k • • ESTADO DA PARAÍBA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GAB. DES. JÚLIO PAULO NETO ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL N. 200.2004.040.270-91001 RELATOR : Desembargador Júlio Paulo Neto 1° APELANTE : Maria Aparecida Pereira Bezerra • (Adv. Julianna Érika Pessoa de Araújo e outra) 2° APELANTE : Telemar Norte Leste S/A. (Adv. Cláudia Virgínia Neiva Montenegro e outro) APELADOS : os mesmos ..• AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE COBRANÇA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSINATURA RESIDENCIAL BÁSICA. ILEGALIDADE. DEVOLUÇÃO SIMPLES DAS QUANTIAS COBRADAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL. APELO. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO E INÉPCIA DA INICIAL. REJEIÇÃO. COBRANÇA EFETUADA PELA SIMPLES DISPONIBILIDADE DO SERVIÇO. ABUSIVIDADE. RECONHECIMENTO. MANUTENÇÃO DO DECISUM. DESPROVIMENTO. Segundo entendimento firmado pelo Co!. STJ, a Ação Civil Pública "não inibe o titular do direito de propor ação individual para a tutela de seus interesses pessoais." (STJ — CC • 38160 — SP — 2a S. — Rel. Min. Barros Monteiro — DJU 19.12.2003 — p. 00312) É da competência da Justiça Estadual a ação movida por consumidor contra concessionária de serviço público de telefonia visando à declaração de ilegalidade da cobrança da "Assinatura Básica Residencial". Estando a petição inicial bem posta, apontando fatos que, no entender do autor, justificam sua pretensão, não há que se falar em inépcia da inicial. É da própria natureza da tarifa cobrada pela concessionária a sua voluntariedade, e a estrita correlação com utilização em concreto do serviço prestado, não podendo a mesma ser instituída como pagamento pela mera disponibilidade do serviço público. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, em que figuram como partes as acima nominadas. • , ACORDAM, em Terceira Câmara Cível do Tribunal de Jus• tiça da Paraíba, por unanimidade, rejeitar as preliminares e, no mérito, negar provimento aos recursos, integrando a presente decisão a súmula de julgamento de fl. 285. RELATÓRIO Tratam-se de apelações cíveis interpostas por Maria Aparecida Pereira Bezerra e Telemar Norte Leste S.A. contra a decisão que julgou procedente, em parte, o pedido constante da ação declaratória de inexigibilidade de cobrança c/c repetição de indébito proposta pelo primeiro apelante em face da segunda apelante. Em suas razões, a promovente pede a reforma parcial da séntença, apenas para que sejam restituídos em dobro os valores em que reputa indevidos. A promovida, por sua vez, suscita as preliminares de incompetência absoluta do Juízo e inépcia da inicial. No mérito, destaca a legalidade da cobrança da assinatura mensal básica, prevista no art. 3 0 , XXI, da Resolução 85/98 da ANATEL. Assinala, ademais, que tais valores correspondem à própria infraestrutura disponibilizada ao assinante, sendo indispensável à utilização do serviço prestado. Contra-razões pelos recorridos às fls. 193/197 e 198/230, pugnando pela manutenção do decisum. Nesta Instância, o Ministério Público absteve-se de opinar (fls. 356/358). É o relatório. VOTO Embora tenha sido posterior ao recurso do promovente, aprecio em primeiro lugar o recurso da Telemar, eis que, além de serem suscitadas questões preliminares, a matéria ali versada se postar como prejudicial à análise do apelo do autor. Inicialmente, alega o recorrente, em sede de preliminar, ser necessária a suspensão do feito até o julgamento de uma Ação Civil Pública ajuizada contra a recorrente que trata da mesma matéria. Tal argumento não merece prosperar. É que, tratando-se de direito individual homogêneo, a ação pode manter seu curso independentemente da ação coletiva, não sofrendo qualquer efeito do resultado desta, mesmo que seja julgada procedente. Este entendimento foi firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no Conflito Negativo de Competência n. 47.731, merecendo destaque t 1/)\ • o voto do Min. Teori Albino Zavascki, dada a pertinência com que aborda o tema: • "No caso dos autos, porém, o objeto das demandas são direitos individuais homogêneos (= direitos divisíveis, individualizáveis, pertencentes a diferentes titulares). Ao contrário do que ocorre com os direitos transindividuais — invariavelmente tutelados por regime de substituição processual (em ação civil pública ou ação popular) —, os direitos individuais homogêneos podem ser tutelados tanto por açãq coletiva (proposta por substituto processual), quanto poiação individual (proposta pelo próprio titular do direito, a quem é facultado vincular-se ou não à ação coletiva). Do sistema da tutela coletiva, disciplinado na Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor - CDC, nomeadamente em seus arts. 103, III, combinado com os §§ 2° e 3 0, e 104), resulta (a) que ação individual pode ter curso independente da ação coletiva; (b) que a ação individual só se suspende por iniciativa do seu autor; e (c) que, não havendo pedido de suspensão, a ação individual não sofre efeito algum do resultado da ação coletiva, ainda que julgada procedente. Se a própria lei admite a convivência autônoma e harmônica das duas formas de tutela, fica afastada a possibilidade de decisões antagônicas e, portanto, o conflito." (STJ - CC N° 47.731 - DF (2005/0010679-9) – Rel. Mi- nistro Francisco Falcão) Não vejo, pois, razão para suspender o feito até o julgamento da ação coletiva. Quanto à questão da competência, entendo que a matéria não demanda maiores digressões. É que o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento no sentido de que cabe à Justiça Comum Estadual conhecer das ações discutindo a legalidade da tarifa básica. Nesse sentido, são inúmeros os precedentes, sendo que, para melhor ilustrar, transcrevo parcialmente a ementa do julgamento de um dos conflitos de competência decididos pelo STJ: • "CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO. JUIZO FEDERAL VERSUS TRIBUNAL DEJUSTIÇA. AÇÃO DECLARA TÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO PROMOVIDA CONTRA CONCESSIONÁRIA DE TELEFONIA (TELEMAR NORTE LESTE S/A). ASSINATURA BÁSICA RESIDENCIAL. DECLARAÇÃO DE INTERESSE DE ENTE FEDERAL AFASTADO PELA JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A ação tem como partes, de um lado, consumidor, de outro, a Telemar Norte Leste S/A, empresa privada concessionária de serviço público. Ausência da ANATEL em qualquer pólo da demanda. Competência da Justiça Estadual. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba." (STJ - CC 47878 / PB - Ministro JOSÉ DELGADO - Si PRIMEIRA SEÇÃO - DJ 23.05.2005) \1\9}ÃO Assim, rejeito a preliminar. Também não rende acolhida a preliminar de inépcia da inicial. A inicial observa o disposto no art. 282 do CPC, deixando claro o pedido, que se põe como conseqüência lógica da causa de pedir. Anote-se, ademais, que a promovida teve plena compreensão da controvérsia, tanto que aduziu defesa. Rejeito, também, esta preliminar. No mérito, discute-se sobre a legalidade da cobrança da assinatura residencial cobrada pela empresa recorrente, referente à disponibilidade ao usuário do sistema de telefonia fixa, sem que houvesse, efetivamente, qualquer utilização concreta do serviço por parte deste. Inicialmente, entendo necessário tecer algumas considerações sobre taxa e tarifa, apontando, concomitantemente, as notas que as diferenciam. . A teor do art. 145, II, da Carta Política, "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;" A taxa é espécie do gênero tributo para viabilizar a cobrança, pelo Estado, de valores por ele dispendidos em razão de uma atividade própria, sendo, portanto, uma obrigação instituída por lei a todas as pessoas que estejam na situação de usuário, efetivo ou potencial, de determinado serviço. • O sujeito passivo da taxa, na lição de Luciano Amaro, é o indivíduo que "provoca a atuação estatal caracterizada pelo exercício do poder de polícia, ou a pessoa a quem seja prestada (ou à disposição de quem seja colocada) a atuação do Estado traduzida num serviço público divisível." (Luciano Amaro - Direito Tributário Brasileiro — Ed. Saraiva — 9 a Edição — p. 43) Nota marcante nesta modalidade de tributo é a desnecessidade do utente do serviço vir a efetivamente fazer uso dele. Basta, portanto, a pura e simples colocação de um serviço público à disposição do usuário para autorizar o Estado a efetuar a cobrança da taxa. A tarifa, por sua vez, é a contraprestação paga pelo usuário ao Estado, concessionário ou permissionário, em virtude da efetiva utilização de um serviço público. Diferentemente da taxa, a tarifa se relaciona com o serviço público de uso facultativo, ou seja, aquele não imposto obrigatoriamente pela lei, que o usuário pode ou não dele se servir. Sobre as diferenças entre a taxa e a tarifa, importa lembrar a lição de Sacha Calmon Navarro Coelho, citado por Celso Ribeiro Bastos: d8u7k,_ "o preço é contratualmente acordado. A taxa é unilateralmente imposta pela Lei. O primeiro parte da autonomia da vontade. A segunda é heterônoma. O contrato de prestação de serviço público mediante a contribuição em pecúnia pode ser rescindido, e só o fornecimento efetivo dá lugar ao pagamento. A prestação de serviços públicos pelo pagamento de taxas inadmite rescisão, e a só disponibilidade do serviço, quando legalmente compulsória a sua utilização, se específico e divisível, autoriza a tributação." (Curso de Direito Administrativo — Ed. Celso Bastos — p. 267). . •l. No caso dos autos, discute-se a remuneração da prestação de serviços públicos uti singuli, prestados por concessionária de serviço público de telefonia fixa, efetivada por meio de uma tarifa, denominada de assinatura residencial, cobrada pela simples colocação do serviço à disposição do usuário. É nesta esta última característica da "assinatura residencial" que reside a controvérsia e, no meu sentir, a ilegalidade da cobrança. Ora, se o serviço é para ser remunerado por meio de tarifa ou preço público, sua cobrança só poderia se dar acaso o usuário se dele se utilizasse efetivamente. Da forma como está posta, tal contraprestação tem a nomenclatura de tarifa, mas sua natureza jurídica seria, em verdade, de taxa, já que cobrada pela simples colocação do serviço à disposição do usuário, não importando se ele faz ou não uso do mesmo. Este entendimento, aliás, foi o adotado por esta Colenda Câmara no julgamento da apelação cível n° 200.2004.059976-9/001, cuja relatoria coube ao Exmo. Des. João Antônio de Moura. Senão, vejamos: Ô. "É da própria natureza da tarifa cobrada pela concessionária a sua voluntariedade, e a estrita correlação com utilização em concreto do serviço prestado, não podendo a mesma ser instituída como pagamento pela mera disponibilidade do serviço público... Logo, sendo da própria natureza da tarifa a voluntariedade do pagamento, e sua estrita correlação com o serviço concretamente utilizado, é de se considerar abusiva a cobrança de quantia a tal título, por um serviço que não fora efetivamente e concretamente utilizado. Embora constitua um direito do concessionário haver estas tarifas, igualmente constitui em contrapartida, direito do usuário pagar à empresa prestadora de serviço, apenas por aquilo que efetivamente utilizou." Neste ponto, portanto, é que reside a ilegalidade da cobrança, uma vez que estar-se-ia instituindo um tributo por meio de resolução baixada pela ANATEL (Resolução n°85, de 30/12/1998), ferindo brutalmente o princípio da legalidade tributária (nullum tributum sine lege). Tal princípio, de cumprimento indispensável pelos entes públicos, consiste na vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir ou aumentar tributos sem que a lei o estabeleça, na forma • do art. 150, 1, da Constituição Federal, ressalvadas as hipóteses do art. 153, § 1°. Discorrendo sobre a reserva legal em matéria tributária, Luciano Amaro assegura que "quando se fala em reserva de lei para a disciplina do tributo, está-se a reclamar lei material e lei formal. A legalidade tributária não se contenta com a simples existência de comando abstrato, geral e impessoal (lei material), com base em que sejam valorizados os fatos concretos. A segurança jurídica requer lei formal, ou seja, exigese que aquele comando, além de abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material), seja formulado por órgão titular de função legislativa (reser= va de lei formal)". (Direito Tributário Brasileiro — Ed. Saraiva — 9 a Edição — p. 116) . Outrossim, importa salientar que o fato da Lei Geral de Telecomunicações (Lei n° 9.472/97) ter atribuído competência à ANATEL para instituição da estrutura tarifária não supre ti exigência da reserva legal, já que a autorização foi dada para criar tarifa, e não taxa. No que diz respeito ao recurso do promovente, este alega que faz jus ao recebimento em dobro das quantias indevidamente pagas. Tal argumento também não prospera. Com efeito. Dispõe o art. 42, parágrafo único, do CDC, que "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável." Da simples leitura do dispositivo, concluo que o direito do consumidor à repetição de indébito está condicionado a não ocorrência de "engano justificável". No caso vertente, entendo que a cobrança dessas tarifas constitui erro plenamente justificável, pois mesmo que seja indevida, deve-se atentar que a concessionária só a realizava porque entendia ser lícita, dada à sua regulamentação, ainda que equivocada, por meio de Resolução da ANTEL. Dessa forma, não é possível a devolução em dobro da quantia paga pela recorrida a título de assinatura mensal, o que não impede que a concessionária seja obrigada a restituir a tarifa recebida, de forma simples, na medida em que tais valores foram considerados abusivos. Por fim, cumpre destacar que este entendimento também já foi adotado no mencionado acórdão proferido por esta Câmara (Apelação Cível n. 200.2004.059976-9/001), não merecendo, portanto, maiores digressões. Feitas estas considerações, nego provimento a ambos os recursos, mantendo-se, na íntegra, a sentença guerreada. É como voto. , , 1• DECISÃO A Terceira Câmara decidiu, à unanimidade rejeitar as preliminares e, no mérito, negar provimento aos recursos. Presidiu os trabalhos o ínclito Desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos. Participaram do julgamento, além do Relator, o Excelentíssimo Des. Júlio Paulo Neto e o Excelentíssimo Juiz Convocado Dr. João Benedito da Silva. 1 • Presente o representante do Ministério Público, na pessoa do Dr. Doriel Veloso Gouveia, Procurador de Justiça. . Sala das Sessões da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba, em 27 de Abril de 2006. (data do julgamento). , João Pessoa, 05 de Maio de 2006. , n \ L -.------\() Oki-----(t---) Desembarga.. Júlio Paulo Ne o -Re - 'r- • TRIBUNAL DE JUSTIÇA Co ordemadoria Judiciária Registrado em /e 112.212.XWG • •