MEDIAÇÃO DA APRENDIZAGEM COLABORATIVA NA PERCEPÇÃO DE TUTORES A DISTÂNCIA – O CASO DE UMA IES SOEIRA, Elaine dos Reis – UFS [email protected] Eixo Temático: Comunicação e tecnologia Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo A educação a distância tem sido alvo de muitas investigações nos últimos anos, cujas preocupações vão desde a efetividade da aprendizagem até a formação dos profissionais que atuam nesta modalidade de ensino. A presente pesquisa encontra-se em desenvolvimento, vinculada a um programa de pós-graduação em Educação, e insere-se no rol das investigações sobre os saberes docentes. A pesquisa pretende responder a seguinte questão: Como os tutores a distancia que atuam numa instituição pública de ensino superior (IES) percebem as relações entre a mediação e a aprendizagem colaborativa? A base teórica da pesquisa apresenta uma revisão da literatura sobre os conceitos de aprendizagem colaborativa, mediação e tutoria a distância, desde as perspectivas de teóricos, como por exemplo: Onrubia et al (2010), Oliveira et al (2008), Fonseca (1998), Freire e Shor (2008), Ferreira (2008), Gervai (2007), Chermann e Bonini (2000) e Machado (2003). Será desenvolvido um estudo de caso descritivo – calcado no método das Representações Sociais – tendo como técnicas para coleta de dados um questionário e a interação de tutores num grupo focal, com vistas à responder ao objetivo geral do estudo: Descrever a relação entre a mediação e a aprendizagem colaborativa através da percepção dos tutores à distância de uma IES pública sobre a sua atuação docente no ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Esta pesquisa encontra-se na fase inicial, não estando ainda disponíveis resultados que apontem para os objetivos propostos. O quadro teórico encontra-se em elaboração e consistirá na sistematização da produção intelectual brasileira acerca dos conceitos mediação, aprendizagem colaborativa e mediação. Palavras-chave: Aprendizagem colaborativa. Mediação. Percepção. Representações sociais. Tutores a distância. Introdução A educação a distância (EaD) não é uma modalidade de ensino recente, porém, desde a popularização da Internet, tem se firmado como uma possibilidade de formação nos diferentes níveis de ensino em instituições nacionais e internacionais. 10944 Para Moore e Kearsley (2010, p. 47) a EaD “evoluiu ao longo de cinco gerações, identificáveis pelas tecnologias de comunicação empregadas”. Para estes autores, as gerações podem ser definidas da seguinte forma: 1. A primeira geração de estudo por correspondência/ em casa/ independente proporcionou o fundamento para a educação individualizada a distância. 2. A segunda geração, de transmissão por rádio e televisão, teve pouca ou nenhuma interação entre professores com alunos, exceto quando relacionada a um curso por correspondência; porém, agregou as dimensões oral e visual à apresentação de informações aos alunos a distância. 3. A terceira geração – as universidades abertas – surgiu de experiências norteamericanas que integrava áudio/vídeo e correspondência com a orientação face a face, usando equipes de cursos e um método prático para a criação e veiculação de instrução em uma abordagem sistêmica. 4. A quarta geração utilizou a teleconferência por áudio, vídeo e computador, proporcionando a primeira interação em tempo real de alunos com alunos e instrutores a distância. O método era apreciado especialmente para treinamento corporativo. 5. A quinta geração, a de classes virtuais on-line [sic] com base na internet, tem resultado em enorme interesse e atividade em escala mundial pela educação a distância, com métodos construtivistas de aprendizado em colaboração, e na convergência entre texto, áudio e vídeo em uma única plataforma de comunicação.” (MOORE e KEARSLEY, 2010, p. 47-48). Contudo, a expansão da educação a distância online não coincide com a integração das possibilidades comunicacionais que a Internet agrega ao processo ensino-aprendizagem às propostas pedagógicas dos cursos. Muitas instituições ainda planejam seus cursos com base no paradigma da distribuição da informação, tornando mínima ou inexistente, a interatividade e a aprendizagem colaborativa entre os estudantes. Silva (2008b) afirma que: Em grande parte dos cursos via Internet prevalece o modelo comunicacional centrado na transmissão de informações. Os ambientes “virtuais” de aprendizagem continuam estáticos, ainda centrados na distribuição de dados desprovidos de mecanismos de interatividade, de criação colaborativa e de aprendizagem construída. Muito já se questionou a prática pedagógica baseada na transmissão para memorização e repetição, mas pouco se fez para modificá-la efetivamente (p.9). O rompimento com o paradigma tradicional implica numa transformação radical, englobando da fase de planejamento até a operacionalização, para que seja possível redesenhar novas práticas para a EaD online, balizadas no paradigma interacionista, na qual se 10945 torna extremamente importante a organização das situações que levem à aprendizagem, em vez da preocupação exacerbada com o que e com o quanto ensinar. Nesse contexto, sem perder de vista a necessidade de repensar e (re)planejar projetos pedagógicos dos cursos, faz-se mister refletir sobre a atuação docente. No caso da EaD, a função do tutor precisa ser (re)significada, pois este é o profissional que atua de forma mais próxima aos estudantes, já que não serve às práticas interacionistas nem uma concepção de detentor do saber nem de mero orientador e guia para os estudantes. É preciso pensar o tutor, na dimensão docente que ele ocupa – mas nem sempre reconhecida e legitimada – como um mediador, que se coloca na condição de aprendente, compartilha, colabora, fomenta a autoria e a co-autoria, “se dispõe a aprender com o movimento das tecnologias digitais de informação e comunicação” (SILVA, 2008a, p. 95). Oliveira, Lima e Mercado (2008) destacam que o tutor assume um papel fundamental no processo ensino-aprendizagem online, pois medeia as “ações pedagógicas de interação entre professores, alunos conteúdos e ambientes” (p. 185) e, consequentemente, favorece a “concretização dos princípios de autonomia e aprendizagem, contribuindo para a criação, nos ambientes online, de espaços colaborativos de aprendizagem1”. Estes autores também defendem que a ideia de que, ao realizar pontes entre os cursistas, o ambiente, o processo de aprendizagem e colaboração, o tutor firma-se no papel de mediador, ouvindo, negociando e ajustando, ou seja, torna-se “elemento chave, dinâmico e essencial na harmonização de todo processo ensino-aprendizagem.” (p. 186). Ao refletir sobre a ação mediada dos tutores, frente à demanda cada vez maior de que a aprendizagem colaborativa seja a mola mestra do processo de construção de saberes na EaD, pretende-se identificar de que modo os tutores que atuam a distância percebem essa dimensão do seu trabalho. Reconhecem-se como mediadores? Percebem-se sendo mediadores? Identificam os momentos em que intencionalmente medeiam a aprendizagem colaborativa? Desenvolvimento Nesta seção serão apresentados os conceitos estruturantes desta pesquisa, a saber: aprendizagem colaborativa; mediação e tutoria. 1 Ibidem 10946 Aprendizagem colaborativa Apesar de não ser um tema novo, a ênfase na aprendizagem colaborativa é tema recorrente quando se trata do ensino online, inclusive Onrubia, Colomina e Engel (2010, p. 208) afirmam que “a aprendizagem de grupos colaborativos constitui um tema de enorme interesse para a pesquisa educacional e está gerando, nas últimas quatro décadas, uma grande quantidade de estudos e pesquisas”. Considerando que a potencial interatividade possibilitada pela Internet, através de comunicações síncronas e assíncronas, contribui de forma significativa para que a aprendizagem ocorra de forma colaborativa, justifica-se a elevação das pesquisas e estudos focalizando esta área. Na busca da conceituação para aprendizagem colaborativa, optou-se pelo posicionamento teórico de Torres (2004) apud Ferreira (2008, p. 3), que a define como “uma estratégia que encoraja a participação do estudante no processo de aprendizagem e que pretende que a aprendizagem se desenvolva por um processo ativo e efetivo”. Ou seja, é estabelecido um compromisso para que a aprendizagem não seja um ato involuntário e casual, mas constitua-se num processo de significação para os sujeitos envolvidos. Corroborando Torres, os aportes teóricos de Lévy (1995, 1999), Assmannn (2005) e Aragão (2009) complementam a compreensão acerca da aprendizagem colaborativa, que pode ser entendida como a possibilidade de construir conhecimentos de forma coletiva, compartilhada, num pleno exercício de democracia e autonomia cognitiva, fomentando os princípios da inteligência coletiva. Desse modo, firma-se como um princípio extremamente importante para conferir à EaD uma maior qualidade e também, favorecer a criação de redes de aprendizagens. Valente (2005) destaca a necessidade do envolvimento dos participantes com a aprendizagem individual e coletiva, condição essencial para que a colaboração ocorra, além de corroborar a dialogicidade enquanto princípio pedagógico, afirmando que Trabalhar colaborativa e cooperativamente onde cada pessoa é responsável pela sua aprendizagem e também pela aprendizagem dos companheiros do grupo, construindo o conhecimento através de discussões, reflexões e tomadas de decisões no grupo. Aprender através de comunidades de aprendizagem demanda o desenvolvimento de postura participativa, ativa e interativa por parte de todos os elementos pertencentes ao processo. (p. 29) 10947 Alves, Japiassu e Hetkowski (2009) também defendem a colaboração na educação, dada a possibilidade do sujeito participar do processo de construção do conhecimento, tendo em vista que Os sujeitos em CVAs que promovem a co-laboração são potencialmente pares, coautores e co-construtores de inúmeros processos de criação, atuação e significação. Isso favorece a consolidação de uma inteligência coletiva que se caracteriza "por ser globalmente, distribuída, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que conduz a uma mobilização efetiva das competências." (p. 4) Faz-se necessário destacar que, frequentemente, a aprendizagem colaborativa é entendida como sinônimo da aprendizagem cooperativa. Contudo, neste estudo, optou-se pela diferenciação entre os dois conceitos, com base em de Paas (19992) A cooperação seria realizada pela divisão de trabalho entre os participantes, como uma atividade em que cada pessoa é responsável por uma porção da resolução do problema. A colaboração se caracterizaria pelo engajamento mútuo dos participantes em um esforço coordenado para juntos resolverem o problema. Porém, a diferença não se dá em termos apenas de divisão de tarefa, e sim da forma como a tarefa é dividida, ou seja, como se coordena a divisão de atividades. Na cooperação, a tarefa é dividida hierarquicamente em subtarefas independentes. Na colaboração, o processo cognitivo pode ser dividido em camadas entrelaçadas. Desse modo, a cooperação pressupõe a interação dos estudantes assim como na colaboração, porém o nível de engajamento no processo de construção se diferencia, a partir do momento que cada um passa a preocupar-se com a consecução de um grande objetivo em vez de objetivos menores, pressupondo uma hierarquização de saberes e a subdivisão de tarefas. Considerando as proposições de Valente (2005) e de Alves, Japiassu e Hetkowski (2009) reforçam a compreensão de que os estudantes precisam estar dispostos para aprender de forma colaborativa, o que implica numa disponibilidade para discutir e refletir em conjunto e demanda o desenvolvimento de uma postura participativa. Assim, surgem alguns questionamentos: Os estudantes dos cursos EaD já vêm com uma propensão para atuar de forma colaborativa ou esta postura precisa ser desenvolvida? Como essa postura pode ser 2 Sem identificação da página. Disponível em: <http://www.eps.ufsc.br/disserta99/leslie/cap2.html > 10948 desenvolvida? A organização do AVA é suficiente para que tal desenvolvimento ocorra? De que modo a tutoria contribui para o desenvolvimento da postura colaborativa? O tutor medeia a aprendizagem colaborativa? Se sim, de que forma? Quais desafios enfrenta? Na busca por responder alguns desses questionamentos, buscou-se referência em Onrubia, Colomina e Engel (2010), Ferreira (2008) e Gervai (2007). Onrubia, Colomina e Engel (2010), com base nos estudos de Dillenbourg e colaboradores (1996), afirmam que a interação entre estudantes pode ser analisada a partir de três paradigmas: o paradigma do efeito, o paradigma das condições e o paradigma das interações. Para efeito deste estudo, a análise será centrada no paradigma das interações. Tal paradigma traz à tona a necessidade de investigar as maneiras pelas quais se pode “aumentar a probabilidade de ocorrerem aqueles tipos de interação entre alunos com maior potencial do ponto de vista dos processos de construção conjunta de significados” (ONRUBIA, COLOMINA e ENGEL, 2010, p. 209). Os autores complementam sua tese afirmando que, para atingir este nível de interação que leva à colaboração, é necessário aumentar a frequência dos conflitos cognitivos; fomentar as explicações elaboradas; apoiar a criação, manutenção e progresso da compreensão mútua; promover a tomada de decisões conjuntas sobre as alternativas e pontos de vista; promover a coordenação de papéis e o controle mútuo do trabalho, ou garantir a motivação necessária para que os alunos se envolvam em atuações realmente compartilhadas. (ONRUBIA, COLOMINA e ENGEL, 2010, p. 209) Além das ações citadas acima, propõem a estruturação antecipada do processo de colaboração a fim de provocar o surgimento das interações produtivas, estando o professor no caso desse estudo, o tutor - responsável pela regulação3 de tais interações. Assim, ele deixa de ser um mero expectador ou um especialista transmissor de conteúdos, para assumir o papel de interventor, de mediador. Complementando Onrubia, Colomina e Engel (2010), no que tange à postura mediadora no contexto da aprendizagem colaborativa, Ferreira (2008, p. 18) enfatiza que “o diálogo entre os alunos durante a produção colaborativa é fundamental para o processo de 3 A regulação aqui não se relaciona com uma compreensão comportamentalista do processo ensinoaprendizagem, mas, aplica-se no sentido de que o professor/tutor monitora as interações que estão ocorrendo e decide quando e como deve intervir, respeitando a dinâmica do grupo. 10949 aprendizagem, porém é importante ressaltar a função e a importância da mediação do professor, pois o diálogo deve promover a aquisição de conhecimentos por parte do aluno”. Corroborando o exposto Gervai (2007) destaca que a construção colaborativa está longe de ser um processo casual, pois está estreitamente relacionada à qualidade da mediação vivenciada pelo grupo. Segundo ela, diversos autores salientam a necessidade da mediação pedagógica nos ambientes de aprendizagem online e a importância da qualidade dessa mediação, principalmente, quando se tem como objetivo desenvolver e possibilitar processos de construção colaborativa de conhecimento. (p. 7) Os autores supracitados enfocam aspectos da ação docente necessários para o estabelecimento da aprendizagem colaborativa, dentre os quais se destacam as interações4 mediadas e o estabelecimento do diálogo. Mediação da aprendizagem O conceito de mediação trazido para fundamentar este estudo baseia-se nas teorias de Feuerstein e Freire, considerando que ao tratarmos da aprendizagem colaborativa, necessariamente, situamos a complexa dinâmica do ensino-aprendizagem numa perspectiva interacionista e tais autores têm seus estudos em consonância com esta abordagem. Para Feuerstein (1996) apud Zanatta Da Ros (2002, p. 20) a mediação [...] é uma experiência intrapessoal, produzida por relações interpessoais. É uma experiência, não uma confrontação de conhecimentos, por transmissão... O que medeia o indivíduo é o fato de que ele, enquanto sujeito, interage com o outro, que é sujeito também. Há uma reciprocidade entre os dois sujeitos, um encontro. Fonseca (1998, p. 61) complementa afirmando que, para Feuerstein “a mediatização (mediação) é algo característico da espécie humana [...]”. 4 Para este estudo, cabe diferenciar interação e interação mediada. Por interação entende-se a relação comunicativa entre os partícipes de um grupo. Já a interação mediada, entendida a partir dos pressupostos vygotskyanos (OLIVEIRA, 1993), significa a intervenção intencional de um elemento intermediário numa relação. 10950 A mediação entendida como processo de interação essencialmente humano que leva à construção do conhecimento não pode prescindir do diálogo para acontecer, desse modo, Freire e Shor (2008) são convidados a contribuir com tal discussão. Para eles [...] o diálogo deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. É parte do nosso progresso histórico do caminho para nos tornarmos humanos. [...] o diálogo é uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres comunicativos. O diálogo é o momento em que os humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e re-fazem. Outra coisa: na medida em que somos seres comunicativos, que nos comunicamos uns com os outros enquanto nos tornamos mais capazes de transformar nossa realidade, somos capazes de saber que sabemos, que é algo mais do que só saber. (FREIRE E SHOR, 2008, p. 122) Tomando por base o exposto acerca da mediação, como uma das categorias5 para a aprendizagem colaborativa, nota-se que a adoção de uma postura mediadora reforça a “obsolescência da sala de aula centrada na pedagogia da transmissão” (SILVA, 2008a, p. 80) e convida o professor “a redimensionar sua autoria, modificando a base comunicacional potencializada pelas tecnologias digitais. [...] passando a disponibilizar ao aprendiz autoria em meio a conteúdos de aprendizagem”. (ibid., p. 81). Masetto (2008) contribui com o debate sobre a mediação pedagógica, já trazendo para o contexto da EaD, afirmando que, conforme Perez e Castillo (1999), “a mediação pedagógica busca abrir um caminho a novas relações do estudante: com materiais, com o próprio contexto, com outros textos, com seus companheiros de aprendizagem, incluindo o professor, consigo mesmo e com o futuro”. (MASETTO, 2008, p. 145). É pertinente retomar o questionamento sobre a relação entre a tutoria e o desenvolvimento da postura colaborativa dos alunos, o que converge para a construção das aprendizagens colaborativas no grupo. Diante do que se expôs sobre mediação e sobre as demandas para que a aprendizagem colaborativa se estabeleça, cabe uma reflexão sobre o papel do tutor nos cursos EaD a fim de verificar o quanto é permitido a ele envolver-se com as questões mais aprofundadas. 5 Aragão (2009) apresenta algumas categorias que favorecem a aprendizagem colaborativa, a saber: autonomia, hipertextualidade, mediação e interatividade. 10951 Tutoria na EaD O termo tutoria, tradicionalmente, é relacionado com as ideias de acompanhamento, apoio e guia. Essa concepção é oriunda da época em que o ensinar era caracterizado apenas como transmissão de conteúdo, cabendo ao tutor certificar-se do cumprimento dos objetivos. Silva (2003, p.71) após sua experiência de professorar online compartilha que: [...] o professor precisa ser mais um interlocutor do que um tutor. Precisei ir muito além da responsabilidade de tutelar, proteger e defender alguém como guardião da instrução do aprendiz. A escolha do verbo professorar para título deste texto tem aqui sua explicação: garantir o papel do professor no ambiente online, reagindo assim à equivocada supressão do seu lugar em nome do “tutor” ou “tutoria”. Outra concepção muito difundida na maioria dos espaços que trabalham com EaD é a de tutor como “guardião”. Isso se justifica pelo fato de que os modelos de cursos oferecidos permanecem centrados no paradigma da distribuição do conhecimento e na pedagogia da transmissão. Para Santos (2002, p. 119): o papel do professor na cibercultura se mantém no mesmo paradigma da transmissão característica do currículo tradicional e da mídia de massa. O que temos aqui é a subutilização do paradigma digital. Cito, por exemplo, a abordagem de Barreto, especialista em EAD da Universidade de Brasília, que separa burocraticamente a ação do professor em compartimentos: professor/autor, professor/instrutor e professor/tutor. A concepção de tutoria apresentada por Chermann e Bonini (2000, p. 63) converge para as proposições de Santos (2002), ao afirmarem que “o papel da tutoria é oferecer apoio didático, solucionar dúvidas, identificar características individuais para poder respeitá-las e tomá-las como critérios de seleção de líderes de grupo, de distribuir tarefas e materiais complementares”. Além disso, indicam que “o professor-tutor relaciona-se com os alunos e com o professor-instrutor [...] coleta informações e as envia ao professor-desenvolvedor no acompanhamento do curso, enfim, é elemento fundamental de mediação entre a equipe docente e a equipe técnica.” (ibid., 2000, p.36) Contrapondo o que foi dito anteriormente, uma concepção de aprendizagem interacionista, com cursos baseados numa lógica hipertextual, promovendo a interatividade e autoria, pressupõe outro conceito de tutoria. Nessa abordagem, o tutor é destituído da função 10952 de “fiscal” de alunos e “guardião” do conhecimento para ser um co-participe na construção de redes de aprendizagem, potencializada pelas tecnologias digitais. Os estudos de Machado (2003) contribuem para a definição de papéis e características mais “humanas” aos tutores, tais como: ajudar os alunos a planejarem seus trabalhos, comentar os trabalhos realizados pelos alunos, atuar como animador e motivador dos alunos, ter atributos éticos e psicológicos (maturidade, empatia, liderança, cordialidade, etc.). Enfocando a questão da mediação do tutor, podemos citar Costa (s.d., p. 9-10) O sucesso dos projetos de Educação à Distância depende em grande parte da ação do tutor enquanto aquele que provoca nos cursistas uma reflexão sobre o processo de como eles encontraram soluções adequadas para um determinado problema e sobre as estratégias e conceitos implícitos em cada tomada de decisão. Dentre as atribuições do tutor online encontra-se, como das principais a de motivar cada aluno, acompanhando suas atividades no curso, procurando sempre orientá-lo quanto ao desenvolvimento de estratégias de estudo autônomo, visando à melhoria do processo ensino-aprendizagem, sobretudo a partir dos conteúdos estudados e das experiências desenvolvidos em cada módulo ou em cada área de estudo. Diante do exposto, compreende-se que o tutor, numa perspectiva interacionista, deve estar apto a gerir os conhecimentos individuais e coletivos, seus e dos alunos sob sua responsabilidade. Para isso, ele precisa abandonar a postura de fiscalizador de alunos e distribuidor de informações, para atuar como um sistematizador de experiências, arquiteto de percursos, construtor de rotas de aprendizagem e não de roteiros de conteúdos, enfim, como um mediador da aprendizagem colaborativa. Metodologia Do ponto de vista metodológico, esta pesquisa pode ser definida como um estudo de caso descritivo, com análise qualitativa dos dados. O método de investigação escolhido fundamenta-se na teoria das Representações Sociais, pela aproximação com o objeto em estudo – a percepção dos tutores sobre a mediação da aprendizagem colaborativa, uma vez que possibilita reunir elementos que permeiem a essência da percepção dos sujeitos investigados, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo. Para Moscovici (1978) 10953 As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, os objetos produzidos ou consumidos, as comunicações trocadas, delas estão impregnados. Sabemos que as representações sociais correspondem, por um lado, à substância simbólica que entra na elaboração e, por outro, à prática que produz a dita substância, tal como a ciência ou aos mitos correspondem a uma prática científica e mítica. (p. 41) Os estudos de Moscovici serviram de inspiração para outros pesquisadores, dentre os quais se destacam Jodelet, Abric e Doise. Cada um deles inaugura uma vertente de aprofundamento acerca das pesquisas em representações sociais, tanto do ponto de vista teórico quanto metodológico. Jodelet segue uma linha de análise do conteúdo das interações a fim de identificar os indícios que lhe permitam compreender as objetivações e as ancoragens nas representações dos indivíduos. Abric e Doise preocupam-se mais com a abordagem estrutural dos enunciados, sendo que Abric desenvolve a Teoria do Núcleo Central (identificação do tema central das representações) e Doise, precursor na Escola de Genebra, confere um peso maior aos processos de ancoragem, os quais, segundo ele, são construídos sob determinantes sociais. A pesquisa apresentada aqui trabalhará na linha de Willem Doise, pois, compartilha-se da ideia de que o social tem uma significativa parcela de interferência na construção de sentidos – ancoragem – daquilo que é vivenciado e percebido diuturnamente. A presente pesquisa pretende reunir dados para descrever a percepção dos indivíduos, através da identificação das representações sociais implícitas, através de dois métodos de coleta: um interrogativo e outro associativo. O método interrogativo será por meio da interação em um grupo focal, composto com 07 (sete) tutores a distância que atuam nos cursos de graduação, especialização e/ou extensão de uma instituição pública de ensino superior. No grupo focal, a partir de um roteiro previamente estruturado, os participantes serão convidados a interagir com os conceitos de mediação e aprendizagem colaborativa. A relevância do grupo focal para esta pesquisa pode ser melhor compreendido a partir destas afirmações de Gatti (2005). [...] A ênfase recai sobre a interação dentro do grupo e não em perguntas e respostas entre moderador e membros do grupo. [...] Há interesse não somente no que as pessoas pensam e expressam, mas também em como elas pensam e porque pensam o que pensam. [...] 10954 O grupo focal permite fazer emergir uma multiplicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelo próprio contexto de interação criado, permitindo a captação de significados que, com outros meios, poderiam ser difíceis de se manifestar. (p. 9) O método associativo dar-se-á pela aplicação de um questionário- aos mesmos participantes do grupo focal – antes da interação no grupo. O questionário compõe-se de uma seção de identificação para a criação de um perfil do grupo, e outra de associação, na qual os indivíduos devem atribuir valores de 1 a 5 (escala likert) a características do mediador e da aprendizagem colaborativa, considerando a sua aproximação com cada uma das características. A análise dos dados será feita de forma qualitativa e representada através de gráficos, tabelas e mapas conceituais. Considerações finais Por se tratar de uma pesquisa em andamento, ainda não há dados sistematizados para apresentação e discussão. Pode-se destacar o fato de que, a partir das pesquisas acerca da produção intelectual no Brasil, no que tange a aprendizagem colaborativa, a produção está mais concentrada nos programas de pós-graduação das áreas de Engenharias, do que nos cursos da área de Educação. Chama a atenção também o volume de trabalhos de conclusão de cursos de estudantes de graduação e pós-graduação lato sensu, da mesma forma que existem trabalhos que mencionam a aprendizagem colaborativa no título do trabalho ou nas palavras-chave, porém o conceito não aparece sistematizado no corpo do trabalho. Acredita-se que a investigação vai contribuir para o aprimoramento dos processos mediacionais pelos tutores a distância, bem como, para o desenvolvimento de ações formativas para estes profissionais. Referências 10955 ALVES, L; JAPIASSU, R; HETKOWSKI, T.. Trabalho colaborativo em/na rede: entrelaçando trilhas. 2009. Disponível em: <http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/colaborativo/04.htm>. 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