PODER J U D I C I Á R I O TRIBUNAL DE J U S T I Ç A DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO *01569589* Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO n° 526.513-4/1-00, da Comarca de EMBU, em que é agravante ZACATECAS PARTICIPAÇÕES LTDA. agravada SANSUY S. A. INDÚSTRIA DE PLÁSTICOS sendo (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL).: ACORDAM, Recuperações em Judiciais Câmara de Especial Direito de Privado do Falências e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V.ü.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve Desembargadores PEREIRA CALÇAS a participação dos (Presidente, sem voto), BORIS KAUFFMANN e ELLIOT AKEL. São Paulo, 30 de janeiro de 2008. [ ERO Relator J PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Seção de Direito Privado Agravo de I n s t r u m e n t o n° 5 2 6 . 5 1 3 . 4 / 1 Agravante: ZACATECAS PARTICIPAÇÕES LTDA. Agravada: SANSUY S / A INDÚSTRIA DE PLÁSTICOS (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) Comarca: EMBU - 3 a VARA CÍVEL VOTO N.° 9490 EMENTA — Recuperação judicial - Plano aprovado fora do prazo legal - Incidência do disposto no § 4o do ari 6° da Lei 11 101/05 - Hipótese em que não se aplica o disposto no art 59 da mesma lei, não havendo novação quanto aos credores que iniciarem e/ou continuaram as execuções individuais - Valor do crédito por dehèntures que deve ser discutido exclusivamente na ação de execução individual Manutenção da sentença de extinção do incidente de impugnação de crédito - Agravo de mstr umento provido RELATÓRIO. Trata-se de agravo de instrumento interposto por ZACATECAS Participações Ltda. contra a r. sentença de fls. 217/219, que julgou extinta, sem resolução do mérito, a sua impugnação de crédito na recuperação judicial de SANSUY S/A Indústria de Plásticos, com determinação de reserva do valor estimado pela impugnante para satisfação do crédito, caso reconhecido por sentença judicial. Agravo de Instrumento n ° 526 513.4/1-00 Voto n ° 9490 2 Anote-se que: a) a impugnante interpôs os embargos de declaração de fls. 237/240 e fls. 241/243, sendo um deles rejeitado, porque "a submissão ou não da credora à recuperação judicial não constitui objeto da impugnação, e deverá ser deduzida nos autos principais, descabendo, neste incidente, qualquer julgamento" (fl. 246), e o outro acolhido, para indeferir o pedido de exclusão da ernbargante dos efeitos do plano de recuperação judicial da devedora (fls. 247/248); b) contra a mesma r. decisão no incidente de impugnação de crédito, a recuperanda também interpôs agravo de instrumento, que tomou o n.° 512.664.4 (cf. fls. 220/236). Em apertada síntese, a agravante sustenta que, considerando que o processamento da recuperação judicial da agravada se deu em 13 de março de 2006, mas que o respectivo plano de recuperação somente foi aprovado mais de um ano depois, isto é, em 19 de março de 2007, a solução do presente recurso cinge-se à correta interpretação sistemática de diversas regras da Lei n.° 11.101/2005, especialmente os artigos 6o, § 4 o , e 59. Em suma, em erudita minuta, pleiteia: a) seja excluída da recuperação judicial da agravada; b) sejam mantidas as condições originais de exigibilidade de seu crédito (sem a novação); c) seja resguardado seu direito de prosseguir na busca pela satisfação de seu crédito diretamente na execução de autos n.° 967/04, inclusive valendo-se dos recursos e procedimentos inerentes à ação executiva; d) isso tudo independentemente do quanto estipulado no Plano de Recuperação Judicial que foi aprovado após a retomada do curso da execução. Preparado (fls. 22/24) e instruído o recurso (fls. 25/295), que se processa sem pedido de efeito suspensivo, a agravante Agravo de Instrumento n ° 526 513 4/1-00 Voto n ° 9490 <ad~ comprovou o cumprimento do disposto no art. 526 do CPC (fls. 305/306), a agravada ofereceu a resposta de fls. 308/316, que veio acompanhada de inúmeros documentos (fls. 317/402), e, finalmente, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da Dra. Leila Mara Ramacciotti, opinou pelo não provimento (fls. 406/407). FUNDAMENTOS. Contra a mesma r. sentença que julgou o incidente de impugnação de crédito da empresa ZACATECAS Participações Ltda. na recuperação judicial de SANSUY S/A Indústria de Plásticos, foram interpostos dois agravos de instrumentos, este pela impugnante e o Agravo de Instrumento n.° 512.664.4/2 pela impugnada e recuperanda, sendo certo que o último já foi julgado por esta Câmara Especial (cf. meu voto n.° 8.809), ou seja, a questão destes autos já mereceu o devido desfecho, que, para documentar, fica agora reiterado: "... o mérito do recurso, cujo cerne é único: a aprovação do Plano de Recuperação Judicial pela Assembléia Geral dos Credores e sua posterior homologação judicial implicaria em novação do débito, deixando de existir a obrigação anterior e, por isso, o objeto para a ação de execução prosseguir, em autos apartados daqueles do processo de recuperação judicial. Bem se vê que o ponto crucial aqui é a compatibilização do disposto no art. 6°, caput e § 4 o , com o previsto no art. 59, ambos da nova Lei de Falências. Isto é, se o plano de recuperação Agravo de Instrumento n.° 526 513 4/1-00 Voto n ° 9490 c5r> 4 judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § I o do art. 50 (art. 59), então como fica o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial, após o decurso do prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação (§ 4 o do art. 6o)? Presume-se que a lei não contém dispositivos inúteis e nem contraditórios e, diante disso, tem que haver uma explicação para o disposto no art. 59 e no art. 6o, § 4 o , da Lei de Falências. A propósito do tema, confira-se, em primeiro lugar, a lição de FÁBIO ULHOA COELHO: "20. Suspensão das execuções na recuperação judicial Se a suspensão das execuções contra o falido justifica-se pela irracionalidade da concomitância de duas medidas judiciais satisfativas (a individual e a concursal) voltadas ao mesmo objetivo, na recuperação judicial o fundamento é diverso. Suspendem-se as execuções individuais contra o empresário individual ou sociedade empresária que requereu a recuperação judicial para que eles tenham o fôlego necessário para atingir o objetivo empresa. A pretendido da reorganização recuperação judicial não é da execução concursal e, por isso, não se sobrepõe às execuções Agravo de Instrumento n.° 526.513 4/1-00 Voto n ° 9490 <Ó£^ :> individuais em curso A suspensão, aqui, tem fundamento diferente. Se as execuções continuassem, o devedor poderia ver frustrados os objetivos da recuperação judicial, em prejuízo, em última análise, da comunhão dos credores. Por isso, a lei fixa um prazo para a suspensão das execuções individuais operada pelo despacho de processamento da recuperação judicial: 180 dias. Se, durante esse prazo, alcança-se um plano de recuperação judicial, abrem-se duas alternativas: o crédito em execução individual teve suas condições de exigibilidade alteradas ou mantidas. Nesse último caso ou na hipótese de não se aprovar, no prazo de suspensão, qualquer plano de recuperação judicial, a execução individual prossegue" ("Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas", 2J edição, São Paulo, Saraiva, 2005, n.° 20, p. 40). É bem verdade que MANOEL JUST1NO BEZERRA FILHO leciona que, " .. se concedida a recuperação na forma do art. 58, fica automaticamente sustada a previsão do § 4 o do art. 6o, de tal fonna que permanecerão suspensas as ações e execuções contra o devedor" (cf. "Lei de Recuperação de Empresas e Falências", 4a edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 178), mas é certo que tal assertiva deve ser entendida em termos, ou seja, como adverte MAURO RODRIGUES PENTEADO: "66.2 judicial: caput e § 4 o . Agravo de Instrumento n.° 526 513.4/1-00 Voto n ° 9490 Na recuperação 6 Na recuperação judicial, a suspensão do curso das ações e execuções singulares perdura pelo "prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial" (art. 6°, § 4o). Na prática, o mencionado prazo (stay period, no jargão do mercado) foi concedido ao devedor para que este possa negociar e incluir seus débitos já cobrados judicialmente no plano de recuperação, que, se concedido, operará a novação de todos os créditos a ele sujeitos (art. 59)" ("Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência", Ia edição, Coordenação: FRANCISCO SÁTIRO DE SOUZA JÚNIOR e ANTÔNIO SÉRGIO A. DE MORAES PITOMBO, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2005, n.° 66.2, p. 138). JÚLIO KAHAN MANDEL censura o termo inicial do prazo de suspensão, assinalando: "A grande crítica a este tema diz respeito à forma de contagem do prazo em que se inicia a suspensão, na recuperação judicial. Note que a suspensão começa a ser contada do dia do despacho que manda processar a recuperação e não do dia da impetração do benefício. Ou seja, há um interregno Agravo de Instrumento n.° 526 513 4/1-00 Voto n ° 9490 ^3- 7 de tempo durante o qual o devedor não fica, em tese, protegido contra as execuções. Se o deferimento do processamento demorar a ocorrer, até mesmo por razões que fogem das possibilidades de ação do devedor, a situação fática expressa no Plano apresentado aos credores e ao Magistrado poderá ser alterada com a penhora de algum bem. Contudo, por fugir inteiramente do espírito da lei, a suspensão acabará por afetar os processos de execução em andamento logo que o devedor distribuir o seu pedido de Recuperação, sob pena de se criar uma injusta vantagem a um credor e prejudicar a análise e cumprimento do Plano apresentado" ("Direito Falimentar e a Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas", coordenação de LUIZ FERNANDO VALENTE DE PAIVA, Ia edição, São Paulo, Editora Quartier Latin, 2005, pp. 131-132). Na verdade, a compatibilização que se busca é a seguinte: a) a regra geral é a de que, obedecidos rigorosamente todos os prazos marcados na lei de falências, a aprovação do plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos (art. 59 da Lei 11.101/2005); b) neste caso, concedida a recuperação na forma do art. 58, fica automaticamente sustada a previsão do § 4 o do art. 6o, de tal forma que permanecerão suspensas as ações e execuções contra o devedor, ou, em outras palavras, essas Agravo de Instrumento n ° 526.513.4/1-00 Voto n.° 9490 's 8 ações e execuções não poderão prosseguir; c) quando não obedecido o prazo previsto no art. 6o, § 4 o , isto é, quando, computado o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, o plano não tiver sido aprovado pela assembléia geral dos credores, restabelece-se, desde o vencimento desse prazo improrrogável, o direito dos credores de iniciar ou continuar nas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial; d) como é evidente, nessa hipótese, em que o plano de recuperação judicial não foi aprovado no prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, as ações e execuções individuais se iniciam e/ou continuam, independentemente da aprovação posterior, inclusive pelos exeqüentes, do referido plano, não ocorrendo, aí, a novação prevista no art. 59. Fora essa compatibilização, a aprovação do plano de recuperação pela assembléia geral dos credores implicaria sempre em novação dos créditos anteriores ao pedido e jamais haveria a possibilidade legal de os credores, vencido o prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, iniciarem e/ou continuarem com as execuções individuais. Entretanto, não é isso o que diz a lei, e sim que, aprovado o plano dentro do prazo legal, há novação e não há possibilidade de início ou continuação das execuções individuais, mas, aprovado o plano fora do prazo legal, nada impede que os credores iniciem e/ou continuem com as execuções individuais. Agravo de Instrumento n ° 526 513 4/1-00 Voto n ° 9490 c3r> 9 Não há outra solução legal para a convivência dos dois dispositivos legais, não se podendo sequer cogitar da aplicação do § 4 o do art. 6 o somente para os credores que não aprovaram o plano, visto que, "em princípio, todos os credores anteriores ao pedido de recuperação judicial estão sujeitos aos efeitos do plano de recuperação aprovado em juízo. Mesmo os que haviam se oposto ao plano e votado por sua rejeição devem se curvar à decisão judicial respaldada na maioria dos credores. Não têm outra alternativa" (cf. FÁBIO ULHOA COELHO, obra citada, n.° 138, p. 169). Em suma, aprovado o plano de recuperação dentro do prazo legal, há novação e não há possibilidade de início e/ou continuação de execução individual; contudo, se a aprovação ocorrer fora do prazo legal, decorrido este, não há novação e existe o direito de os credores iniciarem e/ou continuarem com as execuções individuais. No caso concreto destes autos, e como sustenta a agravada, o "direito de continuar a execução consolidou-se com o fato de que o plano de recuperação judicial não foi aprovado dentro desse período de 180 dias, mas apenas em 19/3/07, um ano depois de processada a recuperação (doe. 7), em completo desrespeito ao quanto disposto no § I o do art. 56 da Lei 11.101/05: Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação. § Io. A data designada para a realização da assembléia-geral não excederá 150 (cento e cinqüenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial"" (cf. fls. 1.119). Agravo de Instrumento n.° 526 513 4/1-00 Voto n ° 9490 ci=> 10 De fato, a recuperação judicial teve deferido seu processamento pela r. decisão de fls. 1.149/1.150, proferida em 13 de março de 2.006, sendo certo que o plano de recuperação da devedora só foi aprovado, por maioria de votos, na Assembléia Geral de Credores realizada em 19 de março de 2007 (cf. fls. 1.152 e ata de fls. 1.153/1.156). Ou seja, não foi obedecido o prazo do § I o do art. 56 e nem o prazo do § 4 o do art. 6 o da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005). Assim, não tendo havido novação do crédito da agravada, o caso era mesmo de extinção do incidente de impugnação de crédito, devendo o valor do crédito ser dirimido na execução que prossegue. No mais, e tal como novamente sustenta a agravada, pediu ela a sua exclusão da recuperação judicial nos autos principais e não foi atendida, pretendendo ainda recorrer da decisão (fls. 1.125/1.126). Contudo, "na eventualidade de ser reconhecido legítimo direito da ora Agravada de prosseguir na busca pela satisfação de seu crédito diretamente na execução movida singularmente, mantidas as condições de exigibilidade da dívida, inócua será a determinação da r. decisão agravada de reserva de valores - risco esse assumido, frise-se, pelo próprio MM. Juízo a quo ao rejeitar os mencionados embargos de declaração da Agravada (doe. 14)" (fl. 1.126). Ora, o artigo 16 da Lei 11.101/05 prevê que "o juiz determinará, para fins de rateio, a reserva de valor para satisfação do crédito impugnado", acrescentando o parágrafo único que, "sendo parcial, a impugnação não impedirá o pagamento Agravo de Instrumento n.° 526.513.4/1-00 Voto n ° 9490 < < ^ 11 da parte incontroversa". Na hipótese dos autos, está sendo reconhecido o direito de a credora prosseguir com a execução individual e está sendo confirmada a sentença de extinção do incidente de impugnação de crédito. Se não há mais impugnaçâo de crédito, não há também reserva, mesmo porque o crédito da agravada só pode ser satisfeito agora na execução individual. Como esclarece FÁBIO DE ULHOA COELHO, "sempre que houver impugnação de crédito, o juiz da falência deve determinar a reserva do valor para o seu atendimento" (obra citada, n.° 39, p. 53). Então, quando não houver impugnação de crédito, não deve também haver a reserva questionada. Isto posto e., considerando tudo o quanto mais consta dos autos, dou provimento parcial ao agravo de instrumento, para manter a sentença de extinção do incidente de impugnação de crédito, mas com exclusão da reserva determinada em primeira instância". Em suma, pela decisão já externada no recurso da recuperanda, fica o agravo de instrumento da impugnante inteiramente provido, exatamente para os fins perseguidos e antes transcritos (cf item 39 de fl. 20). Destarte, pelo provimento ao recurso. EITRTCUPERO Relator Agravo de Instrumento n ° 526 513 4/1-00 Voto n ° 9490 meu voto, dou