Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 1134 A LEI MARIA DA PENHA E A AÇÃO PENAL CABÍVEL À VÍTIMA Maria Eduarda Lopes Coelho de Vilela 1 1 Discente do 6º termo do curso de Direito das Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente, 2012, bolsista do Programa de Iniciação Científica ‘O Estado de Direito: aspectos políticos, jurídicos e filosóficos’, orientado pelo Prof. Dr. Sérgio Tibiriçá Amaral. E‐mail:maria‐[email protected]. RESUMO Este artigo tratará dos fatores a serem discutidos com relação à aplicabilidade da Ação Penal Pública Condicionada à Representação em substituição à Ação Penal Pública Incondicionada nos crimes acobertados pela Lei Maria da Penha – lei nº 11.340/06, com a procedência da ADI 4.424. Contemplará em seu desenvolvimento de discussão sobre os fundamentos legais utilizados pelo STF para compor a decisão desta Ação de Inconstitucionalidade proposta pela PGR – Procuradoria Geral da República. Discorrendo assim ‘Da Proibição da Proteção Deficiente’ e ‘Da Vedação da Discriminação Indireta ou Teoria do Impacto Desproporcional da Norma’, abordando, outrossim, o advento da ADI 4.301 e a aplicação da contramajoritariedade do juiz e da sanção caso a caso. Palavras‐chave: Ação Penal Pública Incondicionada e Condicionada; Lei Maria da Penha; ‘Da Proibição da Proteção Deficiente’; ‘Da Vedação da Discriminação Indireta ou Teoria do Impacto Desproporcional da Norma’; ADI 4.424. INTRODUÇÃO No atual sistema judiciário do Brasil está evidente a busca pela tutela efetiva do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. O artigo que usa os métodos dedutivo e indutivo, além do histórico discorreu sobre a lei Maria da Penha e a tutela penal à disposição da vítima. Com isto, verifica‐se a necessidade do respeito a alguns princípios que são preteridos, muitas vezes, pela busca da celeridade e objetividade adotadas no julgamento dos processos. O respeito ao princípio da proibição da proteção deficiente é um exemplo que exsurge como princípio postergado em algumas frágeis situações. Bem como, a Vedação da Discriminação Indireta com a ascensão da Teoria do Impacto Desproporcional da Norma, através da qual se busca a igualdade na aplicação da lei e não somente em sua criação. A Lei Maria da Penha (lei nº 11.340/06), com o disposto em seu artigo 16 – versando sobre a condição de suas ações consistirem em ações penais públicas condicionadas à representação da vítima, acarretou inúmeras discussões que foram levadas pela Procuradoria Geral da República ao STF através da ADI 4.424. Esta ação foi deliberada procedente, para o pedido de possibilidade de o Ministério Público propô‐la sem a necessidade da representação da ofendida, majoritariamente. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 1135 Contudo, há posicionamentos que não a julgam adequada, como o adotado pelo Ministro Cezar Peluso – presidente do STF – em seu voto na ADI supracitada, opostamente ao voto do relator seguido pelos demais ministros: “Isso significa o exercício do núcleo substancial da dignidade da pessoa humana, que é a responsabilidade do ser humano pelo seu destino. O cidadão é o sujeito de sua história, é dele a capacidade de se decidir por um caminho, e isso me parece que transpareceu nessa norma agora contestada”. Eis o necessário para introdução da discussão que se almeja travar no decorrer deste artigo. OBJETIVOS Um artigo científico tem objetivos de discutir doutrinariamente, mas não de esgotar o tema abordado no mesmo. Portanto, o objetivo aqui traçado é de mera exposição dos posicionamentos e análise destes quanto aos princípios do direito que norteiam a questão, proporcionando maior esclarecimento sobre a questão, elaborando uma conclusão sobre as ações publicas estarem condicionadas ou não à representação. METODOLOGIA A metodologia utilizada para discussão são os métodos dedutivo, indutivo e histórico, que refletem na conclusão do assunto em análise. Fez se a abordagem por meio dos princípios relacionados à questão levantada, expondo o objetivo e efetividade de cada princípio – fazendo um paralelo com o caso discutido. Abordou‐se as decisões do STF no tocante ao tema, numa ação de controle concentrado, ressaltando os fundamentos nela mencionados e defendidos. DISCUSSÃO DOUTRINÁRIA RELEVANTE O ativismo judicial é uma atitude, uma escolha do magistrado no modo de interpretar as normas constitucionais, expandindo seu sentido e alcance, e normalmente está associado a uma retração do Poder Legislativo, segundo Luis Roberto Barroso. A contenda trazida pelas correntes doutrinárias diversas e pela aplicação do atual ativismo judicial se deve ao fato de que mesmo havendo princípios abordados pelo STF em sua fundamentação frente a ADI 4.424 que fazem frente à eficácia do princípio maior da dignidade da pessoa humana, os mesmos nem sempre são devidamente aplicados e, como na questão principal aqui relatada, muitas vezes são rebatidos. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 1136 Este controle de constitucionalidade realizado pelo Supremo se dá com o objetivo de verificar se as normas colocadas em uso estão de acordo com a previsão da Constituição, analisando paralelamente a compatibilidade entre uma norma infraconstitucional e o texto da Norma Maior. PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE “Por força do princípio da proibição de proteção deficiente nem a lei nem o Estado pode apresentar insuficiência em relação à tutela dos direitos fundamentais, ou seja, ele cria um dever de proteção para o Estado (ou seja: para o legislador e para o juiz) que não pode abrir mão dos mecanismos de tutela, incluindo‐se os de natureza penal, para assegurar a proteção de um direito fundamental 1 ”. ² A lei que trata dos crimes de violência contra a mulher – denominada de Lei Maria da Penha, da qual trataremos, possui no texto do artigo 16 uma possibilidade de ocorrer proteção deficiente por parte do Estado, haja vista o condicionamento da ação penal pública à representação da vítima nestas ocorrências ser de extrema dificuldade no caso prático. A vítima tutelada pela lei nº 11.340/06 se encontra vulnerável ao agente dos delitos e, por muitas vezes, evita a representação ao sofrer represálias do agressor. Como salientado pelo Ministro Luiz Fux em seu voto na ADI em questão: “Sob o ângulo da tutela da dignidade da pessoa humana, que é um dos pilares da República Federativa do Brasil, exigir a necessidade da representação, no meu modo de ver, revela‐se um obstáculo à efetivação desse direito fundamental porquanto a proteção resta incompleta e deficiente, mercê de revelar subjacentemente uma violência simbólica e uma afronta a essa cláusula pétrea” (grifos de minha autoria). Por meio deste princípio, permanece o dever do Estado de proteger o cidadão e de punir para esta proteção, com um princípio de proporcionalidade e razoabilidade em favor da acusação. Os delitos graves tem que ser punidos à altura de seus danos e assim não causarão a aplicação da tutela jurisdicional do Estado como uma proteção deficiente. Modelo de aplicação do princípio da proibição da proteção deficiente em contrapartida é a ADI 4.301 proposta pela PGR versando sobre a alteração da natureza da ação que julga os crimes sexuais de estupro com lesão grave ou resultado morte. 2 GOMES, Luiz Flávio, Princípio da proibição de proteção deficiente. Disponível em http://www.lfg.com.br, 16 de Dezembro, 2009. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 1137 A ação anteriormente de natureza incondicionada, tornou‐se condicionada à representação, o que gerou polemica na doutrina e jurisprudência e foi firmado pela procedência da ADI acima tratada como um desrespeito ao princípio em questão, pois a vítima no caso em concreto não representava e o crime permanecia impune, representando um benefício aos réus e tornando a tutela estatal uma inerte proteção deficiente. VEDAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO INDIRETA OU IMPACTO DESPROPORCIONAL DA NORMA A igualdade, defesa no texto constitucional em seu art. 5º, ‘caput’, não se faz somente perante a criação da lei, mas também na eficácia da mesma, ou seja, na forma como ela é aplicada na sociedade atual. Igualdade que se configura como uma eficácia transcendente de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional devendo ser considerada não recepcionada se não for compatível com a Constituição. O princípio explanado da vedação da discriminação indireta é defeso às vítimas da Lei abordada neste artigo, já que o condicionamento das mesmas a representação as discrimina, pois os demais ofendidos por delitos de mesma natureza dos delitos por elas sofridos não tem sua tutela condicionada a representação alguma, sendo tutelados diretamente pelo MP – legitimado da ação penal pública incondicionada. Destarte, deve‐se aplicar a Teoria do Impacto Desproporcional da Norma, com a qual se justapõe ao entendimento do juiz e à aplicação da sanção casuisticamente. Esta teoria visa reduzir a aplicação discriminatória de norma válida ou de forma ineficaz pela desproporcionalidade de sua eficácia. Houve um caso jurisprudencial em que se presenciou a aplicação desta teoria pelo STJ e que causou grande repercussão na mídia, caso no qual a vulnerabilidade das vítimas de estupro foi contida pelo fato de que as mesmas "já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data". A aplicação da Teoria do Impacto Desproporcional da Norma é uma forma de evitar a aplicação da norma sem a análise do caso em concreto. CONCLUSÕES A procedência da ADI 4.424 é contestada pelo presidente do STF, bem como por considerável parte da doutrina. Contudo, os princípios tutelados através da aplicação desta decisão serão de extrema importância e, subsidiariamente estarão relacionados à tutela do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 1138 A ação penal pública incondicionada deve ser aplicada aos casos em que se aplica a lei nº 11.340/06 para que não sejam postergados os princípios supra defendidos. Sendo assim, concui‐se que a declaração de procedência à ADI 4.424 dada pelo Supremo é de acertada decisão e proporciona ao judiciário brasileiro uma jurisprudência baseada em princípios que devem ser assegurados a cada pedido em que se fizerem presentes, pois estão relacionados a um dos mais importantes princípios da Carta Magna de nossa constituição – a dignidade da pessoa humana, o qual deve ser sempre enfatizado. A explanação realizada por este artigo é restrita em face da abundância de discussões e argumentações com relação ao assunto exposto. Contudo, apesar de concluso pela concordância com a procedência da ADI tratada, não se objetiva o esgotamento ou a exaustão da investida em tela. REFERÊNCIAS GOMES, Luiz Flávio, Princípio da proibição de proteção deficiente. Disponível em http://www.lfg.com.br, 16 de dezembro, 2009. BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em http://www.plataformademocratica.org/, 03 de outubro, 2012. ALMEIDA, Vicente Paulo de. Ativismo judicial. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2930, 10 jul. 2011. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/19512, 03 de outubro, 2012. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 5. 19ª. Ed. Rev., aum. e atualizado de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. pág. 21 Pesquisa de artigos publicados em sites: http://www.stf.jus.br/portal/cms/ http://www.jus.com.br/revista/texto/8950 http://www.viomundo.com.br/denuncias/antonio‐mello‐stj‐decide‐que‐estupro‐de‐menor‐de‐14‐ anos‐nao‐e‐violencia‐se‐ela‐for‐prostituta.html http://g1‐globo‐com.jusbrasil.com.br/noticias/3072876/acusado‐de‐estuprar‐tres‐meninas‐de‐12‐ anos‐e‐absolvido‐pelo‐stj http://folha‐online.jusbrasil.com.br/noticias/3077822/decisao‐do‐stj‐que‐absolveu‐acusado‐de‐ estupro‐e‐alvo‐de‐recurso Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012