O PROCESSO DE VALORIZAÇÃO DO CAPITAL E O IMPERATIVO DA
FLUIDEZ
Wagner Constantino
[email protected]
Doutorando em Geografia Humana
Bolsista CAPES
Universidade de São Paulo
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo explicar o papel da fluidez nas redes de fluxos como
uma condição necessária para a valorização do capital. A tendência da queda da taxa
de lucro é uma das maiores contradições do processo valorização do capital, contra a
qual os capitalistas precisam lutar constantemente. Junta-se à ela a necessidade de
abreviar o máximo o tempo de rotação de capital a fim de tornar o negócio capitalista
lucrativo. Estes dois empecilhos à valorização do capital são enfrentados com a busca
da maior fluidez possível nas redes de fluxos materiais e imateriais. No Brasil, um dos
mecanismos em busca da maior fluidez é a concessão da administração de rodovias á
iniciativa privada.
Palavras-Chave: Valorização do Capital; Tendência da Queda da Taxa de Lucro; Rotação do
Capital; Redes de Fluxos; Concessão de Rodovias. – Eixo 8- Geografia Econômica.
ABSTRACT
This paper aims to explain the role of fluidity in networks of flows as a necessary
condition of valorization of capital. The tendency of the rate of profit to fall is one of the
biggest contradictions of valorization of capital process, against which the capitalists
have to struggle constantly. Joins it the need to shorten the turnover of capital in order
to make the capitalist business profitable. These two obstacles to valorization of capital
are faced with finding the highest possible fluidity in networks of material and
immaterial flows. In Brazil, one of the mechanisms in search of greater fluidity is the
Concession Road to private firms.
Keywords: Valorization of Capital; The Tendency of the Rate of Profit to Fall, Turnover of
Capital, Network of Flows; Concession Road.
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1- INTRODUÇÃO
O modo capitalista de produção é contraditório em sua gênese. Tais
contradições são expressas em sucessivas crises originadas na eterna busca pela
valorização do capital. A tendência da queda da taxa de lucro, uma das maiores
contradições internas que o capital enfrenta, advém da procura incessante do
capitalista em busca da ampliação da taxa de lucro, a qual requer a permanente
ampliação da escala de produção. Soma-se à esta questão a necessidade de abreviar
ao máximo o período de rotação do capital por meio da máxima fluidez do capital nas
suas três fases. Desta forma, o território, para servir adequadamente às necessidades
do capital, precisa estar integrado por uma rede de fluxos que possibilite fluidez para o
capital circular. Neste sentido as redes de fluxos materiais e imateriais são
compreendidas como forças produtivas utilizadas para contrabalancear a tendência da
queda da taxa de lucro ao mesmo tempo em que funcionam para abreviar o tempo de
rotação do capital. Este trabalho tem como objetivo explicar o papel da fluidez nas
redes de fluxos como uma condição necessária para a valorização do capital, com
ênfase na concessão da operação das rodovias à iniciativa privada.
Além desta introdução este trabalho é constituído de outras três partes. A
segunda parte trata da análise da lei da tendência da queda da taxa de lucro e
também da análise do tempo da rotação do capital como empecilhos à valorização do
capital. Na sequência empreendemos uma discussão a respeito do imperativo da
fluidez nas redes de fluxos para a reprodução ampliada do capital. Na parte quatro
tratamos do Programa de Concessão de Rodovias como um instrumento utilizado pelo
Estado brasileiro a favor do capital. Encerramos este trabalho tecendo nossas
considerações finais.
2- EMPECILHOS À VALORIZAÇÃO DO CAPITAL
Para alcançar a valorização do capital em escala ampliada o capitalista, dentre
outras maneiras, precisa adiantar mais capital, ou seja, aumentar o volume de capital
constante envolvido na produção, modificando a composição orgânica do capital. Se o
aumento do capital constante não for acompanhado por um aumento da mais-valia, a
taxa de lucro tende a declinar, visto que haverá um volume maior de capital constante
como divisor na relação mais-valia/capital total. A taxa de mais-valia é auferida pela
força de trabalho e, dependendo do volume de capital constante que a força de
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trabalho põe em movimento, a taxa de lucro varia para mais ou para menos. A
proporção em que se combinam capital constante e capital variável incide na
acumulação do capital de modo que sua composição requer um equilíbrio entre estas
duas porções individualizadas para que a acumulação possa se desenvolver.
Os capitais individuais têm composição diferenciada, mesmo dentro de um
mesmo ramo de produção e, em sua média, dão a composição orgânica global de seu
ramo. Tomados como uma economia nacional, a média do conjunto de todos os ramos
do capital dá o capital social de um país. Apesar de os capitalistas atuarem de maneira
individual e concorrendo uns com os outros, a queda da taxa de lucro atinge os
capitalistas como um todo, já que a busca pela maior valorização do capital acontece
no conjunto dos produtores capitalistas. Marx explica da seguinte forma esta
concepção:
Supondo-se que essa mudança gradual na composição do capital
não ocorra meramente em esferas isoladas da produção, mas mais
ou menos em todas ou então nas esferas das produções decisivas,
que ela implique, portanto, modificações na composição orgânica
média do capital global pertencente a determinada sociedade, então
esse crescimento paulatino do capital constante precisa, em relação
ao capital variável, ter necessariamente por resultado uma queda
gradual na taxa de lucro geral com taxa constante de mais-valia ou
grau constante de exploração do trabalho pelo capital. [...]
(MARX,1984, v.3, T1 163)
A tendência à queda da taxa de lucro impõe ao capital uma necessidade
crescente de maiores aportes na produção, o que, contraditoriamente, agrava o fato. O
montante de capital investido, para compensar a queda da taxa de lucro de modo que
a massa de lucro permaneça a mesma, deve ter um aumento proporcional ao
indicador da taxa de lucro.
Se a taxa de lucro cai de 40 para 20, o capital global precisa,
inversamente, subir na proporção de 20:40 para que o resultado
permaneça o mesmo. Se a taxa de lucro tivesse caído de 40 para 8,
então o capital teria de crescer na proporção de 8:40, ou seja,
quintuplicar”. (MARX, 1984 v.3, T1,170).
O crescimento dado neste exemplo de Marx, entretanto, serve apenas para
compensar a queda da taxa de lucro. Para haver crescimento, o “o capital deve
crescer em proporção maior do que aquela em que cai a taxa de lucro”. (MARX,1984,
v.3 T1,170)
Em outras palavras: para que o componente variável do capital global
não só permaneça o mesmo de modo absoluto, mas cresça
absolutamente embora sua própria porcentagem enquanto parte do
capital caia, o capital global tem que crescer em proporção maior do
que aquela em que cai a porcentagem do capital variável. Ele tem de
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crescer tanto que, em sua nova composição, necessite não só da
antiga parte variável do capital, mas ainda mais do que esta para a
aquisição da foça de trabalho. Se a parte variável de um capital =100
cai de 40 para 20, então o capital global tem de subir para mais de
200, a fim de poder empregar um capital variável maior do que 40.
(MARX,1984, v.3 T1,170)
Desta maneira, é um imperativo para o capitalista sempre ampliar o capital total
investido a fim de que as taxas de lucro mantenham-se sempre atrativas. O capital
deve sempre crescer e, contraditoriamente, ao crescer amplia as suas contradições,
pois a tendência na reprodução ampliada do capital é que o volume de capital
constante cresça sempre mais em comparação ao capital variável. Assim, a
modificação na composição orgânica do capital interfere diretamente na taxa de lucro,
pois a taxa de lucro, dada à magnitude do valor-capital, não pode aumentar ou
diminuir, sem que aumente ou diminua a massa de mais-valia. (MARX, 1984 v. 3. T.1).
No âmbito individualizado da produção capitalista, a queda da taxa de lucro
não incide com a mesma magnitude em todos os setores do capital, visto que os
distintos setores da produção operam com composição orgânica de capital diferente, o
que acarreta diferentes taxas de mais-valia extraída e, portanto, obtenção de
diferentes graus de taxa de lucro. Esta desigualdade tende a ser eliminada com a
concorrência intercapitalista, que pressiona no “(...) sentido de uma taxa geral de lucro
para toda a produção de um sistema econômico. Esta tendência à equalização se
explica pela livre circulação dos capitais entre os diversos ramos produtivos.”
(MÂNTEGA, 1976, 51). Os capitais abandonam os setores produtivos com menores
taxas de lucro para se instalarem nas indústrias mais rentáveis. “São as constantes
migrações do capital que produzem a tendência à nivelação da taxa de lucro.”
(MÂNTEGA, 1976,51).
Os produtores capitalistas precisam lutar constantemente contra este processo
que empurra a taxa de lucro sempre para baixo. Dentre os 6 fatores contrários à lei da
tendência da queda da taxa de lucro, (MARX, 1984, v. 3. T.1 177-182), Marx faz
referência ao aumento do grau de exploração do trabalho. Esta exploração pode ser
efetivada com a adoção de tecnologias inovadoras.
O uso de tecnologias inovadoras permite a redução do tempo de trabalho
socialmente necessário para produzir uma mercadoria, de modo que o trabalhador
passe
mais
tempo
produzindo
mais-valia
por
meio
do
mais-trabalho.
Contraditoriamente, a tendência da queda da taxa de lucro é agravada pelo emprego
de tecnologias na medida em que permite um trabalhador executar o serviço de dois
ou três trabalhadores. Neste caso este operário fornecerá o trabalho excedente que os
outros dois forneciam anteriormente, o que acarretará o aumento da taxa de maisISBN: 978-85-99907-05-4
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valia, mas que fará cair a massa de mais-valia, visto que há um número menor de
trabalhadores envolvidos na produção.
À medida que mais emprego de capital constante absorve uma quantidade
menor de capital variável, declina a produção do lucro. A princípio, quando um
produtor capitalista adota um equipamento que aumenta a produtividade do trabalho,
ele adquire vantagem sobre os seus concorrentes, pois seu novo equipamento permite
extrair uma mais-valia relativa. Entretanto esta vantagem é provisória até que os seus
concorrentes também adotem a mesma tecnologia, igualando a exploração de maisvalia, nivelando-as. A partir deste ponto nenhum produtor tem mais vantagem sobre o
outro no que diz respeito à utilização de tecnologia nova. (MARX, 1984, v.3. T.1). As
grandes empresas, por conta do seu poderio financeiro, adquirem a exclusividade das
inovações técnicas no campo privado, concentrando as inovações tecnológicas
exclusivas em determinados ramos que se tornam mais lucrativos. “Aos pequenos e
médios capitais relega-se os setores mais artesanais.” (MÂNTEGA, 1976, 53)
A valorização do capital depende também do tempo de rotação do capital em
seu ciclo de valorização. A produção capitalista de mercadorias se desenvolve em
ciclos sucessivos no qual o capital adiantado para a produção precisa retornar ao
capitalista acrescido de mais-valia. O capital, na forma de capital monetário, inicia o
ciclo comprando no mercado mercadorias (meios de produção e força de trabalho)
que, postos juntos em movimento, produzirão (já transformado em capital produtivo)
novas mercadorias acrescidas de mais trabalho que, ao serem vendidas, transformamse em capital novamente, mas maior do que o capital inicial investido, já que o maistrabalho embutido na mercadoria final aufere mais-valia. Neste esquema de
circulação, o momento inicial no qual o capital adiantado compra meios de produção e
força de trabalho é um momento da circulação. Quando estes elementos estão postos
juntos em movimento produzindo novas mercadorias, estabelecem o momento da
produção para, finalmente, encerrar seu curso sendo vendidas e transformadas em um
novo capital acrescentado da mais-valia, em um novo momento de circulação. A
velocidade na qual que estes três momentos se desenvolvem e se sucedem é
determinante para o sucesso de um empreendimento capitalista, visto que quanto
mais vezes mais um capital for posto no processo de produção, maior será o volume
de mercadoria produzida e, consequentemente, maior a massa de mais-valia. A
urgência do capitalista em iniciar o processo de produção, momento em que os meios
de produção e a força de trabalho estão postos juntos em movimento, é porque só aí
há valorização do capital. Só o capital produtivo, “tem a capacidade de atuar como
criador de valor e de mais-valia.” (MARX, 1984,v.II, 27). Assim, “o tempo de circulação
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do capital limita, portanto, em geral seu tempo de produção e, por isso, seu processo
de valorização.” (MARX,1984 vol. II, 91).
Entretanto, enquanto está comprando os meios de produção e a mão-de-obra
necessária para o processo de produção, este capital inicial, ou capital monetário, está
envolvido em diversas atividades de compra e venda e também de contabilidade que
não geram nenhum valor, mas ao contrário, são custos deduzidos da mais-valia
gerada, assim como, ao final do ciclo, a mercadoria precisa ser vendida, o que implica
em mais custos. Estes custos, ou fraux frais da produção, são necessários, “pois o
próprio processo de reprodução implica funções improdutivas” (MARX, 1984,Vol. II,
97) e, ao serem deduzidos da mais-valia, contribuem para diminuir a lucratividade, e
precisam por isso serem reduzidos ao mínimo, senão eliminados. Assim sendo, a
fluidez no primeiro momento de circulação, enquanto o capital monetário
metamorfoseia em capital produtivo, bem como no segundo momento de circulação,
enquanto a mercadoria prenhe de mais-valia assume, por meio da venda, a forma
dinheiro, é um imperativo, pois “durante seu tempo de circulação, o capital não
funciona como capital produtivo e, por isso, não produz mercadoria nem mais-valia”
(MARX, 1984 Vo..II, 91), além de gerar faux frais, como já afirmado.
Sendo o tempo de rotação do capital constituído pelo tempo de produção e
pelo tempo de circulação, a diminuição destes tempos permite um maior número de
rotação do capital em busca de acumulação crescente, influenciando diretamente no
aumento da massa da mais-valia. Daí que as barreiras à circulação de mercadorias,
bem como às outras formas do capital, precisam ser reduzidas ao mínimo.
A permanente continuidade do processo, a passagem desimpedida e
fluente do valor de uma forma à outra, ou de uma fase do processo á
outra, aparece como condição fundamental para a produção
fundamentada sobre o capital em um grau muito diferente do que em
todas as formas de produção precedentes. (MARX, 2011, 441).
O primeiro momento da circulação do capital é o mais privilegiado em termos
de soluções para sua fluidez. O capital na forma monetária é o que circula com maior
facilidade. Ao abandonar a forma capital monetário e assumir a forma capital
produtivo, o capital encontra as maiores dificuldades para circular, visto que o
momento da produção é o que está inserido dentro de uma maior rigidez, determinado
pela imobilidade das plantas produtivas.
Quanto a velocidade da circulação de
mercadorias, seja ela como produto final ou como meio de produção para outros
ramos da indústria, depende dos seus atributos próprios (volume, peso, fragilidade,
entre outros) e, por isso, são transportadas em tempos diferentes. Assim, o capital vê-
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se frente a um sério problema: o espaço (distância) e o tempo (a menor fluidez) como
estorvos à sua reprodução, pois:
Segundo enquanto o capital agora valorizado permanece fixado na
forma de capital-mercadoria, imobilizado no mercado, o processo de
produção fica parado. Não atua nem como formador de produto nem
como formador de valor. De acordo com os diversos graus de
velocidade com que o capital se desfaz de sua forma-mercadoria e
assume a sua forma-dinheiro, ou de acordo com a rapidez da venda,
o mesmo valor-capital servirá em grau muito desigual como formador
de produto e de valor e aumentará ou diminuirá a escala de
produção.[...]. (MARX, 1984, Vol. II, 35
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A circulação do capital metamorfoseando-se em suas diferentes formas está
compreendida no conceito de circulação formal, enquanto a circulação da mercadoria
no espaço está compreendida no conceito de circulação real. Os custos envolvidos na
circulação formal do capital são os faux frais da produção, e são deduzidos da mais
valia gerada. Diferentes são os custos da circulação real da mercadoria. “[...] o produto
só está efetivamente pronto quando está no mercado. O movimento pelo qual chega lá
faz parte dos seus custos de fabricação.” [...] (MARX, 2011, 440). Isto porque segundo
Marx, “o levar o produto ao mercado (...) poderia ser mais precisamente considerado
como transformação do produto em mercadoria”. (MARX, 2011, 441). O transporte de
mercadorias, visto do ponto de vista econômico, é parte do processo de produção e,
por isso, é capital produtivo. Pode parecer que o tempo de transporte de mercadorias
seja constituinte do processo de circulação, “pelo fato de aparecer como continuação
de um processo de produção dentro do processo de circulação e para o processo de
circulação”. (MARX, 1984, II, 110).
A indústria dos transportes constitui um ramo autônomo da produção e, por
isso “uma esfera especial de investimentos” (MARX, 1984, v.II, 110). O produto gerado
pela indústria dos transportes “é a própria locomoção”. “O resultado- que pessoas ou
mercadorias sejam transportadas- é a sua existência” (MARX, 1984,v II, 42), e o que
difere este ramo do capital industrial é que o seu produto não precisa ser levado ao
mercado, ele é consumido no momento de sua produção. O produto da indústria dos
transportes “não existe como uma coisa útil distinta desse processo, que só funcione
como artigo de comércio depois de sua produção, que circule como mercadoria. (...)”
(MARX, 1984,v.II, 42). Desse modo, os custos do transporte de mercadorias são
custos derivados de sua própria produção, da mesma forma a própria produção da
indústria dos transportes agrega “(...) valor aos produtos transportados, em parte pela
transferência de valor dos meios de transporte, em parte pelo acréscimo de valor pelo
trabalho de transportar. [...]” (MARX, 1984 v.II,109). Entretanto, assim como em outros
ramos da indústria capitalista, o valor criado na indústria dos transportes está na razão
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inversa da produtividade deste setor. [...] “Quanto menor a quantidade de trabalho
morto e vivo que o transporte da mercadoria exija para determinada distância, tanto
maior a força produtiva do trabalho e vice-versa” (MARX, 1984 v. II, 109).
Desta maneira é fundamental para a reprodução do capital a existência de uma
infraestrutura de transporte e comunicação. “A criação das condições físicas da trocameios de comunicação e transporte- devém uma necessidade para o capital em uma
dimensão totalmente diferente- a anulação do espaço pelo tempo. [...]” (MARX, 2011,
432)
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3- O IMPERATIVO DA FLUIDEZ
O espaço na contemporaneidade precisa servir para que o capital adquira
fluidez ao realizar seu ciclo, percorrendo com a menor fricção possível os dois
momentos de circulação e o momento de produção. As melhores condições possíveis
para a circulação do capital na atualidade, nas suas três formas, se realiza por meios
dos fluxos materiais e imateriais. A existência de uma rede de transporte e
comunicação eficientes é, então, imprescindível para o processo de valorização do
capital.
O capital produtivo tem os distintos momentos da produção realizados em
lugares separados, às vezes muito distantes um do outro, já que o capital procura
instalar-se nos lugares que lhes sejam mais vantajosos, o que resulta em uma
quantidade enorme de produtos que têm a fabricação de seus componentes
pulverizados em lugares distantes entre si, inclusive em diversos países. A estrutura
do espaço utilizado para a produção capitalista é caracterizada pela diferenciação e
contraditoriedade, dada pela maior ou menor capacidade das diversas porções
espaciais servirem às necessidades da reprodução do capital. Isto ocorre porque “os
espaços aparecem cada vez mais como se diferenciando por sua carga de capital,
pelo produto que criam e pelo lucro que engendram e, em última análise, por seu
desigual poder de atrair capital”. (SANTOS, 2000, 139). Essa capacidade de atrair
capital depende muito dos recursos que o espaço oferece.
Segundo Dias (1995,157), “as vantagens locacionais são fortalecidas e os
lugares passam a ser cada vez mais diferenciados pelo conteúdo- recursos naturais,
mão-de-obra, redes de transporte, energia ou telecomunicações” das quais o capital
se serve para reproduzir-se com maior eficiência. Assim, no momento atual do
desenvolvimento capitalista, o espaço torna-se essencial para a sua reprodução e a
localização apresenta-se como uma vantagem para o produtor capitalista, que
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procuram se instalar nas porções do espaço que oferecem as melhores condições
para a geração de lucro.
O espaço pode ter sua eficiência como produtora de riqueza aumentada ou
diminuída, de acordo com a velocidade que o capital completa o seu ciclo. Nada
adianta uma porção do espaço servir eficientemente como elemento de produção se
não estiver ligada por uma rede de fluxo que permita uma rápida circulação das
mercadorias. Assim, as redes de fluxos, pelas quais a circulação se realiza, assumem
importância basilar, ela torna-se elemento essencial para a produção de valor. Pela
circulação é determinada a condição que cada lugar assume no processo de
expansão capitalista.
É por meio da circulação que se alcança a integração das unidades espaciais
que estão á serviço da produção do valor, o que altera a universalidade da forma do
valor ao proporcionar um tempo de rotação menor do capital. É o espaço organizando
o tempo. (CASTELLS, 2002). Esta produção é realizada mediante a dinamização e
potencialização das redes de fluxos que, permitindo que o capital circule em um tempo
cada vez menor, contribui para sua valorização. (HARVEY1982; LENCIONI, 2007). A
capacidade de o espaço oferecer as condições ideais para a valorização do capital
valoriza o próprio espaço e, como a capacidade de valorização do espaço está
estreitamente associada às redes de fluxos, a desvalorização de tais redes implica na
desvalorização do espaço. Segundo Harvey (1982, 381), “a desvalorização, qualquer
que seja sua causa, sempre afeta a determinado lugar, à uma situação específica.”
Desta forma o imperativo da fluidez impõe-se não apenas para abreviar o tempo de
rotação do capital, mas também para preservar o valor dos lugares que se beneficiam
da eficiência de uma rede.
As redes de transporte e comunicação têm sua capacidade como meio de
produção aumentada ou diminuída conforme a fluidez que oferece. Quando há menos
fluidez nestas redes, elas se tornam empecilhos á produção do valor, mas se há maior
fluidez, elas então contribuem para a produção do valor. Para Cohen (1987), as forças
produtivas, trabalhando em ótima combinação, dão o poder produtivo da sociedade. A
fluidez contribui para o aumento da produtividade necessária para contrabalancear, ou
mesmo superar, a tendência da queda da taxa de lucro ao mesmo tempo em que
aufere um menor tempo de rotação do capital. Tal fluidez é buscada pelo
aperfeiçoamento das redes de fluxo. “[...] Assim, o aprimoramento dos meios de
transporte e comunicação entra igualmente na categoria do desenvolvimento das
forças produtivas em geral. [...]” (MARX, 2011, 431).
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Nesse sentido, as redes constituem forças produtivas e condições
gerais de produção. Constituem forças produtivas, tanto quanto as
máquinas e matérias primas e são condições gerais de produção
porque possibilitam estabelecer a relação entre o processo imediato
de produção com o conjunto geral da produção e circulação do
capital. As redes, ao se constituírem como condições gerais de
produção, viabilizam não apenas um capital em particular, mas o
capital em geral; por isso simultaneamente separam e reúnem
diferentes processos de produção, a circulação e o consumo. [..]
(LENCIONI, 2010, 8)
As redes de transportes e comunicação estruturam o espaço, reforçando o
território como um elemento da força produtiva à medida que intensifica as interações
entre os lugares. Em outras palavras, o arranjo espacial que tem a rede de fluxos
como elemento de ligação, aumenta as forças produtivas no território, consolidando
este espaço como meio de produção de riqueza.
Mas, sendo o processo capitalista constituído de contradições, a busca pela
fluidez também é contraditória. Se promoção de uma circulação rápida e eficiente de
capital mercadoria é um expediente para contrabalancear a tendência da queda da
taxa de lucro para o conjunto das forças capitalistas de produção ela é,
contraditoriamente, também um expediente que pressiona para baixo a taxa de lucro
do capital social. A ampliação das atividades relacionadas à circulação é um
imperativo para diminuir o tempo de rotação do capital e isto conduz a um aumento do
capital comercial em relação às outras formas de capital, fazendo ascender o peso
relativo do capital comercial, que não é gerador de mais-valia. (MÂNTEGA, 55)
As redes de fluxos podem ser materiais, como uma estrada e ferrovia, ou
imateriais, como as redes virtuais. Estas redes de fluxos, ao mesmo tempo em que
mediam a circulação de bens econômicos, atuam também como estruturadoras do
espaço, reforçando algumas centralidades. Quanto às redes imateriais, que tem como
vias as linhas de transmissão de dados e informações via cabo e também os satélites,
pelas quais também transitam dados e informações imprescindíveis à reprodução do
capital, contribuem para subverter a noção de distância, pois aproxima lugares
distantes territorialmente, quando estes possuem infraestrutura de informação e
comunicação, do mesmo modo que distancia lugares territorialmente próximos que
não possuam a infraestrutura necessária. (LENCIONI, 2010). As redes de
telecomunicações possuem as qualidades da instantaneidade e simultaneidade, que
possibilitam o livre curso a todo um jogo de interações. Na economia globalizada, os
diferentes setores econômicos fazem uso das redes com diferentes intensidades, “o
dinheiro usurpa em seu favor as perspectivas de fluidez do território, buscando
conformar sob seu comando as outras atividades”. (SANTOS, 2000). As redes
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imateriais contribuem para uma maior fluidez do capital tanto em seus dois momentos
de circulação quanto no momento da produção.
A fluidez proporcionada pelas redes não é um “bem comum” a disposição de
todos (Santos 2000). São apenas alguns agentes que possuem a capacidade de
utilização plena da fluidez e que, por isso, têm a habilidade de aproveitar em seu favor
todo o potencial que a rede oferece. As grandes empresas, que encontram na fluidez
as condições ideais para a valorização de seu capital, influenciam de tal forma as
políticas estatais que, às vezes, arrastam o Estado e sua força normativa na produção
das condições favoráveis à sua atuação. (SANTOS, 2000). Assim a fluidez
(...) não alcançaria as consequências atuais se, ao lado das novas
inovações técnicas, não tivesse operando novas normas de ação, a
começar, paradoxalmente, pela chamada desregulação. A economia
contemporânea não funciona sem um sistema de normas, adequadas
aos novos sistemas de objetos e aos novos sistemas de ações, e
destinados a provê-los de um funcionamento mais preciso. Na
realidade, trata-se de normas constituídas em vários subsistemas
interdependentes, cuja eficácia exige uma vigilância contínua,
assegurada por uma legislação mundial, tribunais mundiais e uma
política mundializada. Ao contrário do imaginário que a acompanha,
a desregulação não suprime as normas. Na verdade, desregular
significa multiplicar o número de normas. (SANTOS, 2000, 275)
Vê-se, portanto, que as redes de fluxos integram o conjunto das condições
necessárias para a reprodução do capital e contribui para a configuração do espaço.
A rede “expressa e define a escala das ações sociais”. Pensar o espaço
contemporâneo a partir do recorte espacial da rede nos possibilita compreender a
complexidade das interações espaciais. (DIAS, 1995).
4- PRIVATIZAÇÕES DE RODOVIAS NO BRASIL
A configuração territorial na atualidade não se efetiva somente como fruto das
relações de mercado. O capital, sozinho, não tem condições de organizar o território
segundo os melhores critérios para sua reprodução, por isso a participação do Estado
é fundamental para estabelecer as condições necessárias à reprodução capitalista,
principalmente no que tange à estrutura espacial.
O Brasil, até os anos 90, ainda era caracterizado por uma economia que divergia
das economias do centro capitalista. A inflação, que foi ao fim de 1993, de
astronômicos 2.477,15%, ocasionava uma instabilidade monetária que se apresentou
como um obstáculo para o se desenvolvimento econômico nacional. Neste momento o
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Plano Real aparece no contexto da história econômica brasileira como uma iniciativa
do Estado em favor do desenvolvimento do capital. Da mesma maneira que os
Estados do centro capitalista promoveram os ajustes econômicos que permitiram ao
capital entrar em uma nova fase de valorização a partir dos anos de 1970, o Estado
brasileiro também o fez, vinte anos mais tarde, promovendo os ajustes necessários
para que a economia brasileira pudesse ser inserida com um novo papel no cenário
econômico internacional. O Plano Real contribuiu para remover os entraves que o
capital encontrava para a sua reprodução na economia brasileira. Foi o instrumento
criado pelo Estado brasileiro para atender as novas necessidades da reprodução
capitalista características do processo de acumulação flexível (CONSTANTINO, 2009).
No modelo de adequação econômica adotado pelo Brasil1 destaca-se programa de
concessão de serviços públicos, com ênfase na concessão de rodovias à
administração de empresas privadas.
A política econômica instaurada com o Plano Real permitiu ao Brasil inserir-se
na economia globalizada, ainda que de modo subordinado, e possibilitou que o capital,
a procura de novas formas de valorização, encontrasse nos programas de concessão
rodoviária uma nova possibilidade de reproduzir-se. É por meio de uma política
deliberada do Estado brasileiro que as concessões de rodovias marcam o período
recente da economia nacional. O processo de privatização de empresas estatais,
assim como a concessão de serviços, foi um artifício disposto para permitir ao capital
um maior fôlego para escapar á crise que se estabeleceu nas últimas décadas.
No Brasil pós Plano Real prevaleceu o discurso da ineficiência estatal em
oferecer diretamente os serviços públicos. Alegava-se que, não havia o interesse
pessoal nos negócios do Estado, uma vez que ele é executado por representantes,
assim como se argumentava que as interferências políticas e a ausência de uma
fiscalização rígida contribuíam para um serviço ineficiente. (MONTEIRO, 2009). Com
este discurso pesando sobre o Estado, empreendeu-se o Programa de Desestatização
e os posteriores programas de concessão de serviços públicos, dentre eles, o de
operação de rodovias. Com base na Lei nº 9.277/96, 11.191.1 quilômetros de rodovias
já foram concedidas á operação da iniciativa privada e mais de 4.500 quilômetros de
rodovias estão sob a responsabilidade das operadoras estaduais. (ANTT, 2014).
1
Segundo Batista Jr., (1996), o modelo de adequação econômica incluiu os seguintes
elementos centrais: i-Uso da taxa de câmbio como instrumento de combate a inflação; iiAbertura da economia às importações, por meio da drástica redução das barreiras tarifárias e
não tarifárias; iii- Abertura financeira externa, com adoção inclusive de políticas de estímulo à
entrada de capitais externos de curto prazo; iv- Medidas de desindexação da economia; ajuste
fiscal e austeridade monetária, e Venda de empresas públicas.
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No Brasil predomina o transporte rodoviário. São 1.580.809 km de malha
rodoviária, dos quais apenas 212.618km são de pistas pavimentadas. Esta
modalidade corresponde a aproximadamente 97% da matriz de transporte de
passageiros e a 61,1% da matriz do transporte de cargas. Quanto à frota de veículos
rodoviários de carga, são 3.743.137 unidades, entre caminhões, cavalos-mecânicos,
reboques e semi-reboques. Esta frota transportou, em 2009, o equivalente a 420,6
bilhões de toneladas-quilômetro, com uma movimentação aproximada, por rodovia, de
1,1 bilhão de tonelada de cargas. Os passageiros, que em 2009 somaram 131,5
milhões de pessoas, foram transportados, naquele ano, em 39.096 ônibus
interestaduais e de fretamento. (CNT, 2011).
Levando estes números em consideração, vê-se que a concessão de rodovias
é um filão para o investimento capitalista que demorará muito tempo para ser
esgotado. As benfeitorias executadas pela iniciativa privada nos trechos que
administram já trouxeram significativas melhorias que contribui para aumentar fluidez
da circulação de mercadorias e pessoas.
Quanto à operação dos serviços de telecomunicações, que passou a ser
orientada pela Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9472 de julho de 1997), a inserção
de operadoras privadas no mercado vem provocando uma ampliação da oferta de
serviços de telefonia fixa, móvel e também de transmissão de dados, contribuindo para
a incrementação da rede de fluxos imateriais, tão cara à valorização do capital por
causa da fluidez que proporciona.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do processo capitalista de produção realiza-se levantando
barreiras contra si próprio. A necessidade de contrabalancear a tendência da queda da
taxa de lucro, assim como abreviar o tempo de rotação do capital, conduz ao
aprimoramento do transporte de mercadorias e das vias de comunicação, mas mesmo
estas ações geram novas contradições, das quais o capital se serve para se
desenvolver: as contradições do capitalismo funcionam como os motores do seu
desenvolvimento. A fluidez nas redes de fluxo surge como um imperativo para o
capital superar suas contradições ao mesmo tempo em que se apresenta como um
ramo distinto de investimento. No Brasil este novo filão aberto ao capital foi inaugurado
com o Programa de Concessão de rodovias.
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