Uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo território nacional. A Presidente sancionou, no dia 22 de dezembro de 2014, a Lei 13.060, que disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo território nacional. Percebemos a preocupação com os direitos humanos, que são imanentes a toda pessoa humana. Todos temos direitos de ir, vir e permanecer. Os agentes de polícia, por força legal, só podem fazer o que manda a lei, isto é, estão a ela vinculados. Infelizmente a história da humanidade tem sido de desrespeito aos direitos humanos, que foram conquistados através de muitas lutas ao logo dos anos. Ocorre que quando somos vítimas de injusta agressão humana e, como o Estado não é capaz de estar em todos os lugares ao mesmo tempo, admite, entretanto, reação justa e moderada para fazer cessar a injusta agressão - a legítima defesa. O direito de legítima defesa, segundo HAFT, "é de proteção individual enraizado na consciência jurídica do povo, fundada nos princípios da proteção individual (para defesa de bens jurídicos individuais contra agressões injustas, atuais ou iminentes" 1 e no princípio da afirmação do direito, consistente de repelir o injusto e preservar a ordem jurídica, independentemente da existência 1 HAFT, Strafrecht, 1994, p. 82-84, apud SANTOS, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal - Parte Geral - 2 ed. - Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 119). de meios alternativos de proteção, segundo ROXIN 2. Segundo Bettiol, a legítima defesa corresponde a uma exigência natural, a um instinto que leva o agredido a repelir a agressão a um bem seu tutelado, mediante a agressão de um bem do agressor. A referida causa de justificação sempre foi reconhecida nas legislações, por ser uma forma primitiva da reação contra o injusto. 3 A legislação penal admite a legítima defesa, apresentando-a no art. 23 e 25, informando que "entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". Assim, pode-se dizer que a legítima defesa apresenta alguns requisitos: i) agressão injusta, atual ou iminente; ii) direito próprio ou alheio; iii) meios necessários usados moderadamente; e um elemento subjetivo que é a intenção de se defender - animus defendendi. Se a lei informa requisitos, é porque devem ser rigorosamente observados, sob pena de o agente responder pelo excesso (doloso ou culposo). Um requisito de suma importância, é o uso moderado dos meios necessários (proporcionalidade). Segundo Bitencourt, necessários são os meios suficientes e indispensáveis para o exercício eficaz da defesa. 4 Rogério Greco cita que no prefácio do Manual de Formação em Direitos Humanos para as Forças Policiais (Direitos Humanos e Aplicação da Lei), José Alaya Lasso, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, aponta as consequências pelo descumprimento das leis por parte das forças policiais, bem como o que ocorre quando as leis são cumpridas e os direitos humanos 2 ROXIN, Strafrecht, 1997, § 15, n. 2, p. 550-1 e n, 49-50, p. 573-574, apud SANTOS, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal - Parte Geral - 2 ed. - Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 119). 3 GIUSEPPE Bettiol, Direito Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, v. 1, p. 417 4 BITENCOURT, Cezar Roberto, vol 1 - 14 ed - São paulo: Saraiva, 2009, p. 343. respeitados. 5 Podemos afirmar que o descumprimento das leis por parte dos agentes de polícia trazem consequências desastrosas, tais como: diminuem a confiança do público, agravam a desobediência civil, isolam a polícia da comunidade etc. Merece ser ressaltado que, não raro, policiais se deparam com pessoas que não cumprem a lei, praticando infrações penais de todo gênero; bem como ordem de autoridade, acarretando fuga do local do crime; da prisão; blitz policial; resistência etc. Se ocorrer resistência à prisão em flagrante, por exemplo, o Código de Processo penal Militar, informa que "se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas". Por outra banda, a polícia necessita, não raras as vezes, utilizar da força ou de armas de fogo contra aquele que resiste à ordem de prisão ou tenta fugir do local. Evidentemente que o policial atuará amparado pela excludente da legítima defesa, devendo ser a arma de fogo utilizada ultima ratio, isto é, se não houver outra alternativa. Com relação ao disparo de arma de fogo por parte dos policiais, a Portaria Interministerial n.º 4.226, de 31de dezembro de 2010, determina, no tópico3, que "Os agente de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave". Pelo teor da referida portaria, se o agente estiver praticando crime de estelionato, furto e demais 5 GRECO, Rogério. Atividade Policial - 5 ed- Niterói, RJ: Impetus, 2013, p. 15. crimes sem o emprego de violência ou grave ameaça a pessoa, o agente de polícia não poderá empregar arma de fogo. Com relação ao agente que não obedece ordem de parada numa blitz policial, é de meridiana clareza que os agentes de polícia não podem utilizar arma de fogo, no sentido de efetuar disparos, vez que não há injusta perigo iminente de morte ou de lesão grave. Mesmo que o agente esteja com arma de fogo dentro do carro, escondida por exemplo, sem empregá-la de forma alguma, os policias não podem justificar o emprego desmedido de arma de fogo, por total ausência de perigo iminente de morte ou lesão grave. Por outra banda, importante informar, a título de reflexão, que quando um policial efetua disparos de arma de fogo contra pessoa que "fura" blitz policial, está o condenando a morte, pena incompatível com o Estado de Direito. O extermínio de seres humanos deve acabar, pois a pena de morte é, como regra, inadmissível. Não é possível os agente de polícia atuar à margem da legalidade, sob pela de incorrer em excesso intensivo (uso de meio desnecessário) ou extensivo (uso imoderado de meio necessário) e responder por tais excessos. A ilegalidade praticada pelos agentes de segurança, cria o famigerado Direito Penal Subterrâneo. Salienta-se que todos os bens jurídicos individuais, conforme já dito, são passíveis de legítima defesa (vida, dignidade sexual, integridade etc.), desde que som a devida moderação (proporcionalidade). Segundo Juarez Cirino "o direto de matar em legítima defesa é limitado às hipóteses de proteção da vida, do corpo (incluídos a tortura e o cárcere privado) e da sexualidade, com exclusão de todas as outras hipóteses". Já segundo BERNSMANN, "fundado no dever do Estado de proteger a vida: atirar no autor do furto, por exemplo, mesmo que seja o único meio de recuperar a coisa - como ainda admite a opinião dominante - não pode ser justificado pela legítima defesa. 6 Então, a lei13.060, de 22 de dezembro de 2014, disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo território nacional, informa, no art. 2o, que os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e deverão obedecer aos seguintes princípios: I - legalidade; II - necessidade; e III - razoabilidade e proporcionalidade. Não é legítimo o uso de arma de fogo: I contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; e II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros. Necessita o Estado sim, preparar mais os policiais e ampará-los no sentido de utilizarem com critério e, acima de tudo, com o espírito aliviado de que o melhor caminho é preservar vida, pouco importando quem seja o abordado, oferecendo-lhes cursos de formação e capacitação. 6 BERSMANN, Überlegungen zur tödlichen Notwehr bei nicht lebensbdrohlichen Angriffen, ZStW 104 (1992), apud, SANTOS, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal - Parte Geral - 2 ed. - Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 123). Se o policial, por alguma razão, de depara com situação que o emprego da arma de fogo seja necessário, que tenha a consciência que a melhor forma é utilizá-la de forma moderada, sempre com o objetivo de, apenas, conter a injusta agressão. O artigo. 6o da referida lei informa que sempre que do uso da força praticada pelos agentes de segurança pública decorrerem ferimentos em pessoas, deverá ser assegurada a imediata prestação de assistência e socorro médico aos feridos, bem como a comunicação do ocorrido à família ou à pessoa por eles indicada. A nosso juízo trata-se, este parágrafo, de uma belíssima chuva no oceano, vez que o é dever de cidadão socorrer o próximo, ainda mais com relação aos agentes de polícia, que estão na posição de garantidores. Diante de todo exposto, a nosso juízo, andou bem a Presidente ao sancionar a referida lei. Entendemos que a proporcionalidade e o senso da mais pura justiça é sempre o melhor caminho. Rodrigo Castello