Integração e Aplicação 52. Integração do Direito 53. Aplicação do Direito Conflito Existe norma legal Não existe norma legal (hipótese normativa) (lacuna) Interpretação e aplicação da lei Preenchimento da lacuna (integração) Integração do Direito • Quando um juiz constata que não há uma lei que preveja o caso conflituoso, deparase com uma lacuna legal e com a necessidade de preenchê-la, promovendo a integração do direito (também chamada preenchimento da lacuna ou colmatação da lacuna). Integração do Direito • Regra: completude do direito – Há leis prevendo todos os comportamentos sociais • Exceção: lacuna – Por ser excepcional, deve ser demonstrada • Se um advogado elabora uma petição pedindo a solução para um caso conflituoso não previsto por qualquer lei, deverá provar essa falta de previsão. Tal prova pode ser obtida pela análise dos fatos previstos nas leis existentes e pela descrição do fato conflituoso, demonstrando-se a lacuna. Para reforçar a argumentação, o advogado deve recorrer à doutrina e à jurisprudência, se já tiverem pronunciado-se sobre o fato. Detectada a lacuna Poder Legislativo Poder Judiciário Cria Lei Cria Sentença Elimina a Lacuna (geral e abstrata) Preenche a Lacuna (indiviidual e concreta) Lacuna da lei e lacuna do direito Normas jurídicas Normas legais Lacuna da lei e lacuna do direito • Não ocorre lacuna do direito porque este funciona respeitando sua regra estrutural da completude. Ainda que falte uma norma jurídica legal, o juiz produzirá a norma jurídica sentencial do mesmo modo, porém partindo de outras fontes. Nunca um caso deixará de ser resolvido por meio de uma norma jurídica. Assim, nunca haverá propriamente uma lacuna do direito. Legislação – CF Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; • LID Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. • CPC Art. 126 O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. Integração do direito • Autointegração – Preenchimento da lacuna recorrendo-se à fonte dominante • Analogia • Heterointegração – Preenchimento da lacuna recorrendo-se a fontes não dominantes • Costume • Equidade • Princípios gerais do direito Questão: há ordem na utilização dos mecanismos de integração? Sim 1.Analogia 2.Costumes 3.Princípios Não Juiz deve buscar os fins sociais do direito e o bem comum Analogia • Comparamos um caso não previsto na legislação com outro previsto (ou outros). • O critério do caso previsto será aplicado para a resolução do caso não previsto, desde que sejam semelhantes. Analogia • Analogia legis – Deve-se demonstrar: 1. a semelhança entre dois fenômenos • deve ser fundamental e não circunstancial, ou seja, a essência de ambos deve ser parecida • deve ser axiológica, ou seja, ambos os fenômenos devem propiciar condições para a concretização de valores semelhantes 2. que um deles está regulado e o outro não – Então, aplica-se a norma do primeiro ao segundo • Ex: Decreto 2681/1912 trata da responsabilidade da empresa transportadora nas estradas de ferro sobre a vida e integridade dos passageiros Integração do direito • Analogia juris – Comparamos um caso não previsto com outros casos semelhantes, regidos por leis diversas. –Há um caso parecido com vários outros e muitas leis regendo apenas estes. –Aplicar-se-á ao caso lacunoso o mesmo critério utilizado na resolução dos demais casos. –Ex. Sociedades que se unem mas não preveem forma de votação – todas adotam o princípio da maioria Lei 1000 …art. 20 É proibido A Fato A Sentença: A é proibido. Lacuna Fato B Lei 1000 …art. 20 É proibido A Fato A Lacuna Fato B Sentença: Sentença: Se A é semelhante a B, e A é A é proibido. proibido pela Lei 1000, então B é proibido. Integração do direito • Impedimentos à analogia: – No direito penal, não se pode realizar analogia para tipificação de conduta, penalização ou agravamento • Só se admite a analogia benéfica – No direito tributário, não se admite a analogia para impor tributos ou penas – Não se admite analogia em casos de restrição de direitos fundamentais Interpretação extensiva • Também pode ser procedimento integrador • Questão de diferenciá-la da analogia – Insuficiência ou impropriedade verbal X ausência de norma legal • A interpretação extensiva parte de uma lei mal redigida que deveria ter englobado o fato, enquanto a analogia parte de uma lei bem redigida que tratou de um caso parecido. Proibido circular de motos no parque A. Proibido circular de carros no parque A. Proibido circular de motos no parque B. Analogia Interpretação Extensiva Proibido circular de motos no parque A. Proibido circular de carros no parque A. Proibido circular de motos no parque B. Analogia Interpretação Extensiva Integração do direito • Costumes – Praeter legem • Princípios gerais do direito • Equidade Princípios Gerais do Direito – • Princípios são verdades ou juízos fundamentais que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um sistema de conhecimento No direito, os princípios condicionam e orientam a compreensão do sistema para: 1. 2. 3. 4. Determinação da validade das normas Interpretação das normas jurídicas Integração do direito Produção de normas jurídicas gerais ou concretas Princípios Gerais do Direito • Os princípios não necessariamente estão positivados de modo expresso – Ex: os pactos devem ser cumpridos • Muitos, porém, estão consagrados pela legislação – Ex: dignidade da pessoa humana (art. 1º, III CF), princípio da igualdade (art. 5º CF), legalidade (art. 5º, II CF) Princípios Gerais do Direito • Para preencher uma lacuna, o princípio fundamentará a criação de uma norma concreta pela autoridade jurisdicional. Esta, constatando a lacuna, pode recorrer aos princípios gerais e produzir uma norma que permita ao direito concretizar seus fins sociais e propiciar condições para a realização de valores que levam ao bem comum. Equidade • Julgamento feito conforme o senso pessoal de justiça do julgador. – Analisando o caso em suas peculiaridades reais, o juiz chega a uma noção própria do que é certo e do que é errado. • Cumpre duas funções básicas: – Hermenêutica • Juiz deve interpretar a lei em busca de seus fins sociais e do bem comum (para tanto, recorre à equidade) – Integrativa • Nos casos de lacuna, o juiz decide conforme a equidade Equidade • Lacuna voluntária – O legislador escolhe deixar o critério de solução de um conflito para o próprio juiz, criando uma lacuna voluntária. • artigo 156 do Código Civil, cujo parágrafo único determina que o juiz “decidirá conforme as circunstâncias” para considerar se há estado de perigo envolvendo um não familiar • artigo 413 do mesmo Código, determinando que o juiz reduza “equitativamente” o valor da cláusula penal em caso de cumprimento parcial da obrigação contratual. Equidade • Lacuna involuntária – O artigo 127 do Código de Processo Civil é claro: “o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. • A lei civil autoriza o preenchimento da lacuna mediante analogia, costumes e princípios gerais, mas não menciona a equidade. • CLT, artigo 8º - autoriza a equidade em caso de lacuna Equidade • Por força do citado inciso XXXV, art. 5º, da Constituição Federal, o Poder Judiciário deve sempre apreciar os conflitos. Assim, caso não encontre uma lei para julgar um caso, nem consiga determinar um critério a partir da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito, não restará outra alternativa ao juiz senão recorrer à equidade. O artigo constitucional é superior ao artigo 127 do CPC. Equidade • Mas é muito difícil imaginar que um juiz não consiga decidir um caso pelos três mecanismos de preenchimento da lacuna, tendo de recorrer à equidade. Talvez, a equidade deva ser utilizada apenas para determinar qual dos mecanismos a ser utilizado e como utilizá-lo, mas não necessariamente em detrimento deles. Aplicação do Direito Conflito Existe norma legal Não existe norma legal (hipótese normativa) (lacuna) Interpretação e aplicação da lei Preenchimento da lacuna (integração) Nomenclatura • Aplicação do direito – Processo de transformação da norma legal, na maioria da vezes geral e abstrata, em uma norma individual e concreta • Subsunção – Submissão do fato à norma legal, produzindose a norma individual e concreta Norma legal Fato Norma legal Subsunção Aplicação Fato Norma legal Subsunção Aplicação Sentença Fato Aplicação do Direito • Transformação da norma geral e abstrata em uma norma individual e concreta – Sentença – Decisão administrativa – (elaboração de contrato) Aplicação da lei • A maioria dos conflitos sociais ocorre por problemas comunicacionais. – Duas pessoas não se comunicam o suficiente, havendo a recusa na comunicação por parte de uma delas ou das duas. – Essa falta de comunicabilidade causa expectativas desiludidas, gerando frustrações e criando, propriamente, um conflito. Aplicação da lei • O conflito pode ser resolvido pela busca de um terceiro comunicador – Esse terceiro restabelece a comunicação, ouvindo as partes conflitantes e, por fim, profere uma decisão Aplicação da lei • O juiz é um terceiro comunicador que resolve conflitos • Quando procurado, o conflito torna-se jurídico: • Surge a possibilidade de se exigir a comunicação • Troca de mensagens deixa de ser meramente subjetiva e passa a ser coordenada pelo terceiro comunicador (juiz) • Institucionaliza-se o conflito e seu procedimento decisório – processo judicial Aplicação da lei • O processo judicial, assim, é uma forma de se restabelecer a comunicação interrompida que causa o conflito. • Ele se inicia por meio da interposição de uma petição inicial (regulada no art. 282 do CPC). – A petição inicial, assim, descreve o conflito, sugere normas legais que podem resolvê-lo e pede a aplicação das mesmas. Petição Inicial (282 CPC) 1. Fatos – – – Descrição do conflito (existência do conflito) Apresentação do autor e de seu ânimo Potencial juridicidade do conflito 2. Fundamentos Jurídicos – – Identificação da norma jurídica aplicável (lacuna – preenchimento) Interpretação: • • • validade e vigência (antinomia e sua eliminação) alcance (histórico, sociológico) eficácia (fins sociais) e legitimidade (bem comum) 3. Pedido – Aplicação da norma jurídica Contestação (art. 300 CPC) – Petição inicial reinstaura a comunicação, exigindo do réu uma resposta, que se torna obrigatória. • • O meio mais comum de responder é a contestação De modo geral, o réu contesta os itens da petição: 1. nega a versão apresentada dos fatos 2. questiona as normas jurídicas e suas interpretações 3. pede uma aplicação diversa das leis Pontos Controvertidos • Lembremos: a causa do conflito é a falta de comunicação. Ao ser institucionalizado no Poder Judiciário, a comunicação torna-se obrigatória e o conflito será resolvido pelo juiz. Mas, para que o conflito possa ser resolvido, há a necessidade de que ele seja determinado: qual sua abrangência? Serão considerados pontos conflituosos aquelas questões que surgirem durante a comunicação: as controvérsias entre o autor e o réu, ou seja, as divergências comunicacionais. Petição Inicial Contestação Fatos: A B Fundamentos: Lei 10 Interpretação X Pedido Condenação do Réu Fatos: Não-A B Fundamentos: Lei 10 Interpretação Y Pedido Absolvição do Réu Petição Inicial Contestação Fatos: A B Fundamentos: Lei 10 Interpretação X Pedido Condenação do Réu Fatos: Não-A B Fundamentos: Lei 10 Interpretação Y Pedido Absolvição do Réu Sentença (art. 485 CPC) • O juiz resolverá os pontos controvertidos por meio da sentença. Ele tomará decisões para resolver os conflitos fáticos e jurídicos. – Em termos fáticos, os envolvidos no conflito deverão apresentar provas que permitam convencer o juiz da veracidade do que alegam. – Em termos jurídicos, os conflitantes deverão convencer o juiz a utilizar determinadas normas legais, interpretá-las da forma que reputam melhor e aplicá-las por meio da apresentação de argumentos doutrinários e jurisprudenciais. Aplicação do direito • O direito, enquanto processo de resolução de conflitos, é um procedimento que delimita problemas e os resolve. • Os problemas são delimitados enquanto pontos controvertidos surgidos no processo judicial; são resolvidos por meio de decisões tomadas pelo juiz. Aplicação do direito • Direito é, assim, um pensar problemático • Os pontos controvertidos são problemas que devem ser resolvidos – Prova é mecanismo para minimizar os efeitos do questionamento • Cada problema leva a uma decisão A Decisão – Ato em que uma possibilidade é escolhida e outras são abandonadas (visão tradicional) – O juiz escolherá uma versão para os fatos narrados (pode ser a versão de uma das partes, uma mescla de ambas ou uma versão própria do juiz, obtida por meio das provas apresentadas), escolherá as leis que utilizará, delimitará seus significados por meio de uma interpretação e, enfim, transformará o texto legal em um texto sentencial. Aplicação do direito • Tradicionalmente se considera a aplicação do direito como um procedimento silogístico • Dedução de uma conclusão a partir de premissas 1.Premissa Maior – TMed é TMai 2.Premissa Menor – TMen é TMed 3.Conclusão – Logo, TMen é TMai Todo humano é mortal. Platão é humano. Logo: Platão é mortal. Aplicação do direito • Eis o silogismo jurídico: • A norma jurídica corresponde à premissa maior; • A descrição dos fatos corresponde à premissa menor; • A decisão corresponde à subsunção. • Decidir, assim, corresponde a aplicar o direito, ou seja, aplicar a regra ao caso. Exemplo: • • • Premissa maior (norma): Os alunos (Termo Médio) devem permanecer em silêncio (Termo Maior); Premissa menor (fato): Neto (Termo Menor) é aluno (Termo Médio); Conclusão (aplicação): Neto (Termo Menor) deve permanecer em silêncio (Termo Maior). Aplicação do direito • Tendo-se em vista que as normas jurídicas possuem sanção, o raciocínio fica um pouco mais complexo: • Norma: O aluno que conversar em aula deve ser advertido • Silogismo 1: • Pma – Em aula deve haver silêncio (endonorma) • Pme – Fulaninha está em aula • LOGO – Fulaninha deve manter silêncio • Silogismo 2: • Pma – Quem não mantiver silêncio em aula deve ser advertido (perinorma) • Pme – Fulaninha não manteve silêncio em aula • LOGO – Fulaninha deve ser advertida Aplicação do direito • Durante um processo judicial, conforme dito, são delimitados os pontos controvertidos, que decorrem de falhas comunicacionais. O juiz deve resolver todos esses pontos. • Primeiro, deve decidir quais foram os fatos, delimitando a premissa menor do silogismo e identificando seu Termo Menor (a pessoa) e seu Termo Médio (o fato). Depois, precisa encontrar uma norma legal que possua o Termo Médio (o fato) previsto hipoteticamente, para descobrir o Termo Maior (a consequência, aquilo que deve ser permitido, proibido ou obrigatório). Então, basta concluir e decidir, estabelecendo que o Termo Menor (a pessoa) deve seguir o Termo Maior (a consequência). Termo menor: a pessoa Termo médio: o fato Termo maior: comportamento permitdo, proibido ou obrigatório Premissa menor (realidade) Ex: Platão assiste à aula. Premissa maior (norma) Ex: Quem assistir à aula deve permanecer em silêncio. Conclusão (sentença) Ex: Platão deve permanecer em silêncio. Questão final • A aplicação do direito é um processo meramente lógico? • Basta comprovar os fatos para que a premissa menor esteja construída e a aplicação surja automaticamente • Premissa maior já estaria pronta, derivando do texto legal – Ou não se reduz a uma mera dedução automática (é axiológico)? – Premissa maior é construída • Interpretação da norma é ato de escolha • Constroi seu significado, que não está pronto