria que a sustenta. A espada – preparar para o mundo do trabalho apoiando-se em uma concepção ora imediatista, ora utilitarista. Nesta Escola, estes professores estão presos a princípios voltados à formação fragmentada, ou seja, o aluno é um enquanto escola e outro enquanto sociedade. Assim eles esquecem que este aluno é um corpo, uma emoção, que é múltiplo na sua existência. Portanto a escola tem por função, na pessoa do professor, mediar, oportunizar ao aluno a construção do saber, para que ele não seja escravo deste mercado de trabalho. Neste sentido a Escola aqui citada contribui para que o aluno não seja um ser capaz de transformar o seu ambiente. Formar para a vida é, sem dúvida, entender a escola como um espaço de contrariedade, pois ela não é um bloco monolítico. Ela está sujeita a mudanças. Ela é como o ser humano – à medida que o tempo passa exige transformação nos atos e na forma de pensar. Formar para a vida é, sem dúvida, a forma mais evidente de acompanhar a evolução do ser humano. Para concluir, reporto-me ao trecho da obra “Pedagogia da autonomia” de Paulo Freire: (...) se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. Se a educação não é chave das transformações sociais, não é simplesmente reprodutora da ideologia dominante. O que quero dizer é que a educação nem é uma força imbatível a serviço da transformação da sociedade, porque assim eu queira, nem tampouco é a perpetuação do ‘status quo’ porque o dominante o decrete. O educador e a educadora críticos não podem pensar que, a partir do curso que coordenam ou do seminário que lideram, podem transformar o país. Mas podem demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa político-pedagógica. O professor democrático, coerente, competente, que testemunha seu gosto de vida, sua esperança no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, seu respeito às diferenças, sabe cada vez mais o valor que tem para a modificação da realidade, a maneira consistente com que vive sua presença no mundo, de que sua experiência na escola é apenas um momento, mas um momento importante de ser autenticamente vivido. (p.126) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTET. Marguerite. As competências do professor profissional: entre conhecimentos, esquemas de ação e adaptação, saber analisar. Pg. 23 – 34. In: PERRENOUD, Philippe. Et al (orgs). Formando professores profissionais: quais estratégias? Quais competências? 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. São Paulo: Moderna, 1996. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. PCN + Ensino Médio: orientações complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias. / Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002. CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. ENGUITA, Mariano Fernández. A face oculta da escola: Educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: ArtMed, 1989. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à pratica educativa. 7ª ed. São Paulo, SP: Paz e Terra S/A, 1998. FULLAN, Michael; HARGREAVES, Andy. A escola como organização aprendente: buscando uma educação de qualidade. 2ª ed. Porto Alegre: ArtMed, 2000. GANDIN, Danili; GANDIN, Luís Armando. Temas para um projeto políticopedagógico. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. GENTILI, Pablo A. A; SILVA, Tomaz Tadeu da. Neoliberalismo, Qualidade total e educação. 2ª ed. Petrópolis, RJ, Vozes, 1995. GÓMEZ, A. I. Pérez. 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Por isso, peço colaboração nesse trabalho respondendo, se possível, as questões abaixo. É claro que, como todo processo de pesquisa científica exige sigilo e respeito, comprometo-me não expor nomes, ou qualquer outra coisa que o identifique. QUESTIONÁRIO 1) Quais motivos lhe levaram a escolher a profissão docente? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 2) Por que você escolheu o ensino médio para atuar como professor(a)? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 3) Há quanto tempo atua no magistério? ( ) menos de 5 anos ( ) de 5 à 10 anos ( ) mais de 10 anos 4) Tem formação superior na área que leciona? ( ) Sim ( ) Não Obs: Em caso negativo, porque ainda não fez? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5) É efetivo nessa escola? ( ) Sim ( ) Não 6) Qual sua carga horária atual no magistério (nessa e nas outras, caso tenha outros vínculo)? ( ) 10h/a ( ) 20h/a ( ) 30h/a ( ) 40h/a ( ) 50h/a ( ) 60 h/a 7) Quantas disciplinas leciona (nessa e nas outras escolas)? ( ) Uma ( ) Duas ( ) Mais de duas 8) Tem outro emprego além do magistério? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, qual o período de trabalho? ( ) Matutino ( ) Vespertino 9) Na sua concepção teórica, qual o papel / função social da escola? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 10) Na sua concepção teórica, qual o papel/ função social do Ensino Médio? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 11) E na prática, dentro do contexto atual, qual o papel / função social do Ensino Médio? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 11) Qual é o papel do professor de Ensino Médio no processo de ensinoaprendizagem? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 12) De um modo geral, o que é importante o aluno aprender no Ensino Médio? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 13) Muitos autores que escrevem na área da educação, afirmam que a escola deve formar para a vida. O que você entende por isso? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 14) Considerações finais. ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________