ESTADO E CAPITAL NA METRÓPOLE DE SÃO PAULO: O PROJETO
"NOVA LUZ". ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO CAPITALISTA DO
ESPAÇO URBANO
André Funari
[email protected]
Graduando em Geografia, bolsista em Iniciação Científica (Fapesp) sob orientação da Profa.
Dra. Silvana Maria Pintaudi, Unesp Rio Claro.
1.Resumo:
Propomos com este projeto compreender as novas relações entre três níveis
(Econômico, Político e Social) que compõem a totalidade responsável pela reprodução
de nossa sociedade, e consequente (re)produção do espaço. O "Projeto Nova Luz" foi
o caso escolhido para o entendimento da produção do espaço urbano como
movimento inseparável da reprodução das relações sociais (LEFEBVRE, 1973). De
acordo com as teorias tratadas neste projeto, o planejamento urbano aponta hoje para
um tipo de urbanização pautada em uma nova relação entre o Estado e o Capital.
Cabe a este projeto investigar essa nova relação e como ela se materializa nas
operações urbanas do centro da metrópole de São Paulo. As contradições de todo o
caso indicam caminhos mais amplos para se compreender a produção e reprodução
do espaço urbano.
2. Introdução/ Fundamentação teórica/Resultados
Compreender o espaço geográfico como uma dimensão social essencial da
contemporaneidade pressupõe tomá-lo como um objeto de estudo e uma instância
socialmente
determinada,
ou
seja,
o
espaço
como
um
elemento
ligado
indissociavelmente ao movimento da sociedade. Entendemos que o espaço social,
como lugar, é condição e produto da reprodução das relações sociais.
O lugar é, segundo Carlos (2007), "a porção do espaço apropriável para a
vida". Deste modo, o lugar aqui entendido é um plano para se compreender a
reprodução da vida cotidiana. Segundo a autora:
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" (…) o plano do lugar pode ser entendido como a base da reprodução da vida e espaço
da constituição da identidade criada na relação entre os usos, pois é através do uso que
o cidadão se relaciona com o lugar e com o outro, criando uma relação de alteridade,
tecendo uma rede de relações que sustentam a vida, conferindo-lhe sentido." (CARLOS,
2007, p. 43)
Deve ser levado em conta que a vida cotidiana reproduzida no lugar cria
identidades entre o lugar e as pessoas e entre as pessoas, o que permite pensar a
produção e reprodução do espaço não como mercadoria, e sim como espaço de
reprodução de relações "mais" humanas. Entendendo o lugar como espaço social, ou
seja, onde a sociedade se reproduz, ao reproduzir a sua vida, podemos ter noção de
que é no lugar que a vida banal - diferente mas condicionada pela imposição da
mundialidade capitalista - se revela. (CARLOS, 2007)
O espaço social é constantemente produzido e reproduzido por agentes que
buscam sua adequação às novas características do modo de produção capitalista.
Hoje, na sociedade capitalista neoliberal, o lugar apresenta condições deste modo de
produção. Tal influência ocorre principalmente pela associação entre o poder privado
(capitalistas) e o poder público (na figura maior do Estado). Essa associação pode ser
verificada nos últimos projetos urbanísticos apresentados para as metrópoles
brasileiras (São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo). Torna-se, portanto, necessário
considerar as dimensões políticas e econômicas desta associação e suas
consequências à sociedade, na perspectiva de compreender o processo de produção
e reprodução do espaço social.
Carlos (2007) destaca que os estudos sobre o espaço urbano não podem cair
em leituras "naturalizadas" de que o Estado ou o Capital Privado são os únicos
produtores da realidade sócio-espacial. Segundo a mesma autora é preciso que
pensemos sempre em três planos articulados indissociavelmente: o econômico, o
político e o social:
"Podemos adiantar que a análise deve captar o processo em movimento e, no mundo
moderno, esta orientação sinaliza a articulação indissociável de três planos: o
econômico (a cidade produzida como condição de realização da produção do capital convém não esquecer que a reprodução das frações de capital se realizam na produção
do espaço), o político ( a cidade produzida como espaço de dominação pelo Estado na
medida em que este domina a sociedade através da produção de um espaço
normatizado); e o social (a cidade produzida como prática sócio-espacial, isto é,
elemento central da reprodução da vida humana). Esses três planos revelam
dimensões, como aquelas de local e global; tendo como pano de fundo o processo de
mundialização da sociedade, enquanto constituição da sociedade urbana/espaço
mundial." (CARLOS, 2007, p.21)
O espaço urbano é produzido hoje como mercadoria, negociável no mercado
imobiliário, e como tal é produzido para a satisfação de determinadas necessidades. A
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"estrutura de uma necessidade" depende da posição dos indivíduos na divisão do
trabalho (HELLER, 1978, p.23). Para definir o que é ou não necessidade considera-se
que as necessidades variam de acordo com a sociedade ou classe, tempo e espaço
em que são produzidas. A questão da necessidade se torna crucial no debate político
sobre a reprodução do espaço urbano, pois como produto social o espaço urbano
pode ser produzido para atender a diversas necessidades. Desde a necessidade
radical de extração de mais-valia, o que sustenta a classe burguesa como tal, ou a
necessidade do trabalhador de reproduzir sua própria vida. Ambas as necessidades
são radicais, ou seja, fazem com que os indivíduos de uma certa classe social se
sintam "normais" (HELLER, 1978, p.34).
Para compreender o movimento da sociedade capitalista, precisamos destacar
que o espaço é produzido e reproduzido a partir da relação entre os três planos
articulados: Econômico, Político e Social. Nessa perspectiva, é preciso considerar que
as corporações do capital privado (no plano da economia) e o Estado (no plano da
política) detém dois monopólios que lhes permitem exercer posição dominante em
nossa sociedade. O primeiro detém o monopólio dos frutos da produção (apropriação
de mais-valor) e concentra a riqueza. O segundo detém o monopólio do poder
constitucional e da violência, o que lhe permite, através de ações legitimadas,
transformar o espaço social sem muitos obstáculos. Com esse aparato é possível que
os capitalistas e o Estado imponham a produção do espaço como lhes melhor convir
(MARX, 1991; 2004). Ou seja, de acordo com suas necessidades.
David Harvey apresenta uma teoria para explicar quais são as estratégias das
classes dominantes para a produção e reprodução do espaço. Segundo Harvey
(2005), a estagnação da circulação do capital (as crises, ou seja, períodos que
necessitam de soluções) é percebida em sua dimensão espacial. A partir da
necessidade de superar a estagnação do crescimento econômico, o espaço
desvalorizado, ou seja, que não mais fornece condições de lucro ou renda da terra, é
racionalmente pensado e reproduzido. Com o anseio da busca por novas
possibilidades para a acumulação de capital, agentes hegemônicos impõem uma
lógica capitalista ao lugar. Esta lógica imposta, que corresponde à ideologia da classe
dominante, segundo MARX (2007), é também a ideologia do Estado. O Estado
aparece como agente operante sobre o espaço (na construção de infraestruturas, em
políticas públicas urbanas, na
normatização
do
território
etc.),
pensando-o
racionalmente para assegurar a produção rentável e a circulação do capital.
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Ainda de acordo com HARVEY (2005), é necessário para a retomada da
acumulação, e portanto para o funcionamento produtivo (que gere mais-valia) do
sistema econômico capitalista, que (1) o capital seja investido em novas áreas, (2) a
criação de novos desejos e novas necessidades, (3) o crescimento populacional e/ou
(4) a expansão geográfica. Normalmente esses elementos aparecem combinados.
Devemos entender que a acumulação de capital depende da superação de barreiras
geográficas para facilitar a circulação de capital.
Torna-se necessário para este projeto compreender como a superação da
estagnação da acumulação se concretiza no espaço urbano. Porém, é preciso pensar
no que os agentes hegemônicos entendem como estagnação no espaço. A
estagnação da circulação de capital percebida na dimensão espacial é representada
como "espaço ocioso". Neste conceito, o ocioso refere-se, a partir do momento em
que o consideramos como inerente à "ideologia da administração da cidade", não à
falta de vida, de fluxos, de relações, mas aos espaços que têm seus conteúdos
recheados de "contra negócio". São os espaços em que o capital não circula com
facilidade suficiente para a garantia da plena acumulação (HARVEY, 2005, p.47/48).
Isso significa que estes espaços são tidos como entraves para a prosperidade de
negócios mais lucrativos.
O centro histórico da cidade de São Paulo (mais especificamente a região da
Luz que compreende o perímetro do "Projeto Nova Luz": vias Rio Branco, Ipiranga,
Cásper Líbero, Duque de Caxias e Rua Mauá) aparece como ponto focal deste projeto
por ser neste recorte que se verifica uma dinâmica possibilitadora de uma leitura das
atuações do capitalismo contemporâneo no espaço urbano. Segundo SILVA (2010)
entre os anos de 1870 e 1880 houve uma chegada expressiva de imigrantes nessa
região, fenômeno que estabeleceu a função comercial do espaço. Ao longo do
processo histórico de produção daquele espaço as funções vão sendo diferenciadas e
concomitante ao processo de apropriação do espaço pelas pessoas, imigrantes ou
não, que ali passavam a viver, surgem as funções de residência, financeiras, lazer,
dentre outras. A partir de 1932 a autora aponta um "abandono" da área até o ano de
1940, quando institui-se o "Plano de Avenidas", na gestão do prefeito Prestes Maia. O
centro histórico, como destaca ALVES (2010), foi sempre, com maior ou menor
expressão dependendo do período histórico, uma centralidade metropolitana. Por ser
um produto histórico central na cidade de São Paulo, a administração desta sempre
esteve atenta para sua condição social e econômica na tentativa de gerir aquele
espaço para que se mantivesse como centralidade.
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Para este trabalho, dentre as diversas intervenções urbanas, a que nos mais
interessa é o " Programa Ação Centro", que é a origem das políticas públicas para o
centro histórico de São Paulo na atualidade. Este programa foi lançado pela EMURB
(Empresa Municipal de Urbanização) no ano de 2003 (durante a gestão de Marta
Suplicy - PT), utilizando para a sua elaboração 150 milhões de dólares emprestados
do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Os pontos basilares deste
programa são: (1) Reversão da desvalorização imobiliária e recuperação da função
residencial; (2) Transformação do perfil econômico e social; (3) Recuperação do
ambiente urbano; (4) Transporte e circulação; (5) Fortalecimento institucional do
município. (NOBRE, 2013)
Em 2005, na gestão do prefeito Gilberto Kassab (Partido DEM), o perfil do
"Programa Ação Centro" foi transformado, focalizando os cinco objetivos descritos
acima para a região da Luz. No mesmo ano, fora aprovada a LEI Nº 14.096/05
(Programa de Incentivos Seletivos) que proporcionou benefícios (como a redução de
impostos como IPTU e ISS) para quem investisse naquela área, já demonstrando a
relação entre os incentivos vindos do poder público e a reprodução do capital privado.
Afinal essa lei altera as normas para atrair investidores. O "Projeto Nova Luz"
começou a ser implantado de fato no ano de 2009 (ainda na gestão de Gilberto
Kassab - DEM), quando a lei de concessão urbanística (PMPSP, 2009) foi aprovada.
Em maio de 2010, por meio de licitação, elegeu-se um consórcio, formado pelas
empresas privadas Concremat Engenharia, Cia.City, Aecom Technology Corporation e
Fundação Getúlio Vargas (FGV), que desenvolveu o projeto final, aprovado no ano de
2012, ainda sob a orientação da gestão do prefeito Gilberto Kassab.
O projeto traz um modelo de política pública de requalificação (no sentido de
dar outra qualidade) do lugar pautada na concessão do espaço público ao poder do
capital privado (SILVA, 2010). O projeto "Nova Luz" é tomado aqui como recorte para
compreender por que e como o Estado, através da legitimidade que lhe convém [por
seu "poder maior" instituído (LEFEBVRE, 2009)], se relaciona com o capital privado a
fim de subordinar a lógica constituída no lugar à lógica global, ou seja, hegemônica.
Sobre este aspecto, devemos concordar com CARLOS (2007) na delimitação da
funcionalidade do Estado nas intervenções no espaço urbano:
"Em primeiro lugar, a intervenção nos “lugares da metrópole”, através de processos de
revitalização/requalificação, aponta uma relação complexa entre o Estado e o espaço,
na medida em que, não se pode esquecer, o poder político tem possibilidade de intervir,
permitir ou coordenar a intervenção no espaço, como é que ocorre no caso das
revitalizações. Como já foi visto, esta também trata-se de uma ação que se realiza
produzindo contradições." (CARLOS, 2007, p.87)
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Torna-se necessário, e neste projeto aparece como ponto indispensável, levar
em consideração o que CARLOS (2007) chama a atenção para podermos
compreender o "novo urbano":
"Uma nova relação Estado-espaço se produz na metrópole na medida em que o espaço
do exercício do poder produz o espaço dos interditos em nome da lei e da ordem. Por
sua vez, as políticas urbanas recriam constantemente os lugares (…)" (CARLOS, 2007,
p. 14)
SILVA (2010) fez um interessante trabalho geográfico sobre o "Projeto Nova
Luz", desenvolvendo a questão da apropriação dos espaços públicos pela iniciativa
privada. No presente projeto devemos aprofundar a questão das operações urbanas
atuais naquele lugar, levando em consideração a parceria público-privada (relação
entre Estado e Capital), pois esta viabiliza a apropriação dos espaços públicos pela
iniciativa privada. Segundo a autora, a partir da década de 1970, a dinâmica da "Nova
Luz" tomou outras características por conta da "popularização da área". A autora
destaca que o deslocamento da classe média, que ali residia, para áreas "mais
nobres" causou a desvalorização imobiliária.
De acordo com HARVEY (1992), o pós-1970 aponta para uma mudança no
modo de acumulação do capital que promove uma mudança muito maior, em várias
outras esferas sociais. A economia se torna flexível, com a passagem da centralidade
do capital produtivo para o capital financeiro, e as relações sociais se reproduzem com
a mesma lógica. É neste contexto que os anos posteriores à década de 1970 nos
fazem pensar os motivos do abandono do centro de São Paulo pela classe média. A
classe média sai de perto de seus postos de trabalho e se deslocam para bairros mais
valorizados. O automóvel condicionou esse movimento pendular que fazia com que a
classe média pudesse morar em locais mais atrativos. O centro foi relativamente
"abandonado", pois se por um lado alguns lugares não foram "bem gestados", como a
região da "Cracolândia", outros como a Sala São Paulo ou Pinacoteca, receberam
atenção maior do Estado, o que garantiu a preservação de um patrimônio histórico
hoje muito valorizado. (ALVES, 2010)
O processo descrito por SILVA(2010) mostrou como o espaço passou a ser
considerado pela administração pública e pelos planejadores urbanos como um plano
sem fluxos, ou seja, sem habitação, sem atividades comerciais e sem vida. Inclusive,
um conceito usado para definir o processo de reprodução desse espaço é o de
"revitalização", como se aquele espaço não fosse um espaço usado, ou seja,
preenchido do cotidiano que compõe o "espaço de todos". Em uma cartilha da
Prefeitura Municipal de São Paulo elaborada para apresentar as principais
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características do "Projeto Nova Luz" a citação seguinte elucida o olhar dos projetistas
sobre o espaço que ali se estabelece:
"É importante destacar que este é o primeiro projeto que segue a diretriz de reversão do
esvaziamento populacional da região central, além de promover a melhoria da qualidade
dos espaços públicos e do meio ambiente, o estímulo às atividades de comércio e
serviços e a preservação e reabilitação do patrimônio arquitetônico nas áreas
subaproveitadas de urbanização consolidada." (Grifos nossos - Retirado da cartilha
informativa distribuída na sede do "Projeto Nova Luz").
De que tipo é este esvaziamento populacional? A preservação e reabilitação do
patrimônio arquitetônico se darão de que forma? Por que aquele espaço precisa de
reabilitações? Para quem e o que significa o "sub aproveitamento" do espaço? Essas
perguntas nos mostram um caminho para compreender as novas diretrizes de
produção e reprodução do espaço pelo "planejamento urbano autofágico".
Planejamento este que "(…) tende a destruir a cidade ao destruir constantemente as
formas urbanas de sustentação dos modos de vida." (CARLOS, 2007, p.26).
Percebeu-se uma mudança profunda na esfera do planejamento urbano,
segundo HARVEY (2005) e VAINER (2000), que demonstra que o caráter do
planejamento hoje se baseia na lógica da administração de empresas. Conforme
HARVEY (2005), no período de 1950 e 1960 o planejamento urbano se caracterizava
como administrativo, ou seja, pensava a cidade para tornar realidade o "estado de
bem-estar social", organizando os elementos do urbano e dando-lhes funções sociais
para que a cidade fosse gestada democraticamente. Nas décadas de 1970 e 1980, o
planejamento urbano torna-se invadido pelas políticas neoliberais do capitalismo
contemporâneo, e, portanto, os planos urbanos são baseados em lógicas empresariais
(VAINER, 2000). Segundo o autor a cidade, nos moldes do "planejamento
estratégico", aquele que CARLOS (2007) chamou de "autofágico", precisa ser
pensada como empresa, mercadoria e pátria. Como empresa, a cidade deve ser
competitiva pela atração de capitais internacionais, consumidores solváveis (e não
pobres) e empreendimentos lucrativos, pois ela está agora inserida num mercado de
cidades globais extremamente competitivo. Como mercadoria a cidade passa a ser
vendida através de um processo intenso de mercantilização, inclusive dos espaços
públicos. Para isso, a imagem da cidade deve promovê-la no mercado global,
maquiando os problemas urbanos (pobreza, falta de infraestrutura básica, dentre
outros). Criando-se um sentimento de crise na cidade faz-se com que os "patriotas da
cidade" aceitem intervenções muitas vezes imorais. No caso do "Projeto Nova Luz"
este "patriotismo" pela área fez grande parte da sociedade paulistana aceitar as ações
violentas da Polícia Militar (Estado) na área da "Cracolândia". A grande mídia teve
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papel fundamental de criar o sentimento de que aquela área, e não as pessoas que ali
se abrigavam, passava por momentos de crise.
Atualmente, percebemos que as contradições no processo de produção e
reprodução do espaço no centro da cidade de São Paulo são relevantes e sustentam
diversos questionamentos. O espaço tem sido ali pensado (o que pode se constatar
pela consolidação de projetos e leis, ou seja, normas que dão legitimidade às
mudanças planejadas) e produzido de acordo com uma lógica capitalista, típica do
período neoliberal, de redenção dos lugares ao ideário mercadológico, que encontra
na repartição desigual do uso do solo urbano a chance de expansão da acumulação
de capital. De acordo com SPOSITO (1988), uma das principais consequências das
contradições capitalistas que permitem a compreensão do espaço urbano no período
capitalista atual é a desigualdade sócio-espacial. Esta é a concretização espacial da
distribuição desigual da riqueza produzida em conjunto pela sociedade. É coerente
nos perguntarmos se o "Projeto Nova Luz" perpetua esse tipo de distribuição, e se
sim, de que maneira.
Na resistência das ações do Estado e Capital, lutas organizadas por
grupos locais (movimentos de moradia, associação de moradores, associação de
comerciantes etc.), que se identificam com o lugar e que produzem ali as suas
cotidianidades, apresentam reações sobre as quais devemos nos atentar para
compreender o movimento totalizante da sociedade capitalista atual (RODRIGUES,
2005). É também através do espaço social que os movimentos sociais de moradia se
apresentam e reproduzem suas relações. É também ali que o pequeno comércio,
comércio familiar ou comércio especializado como da Rua Santa Ifigênia, por exemplo,
pode encontrar seu locus de reprodução. É naquele lugar, caracterizado pela
identificação das pessoas por sua história, que implica identificação pelo lugar e pelo
cotidiano, que os moradores ou simples transeuntes fixam parte de sua razão pelo
viver. Fora dali suas identidades se esvaem, e pessoas sem identidade com o lugar
são pessoas sem âncora para a efetividade da reprodução de suas vidas.
É também neste espaço que se realizam as ocupações de prédios
abandonados, normalmente lideradas por algum movimento social (Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto, por exemplo). As ocupações são a busca pela realização de
uma necessidade fundamental da humanidade, o direito à moradia. Ter moradia formal
permite, em nossa sociedade, ser cidadão, ou seja, permite que os indivíduos sejam
reconhecidos como membros integrantes da sociedade e tenham acesso aos postos
de saúde, escolas públicas, mobilidade adequada, entre outros direitos. Muito além
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disso, a moradia é a possibilidade de ter um lar, ou seja, um "canto" que dê segurança
para a realização de uma vida humana de fato.
Desde a aprovação do projeto, materializaram-se ações como a demolição de
quarteirões (Figura 1), a construção de prédios estranhos ao lugar (Figura 2; RIBAS,
2012), uma operação policial na "Cracolândia" condenada pelo Ministério Público
(MPESP, 2012). Essas ações foram questionadas pela sociedade em audiências e
ouvidoria públicas, o que resultou em uma "ação civil pública" (DPESP, 2012),
demonstrando o caráter antidemocrático do processo de implementação do projeto
que desrespeita o princípio de gestão democrática da cidade, como defende o Art. 10
do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (PMSP, 2002). Os promotores
- de Direitos Humanos (Inclusão social e saúde), de Direitos Difusos e Coletivos da
Infância e da Juventude, de Habitação e Urbanismo - levantaram uma ação contra o
Governo do Estado de São Paulo (Gestão de Geraldo Alckmin - PSDB) na qual
apontaram problemas da ação policial na "Cracolândia". Para os promotores esta foi
truculenta e violenta, ofendendo os princípios de dignidade humana e desrespeitando
o trabalho dos agentes e assistentes sociais que já trabalhavam na problemática do
uso e tráfico do "crack" na região. O debate agora, entre todos os órgãos públicos
envolvidos, as associações de moradores, de comerciantes etc. deve ser, como
propõe o debate realizado na Casa da Cidade1, algo entre a "Cracolândia" e o "Projeto
Nova Luz", ou seja, deve-se pensar um espaço urbano entre o abandono pelas
políticas de Estado e a apropriação do espaço público pela iniciativa privada. (RIBAS,
2013)
1
A Associação Casa da Cidade é uma entidade civil formalizada em 2005 que promove
atividades, como debates, cursos, conferências, que promovem a reflexão e o debate acerca dos
problemas "da cidade". Sítio na Web: www.casadacidade.org.br
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Figura 1 - Parte de um quarteirão demolido no encontro da Rua Mauá e Rua dos Protestantes. Fonte: Camila de
Oliveira, Em: apropriacaodaluz.blogspot.co
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Figura 2 - FATEC "Nova Luz", prédio (à esquerda) com arquitetura discordante com a história arquitetônica da região
da Luz. As grades demonstram a segregação sócio-espacial do projeto. Fonte: Camila de Oliveira, Em:
apropriacaodaluz.blogspot.com
No início de 2013, já com a administração de Fernando Haddad (Partido dos
Trabalhadores), o projeto foi paralisado para que a sociedade (como um todo unitário)
pense alternativas mais democráticas na elaboração de um projeto urbanístico.
Porém, a paralisação do projeto não significa solução. É preciso agora que a
participação cidadã no processo de elaboração de uma nova política para a região da
Luz faça com que a "inovação" proposta na gestão do Prefeito de Gilberto Kassab se
transforme em defesa dos direitos humanos, como propõe o novo prefeito, Fernando
Haddad. O atual prefeito admite que a busca por outra opção é necessária, e propõe
que o projeto continue segundo o modelo da parceria público-privado, mas em escala
menor que os 45 quarteirões propostos pelo Nova Luz.
Cabe a este projeto, sobre uma crítica do projeto "Nova Luz", esclarecer o
papel do Estado na contemporaneidade e especificar suas relações com o capital
privado. Cabe aqui também, compreender como esses dois elementos se contrapõem
aos interesses do lugar constituído pelo perímetro do "Projeto Nova Luz": lugar de
grande fluxo econômico local, cultural regional e nacional (se considerado a
importância histórica daqueles arredores), de pessoas (é ponto de convergência de
diversas linhas de transporte, como o Metrô e CPTM), entre outros tantos fluxos
importantes. O resultado desse processo é a produção e reprodução do espaço, e
consequente reprodução das relações sociais. Portanto, a compreensão da "parceria
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público-privada" (como estratégia típica do período neoliberal) nos remete, em primeiro
lugar, à compreensão dos novos projetos urbanísticos com esta característica.
3. Objetivos
3.1 Objetivo Geral: O Objetivo Geral deste trabalho é analisar criticamente o processo
de (re)produção do espaço urbano como resultado da interação de três agentes:
Estado, Capital Privado e Sociedade.
1134
3.2 Objetivos Específicos
Este projeto tem como Objetivos Específicos compreender as novas relações
do Estado com o Capital privado que compõem parte do processo de (re)produção do
espaço; analisar o projeto "Nova Luz" e relacionar esta análise com uma leitura
histórica do espaço atualmente produzido no recorte escolhido (área da Luz, antigo
centro da metrópole de São Paulo) para entender a relação Estado/Capital.
Como objeto, foi escolhido o recorte espacial de atuação do "Projeto Nova Luz"
no centro da cidade de São Paulo, importante sede administrativa e econômicofinanceira com grande influência nas ações nacionais e inclusive, internacionais. A
região da Luz servirá como recorte ainda mais localizado. Atualmente estão se
materializando uma série de intervenções naquele espaço urbano que demonstram a
relação entre o Capital Privado e o Estado Capitalista. Portanto, nos propomos: (1) a
estudar a função exercida pelo Estado na contemporaneidade na produção e
reprodução do espaço urbano; (2) estudar qual é o conteúdo econômico-político que
caracteriza o Estado atualmente na produção e reprodução da sociedade (HARVEY,
2005; MARX, 2007); e (3) estudar as especificidades da função do Estado e de suas
ações, já que é por meio do poder de ação socialmente determinado que,
normalmente, o capital privado tem a possibilidade de produzir o espaço para criar as
devidas soluções para seus próprios problemas econômicos.
4. Metodologia de Pesquisa:
Este projeto tem como fundamento um estudo geográfico do fenômeno urbano
de (re)produção espacial segundo a teoria da Geografia Crítica Radical que tem como
embasamento teórico os textos econômicos e filosóficos de Karl Marx e principalmente
dos autores que fizeram leituras geográficas marxistas. Neste trabalho, toma real
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importância os trabalhos de David Harvey, por ser neste autor que encontra-se boa
fundamentação para analisar as relações entre as esferas do político (papel estatal),
do econômico (produção de capital) e do social (cotidiano), através do que o autor
denomina de "materialismo histórico-geográfico". (HARVEY, 1992; 2005) Em sua obra
"Justiça Social e a Cidade" (1980), Harvey discute no capítulo IV a questão das
revoluções nas ciências, ou seja, a quebra de paradigmas que não mais servem para
explicar a realidade do período, e a aceitação de novos paradigmas que substituam os
ultrapassados. Harvey lança mão de importantes argumentos que sustentam a
escolha pelo marxismo. Considerando que a ciência geográfica necessitava de bases
positivas, materialista e fenomenológicas que se interrelacionassem e que desta forma
formassem um corpo teórico forte o bastante para sustentar a resolução dos novos
problemas de nossa sociedade, Harvey afirma:
"Essa saída é mais claramente explorada no
pensamento marxista. Marx, nos Manuscritos Econômicos e
Filosóficos de 1844 e na Ideologia Alemã deu a seu sistema
de pensamento uma base fenomenológica poderosa e
atraente.
Há também, certas coisas que o marxismo e o positivismo
têm em comum. Ambos têm uma base materialista e ambos
valem-se de um método analítico. A diferença essencial,
naturalmente, é que o positivismo simplesmente procura
entender o mundo, enquanto o marxismo busca mudá-lo. Dito
de outro modo, o positivismo tira suas categorias e conceitos
de uma realidade existente com todos os seus defeitos
enquanto as categorias e conceitos marxistas são formulados
através da aplicação do método dialético à história, tal como
este se desenvolve, aqui e agora, através de acontecimentos
e ações. O método positivista envolve, por exemplo, a
aplicação da lógica tradicional bivalente aristotélica para
testar hipóteses (a hipótese nula da inferência estatística é
uma invenção puramente aristotélica): as hipóteses não são
nem verdadeiras nem falsas, e uma vez categorizadas
permanecem sempre assim. A dialética, por outro lado,
propõe um processo de entendimento que implica na
interpenetração dos contrários, nas contradições e paradoxos
incorporados e indica o processo de resolução. (…) O
método dialético leva-nos a inverter a análise, se necessário,
para encarar as soluções como problemas, para tomar as
questões como soluções." (HARVEY, 1980, p. 111/112)
Os escritos de Milton Santos e Ana Fani Alessandri Carlos também adquirem
fundamental necessidade neste projeto pois estes dois importantes geógrafos
brasileiros possibilitam a reflexão sobre os fenômenos urbanos, principalmente quando
nos referimos às questões relacionadas aos problemas do "espaço urbano brasileiro"
(CARLOS,2007 ; SANTOS, 2009 e 2012).
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É preciso ainda, para o desenvolvimento desse projeto, a realização de
trabalho de campo e a análise do projeto urbanístico proposto pelo "Projeto Nova Luz",
que apesar de não ter sido de todo concretizado, já demonstra em ações localizadas
(como a operação policial na "Cracolândia", despejos de famílias, por exemplo) a
ideologia dos administradores e projetistas, "públicos e privados".
Este estudo se concentrará no nível de análise do lugar para engendrar uma
análise crítica dos desdobramentos e consequências das modificações espaciais,
procurando esclarecer como, no urbano, o capital encontra sua (re)produção na
(re)produção do espaço.
Não objetivamos um simples estudo de caso que pretende explicar apenas o
que ocorre naquele recorte, como se aquele processo estivesse desarticulado de uma
totalidade. Deve-se levar em consideração que o caso aqui apresentado é apenas um
exemplo no qual as dinâmicas locais nos permitem entender processos do modo de
produção capitalista do espaço, que tende à mundialização do capital/espaço.
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ISBN: 978-85-99907-05-4
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