UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSE
CURSO DE DIREITO
A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA NO ÂMBITO DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
MARLI SALETE DE SOUZA ARAGÃO
São José, 2007.
i
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ
CURSO DE DIREITO
A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA NO ÂMBITO DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
MARLI SALETE DE SOUZA ARAGÃO
Monografia submetida à Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Msc. Flaviano Vetter Tauschek
São José, 2007.
ii
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José , 06 de junho de 2007.
Marli Salete de Souza Aragão
Graduando
iii
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Marli Salete de Souza Aragão, sob
o título “A Teoria da Desconsideração da Personalidade no Âmbito do Código de
Defesa do Consumidor”, foi submetida em 06 de junho à Banca Examinadora
composta pelos seguintes professores e aprovada com a nota ___.
São Jose (SC), 06 de junho de 2007.
[Professor Título Nome]
Orientador e Presidente da Banca
[Professor Título Nome]
Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
[Professor Título Nome]
Membro da Banca
Dedico este trabalho:
Ao meu esposo, companheiro de todas as
horas.
As minhas filhas, Ana Paula, Fernanda e
Isabel, esteios da minha existência.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus pela dádiva da vida.
Aos meus familiares, que souberam compreender as minhas ausências.
Aos amigos, alguns de forma muito especial, pelo apoio e provas de
companheirismo inconfundíveis, sem os quais esta caminhada não teria chegado ao fim.
Em especial, ao meu orientador Prof. Flaviano Vetter Tauschek, pela competente
orientação, essencial para o desenvolvimento e conclusão deste trabalho monográfico.
6
RESUMO
A presente pesquisa tem como principal objetivo o estudo da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do artigo 28 do Código de Defesa do
Consumidor. O trabalho foi desenvolvido em três capítulos. O primeiro trata da pessoa
jurídica, seu conceito, desenvolvimento histórico e sua natureza jurídica, passando pelo
nascimento, capacidade e representação até a extinção da personalidade jurídica. No segundo
capítulo analisa-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita,
sua origem, conceito, requisitos e efeitos. No terceiro e último capítulo abordar-se a
desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das relações de consumo, em especial o
estudo do artigo 28 e seus parágrafos, buscando apresentar as inúmeras divergências
doutrinárias existentes acerca do tema pesquisado.
Palavras-chave: Pessoa jurídica. Desconsideração de personalidade
jurídica. Código de Defesa do Consumidor
7
RESUMEN
La presente pesquisa tiene como principal objetivo el estudio de la
teoría de la desconsideración de la personalidad jurídica en el ámbito del artículo 28 del
Código de Defensa del Consumidor. El trabajo fue desarollado en tres capítulos. El primer
tracta de la persona jurídica, su concepto, desenvolvimiento histórico y su naturaleza jurídica,
passando por su nacimiento, capacidad y representación hasta la extinción de la personalidad
jurídica. En el segundo capitulo analiza la teoría de la desconsideración de la personalidad
jurídica propiamente dicha, su origen, su concepto y efecto. En el tercero y ultimo capitulo se
aborda desconsideración de la personalidad jurídica en el ámbito de las relaciones de
consumo, en especial el estudio del articulo 28 y sus parágrafos, buscando presentar la
innumeras divergencias doctrinarias acerca del tema investigadio.
Palabras clave: Persona jurídica. Desconsideración de la personalidad
jurídica. Código de Defensa del Consumidor
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 - DAS PESSOAS JURÍDICAS NO CÓDIGO CIVIL ................................ 13
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................................................................ 13
1.2 CONCEITO DA PESSOA JURÍDICA........................................................................... 14
1.3 NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA...................................................... 16
1.4 CLASSIFICAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA ............................................................... 21
1.4.1 Das Associações ............................................................................................................ 22
1.4.2 Das Sociedades ............................................................................................................. 24
1.4.3 Das Fundações.............................................................................................................. 26
1.5 NASCIMENTO DA PESSOA JURÍDICA..................................................................... 28
1.6 CAPACIDADE E REPRESENTAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.............................. 30
1.7 EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA........................................................................... 32
CAPÍTULO 2 - A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA .............................................................................................................................. 37
2.1 TERMINOLOGIA ............................................................................................................ 37
2.2 ORIGEM .......................................................................................................................... 38
2.3 CONCEITO ....................................................................................................................... 42
2.4 A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO
BRASIL.................................................................................................................................... 45
2.5 NATUREZA JURÍDICA ................................................................................................. 47
2.6 REQUISITOS.................................................................................................................... 49
2.7 EFEITOS ........................................................................................................................... 52
CAPÍTULO 3 - A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO
ÂMBITO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ......................................... 55
3.1 CONSUMIDOR E RELAÇÃO DE CONSUMO ........................................................... 55
3.2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA E O CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR ...................................................................................................................... 58
3.3 O ESTUDO DO ARTIGO 28 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR........ 61
9
3.4.1 O parágrafo 1º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor........................... 65
3.4.2 Os parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor...... 66
3.4.3 O parágrafo 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor........................... 71
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 77
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 80
10
11
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa aborda o tema da desconsideração da
personalidade da pessoa jurídica no âmbito das relações de consumo.
A escolha do tema se deu em função da proteção que o Estado
dá ao consumidor, visando sempre tutelar os interesses deste, desde a promulgação
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que tratou explicitamente a
matéria nos artigos 5º, XXXII; 24, VIII, 170, V e artigo 48 das Disposições
Transitórias, até a elaboração do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse contexto, o trabalho tem como objetivo geral analisar a
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, especificamente no artigo 28,
caput e parágrafos, do Código de Defesa do Consumidor.
O suporte metodológico adotado para o desenvolvimento da
pesquisa é dedutivo e a natureza bibliográfica. Assim, buscar-se-á nas consagradas
posições doutrinárias e nas legislações constitucional e infraconstitucional vigentes
todo o referencial de base necessário para dar resposta à problemática então
definida no presente estudo.
Para apresentar o resultado do trabalho desenvolvido, que
resulta neste relatório de pesquisa, entendeu-se necessário dividi-lo em três
capítulos.
O primeiro capítulo aborda, inicialmente, conceitos genéricos
de pessoa e pessoa jurídica. A seguir apresenta o desenvolvimento histórico, a
classificação das pessoas jurídicas do ramo do direito público interno tais como
associações, fundações e sociedades, capacidade de representação. Esse estudo
contempla o tratamento legal dado à pessoa jurídica, do surgimento até a sua
extinção. Destaca-se aqui, também, a natureza jurídica, representação e
classificação.
Posteriormente, no segundo capítulo procura-se, por meio de
alusões históricas, compreender a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica propriamente dita, desde o primeiro relato existente na doutrina - o caso
12
mais conhecido Salomon vs. Salomam & Co. -. Abordam-se também aspectos
concernentes a conceitos apresentados pelas diversas correntes e opiniões de
renomados doutrinadores, além de definir requisitos e efeitos da teoria da
desconsideração da pessoa jurídica, sempre em consonância com os preceitos
legais em vigor.
No terceiro e último capítulo discute-se a questão da
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica no âmbito das relações de
consumo, matéria que constitui o objeto da presente monografia. Para empreender a
tarefa buscou-se inicialmente abordar as concepções atinentes a consumidor e
relação de consumo, para depois estudar a sua origem e pressupostos, bem como
analisar o intuito da acolhida da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
pelo Código de Defesa do Consumidor. O capítulo finaliza com um estudo dirigido do
artigo 28, caput, e parágrafos §1º (vetado), 2º, 3º, 4º e 5º, analisando os
pressupostos e as inúmeras divergências doutrinárias acerca da aplicação da teoria
da desconsideração da personalidade jurídica na relação de consumo.
13
CAPÍTULO 1
DAS PESSOAS JURÍDICAS NO CÓDIGO CIVIL
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
É de suma importância, antes de adentrar o assunto pessoa
jurídica, o estudo da pessoa em seu mais amplo significado, para a melhor
compreensão da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
A palavra pessoa deriva do latim persona, que significa
máscara de teatro. Para Márcio André Medeiros Moraes: “[...] era uma espécie
de máscara, a qual, além de cobrir o rosto do ator, tinha uma lâmina metálica junto
aos lábios que ampliava sua voz, assegurando o aumento do volume”. 1
Com a evolução de sentido o termo passou a ter outro
significado qual seja: pessoa é o sujeito de direitos, ou o titular da faculdade,
ente físico ou moral suscetível de direitos e obrigações.
Nesse sentido Sílvio de Salvo Venosa leciona que:
Pela evolução de sentido, o termo pessoa passou a representar o
próprio sujeito de direito nas relações jurídicas, como se todos
nós fôssemos atores a representar um papel dentro da
sociedade.
O fato é que em nosso conhecimento vulgar designamos pessoa
a todo ser humano. No sentido jurídico, pessoa é o ente
suscetível de direitos e obrigações 2.
No final da Idade Média passou-se a entender pessoa como
sendo o sujeito de direito nas relações jurídicas, suscetível de direitos e
obrigações.
Atualmente, há duas espécies de pessoas: a pessoa natural
ou física e a pessoa jurídica ou moral, esta última, vale lembrar, é o objeto de
estudo do presente trabalho.
1
MORAES, Márcio André Medeiros. A desconsideração da personalidade jurídica no
Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: LTr, 2002, p. 200.
2
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 1, p. 138.
14
1.2 CONCEITO DA PESSOA JURÍDICA
Desde os tempos mais remotos o homem demonstra a
necessidade de viver em sociedade, em agrupamentos mais ou menos
complexos. O instituto da pessoa jurídica decorre assim, pode-se dizer, dessa
necessidade.
Sobre o assunto Sílvio de Salvo Venosa entende que:
A premência de conjugar esforços é tão inerente ao homem
como a própria necessidade de viver em sociedade. É por meio
da pessoa jurídica que o homem sobrepuja suas limitações e
transcende a brevidade de sua vida. Há sempre, na vontade do
homem, ao constituir uma pessoa jurídica, um sentido de
perenidade que, como ser mortal, não pode atingir.3
O doutrinador citado leciona que a aglomeração de pessoas
não é o bastante para que haja a pessoa jurídica, eis que “é imprescindível a
vinculação psíquica entre os que constituem a pessoa jurídica para que assim
seja considerada”.4
Arnoldo Wald, sobre a pessoa jurídica, conceitua:
Ao lado das pessoas físicas, que são os sujeitos por excelência
nas relações jurídicas, existem certos grupos sociais,
corporações e até massas de bens constituídas para alcançar
determinada finalidade, que têm direitos próprios, formando
unidades abstratas, que denominamos pessoas, nas quais se
enfeixam determinados direitos subjetivos e obrigações.5
E para Giorgio Giorgi, citado por Elizabeth Cristina Campos
Martins de Freitas:
Pessoa jurídica consiste em uma coletividade humana
organizada, estável, para uma ou várias finalidades de utilidade
pública ou privada, sendo distinta dos membros que a compõem,
3
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 249.
4
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 249.
5
WALD Arnoldo. Direito Civil: introdução e parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 315.
15
dotada da capacidade de possuir e exercitar adversus omnes e
os direitos patrimoniais, compatíveis com a sua natureza, com o
subsídio e o incremento do Direito Público6.
A designação da expressão pessoa jurídica não é unânime
na doutrina. O Código Civil brasileiro em seu artigo 40 estabelece que, verbis:
“As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado”.
No mesmo sentido do artigo supracitado Silvio de Salvo
Venosa analisa o seguinte:
Entretanto, pessoa jurídica é a expressão mais aceitável, a
denominação menos imperfeita, como afirma Caio Mário da Silva
Pereira (1978, v. 1:256), pois é a mais tradicional na doutrina.
Se, de fato, sua criação é obra do Direito, surge da abstração a
que o Direito atribui personalidade; se é somente na esfera
jurídica que é tomada em consideração, há que se ter a
terminologia tradicional como a mais apropriada 7.
Para
a
constituição
de
uma
pessoa
jurídica
faz-se
necessário observar alguns requisitos exigidos por lei e, ainda mais, é essencial
que haja vontade humana e finalidade lícita.
Sobre as condições legais, rezam os arts. 45 e 46 do
Código Civil que:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito
privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro,
precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do
Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por
que passar o ato constitutivo.
Art. 46. O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo
social, quando houver;
II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e
dos diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e
passivamente, judicial e extrajudicialmente;
6
FREITAS. Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica. 2.
ed. São Paulo: Atlas, 2004, 28 p.
7
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 252.
16
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e
de que modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas
obrigações sociais;
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu
patrimônio, nesse caso.
Atualmente, a pessoa jurídica possui grande importância
para o ordenamento jurídico, eis que é mola propulsora para a economia,
pertencendo ao direito empresarial, financeiro e econômico.
Modernamente, o peso da economia conta-se
pela
potencialidade das pessoas jurídicas, que transcendem o próprio
Estado e se tornam supranacionais naquelas empresas que se
denominam ‘multinacionais’.
O Código Civil de 1916 não poderia prever, no final do século
XIX e no início do século XX, a dimensão que tomaria a matéria.
Serve, portanto, esse estatuto tão-somente de ponto de partida
para a fixação dos conceitos fundamentais de pessoas jurídicas.
A refugir desses limites, o estudo da pessoa jurídica passa a
pertencer ao novo Direito Empresarial, Financeiro e Econômico.8
1.3 NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA
No que tange à natureza jurídica da pessoa jurídica, podese dizer que a questão é muito controvertida, sendo objeto de muita pesquisa
por parte dos doutrinadores de várias gerações. Também, não são poucas as
teorias que procuram explicar sua existência e capacidade.
Sílvio de Salvo Venosa divide o tema em quatro teorias, que
são: a da ficção, a da realidade, as negativistas e as da instituição.9
A teoria da ficção teve origem no direito canônico e
prevaleceu até o século XVIII, na Alemanha e na França. Conforme relata
8
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 251.
9
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 251.
17
Elizabeth C. M. de Freitas 10, foi defendida por Savigny.
Para bem compreender tal teoria deve-se ter como base o
momento histórico e sociológico, eis que:
Essa teoria ficcionista surgiu em meio a uma época em que a
economia rural caminhava francamente no sentido de romper
com os últimos privilégios feudais que ainda estavam ligados a
ela, especialmente as corporações de ‘mão morta’, ao passo que
a economia comercial urbana se desvincula das últimas
corporações de ofício que obstaculizavam o desenvolvimento da
livre iniciativa empresarial.
[...]
A classe dominante passou a ser a burguesia e por isso
procurava afastar a intervenção estatal na economia em prol de
seu pleno desenvolvimento. Surge, então, a tendência de se
reconhecer de forma automática comunidades ditas ‘naturais’ e a
realidade societária como ente distinto das pessoas do sócios,
como patrimônios autônomos.11
Importante mencionar que os seus seguidores entendem
que só existe pessoa jurídica reconhecida por lei, tendo como objetivos exercer
direitos patrimoniais e facilitar o funcionamento das entidades.
A crítica à teoria, para Arnoldo Wald, é que:
[...] baseia-se em não ser necessariamente ficto tudo o que não
consta do mundo corpóreo. Existem sujeitos de direito fora da
realidade sensível. Por outro lado, a existência do Estado como
pessoa jurídica obriga o jurista a reconhecer que tais pessoas
são criação arbitrária da lei, mas correspondem a realidades
históricas e sociais, que o direito se limitou a reconhecer e
regulamentar.12
Já para Sílvio de Salvo Venosa, o problema está na
personalidade do Estado. Nas suas palavras:
Uma das mais sérias críticas feitas a essa teoria refere-se à
10
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 33.
11
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 33.
12
WALD, Arnold. Direito Civil: introdução e parte geral, p. 149.
18
personalidade do próprio Estado, como sujeito de direito, isto é,
como sujeito capaz de possuir, adquirir e transferir bens, de estar
em juízo etc. Se o próprio Estado é uma pessoa jurídica, é de se
perguntar quem o investe de tal capacidade. Respondem os
adeptos dessa corrente que, como o Estado é necessidade
primária e fundamental, tem existência natural. Contudo, isso não
afasta a contradição da teoria.13
No mesmo sentido é o entendimento de Washington de
Barros Monteiro 14, quando afirma que a teoria ficcionista é inaceitável, sob o
argumento de que esta não explica e existência do Estado como pessoa
jurídica.
A teoria da realidade, denominada ainda pela doutrina como
“realidade objetiva ou orgânica”, foi difundida na Alemanha e defendida por Otto
Gierkee. O seu fundamento é totalmente diverso da teoria da ficção, pois
defende a pessoa jurídica como sendo uma realidade social, capaz de direitos e
obrigações e com autonomia de vontade das pessoas que a compõem. 15
Como dito anteriormente, a teoria da realidade entende as
pessoas jurídicas como grupos sociais, com autonomia e vontade distintas em
relação aos seus membros e titulares de um patrimônio próprio. Por isso, não
pode o Estado deixar de reconhecê-la como realidade social que repercute no
ordenamento jurídico.16
Alguns doutrinadores rebatem a teoria da realidade por sua
idéia centrar-se na admissão da pessoa jurídica como possuidora de autonomia
e personalidade próprias, eis que, a personalidade é uma característica
exclusiva dos seres humanos. A seqüela está no fato de se caracterizar a
pessoa jurídica com qualidades que superem suas possibilidades. Afinal,
mesmo que a pessoa jurídica se assemelhe em vários pontos à pessoa física,
13
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 255.
14
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 36. ed. São Paulo: Saraiva,
1999, p. 330.
15
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 37.
16
WALD, Arnold. Direito Civil: introdução e parte geral, p. 149.
19
jamais poderá igualar-se a ela de forma total. 17
Washington de Barros Monteiro 18 entende a teoria da
realidade técnica como sendo a mais aceita. Segundo essa teoria, adotada pelo
Código Civil em seu artigo 45, já transcrito, a pessoa jurídica teria atuação
jurídico-social, embora a sua personalidade fosse criada pelo Direito.
Sílvio de Salvo Venosa, ao invocar Vicente Rao, faz o
seguinte comentário:
As pessoas jurídicas, segundo essa corrente, são reais, porém
dentro de uma realidade que não se equipara à das pessoas
naturais. Existem como o Estado, que confere personalidade às
associações e demais pessoas jurídicas. O direito deve
assegurar direitos subjetivos não unicamente às pessoas
naturais, mas também a esses entes criados. Não se trata,
portanto, a pessoa jurídica como uma ficção, mas como uma
realidade, uma ‘realidade técnica’. Para essa teoria, o ser
humano é o centro fundamental de interesse e vontade a quem o
direito reconhece personalidade. Como indivíduo, porém, não
pode cumprir todas as atividades a que se propõe senão unindose a outros, o Direito deve reconhecer e proteger os interesses e
a autuação do grupo social. 19
Entretanto,
cabe
ressaltar
que
várias
criticas
foram
formuladas acerca dessa teoria, principalmente no que tange a questões de
ordem prática. É como explica Elizabeth Cristina Campos Martins de Freitas:
[...] isso se dá especialmente tendo-se em vista que definir interesse
em Direito não é matéria pacifica, confundindo-se muitas vezes uma
necessidade, um motivo, um escopo ou uma relação, que, por sua
vez, pode ser entre um sujeito e um objeto, ou entre sujeitos
diversos.20
Outra teoria, a denominada negativista, não identifica
17
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 37.
18
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral, p. 332.
19
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 254.
20
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 37.
20
personalidade na pessoa jurídica, para os seus defensores somente os seres
humanos possuem personalidade.
Arnoldo Wald atribui à teoria negativista duas divisões: (i)
teoria negativista da personalidade jurídica, defendida por Brinz, como sendo
um patrimônio sem sujeito, e (ii) a teoria da propriedade coletiva, defendida por
Marcel Planiol, para quem a pessoa jurídica mascara um patrimônio coletivo,
afirmando ainda que, tal propriedade é proveniente do agrupamento de
pessoas, no entanto, sua administração fica restrita a alguns dos seus
membros. 21
Para Sílvio de Salvo Venosa o entendimento de Marcel
Planiol complica o problema da natureza jurídica “pois é evidente que a
existência de um patrimônio deve ter como referência uma coletividade;
contudo, essa coletividade não pode ser confundida com seus membros
integrantes”.22
A teoria da instituição foi criada por Maurice Haurion e
difundida por George Bonnarda, conforme anuncia Silvio de Salvo Venosa.23 O
intuito dessa teoria é explicar as relações de Direito mediante a análise das
relações sociais.
Para Elizabeth Cristina Campos Martins de Freitas as
críticas acerca dessa teoria gravitam no sentido de que:
(a) há uma supervalorização do elemento sociológico, que,
porém, não consegue explicar o motivo pelo qual uma das
instituições mais fortes e sólidas existentes como a família, não
possui personalidade jurídica;
(b) tendo por elemento da personalidade jurídica o poder
automativo do grupo ou autonomia, desconhece-se a existência
das pessoas jurídicas que se submetem à vontade do fundador.24
O Código Civil adota a teoria da realidade técnica. É o que
21
WALD, Arnold. Direito Civil: introdução e parte geral, p. 149.
22
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 258.
23
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 258.
24
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 37.
21
afirma Silvio de Salvo Venosa:
Desse modo, encaramos a pessoa jurídica como realidade
técnica. Para nosso direito pos itivo, a pessoa jurídica tem
realidade objetiva, porque assim está estabelecida na lei. Diz o
art. 45 do Código Civil (antigo, art. 18) que ‘começa a existência
legal das pessoas jurídicas de direito privado’ com a inscrição do
ato constitutivo no registro competente. No art. 20 do antigo
diploma legal rezava que ‘as pessoas jurídicas têm existência
distinta da dos seus membros’. E o art. 21 enunciava as
hipóteses em que ‘termina a existência da pessoa jurídica’. Para
nosso direito, portanto, a pessoa jurídica é uma criação técnica. 25
Com efeito, é importante ressaltar que o objetivo maior do
presente trabalho é o estudo da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica no âmbito do Código de Defesa do Consumidor. Dessa feita, não cabe
aqui um estudo aprofundado acerca da natureza jurídica da pessoa jurídica, eis
que essa teoria pode ser invocada em qualquer das teorias expostas acima.
1.4 CLASSIFICAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
As pessoas jurídicas podem ser classificadas como:
pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado,
conforme art. 40 do Código Civil em vigor. As pessoas jurídicas de direito
público se dividem em: de direito público interno e de direito público externo.
O Estado, como uma nação politicamente organizada, é
pessoa jurídica de direito público interno. A União, os Estados, os Municípios e
as Autarquias também são reconhecidos como pessoas jurídicas de direito
público interno. Todavia, é bom lembrar que as Autarquias e os Territórios
nacionais passaram a ter essa mesma classificação de forma expressa com a
nova redação dada pelo artigo 41 do Código Civil, conforme se transcreve:
São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
25
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 259.
22
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
O artigo 42 do mesmo diploma legal civilista cuidou das
pessoas jurídicas de direito público externo, a saber: “São pessoas jurídicas de
direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem
regidas pelo direito internacional público”.
Roberto Senise Lisboa conceitua pessoa jurídica de direito
privado como “aquela constituída para a realização de interesses particulares de
circulação de riquezas ou para desempenhar atividade sem qualquer finalidade
econômica.”26
Para Sílvio de Salvo Venosa, “as pessoas jurídicas de
direito privado originam-se da vontade individual, propondo-se à realização de
interesse e fins privados, em beneficio dos próprios instituidores ou de
determinada parcela da coletividade”.27
Consoante o disposto no art. 44 do Código Civil em vigor
são pessoas jurídicas de direito privado: associações, fundações, sociedades,
organizações religiosas e partidos políticos, que merecerão abordagem mais
aprofundada a seguir.
1.4.1 Das Associações
O Código Civil, em seu artigo 53, conceitua associação
como sendo a união de pessoas que se organizam para fins não econômicos.
As associações não possuem fins lucrativos, mas como são
dotadas de patrimônio, o Código Civil destinou a elas um capítulo (arts. 53 a 61)
e
a
Constituição
Federal
estabeleceu
expressamente
a
liberdade
de
associações para fins lícitos, verbis: “Artigo 5º. [...] XVII - é plena a liberdade de
26
LISBOA. Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 241.
27
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 263.
23
associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;”.
Silvio
Rodrigues,
por
sua
vez,
exemplifica
que
as
associações são “[...] os agrupamentos de indivíduos sem finalidade lucrativa,
como os clubes de esportivos, os centros culturais, as atividades de pais, [...]”. 28
Consoante o ensinamento de Roberto Senise Lisboa:
“Associação é pessoa jurídica sem fins econômicos, constituída pela união
formal de sujeitos, para determinado objetivo, diverso da circulação de riquezas,
conforme consta do seu estatuto associativo submetido a registro perante o
cartório próprio”.29
Para a constituição das associações é necessário, sob pena
de nulidade, a elaboração de um estatuto, com a devida inscrição e registro
competente, obedecendo ao disposto no artigo 54, que a seguir se transcreve:
Artigo 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:
I - a denominação, os fins e a sede da associação;
II - os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos
associados;
III - os direitos e deveres dos associados;
IV - as fontes de recursos para sua manutenção;
V - o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos
deliberativos;
VI - as condições para a alteração das disposições estatutárias e
para a dissolução;
VII - a forma de gestão administrativa e de aprovação das
respectivas contas.
Sobre o teor do dispositivo Sílvio de Salvo Venosa leciona:
O art. 54 estatui os requisitos obrigatórios que devem constar
dos estatutos da associação [...]. Outras disposições podem ser
acrescidas, mas são essenciais. Os estatutos constituem a lei
orgânica de entidade. É norma obrigatória para os fundadores da
associação e de todos aqueles que no futuro dela venham
participar. A vontade dos novos membros manifesta-se pela
28
RODRIGUES. Silvio. Direito civil: parte geral. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 91.
29
LISBOA. Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil, p. 244.
24
adesão à associação e aos regulamentos que a compõem.30
Com o cumprimento dos requisitos elencados no artigo 54,
as associações passam a existir, a ter personalidade jurídica, tornando-se aptas
a assumir direitos e obrigações. Silvio Rodrigues ratifica tal assertiva quando
acrescenta que antes da inscrição a pessoa jurídica pode existir no campo dos
acontecimentos, mas o direito despreza sua existência, nega-lhe personalidade
civil, ou seja, nega-lhe a capacidade para ser titular de direitos. 31
1.4.2 Das Sociedades
As
sociedades
podem
ser
conceituadas
como
32
“agrupamentos de indivíduos com escopo de lucro” . Ou ainda, “entidades com
fins lucrativos, embora isso não seja estrito”. 33
Na dicção dos arts. 981 usque 985, do Código Civil:
Artigo. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que
reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para
o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos
resultados.
Artigo. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária
a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de
empresário sujeito a registro (artigo. 967); e, simples, as demais.
Artigo. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um
dos tipos regulados nos artigos. 1.039 a 1.092; a sociedade simples
pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o
fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias.
Artigo. 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de
atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou
transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária,
30
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 287.
31
RODRIGUES. Silvio. Direito civil: parte geral. p. 93.
32
RODRIGUES. Silvio. Direito civil: parte geral, p. 91.
33
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 285.
25
pode, com as formalidades do artigo 968, requerer inscrição no
Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que,
depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à
sociedade empresária.
Artigo. 985 A sociedade adquire personalidade jurídica com a
inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos
constitutivos.
De acordo com Fábio Ulhoa Coelho as sociedades podem
ser classificadas em simples e empresárias. O autor assim as distingue:
A distinção entre sociedade simples e empresária não reside,
como se poderia pensar, no intuito lucrativo. Embora seja da
essência de qualquer sociedade empresária a persecução de
lucros – inexiste pessoa jurídica dessa categoria com fins
filantrópicos ou pios -, este é um critério insuficiente para
destacá-la da sociedade simples. Isto porque também há
sociedades não empresárias com escopo lucrativo, tais como as
sociedades de advogados, as rurais sem registro na Junta etc.
O que irá, de verdade, caracterizar a pessoa jurídica de direito
privado não-estatal como sociedade simples ou empresária será
o modo de explorar seu objeto. O objeto social explorado sem
empresarialidade (isto é, sem profissionalmente organizar os
fatores de produção) confere à sociedade o caráter de simples,
enquanto a exploração empresarial do objeto social caracterizará
a sociedade como empresária.34
Ainda, conforme o mesmo doutrinador, “a sociedade
simples explora atividades econômicas especificas”. 35
E, para ilustrar, cabe invocar Sílvio de Salvo Venosa:
As sociedades mercantis constituem-se por diversas formas
típicas originárias do Direito Comercial, conforme a
responsabilidade de seus sócios, solidária ou não, ilimitada ou
não, dentro de determinado capital, para cuja formação
concorrem os sócios, os quais podem concorrer, também,
34
COELHO. Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 110.
35
COELHO. Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial, p. 111.
26
apenas com sua atividade, seu trabalho. 36
Consoante
o
artigo
985
do
Código
Civil
transcrito
anteriormente, a sociedade civil adquire personalidade jurídica mediante o
registro do seu contrato social e de sua ata constitutiva na junta comercial.
Nesse sentido esclarece Maria Helena Diniz:
O registro tem força constitutiva, pois além de servir de prova
possibilita a aquisição da capacidade jurídica. O registro de seus
atos constitutivos dar-se-á no cartório de títulos e documentos,
sendo que as sociedades empresárias deverão ser registradas
no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins
(Lei n. 3.934/94, regulamentada pelo Decr. n. 1.800/96), sendo
competente para a prática de tais atos as Juntas Comerciais.37
No tocante as sociedades anônimas, estas possuem
regulamentação por legislação especial38, forma de constituição distinta e seus
atos constitutivos arquivados no Registro de Comércio 39.
Por ora, ressalta-se que o tema “existência da pessoa
jurídica” será aprofundado na seção 2.2 deste estudo.
1.4.3 Das Fundações
As fundações, diferentemente das associações e das
sociedades, não possuem fim lucrativo e o seu patrimônio é destinado à
realização de um fim específico.
De acordo com importante lição de Sílvio de Salvo Venosa:
Nas fundações, há de inicio um patrimônio despersonalizado,
destinado a um fim. Ao contrário das sociedades e associações,
36
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 264.
37
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 18. ed. São
Paulo: Saraiva, 202, v. 1, p. 469.
38
39
Lei nº 6.404, de 15/12/1976, Lei nº 9.457, de 05/05/1997 e Lei nº 10.303, de 31/10/2001.
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 43.
27
que são de uma reunião de pessoas, uma coletividade, as
fundações assentam sua razão de ser no patrimônio para certa
finalidade. 40
Roberto Senise Lisboa define fundação com “entidade de
direito privado, constituída por ato de dotação patrimonial, inter vivos ou mortis
causa, para determinada finalidade não econômica”.41
A propósito, as disposições legais que aludem às fundações
estão previstas nos artigos 62 a 69 do Código Civil.
O comentário de Silvio Rodrigues 42 sobre o artigo 62 do
mesmo diploma civil é que para que haja fundação é necessária a presença de
dois elementos: o patrimônio e o fim. Segundo o autor são esses elementos
que, de fa to, constituem o substrato da idéia de fundação.
Mais adiante explica o doutrinador:
Com efeito, para criar uma fundação, seu instituidor fará a
dotação de bens livres, especificando o fim a que se destina. A
instituição deve ser ultimada por escritura pública ou testamento.
Posto isso, aquele a quem o instituidor cometer a aplicação do
patrimônio elaborará os estatutos da fundação projetada,
submetendo-os à autoridade competente, isto é, ao órgão do
Ministério Público. Aprovados por este, os estatutos deverão ser
registrados na forma do art. 45 do Código Civil e nesse momento
adquire, a fundação, personalidade43.
Dessa feita, constata -se que o instituidor da fundação
destina um acervo de bens que recebe personalidade para realizar fins
específicos.
Na interpretação de Sílvio de Salvo Venosa,44 “não é
qualquer destinação de bem que constitui uma fundação”, pois faz-se
necessário um ato de personificação. Para esse doutrinador a constituição da
40
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 290.
41
LISBOA. Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil, p. 265.
42
RODRIGUES. Silvio. Direito civil: parte geral, p. 99.
43
RODRIGUES. Silvio. Direito civil: parte geral, p. 99.
44
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 291.
28
fundação dá-se em dois momentos bem delineados: o ato de fundação
propriamente dito, que é sua constituição emanada de vontade, e o ato de
dotação de um patrimônio, que lhe dará vida.
Entretanto, após a elaboração do estatuto, o mesmo deverá
ser apresentado ao Ministério Público, consoante versa o artigo 66 do Código
Civil, que examinará se estão presentes todos os requisitos exigidos pela lei. Se
porventura o instituído não elaborar o estatuto no prazo de seis meses, o
parquet o fará e o apresentará à aprovação do juiz. 45
Por fim, cabe mencionar que, uma vez feita a dotação de
bens para a fundação. E mais: esse ato é irrevogável e os respectivos bens
tornam-se inalienáveis.
1.5 NASCIMENTO DA PESSOA JURÍDICA
A pessoa jurídica tem seu nascimento com uma simples
manifestação de vontade, pois, conforme ensina Sílvio de Salvo Venosa, “tem
sua origem em uma manifestação humana, em um ato volitivo; quem tiver
interesse deve provar que essa pessoa existe e preenche as condições legais
de existência”.46
Há, contudo, diferenças acerca da existência da pessoa
jurídica de direito público e de direito privado. A pessoa jurídica de direito
público interno tem sua origem na lei, já as de direito externo em tratados
internacionais.
A pessoa jurídica de direito privado, como, por exemplo, as
associações, passam a existir com a elaboração do estatuto e sua devida
inscrição registro competente. Já as sociedades originam-se com a elaboração
do contrato social e, ato seguinte, com o ata constitutiva devidamente registrada
na junta comercial.
Sílvio de Salvo Venosa leciona que o ordenamento jurídico
45
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 291-292.
46
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 281.
29
adota o critério das disposições normativas. Nesse critério dá-se liberdade de
criação à vontade humana, sem necessidade de ato estatal que a reconheça,
mas
exige-se
que
a
criação
dessa
pessoa
obedeça
a
condições
predeterminadas. O autor identifica duas fases distintas: o ato constitutivo e a
formalidade do registro.47
No mesmo sentido é a lição de Maria Helena Diniz48 para
quem o nascimento da pessoa jurídica de direito privado dá-se em duas fases:
“[...] na primeira fase tem-se a constituição da pessoa jurídica por ato jurídico
unilateral inter vivos ou causa mortis nas fundações e por ato jurídico bilateral
ou plurilateral inter vivos nas associações e sociedade”.
E continua autora: a primeira fase é composta por dois
elementos: o material e o formal. O elemento material abrange atos de
associação, fins a que se propõe e conjunto de bens.49 Já o elemento formal é a
sua constituição por escrito, mediante contrato que poderá ser público ou
particular, exceto no caso das fundações, visto que estas necessariamente têm
que ser instituída por instrumento público ou por testamento. É o que preceitua
o artigo 62 do Código Civil: “Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por
escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim
a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la”.
Importante anotar que há sociedades que dependem de
uma autorização especial do poder executivo para ser constituídas, ou seja,
além disto precisam preencher todos os requisitos, consoante os já elencados.
São exemplos os bancos, as seguradoras, as bolsas de valores e as
cooperativas, entre outros.
Depois da existência do ato escrito e a autorização, passase à segunda fase, que é a fase de registro do contrato ou estatuto no órgão
competente.
Acerca do tema, ilustra Silvio Rodrigues:
47
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 282.
48
DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 230.
49
DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 231.
30
O próprio ordenamento jurídico, não obstante, não pode ignorar a
existência de fato da pessoa moral, antes de seu registro. Assim,
embora não lhe prestigie a existência, atribui alguma
conseqüência a tal organismo. Segundo o doutrinador, uma vez
procedida tal inscrição a pessoa jurídica está apta a agir como
sujeito de direitos e obrigações na ordem civil. 50
Roberto Senise Lisboa 51 explica que, no caso da sociedade
civil a ata de constituição deverá indicar o nome e a individualização dos
fundadores ou instituidores, e dos diretores, assim como outros dados
referentes à reunião e deliberação dos presentes.
No tocante as associações, estas deverão indicar em seu
estatuto, a denominação, a sede, o objeto, o prazo de duração e administração,
a estrutura, a admissão e saída do associado, bem como seus direitos e
deveres, os recursos, a reforma estatutária, a assembléia-geral e as causas de
sua extinção e o destino do patrimônio 52.
De acordo com o artigo 45 do Código Civil, decai em três
anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado,
a contar da publicação e inscrição no registro.
1.6 CAPACIDADE E REPRESENTAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
A capacidade se dá com persona lidade atribuída à pessoa
jurídica, ou seja, é delimitada pelo seu estatuto ou contrato social.
Sílvio de Salvo Venosa 53 ensina que:
Os poderes outorgados à pessoa jurídica estão delimitados nos
atos constitutivos, em seu ordenamento interno (contrato social,
estatutos), bem como delimitados pela lei, porque os estatutos
não podem contrariar normas cogentes, quando a atuação de
50
RODRIGUES. Silvio. Direito civil: parte geral, p. 92-93.
51
LISBOA. Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil, p. 250251.
52
LISBOA. Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil, p. 261.
53
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 260.
31
determinadas pessoas jurídicas é autorizada ou fiscalizada (em
sentido estrito) pelo Estado [...].
Assim, uma vez registrada a pessoa jurídica, o Direito
reconhece-lhe a atividade no mundo jurídico, decorrendo daí,
portanto, a capacidade que se estende por todos os campos do
Direito e em todas as atividades compatíveis com a pessoa
jurídica.
Acerca da capacidade da pessoa jurídica Silvio Rodrigues 54
leciona que: “a pessoa jurídica registra seu contrato constitutivo, adquire
personalidade, isto é, capacidade para ser titular de direitos. Naturalmente ela
só pode ser titular daqueles direitos compatíveis com a sua condição de pessoa
fictícia, ou seja, os patrimoniais”.
Em decorrência da personificação da pessoa jurídica, esta
passa a recorrer a pessoas físicas que a represente, para assim poder ser
suscetível de direitos e obrigações.55 Tais representantes são denominados no
estatuto ou contrato social.
No mesmo sentido ensina Sílvio de Salvo Venosa56 para
quem: “[...] não podendo a pessoa jurídica agir senão através do homem,
denominador comum em todas as coisas no Direito, esse ente corporificado pela
norma deve, em cada caso, manifesta r-se pela vontade transmitida por alguém”.
O artigo 49 do Código Civil prevê que na ausência de
representante legal pode o juiz nomear um administrador provisório à pessoa jurídica
de direito privado, que a reapresentará e responderá pelos seus atos. Nos casos de
pessoa jurídica de direito público, o artigo 12 do Código de Processo Civil versa que
estas serão representadas ativa e passivamente por seus procuradores. No caso do
Município, a representação pode ser na pessoa do procurador ou do próprio
Prefeito.
54
RODRIGUES. Silvio. Direito civil: parte geral, p. 93.
55
RODRIGUES. Silvio. Direito civil: parte geral, p. 93.
56
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 263.
32
1.7 EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
A extinção da pessoa jurídica se dá com a cessação de seu
funcionamento e a subseqüente baixa no registro.57
Roberto Senise Lisboa explica que, “assim como a pessoa
jurídica somente passa a ter existência a partir do seu registro, o que denota um
ato solene, ela apenas deixará de existir através de outro ato forma – a baixa de
seu registro”.58
Doutrinadores como Maria Helena Diniz e Roberto Senise
Lisboa59, distinguem três formas para a extinção da pessoa jurídica: a
convencional, a legal e a administrativa.
A dissolução convencional trata dos casos em que a pessoa
jurídica é constituída por tempo determinado, conforme prevê o artigo 1.033, I,
do Código Civil, verbis:
Artigo 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem
oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em
que se prorrogará por tempo indeterminado;
Roberto
Senise
Lisboa
ensina
que
a
dissolução
convencional “ocorre quando termina o prazo previsto no contrato; cumprimento
do objeto social ou associativo ou a impossibilidade de sua realização;
distrato”.60
E
Silvio
de
Salvo
Venosa
conceitua
a
dissolução
convencional como:
[...] a deliberada pelos sócios. Da mesma forma que a vontade
pode criar o ente, pode decidir por extingui-lo. Qualquer
57
LISBOA. Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil, p. 271.
58
LISBOA. Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil, p. 271.
59
LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil, p 271-272
e DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 229.
60
LISBOA. Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil, p. 271.
33
associação ou sociedade pode ser extinta por essa forma,
ficando fora do princípio as fundações que possuem conotação
diversa.61
Consoante o artigo 1.033, II, do Código Civil, a sociedade
será dissolvida pelo consenso unânime dos sócios. Para o mesmo doutrinador:
A deliberação de extinção será tomada se houver quorum,
previsto nos estatutos. Se a decisão não for unânime, a minoria
terá seus direitos ressalvados, na forma do art. 21, I, tanto para
opor-se à extinção, se houver motivos, quanto para defender
eventuais direitos. Terceiros eventualmente prejudicados por tal
deliberação terão seus direitos resguardados.
O inciso III do mesmo artigo, versa que em caso de
sociedade por prazo indeterminado, esta pode ser dissolvida por deliberação
dos sócios por maioria absoluta.
O artigo 1.033 prevê ainda, em seu inciso IV que ocorre a
dissolução na falta de pluralidade dos sócios, desde que a sociedade simples
não seja reconstituída no prazo de cento e oitenta dias.
Maria Helena Diniz62 identifica outros casos de dissolução
convencional, quando há:
[...] implemento da condição ou termo a que foi subordinada a
sua duração (CC, arts. 127, 128 e 135), ou por outras causas
previstas no contrato (CC, art. 1.035) como, por exemplo:
extinção do capital social ou seu desfalque que impossibilite a
continuação da sociedade, com exceção das associações. Pelo
Decreto-lei n. 7661/45, arts. 47 e 48, extinguem-se pela falência
ou insolvência, hipóteses inaplicáveis às associações [...].
Já a dissolução legal, consoante ensinamento de Silvio de
Salvo Venosa, “ocorre em razão de motivo determinado em lei. Por exemplo, o
Decreto -lei n 9.085/46 dispõe sobre a dissolução de sociedades perniciosas. O
ordenamento reprime certos tipos de pessoas jurídicas, com finalidade
61
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 298.
62
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 248.
34
belicosa”.63
Dissolução administrativa ocorre mediante a cassação da
autorização (art. 1.033, V, do Código Civil) para funcionamento quando ela for
necessária e pela ilicitude, incompatibilidade de sua atividade com os interesses
sociais ou pelos fins nocivos ao bem público.
Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa:
A dissolução administrativa ocorre na hipótese do art. 21, II,
atingindo as pessoas jurídicas que necessitam de aprovação ou
autorização governamental. Podem ter autorização cassada,
quando incorrerem em atos opostos a seus fins ou nocivos ao
bem público. Não deve, porém, proceder a Administração
discricionariamente, sujeitando-se, se assim proceder, à
responsabilidade por indenização.64
A teor do que estabelece o artigo 1.034 em seus incisos I e
II do Código Civil, a pessoa jurídica deixa de existir a requerimento de um dos
sócios, quando anulada a sua constituição ou verificando o exaurimento do fim
social, ou a sua inexeqüibilidade. É o que se depreende:
Art. 1.034. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a
requerimento de qualquer dos sócios, quando:
I - anulada a sua constituição;
II - exaurido o fim social, ou verificada a sua inexeqüibilidade.
Por fim, extingue-se a pessoa jurídica com o falecimento de um
dos sócios e se os sócios remanescentes optarem pela dissolução. Assim está
firmado na disposição do art. 1.028 do diploma civil em vigor: “No caso de morte de
sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: [...] II - se os sócios remanescentes optarem
pela dissolução da sociedade;”.
A dissolução judicial é derivada de processo judicial,
sempre que qualquer interessado promovê-la em juízo ou quando a entidade se
mostra nociva, neste caso o Ministério Público poderá propor a ação.65
63
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 298.
64
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 299.
65
LISBOA. Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil, p. 272.
35
No que tange à dissolução das associações, estas seguem
a regra do artigo 61 do Código Civil, segundo o qual:
Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio
líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações
ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à
entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso
este, por deliberação dos associados, à instituição municipal,
estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.
Dessa disposição se extrai que o patrimônio da associação
será destinado conforme o seu estatuto. Mas, ante a ausência de previsão
estatutária o patrimônio será encaminhado a uma instituição municipal, estadual
ou federal com o mesmo fim ou semelhante.
Com efeito, ressalta -se que a pessoa jurídica não deixa de
existir de uma hora para a outra. Nesse sentido ensina Sílvio de Salvo Venosa:
Ao contrário do que ocorre com a pessoa natural, o
desaparecimento da pessoa jurídica não pode, por necessidade
material, dar-se instantaneamente, qualquer que seja sua forma
de extinção. Havendo patrimônio e débitos, a pessoa jurídica
entrará em fase de liquidação, subsistindo tão-só para a
realização do ativo e para o pagamento dos débitos, vindo a
terminar completamente quando o patrimônio atingir seu
destino. 66
O patrimônio remanescente das pessoas jurídicas com
finalidade de lucro será partilhado entre os sócios ou herdeiros.67
No tocante às fundações, estas se extinguem pelo advento
do termo final consignado em seu estatuto 68, e na ausência deste, deverá ser
observada a regra do artigo 69 do Código Civil, segunda parte, que estabelece
que o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a
extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato
constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se
proponha a fim igual ou semelhante.
66
VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 299.
67
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil, p. 249.
68
LISBOA. Roberto Senise. Manual elementar de direito civil: teoria geral do direito civil, p. 267.
36
Depois de extinta, o patrimônio da fundação deverá ser
destinado a outra fundação com o fim igual ou semelhante.
37
CAPÍTULO 2
A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
2.1 TERMINOLOGIA
Antes de adentrar na origem da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica cabe mencionar a terminologia empregada na
aplicação desta. A despersonalização nada mais é do que a anulação da
personalidade jurídica, já a desconsideração torna a sociedade ineficaz para
determinados atos para assim atingir e vincular a responsabilidade dos sócios.
Por esse motivo a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é
conhecida também como doutrina da penetração.69
Nesse sentido ensina Fábio Konder Comparato:
Importa, no entanto, distinguir entre despersonalização e
desconsideração (relativa) da personalidade jurídica. Na
primeira, a pessoa coletiva desaparece como sujeito autônomo,
em razão da falta original ou superveniente das suas condições
de existência, como, por exemplo, a invalidade do contrato social
ou a dissolução da sociedade. Na segunda, subsiste o princípio
da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de
seus sócios ou componentes; mas essa distinção é afastada,
provisoriamente e tão-só para o caso concreto. 70
Ainda, nesse diapasão, extrai-se do artigo de Marlon
Tomazzete o seguinte ensinamento:
Trata-se de uma técnica que se aplica aos casos concretos
específicos, daí falar-se em suspensão episódica e temporária. A
pessoa jurídica continuará a existir para os demais atos, nos
quais não se apresente um motivo justificado para aplicar a
desconsideração. Por isso, falamos em desconsideração e não
69
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1, p. 349350.
70
COMPARATO, Fábio Konder.O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1983, p. 283.
38
em despersonalização71.
Dessa feita, como mencionado acima, desconsiderando a
personalidade jurídica a sociedade continua a existir, assunto a ser analisado
posteriormente
no
desenvolvimento
do
trabalho,
por
isso
fala-se
em
desconsideração.
2.2 ORIGEM
Desde o século XIX começaram, cada vez mais, a surgir
preocupações com a má utilização da pessoa jurídica, sendo então necessário
lançar mão de meios idôneos para reprimi -la. Foi o que ocorreu com o
desenvolvimento da teoria da soberania Haussmann e Mossa, que imputava
responsabilidade ao controlador de uma sociedade de capitais por obrigações
não cumpridas.No entanto, essa teoria não chegou a se desenvolver da maneira
satisfatória.72
Elizabeth Campos Martins de Freitas, acerca da origem
histórica da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, assim ensina:
A partir do século XIX, tornou-se cada vez maior a preocupação
da doutrina e da jurisprudência com a utilização crescente do
instituto da pessoa jurídica e pelo fato de esse instituto servir
muitas vezes como instrumento para se atingirem fins diversos
dos considerados pelos legisladores conformes com o Direito.
Diante de tal quadro, facilmente se compreende a razão que
impulsionou a busca por meios idôneos para se reprimirem os
desvios ocorridos por meio da má utilização da pessoa jurídica.
Como precedente da Disregard Doctrine, há noticias da teoria da
soberania elaborada por Hausmann, na Alemanha. Essa teoria
visava imputar ao controlador de uma sociedade de capitais as
obrigações assumidas pelas sociedades controladas e por ela
não satisfeitas, e, dessa maneira, revela-se a substância das
71
TOMAZZETE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica: a teoria, o CDC e o novo
Código Civil. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3104>. Acesso em: 18 abr.
2007.
72
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 5. ed., Rio de Janeiro: Renovat, 2003, p. 140.
39
relações em detrimento de sua estrutura formal. 73
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica
nasceu no sistema common law, especialmente na Inglaterra e nos Estados
Unidos. Esse sistema consistia na idéia de que os litígios devem ser resolvidos
aplicando as experiências jurídicas passadas, levando-se em consideração a
análise de cada caso, a necessidade e a conveniência, como meio para coibir
fraudes e abuso de direito. Todavia, segundo Elisabeth Cristina Campos Martins
de Freitas, tais medidas eram em caráter excepcional.74 A regra é a autonomia
da pessoa jurídica e a exceção a disregard. 75
No mesmo sentido esclarece Márcio André Medeiros
Moraes:
[...] a teoria da desconsideração da pessoa jurídica desenvolveuse tendo em vista uma nova realidade gerada pelo capitalismo
industrial. Neste período começaram a aparecer distorções no
uso da pessoa jurídica, situações anômalas, sendo que, através
das corporations, ou dos grupos de sociedades, o controlador
emprestaria à entidade, sob seu comando, destinação contrária à
finalidade para que a mesma fora constituída.
Sua gênese, foi no Direito norte-americano, tendo em vista que,
naquele país, na maioria dos casos, o juiz é que faz a lei. Tratase da common law, onde o magistrado ‘cria’ o direito aplicando
as normas conforme o caso concreto que lhe é oferecido. 76
Da doutrina se extrai a ocorrência do primeiro caso de
aplicação da desconsideração da pessoa jurídica: o caso Salomon x Salomon Co em
1897, na Inglaterra.77 Acerca desse caso Luiz Gustavo Lovato relata que:
Aaron Salomon era um próspero comerciante individual na área
de calçados que, após mais de 30 anos, resolveu constituir uma
limited company (similar a uma sociedade anônima fechada
73
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 57.
74
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 58-59.
75
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica.,
p. 59.
76
MORAES, Márcio André Medeiros. A desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor, p. 56-60.
77
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 2, p. 58.
40
brasileira), transferindo seu fundo de comércio a tal sociedade.
Em tal companhia, Aaron Salomon tinha 20 mil ações, e outros
seis sócios, membros de sua família, apenas uma cada um. Além
das ações, o mesmo recebeu várias obrigações garantias,
assumindo a condição de credor privilegiado da companhia.
Em um ano, a companhia mostrou-se inviável, entrando em
liquidação, na qual os credores sem garantia restaram
insatisfeitos. A fim de proteger os interesses de tais credores, o
liquidante pretendeu uma indenização pessoal de Aaron
Salomon, uma vez que a companhia era ainda a atividade
pessoal do mesmo, pois os demais sócios eram fictícios. O juízo
de primeiro grau e a Corte de apelação desconsideraram a
personalidade da companhia, impondo a Salomon a
responsabilidade pelos débitos da sociedade. Tal decisão foi
reformada pela Casa dos Lordes, que prestigiou a autonomia
patrimonial da sociedade regularmente constituída, mas estava
aí a semente da ‘disregard doctrine’. 78
Ainda, sobre o mesmo caso, citando o professor Piero
Verrucoli, comenta Rubens Requião:
Em 1897 a justiça inglesa ocupou-se com um famoso caso –
Saloman vs. Salomom & Co. – que envolvia o comerciante Aerob
Salomon. Este empresário havia constituído uma company, em
conjunto com outros seis componentes da sua família, e cedido o
seu fundo de comércio à sociedade que fundara, recebendo em
conseqüência vinte mil ações representativas de sua
contribuição, enquanto para cada um dos outros membros coube
apenas uma ação para a integração do valor da incorporação do
fundo de comércio na nova sociedade. Salomon recebeu
obrigações garantidas no valor de dez mil libras esterlinas. A
sociedade logo em seguida se revelou insolvável, sendo o seu
ativo insuficiente para satisfazer as obrigações garantidas, nada
sobrando para os credores quirografários.
[...]
O juízo de primeira instância e depois a Corte acolheram essa
pretensão, julgando que a company era exatamente uma
entidade fiduciária de Salomon, ou melhor, um seu agent ou
trustee, e que ele, na verdade, permanecera como efetivo
proprietário do fundo de comércio. Era a aplicação de um novo
78
TOMAZZETE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica:
a teoria, o CDC e o novo Código Civil. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3104>. Acesso em: 18 abr. 2007..
41
entendimento, desconsiderando a personalidade jurídica de que
se revestia a Salomon & Co.79
Explica ainda o doutrinador que a Corte, por unanimidade,
reformou o julgado, ante o entendimento de não ter havido responsabilidade
pessoal do Aaron Salomon para com os créditos da pessoa jurídica, eis que a
lei exigia para a formação desta a participação de sete pessoas, criando assim
uma pessoa diversa de si mesmas. Entretanto, a tese repercutiu, originando a
doutrina do disregard of legal entity. 80
Há, porém, outros doutrinadores 81que relatam como sendo
o primeiro caso de desconsideração da personalidade jurídica, o do Bank of
United States versus Deveaux, que ocorreu nos Estados Unidos no ano de
1809, que discutiu acerca das jurisdições das Cortes Federais, já que para
firmar competência federal era preciso que a demanda fosse contra cidadãos
que residissem em vários Estados. Em sua decisão o juiz Marshall
desconsiderou a personalidade jurídica do banco e considerou que cada
acionista residia em lugares diversos do país, conhecendo a competência no
âmbito da justiça federal. Posteriormente o caso foi reformado na instância
superior.82
No entanto, conforme explica Rubens Requião 83, a tese das
decisões reformadas das instâncias inferiores repercutiu, dando origem à
doutrina do disregand of legal entity, sobretudo, nos Estados Unidos, onde se
formou larga jurisprudência, expandindo-se mais recentemente na Alemanha e
em outros países europeus, como Itália e Espanha.
Na doutrina alemã, a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica foi abordada pelo professor Rolf Serick em sua
monografia “Aparência e realidade nas sociedades comerciais: o abuso de
79
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, p. 350.
80
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, p. 350-351.
81
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica e
MORAES, Márcio André Medeiros. A desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor, entre outros.
82
MORAES, Márcio André Medeiros. A desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor, p. 61.
83
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, p. 350.
42
direito por meio da pessoa jurídica”. Esse trabalho possui aplicação no direito
tributário para coibir os casos de sonegação e evasão de impostos. 84
Elisabeth Cristina Campos Martins de Freitas, sobre o
mesmo tema, explica que:
Esse mestre alemão propôs quatro princípios, nos quais
sintetiza a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Ao destacar tais princípios básicos, procurava justificar a
aplicação da disregard doctrine, sendo eles: o abuso do direito,
a ilicitude, o paralelismo com a pessoa natural e, finalmente, o
próprio direito objetivo. De modo geral, pode-se detectar que
na obra desse autor deu-se grande ênfase ao elemento subjetivo
referente ao intuito de se servir do expediente da separação
patrimonial para prejudicar economicamente os credores. Assim,
do uso abusivo da pessoa jurídica decorre a ilicitude, e somente
esta (ilicitude) poderá fundamentar o desconhecimento da
autonomia patrimonial [grifos no original].85
No Brasil, o precursor da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica foi o professor Rub ens Requião ao publicar, em 1969,
estudo intitulado “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”.
Ressalta -se que a seção 2.4 deste capítulo abordará a
evolução e desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica no direito brasileiro.
2.3 CONCEITO
De acordo com ensinamento de Luiz Guilherme Lovato,
pode-se conceituar a desconsideração da personalidade jurídica como:
A técnica jurídica através da qual se busca, no caso concreto,
superar a personalidade jurídica do ente moral, para tocar, ou
seja, responsabilizar os sócios, pessoas naturais ou mesmo
outras pessoas jurídicas, que dele se utilizaram indevidamente,
84
85
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, p. 350.
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 61.
43
através da fraude à lei, aos credores, ou também por meio do
abuso de direito. 86
Para Fábio Ulhoa Coelho 87:
Em razão do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades
empresarias podem ser utilizadas como instrumento para a
realização de fraude contra os credores ou mesmo abuso de
direito. Na medida em que é a sociedade o sujeito titular dos
direitos e devedor das obrigações, e não os seus sócios, muitas
vezes os interesses dos credores ou terceiros são indevidamente
frustrados por manipulações na constituição de pessoas
jurídicas, celebração dos mais variados contratos empresariais,
ou mesmo realização de operações societárias, como as de
incorporação, fusão, cisão. Nesses casos, alguns envolvendo
elevado grau de sofisticação jurídica, a consideração da
autonomia da pessoa jurídica importa a impossibilidade de
correção da fraude ou do abuso. Quer dizer, em determinadas
situações, ao se prestigiar o princípio da autonomia da pessoa
jurídica, o ilícito perpetrado pelo sócio permanece oculto,
resguardado pela licitude da conduta da sociedade empresária.
Somente se revela a irregularidade se o juiz, nessas situações
(quer dizer, especificamente no julgamento do caso), não
respeitar esse princípio, desconsiderá-lo. Desse modo, como
pressuposto da repressão a certos tipos de ilícitos, justifica-se
episodicamente a desconsideração da personalidade jurídica da
sociedade empresária.
E Elisabeth Cristina Campos Martins de Freitas, ao tentar
conceituar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica invoca Marçal
Justen Filho, para quem a idéia está relacionada à ignorância ou não aplicação,
para casos concretos, do regime jurídico estabelecido como regra para
situações de que participe uma sociedade personificada (pessoa jurídica) 88.
Ainda,
86
acerca
do
conceito,
extrai-se
da
mesma
LOVATO, Luiz Gustavo. Da personalidade jurídica e sua desconsideração. Disponíve l em:
<http://www.tex.pro.br/wwwroot/05de2005/dapessoa_luizgusta
volovato.htm.>. Acesso em: 15 mar. 2007.
87
88
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p 31.
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 73.
44
doutrinadora:
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica visa
desconsiderar no caso concreto, respeitando determinados
limites, a pessoa jurídica para alcançar as pessoas ou bens que
se escondem sob o manto da pessoa jurídica. Não se discute em
juízo a validade do ato constitutivo da sociedade analisada, ou
melhor, esse nem ao mesmo é o objetivo de conhecimento
judicial, e sim, apenas a eficácia desse ato constitutivo sem, no
entanto, questionar-se a validade do mesmo. Assim, a decisão
que desconsidera a autonomia da pessoa jurídica apenas declara
a ineficácia episódica da personalidade jurídica, isto é, apenas
com relação ao episódio a ser analisado pelo Judiciário. 89
Para Edilson Mariano de Oliveira:
A desconsideração da personalidade jurídica é o meio pelo qual
se torna ineficaz, para o caso concreto, a personificação
societária, atribuindo-se ao sócio ou sociedade condutas que, se
não fosse a superação dos atributos da personalidade jurídica,
entre os quais a separação dos patrimônios dos sócios e da
sociedade, seriam imputadas à sociedade ou ao sócio,
respectivamente. 90
Por fim, na concepção de Fredie Didier Júnior:
A teoria da desconsideração não tem por finalidade extinguir a
pessoa jurídica, trata-se de uma técnica de suspensão episódica
da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, de modo a
buscar, no patrimônio dos sócios, bens que respondam pela
dívida contraída.
Cumpre alertar, ainda, que a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica não pretende destruir o histórico princípio
da separação dos patrimônios da sociedade e de seus sócios,
mas, contrariamente, servir como mola propulsora da
funcionalização da pessoa jurídica, garantindo as suas atividades
89
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 73.
90
OLIVEIRA, Edílson Mariano de. Desconsideração da personalidade jurídica da empresa: uma
abordagem à luz do CDC e do Código Civil. Boletim Jurídico. Disponível em:
<http://64.233.167.104/search?q=cache:AM2Gnpsk0r4J:www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.as
p%3Fid%3D830+conceito+teoria+da+desconsidera%C3%A7%C3%A3o+da+personalidade+juridica&
hl=pt-BR&ct=clnk&cd=9&gl=br>. Acesso em: 18 abr. 2007.
45
e coibindo a prática de fraudes e abusos através dela. 91
Assim, delineado o conceito da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica propriamente dita, passa-se ao estudo deste mesmo
instituto no ordenamento jurídica brasileiro.
2.4 A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO
BRASIL
No direito brasileiro a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica iniciou-se com os estudos de Rubens Requião em sua
obra
“Abuso
de
direito
e
fraude
através
da
personalidade
jurídica”,
posteriormente publicado na Revista dos Tribunais, em 1969, não obstante a
ausência de dispositivo legal na época. É o que se descreve:
Esse fascinante tema foi objeto de nosso estudo em ‘Abuso de
direito e fraude através da personalidade jurídica’ (Rev. dos Trib.,
410/12), que mereceu atenção da Comissão Revisora do Código
Civil, presidida pelo Prof. Miguel Reale, inspirado no art. 49 do
Anteprojeto. Apenas o dispositivo aludido pretende a radical
medida de dissolução da pessoa jurídica, quando for ela
desviada dos fins que determinam a sua constituição, enquanto a
doutrina exposta objetiva somente que o juiz desconsidere
episodicamente a personalidade jurídica, para coartar a fraude
ou abuso do sócio que dela se valeu como escudo, sem importar
essa medida de dissolução da entidade. Em face da sugestão
nossa, o art. 49 foi modificado, não ainda de modo satisfatório,
como consta do atual Projeto (art. 48). 92
Segundo o relato de Elisabeth Cristina Campos Martins de
Freitas:
Como já anteriormente reportado, Rubens Requião foi o primeiro
jurista brasileiro a tratar do assunto em questão. Além de sua
91
DIDIER, Fredie Júnior. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica.
Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/main/artigos/default.jsp>. Acesso em: 24 abr.
2007.
92
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, p. 350.
46
Conferência publicada na RT 410/12, merece destaque seu
artigo publicado na RT 477/11, entre outros. Como defensor da
doutrina, enviou sugestão à Comissão encarregada de elaborar o
projeto de Código Civil, com o objetivo da inclusão da disregard
of entity como medida legal viável. 93
Consoante a mencionada autora, a Comissão Revisora do
Código Civil, presidida por Miguel Reale, cedendo às insistências de Rubens
Requião, chegou a acolher o instituto, porém, totalmente desfigurado, em um
primeiro momento. Sem embargo, o instituto foi acolhido pela legislação
especifica em diferentes áreas do Direito em prol do jurisdicionado 94.
Silvio de Salvo Venosa entende que, o artigo 59 do Projeto
do Código Civil de 1975 foi mal redigido e não mencionava nada sobre a
desconsideração da personalidade jurídica, somente se referia à possibilidade
de iniciati va de terceiro interessado em reconhecer o desvio de finalidade. Mas,
acolhendo as criticas, o projeto originário foi modificado e, como nova redação,
passou a vigorar no artigo 50 do Código Civil. Nesse sentido:
Essa redação melhorada atende à necessidade de o juiz, no
caso concreto, avaliar até que ponto o véu da pessoa jurídica
deve ser descerrado para atingir os administradores ou
controladores nos casos de desvio de finalidade, em prejuízo de
terceiros. O abuso da personalidade jurídica deve ser examinado
sob o prisma de boa-fé objetiva, que deve nortear todos os
negócios jurídicos.95
Com efeito, como foi visto, a teoria da desconsideração está
presente na doutrina brasileira desde a década de 60, entretanto, só no ano de
1990 brotou na legislação, com o advento do Código de Defesa do Consumidor,
Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, especificamente no art. 28.
Posteriormente, em 1998, a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica foi inserida no âmbito do direito penal e do direito
93
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 80.
94
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 77.
95
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 302-303.
47
ambiental.96 Mais tarde, no ano de 2002, com o advento do Código Civil referida
teoria foi inserida no ordenamento jurídico e positivada efetivamente no direito
brasileiro 97, consoante se extrai do seu art. 50, in verbis:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz
decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica.
2.5 NATUREZA JURÍDICA
A natureza jurídica da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, em suma, é coibir o abuso do uso indevido da pessoa
jurídica como instrumento de fraude contra terceiro.
Para Elisabeth Campo Martins de Freitas, a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica se assemelha aos vícios dos atos
jurídicos. É como se depreende:
Ao menos de forma aparente, a desconsideração assemelha-se
aos vícios do ato jurídico, que, por sua vez, compreende figuras
como, por exemplo, a nulidade, a anulabilidade e a
irregularidade. Ao comparar a desconsideração com os vícios do
ato jurídico, é possível perceber que em ambos o direito exclui a
produção dos efeitos visualizados pelas partes e a incidência do
regime jurídico que geralmente se aplica. Seja hipótese de
desconsideração da personalidade jurídica, seja a de vícios de
ato jurídico, são casos que fogem à regra, são exceções.98
Ainda, consoante o entendimento da mesma doutrinadora:
96
Lei dos Crimes Ambientais, n. 9.605/1998 de 12 de fevereiro de 1998. Cf. Art. 4º. “Poderá ser
desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”.
97
98
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 301-304.
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 73.
48
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica visa
desconsiderar no concreto, respeitando determinados limites, a
pessoa jurídica para alcançar as pessoas ou bens que se
escondem sob o manto da pessoa jurídica. Não se discute em
juízo a validade do ato constitutivo da sociedade analisada, ou
melhor, esse nem ao menos é objeto de conhecimento judicial, e
sim, apenas a eficácia desse ato constitutivo sem, no entanto,
questionar-se a validade do mesmo. Assim, a decisão que
desconsidera a autonomia da pessoa jurídica apenas declara a
ineficácia episódica da personalidade jurídica, isto é, apenas em
relação ao episódio a ser analisado pelo judiciário. Tem, dessa
forma, prosseguimento a sociedade com relação a seus outros
atos e fins legítimos. Preservam-se, dessa forma, todos os
negócios e atos não fraudulentos relativos ou praticados pela
sociedade o que acaba convertendo em beneficio dessa mesma
sociedade, de seus sócios, além das partes que com ela mantêm
relacionamentos, inclusive empregados e o público consumidor.
A desconsideração é marcada, dessa maneira, por um efeito de
funcionalidade na forma de uma pessoa agir no mundo
concreto.99
Dessa forma, quando a pessoa jurídica for usada para fugir
ou mascarar a sua finalidade, com intuito de fraudar terceiros deve ser
desconsiderada como se seus atos fossem praticados pela pessoa natural.100
Da lição de Fábio Ulhoa Coelho extrai-se que:
Em razão do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades
empresariais podem ser utilizadas como instrumento para a
realização de fraude contra os credores ou mesmo abuso de
direito. Na medida em que é a sociedade o sujeito titular dos
direitos e devedor das obrigações, e não aos seus sócios, muitas
vezes os interesses dos credores ou terceiros são indevidamente
frustrados por manipulações na constituição de pessoa jurídica,
celebração dos mais variados contratos empresariais, ou mesmo
realização de operações societárias como as de incorporações,
fusão, cisão, nesses casos, alguns envolvendo elevado grau de
sofisticação jurídica; a consideração da autonomia da pessoa
jurídica importa a impossibilidade de correção da fraude ou do
abuso.
99
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 74.
100
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 300.
49
[...]
Desse modo, como pressuposto da repressão a certos tipos de
ilícitos, justifica-se episodicamente a desconsideração da
personalidade jurídica da sociedade empresaria. 101
Como foi analisado, a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica visa proteger a pessoa jurídica e coibir o abuso de direito
e a fraude, garantindo desta forma os direitos dos credores. Contudo, ao mesmo
tempo que o Estado concede juridicamente a personalidade jurídica pode utilizar
a teoria da desconsideração para coibir o seu uso indevido.
2.6 REQUISITOS
Os pressupostos para que seja utilizada a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica são a fraude e o abuso de direito.
Luiz Gustavo Lovato, invocando Francisco Amaral, leciona
sobre os requisitos necessários para a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica nos seguintes termos:
As
hipóteses mais
freqüentes
de
aplicabilidade
da
desconsideração da personalidade jurídica como sendo: o
ingresso fraudulento na sociedade de bens ou direitos
pertencentes a terceiros, realizado por sócio; a mistura de bens
ou de contas entre acionista controlador e participantes da
sociedade e a própria sociedade; negócios pessoais feitos pelo
administrador como se fosse pela sociedade, confusão de
patrimônios de sócio e da sociedade; o desvio de finalidade do
objeto social com fins ilícitos ou fraudulentos etc.
A aplicação dessa teoria da desconsideração da personalidade
jurídica tem por finalidade principal fazer desaparecer a
autonomia da pessoa jurídica e das pessoas naturais que a
constituem, criando uma situação de subsidiariedade em que a
responsabilização pessoal da pessoa natural começa no
momento em que se esgotam as possibilidades patrimoniais da
pessoa jurídica para garantir as responsabilidades por estas
101
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 31.
50
assumidas.102
Para
se
aplicar
a
teoria
da
desconsideração
da
personalidade jurídica é necessário que sociedade empresária se anteponha
como barreira à composição dos interesses dos beneficiados. No mesmo
diapasão Fabio Ulhoa Coelho observa:
Se autonomia patrimonial da sociedade não impede a imputação
de responsabilidade ao sócio ou administrador, não existe
nenhuma desconsideração. Em outros termos, cabe invocar a
teoria quando a consideração da sociedade empresária implica a
licitude dos atos praticados, exsurgindo a ilicitude apenas em
seguida à desconsideração da personalidade jurídica. Somente
nesse caso se opera a ocultação da fraude e, portanto, justificase afastar a autonomia patrimonial, exatamente para revelar o
oculto por trás do véu da pessoa jurídica. 103
E ainda:
Admite-se a desconsideração da personalidade jurídica da
sociedade empresária para coibir atos aparentemente lícitos. A
ilicitude somente se configura quando o ato deixa de ser
imputado à pessoa jurídica da sociedade e passa a ser imputado
à pessoa física responsável pela manipulação fraudulenta ou
abusiva do principio da autonomia patrimonial. 104
Cabe mencionar que a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica tão-somente possuirá aplicação quando a sociedade
estiver regulamentada na forma dos artigos 45 e 985, ambos do Código Civil, ou
seja, é necessário que esteja personificada e que seja de responsabilidade
limitada.
102
LOVATO, Luiz Gustavo. Da personalidade jurídica e sua desconsideração. Disponível
em:
<http://www.tex.pro.br/wwwroot/05de2005/dapessoa_luizgusta
volovato.htm.>. Acesso em: 15 mar. 2007.
103
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 42.
104
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 43.
51
De acordo com o artigo de Marlon Tomazzete:
A própria terminologia usada deixa claro que a desconsideração
só tem cabimento quando estivermos diante de uma pessoa
jurídica, isto é, de uma sociedade personificada. Sem a
existência de personalidade não há o que desconsiderar.
No sistema brasileiro a personalidade jurídica das sociedades
nasce com o registro dos atos constitutivos no órgão competente
(art. 18, Código Civil). Sem tal registro, não importa se exista ou
não o ato constitutivo, não se pode falar em personificação da
sociedade, mas em sociedade de fato ou irregular. Ora, não se
tratando de uma pessoa jurídica, não há que se cogitar de
autonomia patrimonial, não havendo a possibilidade de uso desta
autonomia para fins escusos.
[...]
Em termos práticos, além da personificação é necessário que se
cogite de uma sociedade na qual os sócios tenham
responsabilidade limitada, ou seja, de sociedade anônima ou
sociedade por quotas de responsabilidade limitada, praticamente
as únicas que existem no país. Em outras palavras, a aplicação
da desconsideração pressupõe uma sociedade na qual o
exaurimento do patrimônio social não seja suficiente para levar
responsabilidade aos sócios.
A exigência da limitação de responsabilidade é de cunho
eminentemente prático, pois nada impediria a desconsideração
nos demais tipos societários, com o intuito de proteger a própria
pessoa jurídica. Todavia, a excepcionalidade da superação da
autonomia
patrimonial,
por
meio
da
aplicação
da
desconsideração, torna mais fácil a aplicação direta da
responsabilidade ilimitada dos sócios, quando a mesma já é
consignada na lei. 105
No entanto, como se pôde até aqui depreender, para que o
poder judiciário faça uso da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
faz-se necessário provar o abuso de direito e a fraude. Esse é o entendimento
do chamada “teoria maior”, acolhida pelo direito brasileiro e pelo doutrinador
Rubens Requião.106
Por outro lado, discordando com a dita teoria maior, no que
105
TOMAZZETE, Marlon. A de sconsideração da personalidade jurídica :
a teoria, o CDC e o novo Código Civil. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3104>. Acesso em: 18 abr. 2007.
106
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 51.
52
tange aos requisitos para a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, há a “teoria menor”, segundo a qual basta os sócios
possuírem patrimônio para responderem pelas reparações causadas aos
credores. É como explica Fábio Ulhoa Coelho:
A teoria menor da desconsideração é, por evidente, bem menos
elaborada que a maior. Ela reflete, na verdade, a crise do
princípio da autonomia patrimonial, quando referente a
sociedades empresárias. O seu pressuposto é simplesmente o
desatendimento de crédito titularizado perante a sociedade, em
razão da insolvabilidade ou falência desta. De acordo com a
teoria menor da desconsideração, se a sociedade não possui
patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para
responsabilizá-lo por obrigações daquela. A formulação menor
não se preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da regular,
do instituto, nem indaga se houve ou não abuso de forma.107
2.7 EFEITOS
Elisabeth Cristina Campos Martins de Freitas afirma que ao
desconsiderar uma sociedade judicialmente não se anula a sua personalidade,
apenas se a desconsidera com o fim de atingir o patrimônio dos sócios, justo
para coibir os abusos e fraudes pelo uso indevido da pessoa jurídica.108
Ainda, dos ensinamentos da mencionada doutrinadora
extrai-se a seguinte explicação:
A aplicação da disregard doctrine possibilita que o julgador
analise a pessoa jurídica, não com o fito de discutir em juízo a
validade do ato constitutivo da sociedade analisada, ou melhor,
esse ato nem ao menos é objeto de conhecimento judicial.
Apenas se questiona a eficácia do ato constitutivo sem, no
entanto, questionar sua validade. Assim, a decisão que
desconsidera a autonomia da pessoa jurídica apenas declara a
ineficácia episódica da personalidade jurídica, isto é, a
107
108
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 46.
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 36-37.
53
declaração diz respeito apenas ao episódio a ser analisado pelo
Judiciário. Tem, dessa forma, prosseguimento a sociedade com
relação a seus outros atos e fins legítimos.109
Desses ensinamentos é possível inferir que a aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente vigora em atos e
negócios
fraudulentos
relativos
à
sociedade.
Nesse
sentido,
e
como
conseqüência da aplicação da teoria, pode ser levantado o véu da pessoa
jurídica para atingir os bens dos sócios para fazer frente às obrigações com os
credores. Não obstante, a sociedade prossegue com todas as suas atividades e
com os demais fins.
Consoante o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho:
A desconsideração da pessoa jurídica não atinge a validade do
ato constitutivo, mas sua eficácia episódica. Uma sociedade que
tenha a sua autonomia patrimonial desconsiderada continua
válida, assim como válidos são todos os demais atos que
praticou. A separação patrimonial em relação aos seus sócios é
que não produzirá nenhum efeito na decisão judicial referente
àquele específico ato objeto da fraude. Esta é, inclusive, a
grande vantagem da desconsideração em relação a outros
mecanismos de coibição da fraude, tais como a anulação ou
dissolução da sociedade. 110
Mais adiante o mencionado doutrinador analisa que “a
aplicação da teoria da desconsideração não implica a anulação ou o
desfazimento do ato constitutivo da sociedade empresária, mas apenas a sua
eficácia episódica”.111
Ainda,
sobre
o
tema,
em
artigo
específico
Marlon
Tomazzete anota que:
A ‘disregard doctrine’ não visa a anular a personalidade jurídica,
mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto dentro de
seus limites, a pessoa jurídica em relação às pessoas que atrás
109
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 110-111.
110
COELHO. Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial, p. 115.
111
COELHO. Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 40.
54
dela se escondem. A pessoa jurídica é um instituto muito
importante para ser destruído, de modo que não deve ocorrer a
despersonalização.112
Ao fim, ressalta -se o entendimento de Silvio de Salvo
Venosa:
Portanto, a teoria da desconsideração autoriza o juiz, quando há
desvio de finalidade, a não considerar os efeitos da
personificação, para que sejam atingidos bens particulares dos
sócios ou até mesmo de outras pessoas jurídicas, mantidos
incólumes, pelos fraudadores, justamente para propiciar ou
facilitar a fraude. Essa é a única forma eficaz de tolher abusos
praticados por pessoa jurídica, por vezes constituída tão-só ou
principalmente para o mascaramento de atividades dúbias,
abusivas, ilícitas e fraudulentas.113
No próximo capítulo passa-se ao estudo da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do Código de Defesa do
Consumidor e sua aplicação.
112
TOMAZZETE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica :
a teoria, o CDC e o novo Código Civil. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=3104>. Acesso em: 18 abr. 2007.
113
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 304.
55
CAPÍTULO 3
A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
3.1 CONSUMIDOR E RELAÇÃO DE CONSUMO
No artigo 2° da Lei n° 8.078/90 reza que consumidor é “toda
pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final”.
Consoante José Geraldo Britto Filomeno, o conceito de
consumidor adotado pelo Código de Defesa do Consumidor é de caráter
econômico, sugerindo assim conceitos de consumidor por diferentes óticas.
Nesse sentido:
Componentes de natureza sociológica – ‘consumidor’ é qualquer
indivíduo que frui ou se utiliza de bens e serviços e pertence a uma
determinada categoria ou classe social – ou então psicológica – aqui
encarando-se o ‘consumidor’ como o indivíduo sobre o qual se
estudam as reações a fim de se individualizarem os critérios para a
produção e as motivações internas que levam ao consumo.114
Após o estudo das concepções de ordem filosófica, o citado
doutrinador conceitua consumidor em sentido amplo como send o toda e
qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para
consumo final, em beneficio próprio ou de outrem, tanto a aquisição ou a
locação de bens, quanto a prestação de um serviço.115
Rizzato Nunes conceitua consumidor como:
Consumidor é a pessoa física, a pessoa natural e também a pessoa
jurídica.
[...]
A lei emprega o verbo ‘adquirir’, que tem de ser interpretado em seu
114
FILOMENO, José Geraldo Britto. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 28.
115
FILOMENO, José Geraldo Britto. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto, p. 28.
56
sentido mais lato, de obter, seja a titulo oneroso ou gratuito.
Porém, como se percebe, não se trata apenas de adquirir, mas
também de utilizar o produto ou serviço, ainda quando quem o utiliza
não o tenha adquirido. Isto é, a norma define como consumidor tanto
quem efetivamente adquire (obtém) o produto ou serviço como
aquele que, não o tendo adquirido, utiliza-o ou o consome.116
Já a relação de consumo é uma relação jurídica, na qual
sempre deve ser observada e manifesta a vulnerabilidade do consumidor ante
ao fornecedor.
José Geraldo Britto Filomeno explica as características da
relação de consumo, enumerando:
a) envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado o
adquirente de um produto ou serviço (consumidor); de outro o
fornecedor ou vendedor de um serviço ou produto
(produtor/fornecedor);
b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do
consumidor;
c) o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a
produção de bens de consumo ou prestação de serviço que lhe são
destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos
produtores daqueles mesmos bens e serviços.117
Ainda, dos ensinamentos do mesmo doutrinador colhe -se
que:
As relações de consumo [...] nada mais são do que ‘relações
jurídicas’, por excelência, pressupondo, por conseguinte, dois pólos
de interesses: o consumidor-fornecedor e a coisa objeto desses
interesses. No caso, mais precisamente e consoante ditado pelo
Código de Defesa do Consumidor, tal objeto consiste em ‘produtos’ e
serviços.118
Também, a respeito das relações de consumo, Carlos
Alberto Bittar acrescenta que: “compõem as relações submetidas ao regime do
116
NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 88.
117
FILOMENO, José Geraldo Britto. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto, p. 41.
118
FILOMENO, José Geraldo Britto. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto, p. 42.
57
Código os adquirentes e os usuários finais, tanto pessoas físicas como
coletividade de pessoas físicas e pessoas jurídicas; e, de outro lado, os
fornecedores de bens ou de serviços para consumo”. 119
E mais adiante dá a seguinte lição:
São abarcadas pelo regime do código as relações de consumidores
finais. Apartam-se, pois, de seu contexto as operações referentes ao
denominado ‘consumo intermediário’, ou seja, decorrentes de uso
por empresas de bens ou de serviços para o próprio processo
produtivo (compreendendo, pois, bens chamados ‘indiretos’ ou de
produção, ou seja, que não satisfazem diretamente necessidades, ou
porque requerem transformações para consumo, como as matériasprimas, ou porque atuam como instrumentos, como as máquinas,
combustíveis e outros ). 120
Ressalta -se, ainda, que a Constituição Federal, em seus
artigos 5, XXXII e 170, V, versando que o Estado promoverá a defesa do
consumidor, dá a entender que este é a parte mais frágil da relação de consumo. Na
dicção dos citados artigos:
Artigo 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
[...]
V - defesa do consumidor;
Por seu turno, o artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do
Consumidor, garante ao consumidor a facilitação de sua defesa. É o que se
transcreve:
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a
critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
119
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor: código de defesa do consumidor. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 29.
120
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor: código de defesa do consumidor, p. 24.
58
Assim, o direito de defesa acompanha o consumidor, tanto em
processos judiciais como em processos administrativos. E mais: em processos
administrativos aplicar-se-á a inversão do ônus da prova 121, devendo a autoridade
administrativa facilitar a defesa dos consumidores. 122
Isso
posto,
passa-se
ao
estudo
da
teoria
da
desconsideração da personalidade jurídica e sua utilização no Código de
Defesa do Consumidor.
3.2 A DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA E O CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR
Versa o artigo 28, caput, do diploma consumerista que:
O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social. A desconsideração também será
efetivada quando houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração.
Da leitura do artigo 28, caput, do Código de Defesa do
Consumidor, extrai-se que este diploma consumerista prevê a aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica em detrimento do
consumidor/relação de consumo. Dessa forma, antes de adentrar no tema
central do estudo, para melhor entendimento, faz-se necessário explicar o
conceito amplo de consumidor, bem como o de relação de consumo.
A introdução expressa da teoria da desconsideração da
121
Cf. Decreto 2.181/97
“Art. 22. Será aplicada multa ao fornecedor de produtos ou serviços que, direta ou indiretamente,
inserir, fizer circular ou utilizar-se de cláusula abusiva, qualquer que seja a modalidade do contrato de
consumo, inclusive nas operações securitárias, bancárias, de crédito direto ao consumidor, depósito,
poupança, mútuo ou financiamento, e especialmente quando: [...]
V – estabelecer inversão do ônus da provarem prejuízo do consumidor;”.
122
ARAÚLO, Paulo da Silva Filho. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 05.
59
personalidade jurídica no Brasil é atribuída ao artigo 28 do Código de Defesa do
Consumidor 123. No entanto, mesmo antes da existência do Código de Defesa do
Consumidor já havia julgados nos quais se aplicava a teoria da desconsideração
da personalidade jurídica, baseados na constatação de que os sócios de má-fé
encobriam-se na sociedade com intuito de prejudicar terceiros. 124
Na concepção de Waleska Bertolini Mussalem:
Com intuito de proteger o consumidor, parte mais fraca na relação de
consumo, contra os abusos praticados contra ele, o legislador pátrio
conferiu-lhe vários direitos, que não seriam satisfatoriamente
assegurados se não tivesse previsto o instrumento da
desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do
Consumidor.125
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, são fundamentos legais para
a desconsideração da personalidade jurídica em favor do consumidor: “a) abuso
de direito; b) excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos
estatutos ou contrato social; c) falência, estado de insolvência, encerramento ou
inatividade provocados por má administração”.126
A propósito, percebe-se que o legislador ao inserir a teoria
da desconsideração da personalidade jurídica dentro do código consumerista,
teve o intuito de proteger o direito dos consumidores, já que estes são
considerados a parte mais fraca da relação de consumo.127
De acordo Zelmo Denari:
123
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 48.
124
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 133.
125
MUSSALEM, Waleska Bertolini. Aspectos materiais da desconsideração da personalidade jurídica
no Código de Defesa do Consumidor. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público
do Distrito Federal e Territórios. Brasília: FESMPDFT, ano I, n. 1, p. 183-206, jul./set.,1993, p. 192.
126
127
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 50.
FILOMENO, José Geraldo Britto. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto, p. 212.
60
O art. 28 reproduz todas as hipóteses materiais de incidência que
fundamentam a aplicação da disregard doctrine às pessoas jurídicas,
a saber: abuso de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei,
fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social.
O dispositivo protege amplamente o consumidor, assegurando-lhe
livre acesso aos bens patrimoniais dos administradores sempre que
o direito subjetivo de crédito resultar de quaisquer das práticas
abusivas elencadas no dispositivo. 128
Assevera Fábio Ulhoa Coelho que tal dispositivo legal visa
proteger os interesses dos consumidores, no entanto, nenhum proveito traz a
estes, visto que omite a fraude, principal fundamento para a aplicação da teoria
da desconsideração:
Apesar dos equívocos na redação dos dispositivos legais, a melhor
interpretação destes é a que prestigia a formulação maior da teoria
da desconsideração, ou seja, eles somente admitem a superação do
princípio da autonomia patrimonial da sociedade empresária como
forma de coibição de fraudes ou abusos de direito.129
Sobre a questão da fraude levantada pelo mencionado autor,
Elizabeth Cristina Campos Martins de Freitas comenta que:
Para diferenciar fraude dos demais vícios dos atos jurídicos, cabe
lembrar que sua principal característica é a intenção deliberada ou
consciência de produzir o dano ao credor. Entende-se como
requisitos da fraude: a má-fé, ou malícia do devedor e a intenção de
gerar um prejuízo a outrem. O credor é impedido de usufruir a
garantia real que deveria encontrar no patrimônio do devedor. 130
Ainda, na conceituação de fraude não há como deixar de
salientar a influência e a relevância do prejuízo.131
128
DENARI, Zelmo. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7.
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 212.
129
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 52.
130
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 223.
131
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 223.
61
3.3 O ESTUDO DO ARTIGO 28 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O artigo 28 do diploma consumerista em comento traz as
hipóteses nas quais se pode desconsiderar a personalidade jurídica em detrimento
do consumidor. Na primeira parte do citado dispositivo pode-se desconsiderar a
personalidade jurídica em detrimento do consumidor quando houver abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos
ou contrato social. Em sua segunda parte versa que a teoria será também aplicada
quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da
pessoa jurídica provocados por má administração.
Acerca do abuso de direito referido no artigo 28 do Código
de Defesa do Consumidor, Marlon Tomazzete, ensina:
A primeira hipótese de desconsideração elencada pelo artigo 28 do
Código de Defesa do Consumidor, é o abuso de direito, que
representa o exercício não regular de um direito. A personalidade
jurídica é atribuída visando determinada finalidade social, se
qualquer ato é praticado em desacordo com tal finalidade, causando
prejuízos a outrem, tal ato é abusivo e, por conseguinte atentatório
ao direito, sendo a desconsideração um meio efetivo de repressão a
tais práticas. Neste particular, o Código de Defesa do Consumidor
acolhe
a
doutrina
que
consagrou
e
sistematizou
a
132
desconsideração.
Waleska Bertolini Mussalem manifesta -se no sentido de que
“entre as hipóteses previstas no artigo 28, no caput, somente a que prevê a
desconsideração em caso de abuso de direito é que realmente guarda afinidade
com a disregard doctrine”. 133
No que concerne ao abuso do direito e excesso de poder,
expressões sinônimas 134, como se pôde perceber, dão motivo à desconsideração da
132
TOMAZZETE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica :
a teoria, o CDC e o novo Código Civil. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3104>. Acesso em: 18 abr. 2007.
133
MUSSALEM, Waleska Bertolini. Aspectos materiais da desconsideração da personalidade jurídica
no Código de Defesa do Consumidor. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público
do Distrito Federal e Territórios. Brasília: FESMPDFT, Ano I, n. 1, jul./set.,1993, p. 192.
134
NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 358.
62
personalidade jurídica; eis que a prática abusiva é proibida expressamente no
código consumerista, especificamente os artigos 30, 40, 41 e 42, e também no
Código Civil, artigo 187, verbis: “Também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Segundo os ensinamentos de Elisabeth Cristina Campos
Martins de Freitas, o abuso de direito é um dos requisitos para a aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido:
O abuso do direito deve ser analisado à luz da teoria segundo a qual
o direito possui uma função social ativa que objetiva atingir os fins do
Estado, que, antes de tudo, referem-se ao bem-estar da coletividade.
De qualquer forma, o posicionamento pátrio dominante é no intuito
de que o abuso de direito reflete prática que foge à normalidade, à
regularidade com a intenção de causar prejuízo a outrem.135
Quanto ao pressuposto “infração da lei, fato ou ato ilícito ”,
segundo o ensinamento de Rizzato Nunes, deve-se entender “[...] que são as
hipóteses em que a pessoa jurídica praticou ato contrário à disposição legal de
qualquer ordem e que, por isso, esteja impedindo o consumidor de satisfazer-se
de seus direitos”.136
Ao final, o artigo 28, caput, menciona a falência, insolvência
e encerramentos das atividades provocados por má administração. Nesses
casos constata -se a presença de um elemento que não se relaciona de forma
especifica com os interesses do consumidor. Trata-se da “má administração”. Em
rigor, a má administração da pessoa jurídica refere-se aos atos de gerência
incompetente.137
Fábio Ulhoa Coelho explica má administração nos seguintes
termos:
Erros do administrador na conduta dos negócios sociais. Quando ele
135
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 225.
136
137
NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 358.
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 176.
63
desatende às diretrizes fixadas pelas técnicas administrativas, pela
chamada ‘ciência’ da administração, deixando de fazer o que elas
recomendam ou fazendo o que desaconselham, e disto sobrevêm
prejuízos à pessoa jurídica [...], então será possível imputar ao
administrador a responsabilidade pelos danos sofridos pelos
consumidores. Novamente, a existência e autonomia da pessoa
jurídica não obstam essa responsabilização, descabendo, por isso, a
referência à sua desconsideração.138
Ainda, o artigo 28 do código consumerista versa que: “o juiz
poderá desconsiderar a personalidade jurídica”. Como se pode observar, o
dispositivo expressa o verbo “poder” e a utilização desse vocábulo pelo
legislador dá margem a algumas divergências.
De acordo com Elisabeth Cristina Campos Martins de
Freitas:
Em uma primeira leitura do caput do art. 28 do Código de Defesa do
Consumidor, o leitor desavisado poderia ser induzido a concluir que,
em decorrência de verbo poder, mesmo com a devida demonstração
dos requisitos explicitados no dispositivo legal, o magistrado
pudesse, por livre escola, deixar de aplicar a desconsideração.
Não obstante o poder discricionário possibilitar ao agente certa
margem de apreciação subjetiva, essa não pode infringir as normas
que regulam a matéria nem relegar ao descaso o desenvolvimento
da vida em sociedade, o bem social.139
A doutrinadora ainda invoca o princípio da legalidade para
afirmar que o juiz, assim como qualquer agente público, está submetido ao crivo
deste princípio. E, complementando o pensamento aduz que: “não é porque o
poder discricionário envolva uma apreciação subjetiva que ela não deva se [sic]
pautar na lei”.140
Para Rizzato Nunes, “o juiz não tem o poder, mas o dever
de desconsiderar a personalidade jurídica sempre que estiverem presentes os
138
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 51.
139
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 249.
140
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 249.
64
requisitos legais”. 141
Por sua vez, Waleska Bertolini Mussalem 142 e Márcio André
Medeiros Moraes, comungando o mesmo entendimento, dizem não concordar
com o emprego de verbo “poderá” disposto no artigo, mas sim “deverá”.
Segundo os autores, jamais o consumidor, que é parte vulnerável na relação de
consumo, poderia ficar ao livre arbítrio da vontade do juiz, em aplicar ou não a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica em detrimento do
consumidor.143
Em sentido oposto são os ensinamentos de Zelmo Denari,
para quem “o dispositivo teve o cuidado de autorizar a aplicação da
desconsideração como faculdade do juiz, a cujo prudente arbítrio confiou o
exame preliminar e a aferição dos pressupostos, para concessão da medida
extrema”.144
Ada Pellegrini Grinover, repisando o entendimento anterior,
anota também que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica é uma faculdade, eis que: “[...] o dispositivo teve o cuidado de autorizar a
aplicação da desconsideração como faculdade do Juiz, a cujo prudente arbítrio
confiou o exame preliminar e a aferição dos pressupostos, para concessão da
medida extrema”.145
Em rigor, como se pôde observar, a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica no caso concreto dependerá do livre
convencimento motivado do juiz.
141
NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 356.
142
MUSSALEM, Waleska Bertolini. Aspectos materiais da desconsideração da personalidade jurídica
no Código de Defesa do Consumidor. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público
do Distrito Federal e Territórios. Brasília: FESMPDFT, Ano I, n. 1, jul./set.,1993, p. 195.
143
MORAES, Márcio André Medeiros. A desconsideração da personalidade jurídica no código de
Defesa do Consumidor, p.133.
144
DENARI, Zelmo. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.
212.
145
GRINOVER, Ada Pellegrini. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. 7. ed. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 1.062.
65
3.4.1 O parágrafo 1º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica está
disposta no artigo 28 caput e §§ 2º a 5º, eis que seu parágrafo 1º foi vetado.
Entretanto, não há como se fazer um estudo do artigo 28 do código consumerista
sem mencionar sucintamente o parágrafo primeiro, que possuía a seguinte redação:
A pedido da parte interessada, o juiz determinará que a
efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o
acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os
administradores societários e, no caso de grupo societário, as
sociedades que o integram .
O então Presidente da República, Fernando Collor de Melo,
vetou o referido parágrafo sob o argumento deque: “o caput do art. 28 já contém
todos os elementos necessários à aplicação da desconsideração da personalidade
jurídica, que constitui conforme doutrina amplamente dominante no direito prático e
alienígena, técnica e excepcional de repressão a práticas abusivas”. 146
Para Elizabeth Cristina Campos Martins de Freitas147 e Rizzatto
Nunes, a ausência de referido parágrafo em nada modificou a eficácia da norma. É o
que comentam:
O § 1º era mesmo descipiendo não necessariamente pelas
razões expostas no veto, mas porque é evidente que o juiz, ao
desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica, o fará para
atingir a pessoa dos sócios e/ou responsáveis por ela. O
desaparecimento deste parágrafo nada altera a eficácia da
norma. 148
E Zelmo Denari, sustenta que:
[...] não há referibilidade alguma entre as razões do veto e a
disposição contida no parágrafo vetado, que se limita a indicar
146
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica.
2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, 178 p.
147
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica.
2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, 178 p.
148
NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 363.
66
quais administradores deverão ser responsabilizados na hipótese
de acolhimento da desconsideração.
Por todo o exposto e até por razões didáticas e metodológicas, o
dispositivo vetado deve ser invocado pelas partes interessadas e
utilizado pelo aplicador da norma, para deslinde das questões de
legitimidade passiva.149
Por fim, alguns doutrinadores 150 entendem que o dispositivo
vetado pode ser invocado pelas partes interessadas e utilizado pelo juiz em caso de
legitimidade passiva.151
3.4.2 Os parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 28 do Código de Defesa do
Consumidor
A propósito do presente estudo, rezam os parágrafos 2º, 3º e 4º
artigo 28 do Código d e Defesa do Consumidor que:
§ 2º As sociedades integrantes dos grupos societários e as
sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste Código.
§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis
pelas obrigações decorrentes deste Código.
§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
Na concepção de Gustavo Filipe Barbosa Garcia, os parágrafos
2º, 3º e 4º artigo 28 do diploma legal consumerista dispõem acerca da extensão da
responsabilidade de outras sociedades.152 Todavia, Elizabeth Cristina Campos
Martins de Freitas adverte que “[...] as sociedades que o doutrinador se refere são as
sociedades que compõem o grupo societário, bem como das sociedades
149
DENARI, Zelmo. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.
213.
150
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 178 e DENARI, Zelmo. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto, p. 213.
151
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 178.
152
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor. Revista dos Tribunais. Ano 95. v. 846. ano 2006, p. 20.
67
consorciadas e coligadas”. 153
Mais adiante esses mesmos doutrinadores argumentam que
esses parágrafos não possuem ligação com o caput do artigo 28 do Código de
Defesa do Consumidor 154. A concepção é de que:
Esses três parágrafos referem-se a assunto correlato que na
realidade não possui ligação com o disposto no art. 28, caput. Se
analisados de forma sistemática, é possível constatar em comum
entre eles o vício de pertinência, já que se encontram dispostos nos
limites incidentais da Seção V, que trata da desconsideração da
personalidade jurídica, quando, na realidade, deveriam constar de
um capitulo geral sobre responsabilidade, que, em nosso Código de
Defesa do Consumidor, estranhamente não existe. Na falta
desta, os §§ 2º, 3º e 4º poderiam constar junto do art. 25, na
Seção II, sobre a responsabilidade pelo fato do produto e do
serviço, e/ou na Seção III, concernente à responsabilidade por
vício do produto ou serviço, em que estariam posicionados de
forma mais acertada e melhor compreendidos.155
Com efeito, considerando a menção do § 2º do dispositivo em
comento a sociedades integrantes dos grupos societários e sociedades controladas,
cabe conceituar grupo de sociedades como: tudo o que é constituído por sociedade
controladora e suas controladas, ou seja, por sociedades que detêm o controle
acionário, ditas sociedades de comando, e por suas filiadas. 156
Dessa feita, pode-se constatar que os grupos societários são
compostos pela sociedade controladora e suas controladas e as principais normas
destas sociedades estão previstas na Lei das Sociedades por Ações157, em seus
artigos 265, 266, 267 e 268 158.
153
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 209.
154
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor. Revista dos Tribunais. Ano 95. v. 846. ano 2006. 20/21p
155
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 205.
156
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 209.
157
158
Lei nº 6.404/76, atualizada pelas Leis ns.º 9.457/97 10.1194/01 e 10.303/01.
Artigo 265 A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste
Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar
68
Explica Gustavo Filipe Barbosa Garcia que:
Segundo o referido § 2º, as sociedades integrantes dos grupos
societários e as sociedades controladas respondem apenas de
forma subsidiária. Ou seja, a responsabilidade principal é da
sociedade do grupo ou controladora que causou prejuízo, a quem
se deve dirigir primeiramente; apenas na impossibilidade desta é
que o consumidor pode cobrar a reparação do dano das
sociedades mencionadas.159
Assim, nos termos do § 2º, ante a ausência de bens que
componham o patrimônio da sociedade, quer ela de comando ou filiadas, o
consumidor lesado pode prosseguir na cobrança contra as demais integrantes, em
via subsidiária.160
O consumidor, ressalta -se, só acionará a sociedade de
responsabilidade subsidiária, caso seja frustrada a tentativa de receber o que tinha
direito da sociedade de origem.161
O § 3º, por sua vez, trata das sociedades consorciadas, e
consórcio, segundo Zelmo Denari, “é mera reunião de sociedades que se agrupam
para executar um determinado empreendimento. O consórcio não tem personalidade
jurídica e, em princípio, as consorciadas somente se obrigam em nome próprio, sem
recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou
empreendimentos comuns.
§ 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta
ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de
direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas.
§ 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no Art. 244.
Artigo 266 As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a
coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelec idas
na convenção do grupo, mas cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos.
Artigo 267 O grupo de sociedades terá designação de que constarão as palavras "grupo de
sociedades" ou "grupo".
Parágrafo único Somente os grupos organizados de acordo com este Capítulo poderão usar
designação com as palavras "grupo" ou "grupo de sociedade".
Artigo 268 A companhia que, por seu objeto, depende de autorização para funcionar, somente
poderá participar de grupo de sociedades após a aprovação da convenção do grupo pela autoridade
competente para aprovar suas alterações estatutárias.
159
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor, p. 21.
160
DENARI, Zelmo. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.
214.
161
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 210.
69
previsão de solidariedade”.162
O consórcio tem previsão legal na Lei das Sociedades por
Ações em seus artigos 278 e 279, in verbis:
Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o
mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para
executar determinado empreendimento, observado o disposto
neste Capítulo.
Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato
aprovado pelo órgão da sociedade competente para autorizar a
alienação de bens do ativo permanente, do qual constarão:
I - a designação do consórcio se houver;
II - o empreendimento que constitua o objeto do consórcio;
III - a duração, endereço e foro;
IV - a definição das obrigações e responsabilidade de cada
sociedade consorciada, e das prestações específicas;
V - normas sobre recebimento de receitas e partilha de
resultados;
VI - normas sobre administração do consórcio, contabilização,
representação das sociedades consorciadas e taxa de
administração, se houver;
VII - forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum,
com o número de votos que cabe a cada consorciado;
VIII - contribuição de cada consorciado para as despesas
comuns, se houver.
Parágrafo único. O contrato de consórcio e suas alterações serão
arquivados no registro do comércio do lugar da sua sede, devendo a
certidão do arquivamento ser publicada.
Consoante os ensinamentos de Gustavo Filipe Barbosa Garcia:
O dispositivo inova, pois o art. 278, § 1º, da Lei supra citada,
restringe a responsabilidade de cada consorciada por suas
obrigações, somente se obrigando nas condições previstas no
respectivo contrato, ‘sem presunção de solidariedade’, o que deixa
de ser aplicado nas hipóteses de incidência do art. 28, § 3º, do
CDC.163
162
DENARI, Zelmo. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.
214.
163
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor, p. 22.
70
Consoante o mencionado art. 278, caput, explica o mencionado
doutrinador, que as sociedades podem constituir consórcio, sob o mesmo controle
ou não, mediante contrato (art. 279), para executar determinado empreendimento.164
Como se pôde observar, o dispositivo do código consumerista
derrogou disposição da lei comercial, resultando nas relações de consumo um
vínculo de solidariedade entre as empresas consorciadas. 165
Ao final, o § 4º versa sobre a responsabilidade das sociedades
coligadas, estabelecendo que estas só responderão em caso de culpa. Sociedades
coligadas são aquelas que se associam a outra sem exercer o controle acionário 166,
previstas no artigo 243, § 1º, da Lei das Sociedades por Ações, a saber: “§ 1º. São
coligadas as sociedades quando uma participa, com 10% (dez por cento) ou mais,
do capital da outra, sem controlá -la”.
Dessa forma, a sociedade que causou o dano é quem
responde, mas a responsabilidade da sociedade coligada depende da existência da
culpa. É como entende Zelmo Denari:
Tratando-se de sociedades que se associam a outras, mas que
conservam a respectiva autonomia patrimonial e administrativa, o
Código somente admite sua responsabilidade na ocorrência de
culpa, vale dizer em caráter excepcional, quando ficar demonstrado
que participaram do evento danoso ou incorreram em vício de
qualidade ou quantidade por negligência ou imprudência. 167
Em suma, nos grupos societários em que a definição é
controvertida, há responsabilidade subsidiária, ou seja, se a sociedade que causou o
dano ao consumidor não tiver condições de repará-lo, este poderá responsabilizar
as demais integrantes do grupo. No caso de consórcios, a responsabilidade é
solidária, o consumidor opta por aquela que irá ressarcir seu prejuízo, entre as
164
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor, p. 22.
165
DENARI, Zelmo. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.
214.
166
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 212.
167
DENARI, Zelmo. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.
214.
71
integrantes do consórcio. Ao final, no que tange às sociedades coligadas, precisa
restar demonstrada a culpa para a responsabilização.168
3.4.3 O parágrafo 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor
Consoante o que dispõe o artigo 28, parágrafo 5°, do Código
de Defesa do Consumidor: “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica
sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores”.
A propósito, a redação do dispositivo supracitado é ampla, eis
que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica sempre que esta obstar o
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
Na interpretação de Silvio de Salvo Venosa, “a abrangência
do novo dispositivo na lei do consumidor é ampla, permitindo, como vimos, o
exame da oportunidade e conveniência da desconsideração no caso concreto.
Razões de equidade devem orientar o julgador. 169
As hipóteses previstas no caput do artigo 28 do Código de
Defesa do Consumidor são exemplificativas, eis que não obstam a prática, pela
pessoa jurídica, de quaisquer espécies de fraudes e de abusos de direito. No
entanto, com o intuito de coibir as fraudes e a impunidade, o § 5º deixou em
aberto o texto normativo para que o operador do Direito possa desconsiderar a
personalidade jurídica em qualquer outra hipótese.170
Para Rizzatto Nunes, o parágrafo 5º expandiu as hipóteses
de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica desde que
esta seja aplicada para e em prol do consumidor, pois “independentemente da
verificação de fraude ou infração da lei, será possível, no caso concreto,
suplantar a personalidade jurídica da pessoa jurídica, se for o obstáculo ao
168
TOMAZZETE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica :
a teoria, o CDC e o novo Código Civil. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3104>. Acesso em: 18 abr. 2007.
169
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, p. 302-303.
170
NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 360.
72
ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo consumidor”.171
E Gustavo Filipe Barbosa Garcia pondera que:
O § 5º do mesmo art. 28 apresenta redação extremamente aberta,
pois autoriza a desconsideração da personalidade jurídica quando
esta for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores. Como a desconsideração é exceção à
regra da autonomia entre a pessoa jurídica e seus membros, o
dispositivo em questão não deve ser interpretado isoladamente, mas
de forma teológica e sistemática, de acordo com os fundamentos da
teoria em estudo, tendo em vista os critérios previstos no próprio
caput do mesmo art. 28, que, aliás, não se restringem aos
tradicionais critérios de fraude e abuso no exercício da personalidade
jurídica.172
O Código de Defesa do Consumidor possui caráter
protecionista, eis que visa resguardar os direitos dos consumidores, vistos estes
como a parte mais fraca da relação.173 Não é por outra razão que têm seus
direitos protegidos.
No entanto, Elisabeth Cristina Campos Martins ressalta que:
Mesmo que em nome dessa proteção ao consumidor, no entanto,
não se entende que a desconsideração da personalidade jurídica do
art. 28 deva ser aplicada de forma irrestrita, sem as devidas cautelas
e ressalvas, já que não perde em momento algum sua característica
de exceção à regra, com a observância dos princípios do
contraditório e da ampla defesa e o limite do alcance da coisa
julgada. Se for interpretado de forma muito ampla o § 5º, corre-se o
risco de tornar letra morta o caput do artigo, contrariando os
pressupostos teóricos da desconsideração da personalidade jurídica.
Não é porque o consumidor possui hoje uma lei especifica a seu
favor que deva ajuizar ações relativas a relações de consumo de
forma impensada, indiscriminada.174
171
NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 360.
172
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor, p. 22.
173
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 214.
174
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 216.
73
Há entendimentos no sentido de que o parágrafo 5º do
Código de Defesa do Consumidor, para ter eficácia e validade, estaria
condicionado à interpretação que se der às razões de veto opostas pelo
Presidente da República.175
Ante tal argumento cabe repisar a razão pela qual o
Presidente da Republica vetou o parágrafo 1º do artigo 27 do Código de Defesa
do Consumidor: “o caput do art. 28 já contém todos os elementos necessários à
aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, que constitui, conforme
doutrina amplamente dominante no direito prático e alienígena, técnica e
excepcional de repressão a práticas abusivas”.176
Zelmo
Denari
questiona
acerca
da
aplicação
desse
parágrafo afirmando que houve um “equívoco remisso de redação”, pois as
razões de veto foram direcionadas ao § 5º do art. 28; não se pode deixar de
reconhecer o compromisso da eficácia deste parágrafo, no plano das relações
de consumo”.177
No mesmo norte é o entendimento de Ada Pellegrini
Grinover:
[...] o reconhecimento da valia e eficácia normativa do § 5º do art. 28
está condicionado à interpretação que se der às razões de veto
opostas pelo Presidente da República ao seu § 1º.
[...] e admitindo que houve um ‘equivoco remissivo de redação’, pois
as razões de veto foram direcionadas ao § 5º do art. 28, não se pode
deixar de reconhecer o comprometimento da eficácia deste
parágrafo, no plano das relações de consumo.
Em que pesem os argumentos da doutrinadora supracitada,
Fábio Ulhoa Coelho não partilha do mesmo entendimento, pois apóia o veto do
parágrafo 1º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. É o seu relato:
175
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 212.
176
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 178.
177
DENARI, Zelmo. Código de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p.
214.
74
No tocante ao § 5º do art. 28 do CDC, note-se que uma primeira e
rápida leitura pode sugerir que a simples existência de prejuízo
patrimonial suportado pelo consumidor seria suficiente para autorizar
a desconsideração da pessoa jurídica. Essa interpretação
meramente literal, no entanto, não pode prevalecer por três anos. Em
primeiro lugar, porque contraria os fundamentos teóricos da
desconsideração. Como mencionado, a disregard doctrine
representa um aperfeiçoamento do instituto da pessoa jurídica, e não
a sua negação. Assim, ela só pode ter a sua autonomia patrimonial
desprezada para a coibição de fraudes ou abuso de direito. A
simples insatisfação do credor não autoriza, por si só, a
desconsideração, conforme assenta a doutrina na formulação maior
da teoria. Em segundo lugar, porque tal exegese literal tornaria letra
morta o caput do mesmo art. 28 do CDC, que circunscreve algumas
hipóteses autorizadoras do superamento da personalidade jurídica.
Em terceiro lugar, porque essa interpretação equivaleria à eliminação
do instituto da pessoa jurídica no campo do direito do consumidor, e,
se tivesse sido esta a intenção da lei, a norma para operacionalizá-la
poderia ser direta, sem apelo à teoria da desconsideração.
Dessa maneira, deve-se entender o dispositivo em questão (CDC,
artigo 28, § 5º) como pertinente apenas às sanções impostas ao
empresário, por descumprimento de norma protetiva dos
consumidores, de caráter não pecuniário. 178
De outra banda, Márcio André Medeiros de Moraes entende
que “a hipótese idealizada pelo legislador se encaixa muito mais no caput, pois
lá encontramos expressamente a possibilidade de se desconsiderar a
personalidade jurídica da sociedade no caso de infração da lei e em detrimento
do consumidor”.179
Elisabeth Cristina Campos Martins de Freitas, invocando
Luciano Amaro, assevera que:
O preceito ditado no § 5º possui vício que o torna inconciliável com o
caput. O autor frisa que o parágrafo tem início com o advérbio
‘também’, dando impressão de que mais alguma hipótese poderá ser
adicionada ao elenco do caput. Em vez da expressão novas
hipóteses, entretanto, são utilizadas as expressões genéricas sempre
que e de qualquer forma. Seu discurso é com a finalidade de que o §
178
179
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, p. 51-52.
MORAES, Márcio André Medeiros. A desconsideração da personalidade jurídica no código de
Defesa do Consumidor, p. 176.
75
5º, c/c o caput, apresenta um serviço legislativo viciado por insanável
impropriedade. 180
Esclarece ainda a doutrinadora que não existe em tal
dispositivo nada que requeira que o obstáculo seja insuperável, ao contrário, se
de alguma maneira a personalidade jurídica for óbice para que os consumidores
sejam ressarcidos, esta tem de ser superada. 181
Assim, uma vez desconsiderada a personalidade jurídica,
deve -se analisar quem arcará com a responsabilidade. Nesse sentido Gustavo
Filipe Barbosa Garcia pondera:
Como é natural, aquele que provocou o abuso de direito, o excesso
de poder, praticou a infração da lei, fato ou ato ilícito ou violou os
estatutos ou contrato social deverá responder. A questão que se
coloca é quanto aos demais componentes da sociedade. O
controlador, justamente por ter o comando da empresa, também é
alcançado pela responsabilidade na desconsideração da pessoa
jurídica.182
O mencionado doutrinador ainda cita os ensinamentos de
João Casillo, segundo o qual: “no caso de superamento, que é uma exceção,
quando ocorra, deve-se permitir que todos aqueles que se esconderam sob o
manto da pessoa jurídica arquem com as conseqüências do ato ilícito ou
abusivo”.183
Dessa feita, em se tratando de responsabilização em casos
de desconsideração da personalidade jurídica, ao levantar o véu da pessoa
jurídica,
pode-se
dizer
que
todos
os
integrantes
da
sociedade
serão
responsabilizados, inclusive aqueles que se encontravam encobertos. No caso
dos sócios de boa-fé, estes poderão requerer o regresso e o ressarcimento
180
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 214.
181
FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da Personalidade Jurídica,
p. 216.
182
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor, p. 22.
183
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor, p. 23.
76
perante os sócios culpados, ressaltando-se que tais direitos são e ntre sócios. 184
Enfim,
constata -se
que
a
aplicação
da
teoria
da
desconsideração da personalidade jurídica é motivo de várias divergências
doutrinárias e possui caráter excepcional, sendo utilizada apenas em casos
extremos e que envolvam lesão a interesse de terceiros.
184
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de
Defesa do Consumidor, p. 23.
77
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica surgiu
em 1809, no entanto, a sua aplicação foi reconhecida pela doutrina somente no ano
de 1897, na Inglaterra, com o caso Saloman vs. Salamom & Co. Referida teoria logo
se difundiu por vários países no mundo, já que a preocupação com a utilização da
personalidade jurídica para fins lícitos é mundial e também não é recente.
Como foi analisado no segundo capítulo, desconsidera-se a
personalidade jurídica de forma ampla com o intuito de atingir o patrimônio pessoal
de seus sócios quando ficar evidenciado que a sociedade é utilizada como
instrumento para a fraude e abuso de direito.
No Brasil, o primeiro doutrinador a difundir essa teoria foi
Rubens Requião, em 1969, especificamente com o artigo “Abuso de direito e
fraude através da personalidade jurídica”, publicado na Revista dos Tribunais.
A invocação acerca da aplicação da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica veio com a sua regulamentação expressa, trazida pelo
artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor.
Conforme estudo apresentado, a teoria da desconsideração da
personalidade tem como objetivo evitar os abusos e fraudes que passaram a ser
praticados pelos sócios em épocas em que a pessoa jurídica era intangível. Sabe-se
que a distinção entre as personalidades do sócio e da pessoa jurídica é requisito
indispensável para o bom desenvolvimento desta, permitindo ao sócio exercer, da
melhor maneira possível, o comando da sociedade sem correr o risco de ter seu
patrimônio dilapidado caso o investimento da pessoa jurídica reste fracassado. De
outro norte, esse mesmo benefício pode contrariar os interesses da pessoa jurídica
quando ocorre abuso de direito, excesso de poder do sócio, ou cometimento de
fraude contra credores.
Em se tratando de relação de consumo, conforme mencionado
no terceiro capítulo, o código consumerista protege o consumidor enquanto
considerado parte vulnerável nesta relação. Dessa forma, sendo a sociedade
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados a consumidores em caso de
78
falência, insolvência e encerramento irregular de atividades decorrente de má
administração, aplica-se o disposto no artigo 28 no Código de Defesa do
Consumidor.
Os
pressupostos
para
a
aplicação
da
teoria
da
desconsideração da personalidade jurídica são: a fraude e o abuso de direito. O
Código de Defesa do Consumidor ampliou as hipóteses de incidência de referida
teoria, podendo esta ser aplicada nos casos de falência, insolvência ou
encerramento das atividades da empresa em virtude de má administração, abuso de
poder e excesso de direito. Isso porque o Código de Defesa do Consumidor visa a
uma real proteção do consumidor, amparando sempre os seus respectivos
interesses.
Em rigor, verifica-se que a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, apesar de ser utilizada pela doutrina e aplicada nos tribunais,
não é unânime entre os estudiosos do Direito, sendo alvo de várias divergências,
mormente porque o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28, tratou a
sua aplicação de forma ampla.
Os parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 28 do Código de Defesa do
Consumidor, vale lembrar, versam sobre a responsabilidade de terceiros:
responsabilidade subsidiária, responsabilidade solidária e responsabilidade solidária
mediante manifestação de culpa, mas estas não são hipóteses de desconsideração
da personalidade jurídica.
No que tange ao estudo do parágrafo 5º do mesmo diploma
legal consumerista também são inúmeras as divergências. Alguns doutrinadores
entendem que tal dispositivo pode ser aplicado em favor do consumidor, nos casos
de abuso de direito por mau uso da personalidade jurídica. Outros discordam e
alegam que o aludido parágrafo não se encontra revogado, tão-somente por conta
de um equívoco remissivo do veto, que recaiu no artigo 28, parágrafo 1º, do referido
código.
Ressalta -se que a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica possui caráter excepcional, podendo o juiz aplicá-la nos casos concretos em
que se verificarem hipóteses de fraude e abuso de direito, excesso de poder,
infração de lei, fato ou ato ilícito, violação de estatuto ou contrato social, falência,
79
estado de insolvência provocados por má administração, bem como, para tutelar
interesses de terceiros.
Importante lembrar ainda que com a aplicação da teoria da
desconsideração não há o desaparecimento da sociedade, eis que apenas levantase o véu da personalidade jurídica para que se possa atingir o patrimônio pessoal
dos seus sócios. Assim, a sociedade não é liquidada, não é dissolvida, tampouco
desconstituída, é apenas desconsiderada momentaneamente para que seja sanado
eventual prejuízo causado a terceiros ou, consoante o estudo efetuado, quando
verificada lesão diretamente a consumidores.
Ao final, resta concluir dizendo que a aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica visa coibir o uso indevido da pessoa
jurídica, de modo a responsabilizar os respectivos sócios pela má administração cujo
agir, abusivo e ilícito, resulte em prejuízo a terceiros.
80
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Marli.Aragão.texto.20.05.07 _1