A dedutibilidade dos gastos em sede de IRC – Considerações gerais Palavras-chave: gastos, encargos, dedutibilidade, IRC, lucro tributável. Autor: José de Campos Amorim Professor Coordenador do ISCAP Mail: [email protected] Tm: 962822209 Área temática: A10 - Outros temas relacionados com a contabilidade de custos e de gestão. Metodologia: M1 – Analytical A dedutibilidade dos gastos em sede de IRC – Considerações gerais RESUMO O presente artigo procura analisar o conceito de gasto fiscal, consagrado no artigo 23.º do CIRC, e abordar, doutrina e jurisprudencialmente, os requisitos necessários à dedutibilidade dos gastos considerados indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Os gastos fiscais não se restringem apenas ao disposto no artigo 23.º do CIRC, mas integram também outras categorias de gastos e encargos previstos nos artigos 34.º e 45.º do CIRC, os quais são susceptíveis de serem dedutíveis fiscalmente e assim concorrem para a formação do lucro tributável. ÍNDICE: 1 - Introdução. 2 - Noção de gasto fiscal. 3 - Os limites à dedutibilidade dos gastos. 4 - Os encargos não dedutíveis. 5 - Requisitos à dedutibilidade fiscal dos gastos. 5.1 - A comprovação material dos gastos. 5.2 - A prova documental. 5.3 – O ónus da prova dos gastos realizados. 5.4 – O critério da “indispensabilidade”. 5.5 - A conexão entre gastos e proveitos. 5.6 - A efetividade dos gastos. 5.7 – A contabilização de gastos reais e efetivos e o seu controlo pela Administração tributária. 6 - O poder discricionário da Administração tributária. 7 - Conclusão 1 - Introdução Nem todas as despesas efetuadas pelos sujeitos passivos são relevantes para a determinação da matéria colectável de IRC. Muitas delas não concorrem para a formação do lucro tributável e, por conseguinte, não são fiscalmente dedutíveis, apesar de suportadas pela empresa e de registadas na sua contabilidade. O legislador português não estabeleceu uma lista exaustiva dos gastos fiscalmente dedutíveis, antes uma enumeração exemplificativa, considerando-se gastos para efeitos fiscais todos os gastos contabilísticos suportados pela empresa e indispensáveis à realização dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora (v.g. as remunerações de pessoal). Face à diversidade de gastos contabilísticos, importa saber quais os critérios definidos ao nível legal, da doutrina e da jurisprudência que contribuem para a determinabilidade dos gastos fiscalmente dedutíveis em sede de IRC e que podem concorrem para a harmonização contabilística e fiscal. Além disso, a dedutibilidade dos custos é matéria que confronta com muitas outras normas e princípios fiscais e contabilísticos e coloca uma série de questões à administração tributária e aos tribunais tributários. Procuraremos aqui responder a algumas das questões que esta matéria levanta e assim contribuir para uma reflexão geral sobre a questão da dedutibilidade dos custos em sede de IRC e a sua aplicação aos casos concretos. A dedutibilidade fiscal dos gastos ou perdas não está circunscrita aos requisitos que o artigo 23.º do CIRC fixou e às questões jurídicas que daí resultam. Na análise desta questão, temos de ter em conta o facto de o conceito de custo apresentar um certo grau de indeterminabilidade e de não existir uma correspondência direta entre a contabilidade e a fiscalidade, o que faz com que o gasto contabilístico seja qualificado como gasto fiscal nalgumas situações e noutras não. Isto obriga-nos a fazer uma análise mais pormenorizada do conceito de gasto e das condições em que os gastos contabilísticos são fiscalmente atendíveis. 2 - Noção de gasto fiscal O artigo 23.º do CIRC usa a terminologia contabilística de gastos e proveitos, sem dar sequer qualquer definição ou determinar a relação entre estes dois conceitos e outros conceitos. Ora, não há dúvida de que existe uma relação clara entre gastos e proveitos, que tem precisamente a ver com o facto de os gastos se refletirem, direta ou indiretamente, nos proveitos, sempre que uma empresa tem que suportar gastos para obter proveitos. Regra geral, ao proveito está associado um gasto ou perda. Mas, “um custo [gasto], raramente, corresponderá a pura perda; poderá, em certa ocasião, consubstanciar-se em valores activos, isto enquanto não for recuperado (por transformação em proveito), ou perdido (transformação em perda)”1. Só se gera uma perda no caso de excesso de gastos em relação aos proveitos ou no caso dos gastos não geraram quaisquer proveitos. Além desta relação de interdependência entre gastos e proveitos, estes dois conceitos estão igualmente associados a outros conceitos, tais como o de lucro, ganho, prejuízo, perda, despesa ou pagamento e recebimento, se bem que na prática são utilizados mais frequentemente certos termos em detrimento de outros. No caso do artigo 23.º do CIRC, em vez de a norma definir o conceito de gasto fiscal, remete antes para aspectos económicos, considerando gastos "os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora". O legislador optou por enunciar, exemplificadamente, várias categorias concretas de gastos susceptíveis de serem admitidos como gastos dedutíveis, em vez de instituir uma definição e estabelecer uma lista exaustiva dos gastos fiscalmente dedutíveis. São assim considerados fiscalmente dedutíveis todos os gastos contabilísticos suportados pela empresa que são indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora, como é o caso, nomeadamente, das despesas com as remunerações de pessoal, o transporte, a energia, a investigação, etc. Está assim previsto todo um conjunto de gastos ou despesas no artigo 23.º do CIRC. Mas o artigo 23.º do CIRC não é o único dispositivo a prever a dedutibilidade dos gastos fiscais. A dedutibilidade dos gastos fiscais não se restringe ao artigo 23.º do CIRC. Há outras normas no CIRC referentes à dedutibilidade de gastos ou encargos, nomeadamente os artigos 34.º e 45.º do CIRC. Para além de que muitas destas situações podem ser reapreciadas pela Administração Tributária e pelos Tribunais. Foi assim que, por exemplo, a Administração Tributária não considerou como custo de exercício a quantia escriturada por um contribuinte a título de despesa de representação, com o 1 Rogério Fernandes Ferreira, “Conceitos de Custos e Proveitos do Exercício – Confronto com Outras Noções”, Revista da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, n.º 83, 2007, p. 37. fundamento de “não ser destrinçado o que constitui despesas pessoais da recorrente e o que realmente pode classificar-se como despesas de representação até ao limite considerado razoável”. Pelo contrário, o Tribunal, baseando-se no princípio da separação entre a esfera pessoal e o domínio empresarial, discordou da Administração Tributária e considerou as despesas de representação como custos de exercício e verdadeiros gastos para a empresa2. O problema é que as despesas de representação não estão preliminarmente definidas no CIRC, apenas constam alguns exemplos no artigo 88.º, n.º 7 do CIRC. Perante a indeterminabilidade do conceito de gasto fiscalmente dedutível, a Administração tributária e os Tribunais, em certos casos, são chamados a concretizar este conceito. A Administração tributária e os Tribunais tributários podem contribuir para uma boa avaliação do conceito de gasto fiscalmente dedutível. Não basta atender ao disposto nas normas contabilísticas e ao princípio da tributação efetiva do rendimento real, em que se considera gasto efetivo todo o gasto correctamente contabilizado, ou se considera que o gasto contabilístico é - salvo disposição legal em sentido contrário3 - um gasto fiscalmente aceite, admitindo-se aqui uma equiparação entre o gasto contabilístico e o gasto fiscal. A Administração tributária e os Tribunais tributários podem reapreciar certos gastos fiscais de acordo com as operações contabilísticas realizadas e corrigir quantitativamente a matéria colectável no sentido das normas fiscais em vigor4. A Administração tributária e os Tribunais tributários não pretendem substituir-se ao legislador mas contribuir para uma boa interpretação e qualificação das normas fiscais e assim resolver os problemas contabilísticos e fiscais com vista a prevenir situações de conflito entre o contribuinte e a Administração tributária. 3 - Os limites à dedutibilidade dos gastos Tal como já foi referido, nem todos os gastos podem ser objeto de dedução fiscal. Mesmo quando contabilizados como gastos do exercício, alguns dos gastos suportados pelas empresas podem acrescer ao lucro tributável (Modelo 22 – IRC). Há casos em que, efetivamente, os gastos são indispensáveis à realização dos proveitos e outros que, sendo dispensáveis, não são fiscalmente dedutíveis, sobretudo quando não contribuem diretamente para a atividade económica e financeira da empresa ou contribuem duplamente para a mesma operação económica e financeira. Ora, como é óbvio, não pode uma empresa deduzir duas vezes os mesmos gastos afetos a uma mesma operação ou transação. Só não há duplicação quando os gastos têm afetações distintas. Por exemplo, o facto de uma empresa pagar um subsídio de refeição aos seus trabalhadores e suportar as despesas de alimentação pagas aos restaurantes onde os trabalhadores tomam as suas refeições “não configura uma duplicação de custos capaz de afastar a dedutibilidade das despesas feitas nos restaurantes”5. Uma empresa pode suportar as despesas com a alimentação dos seus trabalhadores e pagar a estes mesmos 2 STA, 13/03/1968, recurso n.º 15760, in AD, n.º 76, pp. 514-515. Tomás Castro Tavares, "Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos", CTF, 396, 1999, p. 98. 4 STA, 24/10/1989, recurso n.º 59548, publicado em CTF, n.º 357, janeiro-março 1990, pp. 219 e ss. 5 STA, 29-03-2006, processo n.º 01236/05. 3 trabalhadores os respetivos subsídios de alimentação, desde que devidamente documentados e representam para a empresa finalidades distintas: gastos destinados à realização de proveitos e outros orientados para a manutenção da fonte produtora. Um dos limites à dedutibilidade dos gastos consiste em impedir eventuais situações de abuso fiscal ou de distribuição dissimulada de lucros a favor de terceiros, daí que o legislador tenha estabelecido uma lista exemplificativa de gastos dedutíveis6, por forma a limitar as reduções indevidas de impostos e outras situações de abuso fiscal. É o que sucede no caso, por exemplo, de criação artificial de gastos através da manipulação dos preços de transferência com vista à obtenção de falsas menos-valias. Perante esta situação, o regime consagrado no artigo 63.° do CIRC7 prevê que todas as transações entre as empresas, objeto de uma relação especial, devem estar sujeitas a um dever de cooperação reforçada e de maior transparência em relação aos preços praticados. É por este motivo, entre outros, que o artigo 23.°, n.º 5 do CIRC não aceita “ (…) como gastos do período de tributação, os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital (…) a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º, ou a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, bem como as menos-valias resultantes de mudanças no modelo de valorização relevantes para efeitos fiscais, nos termos do n.º 9 do artigo 18.º, que decorram, designadamente, de reclassificação contabilística ou de alterações nos pressupostos referidos na alínea a) do n.º 9 deste artigo”. Por outro lado, o artigo 23.° proíbe o reconhecimento de perdas criadas pela realização de menos-valias latentes (não dedutíveis por força do artigo 24.°, al. b)), sujeitas ao processo especial de determinação de valor e de justificação do custo8. Segundo os arts.º 23º, n.º 1, al. l) e 24º, al. b), do CIRC, só as menos-valias realizadas, e não as menos-valias potenciais ou latentes, constituem gastos ou perdas de exercício para efeitos de IRC, o que significa que nem todas as menos-valias podem ser dedutíveis fiscalmente. Exige-se que os gastos estejam relacionados com a atividade da empresa ou o fim lucrativo da empresa, mas também que as regras contabilísticas e fiscais sejam claras e transparentes para que as medidas adotadas pelo sujeito passivo não sejam interpretadas como resultantes da prática da evasão fiscal e não constituem uma violação do princípio da tributação do lucro real9. 4 - Os encargos não dedutíveis Nem todos os “encargos fiscais e parafiscais”10 referidos na alínea f) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC são fiscalmente dedutíveis. Certos encargos podem não ser objeto de dedução fiscal, apesar de efetiva e comprovadamente suportados pelas empresas e contabilizados como gastos. 6 Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra editora, p. 214-219. Ver Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, Coimbra, 2005. 8 Só há menos-valias se houver perdas sofridas no caso de transmissão onerosa de partes de capital (art.º 42º, n.º 3, do CIRC). Por exemplo, “Uma diminuição do capital social com redução proporcional do valor das quotas, por ser uma menos-valia potencial ou latente, não é uma variação patrimonial negativa, pelo que não é custo ou perda”(STA, 25-10-2000, processo n.º 024565, Almeida Lopes). 9 TCA, Acórdão de 28 de Outubro de 2003, Recurso n.º 07400/02. 10 Os gastos fiscais referidos na alínea f) devem ser interpretados no sentido de encargos fiscais, Cf. Rogério Fernandes Ferreira, “ A derrama é, ou não, custo fiscal?”, in CTF n.º 378, p. 14. 7 É o caso, por exemplo, do IRC que não é dedutível para efeitos de determinação do lucro tributável, segundo a alínea f) do n.º 1, do artigo 23.º do CIRC e a alínea a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC. Não pode o imposto que incide sobre o lucro tributável ser ao mesmo tempo considerado um custo do próprio lucro tributável. O imposto só existe, de facto, depois de saber que existe ou não lucro. Por isso, não pode constituir um custo do próprio lucro, uma vez que o custo do imposto não é necessário para a realização dos proveitos e só surge depois de apurado o lucro tributável. O mesmo acontece com a derrama. A derrama, enquanto imposto sobre o rendimento, não é, por natureza, um gasto fiscal que deve ser considerado no apuramento do lucro tributável do IRC11. A derrama, embora acessória, é um imposto, tal como o IRC, que incide sobre o rendimento, o ganho ou o lucro e, portanto, não pode ser qualificada como um encargo fiscalmente dedutível, à luz do critério legal do artigo 23º do CIRC e do artigo 45.º, nº 1, alínea a) do CIRC. No que diz respeito à indispensabilidade dos encargos, tal como sucede com os gastos, os encargos não podem ser contabilizados como tal se não tiverem qualquer relação direta com a atividade principal da empresa e se não se revelarem indispensabilidade à obtenção dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora. Por exemplo, o pagamento de uma viagem a um funcionário da empresa deve ser assumido como um encargo, pelo simples facto de ser indispensável à realização dos proveitos e à manutenção da fonte produtora. Caso não se verifique esta relação com a empresa, então é considerado simplesmente um rendimento de trabalho dependente tributado em sede de IRS, nos termos do n.º 6 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS. É o caso igualmente dos empréstimos bancários contraídos por uma sociedade para fazer face às necessidades de uma sua associada que actua num outro sector de atividade. Entende o STA que os juros de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade, cujo objeto social não é a gestão de participações sociais ou o financiamento de sociedades de risco, e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada, não estão diretamente relacionadas com o seu objeto social, nem sequer se reportam à sua atividade12. Por outro lado, o Supremo Tribunal Administrativo entende que não podem constituir gastos dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC, os encargos suportados com “empréstimos bancários contraídos para fazer face a prestações acessórias efectuadas a uma sociedade sua associada pelos quais não cobrou quaisquer juros”13. Este é mais um exemplo de encargos incorridos pelo contribuinte que não são considerados para efeitos de balanço fiscal. Mas, já não será assim se se tratar de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração da empresa, porque esses sim estão previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, e estão relacionados com a atividade da empresa. A admissibilidade fiscal dos encargos, não só devem obedecer aos requisitos gerais do artigo 23.º do CIRC, mas também aos do artigo 45.º do CIRC, que vai ao ponto de proibir a dedutibilidade fiscal de certos encargos mesmo quando contabilizados como gastos ou perdas no exercício contabilístico. Apesar de efetiva e comprovadamente suportados pela empresa, certos encargos podem não ser deduzidos fiscalmente. A 11 STA, 14-02-2002, 026760, Mendes Pimentel. STA, 07-02-2007, 01046/05, António Calhau. 13 Ibidem. 12 tributação autónoma prevê que certas categorias de encargos não sejam, total ou parcialmente, dedutíveis fiscalmente. É o caso das despesas não documentadas que, sendo sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50% (artigo 45.º, n.º 1, al. g) e 88.º, n.º 1 do CIRC), são despesas cuja natureza, origem e finalidade não são especificadas e que, não sendo conhecidas e efetivamente concretizáveis, não têm que ter uma base documental na contabilidade14. Não há qualquer prova ou suporte documental do custo efetivamente suportado pelo sujeito passivo15. Este limite à dedutibilidade tem em vista evitar a contabilização de despesas que não estão diretamente relacionadas com a atividade da empresa. Estes encargos que não são objeto de dedução fiscal podem, em termos sistemáticos, ser agregados em três categorias de normas16. O primeiro grupo engloba as normas de mera quantificação do imposto, por exemplo a norma que proíbe a dedução do IRC e de quaisquer outros impostos (artigo 45.°, n.° l, al. a)). No segundo grupo, consideram-se as normas que proíbem a dedução dos gastos que ofendem certos valores e princípios jurídicos, tais as multas e os juros compensatórios (artigo 45.°, n.° l, al. d)). No terceiro grupo, admitem-se as normas que não permitem a dedução dos gastos que se situam na zona de confluência entre a esfera privada dos sócios ou accionistas da empresa e a esfera empresarial, como sucede com as despesas com ajudas de custo e com a compensação pela deslocação da viatura própria do trabalhador (artigo 45.°, n.° l, al.f)). No que se refere às despesas com ajudas de custo e a compensação pela deslocação do trabalhador (artigo 45.°, n.° l, al. f)), o legislador delimitou a fronteira entre a esfera pessoal e profissional prevendo um limite à amortização do valor dos automóveis, proibindo, de acordo com o artigo 34.° al. e) do CIRC, a dedução fiscal de certos encargos mesmo quando contabilizados como gastos ou perdas do exercício17. No caso específico dos juros compensatórios e juros de mora, não podem ser dedutíveis fiscalmente aos proveitos na determinação do lucro tributável, segundo a al. d) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, dado revestirem a natureza de sanção ou penalização pelo atraso na entrega da prestação pecuniária. O contribuinte deve assumir os encargos que advêm do incumprimento das obrigações fiscais, não podendo, por conseguinte, admitir esses encargos como gastos. O legislador não pode obrigar o contribuinte a pagar impostos e, depois, permitir que se retire vantagens do incumprimento da obrigação fiscal. Todos estes limites à dedutibilidade fiscal visam preservar uma certa unidade e coerência do sistema fiscal e evitar que se retire certos proveitos das situações de evasão e fraude fiscais. 5 - Requisitos à dedutibilidade fiscal dos gastos 5.1 - A comprovação material dos gastos 14 Vítor Faveiro, Noções fundamentais de Direito Fiscal Português, vol. II, p. 602, nota 1. F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, in CIRC, Anot. e Coment., 1996, p. 347. 16 Tomás Castro Tavares, "Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos", CTF, 396, 1999, p. 167. 17 Ibidem. 15 Uma das condições da aceitabilidade fiscal dos gastos contabilísticos reside na necessidade de comprovação dos gastos realizados. Os gastos só são aceites fiscalmente se o contribuinte fizer a prova dos gastos incorridos ou das despesas efetuados. A prova exigida no artigo 23.º do CIRC “é a prova da efectiva realização dos factos constitutivos dos encargos; prova que consiste nas variáveis formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos dos custos”18. Os gastos têm que estar devidamente documentados e conservados dentro do prazo legal de conservação legalmente estabelecido. Vale como documento justificativo uma fatura19 e não um mero documento ou nota interna da empresa. Os custos empresariais devem traduzir a real situação da empresa e não resultar do interesse especial dos sócios ou accionistas da empresa. Deve existir uma conexão entre o custo comercial e o custo fiscal20. Todo o custo artificial ou manipulado constitui uma distribuição oculta de lucros lesiva para a empresa e o Estado. Para determinar o valor exacto de certos gastos, o legislador previu a aplicação de métodos ou critérios especiais para a valorização desses gastos, tais como os métodos de valorimetria dos inventários (artigo 26.° do CIRC) e de depreciações ou amortizações (artigos 28.° e segs do CIRC). No caso dos métodos previstos não se adequarem às especificidades da situação, o contribuinte pode solicitar à DGCI a utilização de valorimetrias especiais, indicando os critérios e os fundamentos para a sua adopção (n.° 6 do artigo 26.° do CIRC). Só não são considerados como gastos fiscalmente relevantes os gastos que não são devidamente comprovados - suportados em documentos válidos - ou que não são determináveis por métodos especiais, ou ainda que não se revelam indispensáveis para a formação de proveitos. 5.2 - A prova documental O meio de prova normalmente aceite é a prova documental, em razão da sua adequação à prática comercial, não sendo de excluir, contudo, outros meios de prova desde que legalmente autorizados. Para além da prova documental, pode ser considerado a prova testemunhal como meio complementar à prova documental e não como meio alternativo de prova21. A prova documental é indispensável à comprovação dos gastos em sede de IRC e de IVA22. Mas a exigência de documentos comprovativos em sede de IVA23 não deve ser necessariamente igual à do IRC. As obrigações acessórias no IVA, em termos de faturação e de documentação, não têm que ser obrigatoriamente transpostas para o 18 Vítor Faveiro, O Estatuto do Contribuinte: A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra, 2002, p. 848. 19 Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto. 20 Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra editora, 2007, p. 383 e segs. 21 STA, 24/05/2000, recurso n.º 24857; TCA, 29/05/2001, processo n.º 3093/99. 22 António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 195. 23 Os elementos essenciais do documento justificativo para efeitos de IVA estão previstos no artigo 28.º, n.º 1, al. b) do CIVA e no artigo 35.º, n.º 5 do CIVA no que diz respeito, mais especificamente, aos requisitos da fatura. IRC24. O Código do IRC não exige como comprovativo dos gastos contabilísticos realizados a emissão de faturas ou documento equivalente. Os requisitos de validade das faturas, previstos no artigo 35.º, n.º 5 do CIVA, não são uma exigência de validade das faturas em sede de IRC25. Existe uma diferença entre a admissibilidade dos gastos em sede de IRC e os requisitos de validade das faturas para efeitos de dedução do IVA26. Para que um custo comprovado seja dedutível fiscalmente em sede de IRC, não basta a apresentação de documentos justificativos27, é ainda necessário que esses documentos constem da contabilidade do sujeito passivo, tenham efetivamente servido de suporte às operações e transações realizadas e sejam indispensáveis à realização dos proveitos. Estes documentos devem referir o “fim específico que lhes foi dado, de molde a permitir concluir que os mesmos foram indispensáveis para a realização dos proveitos tributáveis ou para a manutenção da fonte produtora”28, e tributar o rendimento real e não aparente dos contribuintes. Além da prova documental, admite-se a possibilidade, em circunstâncias particulares, de prova pericial. Por exemplo, as despesas de viagens pagas a determinados colaboradores podem ser comprovadas por meio de peritagem. Noutras situações, não é requerida perícia técnica29 “sempre que, com a mesma, se pretende saber se determinadas despesas devem ou não ser consideradas como integrantes de certa categoria de custos previstos como dedutíveis, já que constitui pura questão de direito que escapa à prova pericial, que se restringe à apreciação de questões com carácter meramente técnico” (STA, 12-02-2003, 01293/02). No caso de se levantarem dúvidas sobre a natureza dos documentos apresentados, o juiz pode ordenar ou realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade material, tal como o determina o art.º 116º do CPPT que prevê que o juiz pode recorrer a pareceres técnicos e à prova pericial, a requerimento das partes ou oficiosamente, de acordo com o previsto no Código de Processo Civil (art.os 568º a 591º). 5.3 – O ónus da prova dos gastos realizados Para saber se um determinado gasto pode ou não ser dedutível em sede de IRC, é necessário averiguar se os gastos correspondem à realidade dos factos tributários e se os factos fiscalmente relevantes são indispensáveis à atividade empresarial, sob pena de não poderem ser dedutíveis ao lucro tributável. O contribuinte tem que fazer a prova da materialidade das operações efetuadas e demonstrar que os gastos correspondem à realidade dos factos. O contribuinte tem que provar, por exemplo, que os gastos de combustíveis são relativos a bens do ativo 24 Saldanha Sanches, Anotação ao Acórdão do STA de 16 de Fevereiro de 2000, in Fiscalidade, n. 3, p. 86. 25 STA, 08/07/1999, recurso n.º 23535. 26 STA, 27/09/2000, recurso n.º 25033. Trata-se de uma formalidade probatória no caso do IRC e de uma formalidade substancial no âmbito do IVA. 27 Artigo 115.º, n.º 3, al. a) do CIRC. 28 STA, 26-4-2006, proc. n.º 01194/05, relatório: Pimenta do Vale. 29 Segundo o art.º 388º do Código Civil, "a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de fatos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os fatos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial". imobilizado e que não ultrapassam os valores normais (artigo 45, n.º 1, al. i) do CIRC). A obrigação de demonstrar quantitativamente o montante dos gastos incorridos com base em documentos justificativos resulta do princípio estabelecido no artigo 74.º da LGT que dispõe que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. Se o contribuinte não satisfizer este ónus, a Administração tributária poderá excluir esse gasto, ainda que a atividade desenvolvida pelo contribuinte justifica realmente tal gasto. É o que sucede, por exemplo, em relação aos pagamentos feitos a entidades não residentes, sujeitas a um regime fiscal privilegiado, que só são dedutíveis fiscalmente se os encargos corresponderem às operações efetivamente realizadas e não tiverem um carácter anormal ou um montante exagerado (n.° 1 do artigo 65.° do Código do IRC). No caso de aquisições de bens ou prestações de serviços referentes a operações efetivamente realizadas, os contribuintes não têm que demonstrar que os documentos da sua contabilidade são verdadeiros. Essas faturas presumem-se, à partida, verdadeiras, cabendo à Administração tributária, de acordo com a regra do nº 1 do artigo 74º da LGT, elidir a presunção de veracidade, demonstrando que as faturas não correspondem à realidade ou que há indícios sérios de que as faturas não correspondem à realidade. Caso não faça a prova da falsidade das faturas ou da existência de indícios sérios de falsidade, deve aceitá-las como tal na contabilidade da empresa. A Administração tributária tem o ónus da prova da verificação dos indícios ou pressupostos da tributação – pressupostos constitutivos de direitos que legitimam a sua actuação -, e o contribuinte a obrigação de provar a existência dos factos tributários relativos às transações efetuadas30, devendo “apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos”31. Por exemplo, a Administração tributária tem a obrigação de provar a existência de gastos inferiores aos revelados pelo contribuinte, e demonstrar que, face aos indícios recolhidos, determinadas operações comerciais não se teriam realizado se as faturas correspondentes estivessem sujeitas ao imposto devido. A Administração tributária acaba assim por ver os seus poderes reforçados face aos do contribuinte, que deixa de ter qualquer segurança jurídica perante aquilo que a Administração tributária julga ser a lei fiscal. 5.4 – O critério da “indispensabilidade” O critério da indispensabilidade tem sido definido pela jurisprudência e a doutrina como um dos requisitos fundamentais para que os gastos reais sejam aceites fiscalmente. O que de imediato ressalta desta afirmação é que se trata de um critério, aparentemente indeterminado32 e complexo33, que pode ser adaptado a qualquer situação, sobretudo aos casos mais complexos em matéria fiscal. O critério da indispensabilidade foi criado para impedir que certos gastos sejam 30 STA, 23-10-2002, proc. n.º 01152/02, Brandão de Pinho. José Carlos Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, Almedina, 2ª ed., 1999, p. 269. 32 António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 239. 33 António Martins, “Uma nota sobre o conceito de fonte produtora constante do artigo 23.º do CIRC: sua relação com partes de capital e prestações acessórias”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 1, n.º 2, 2008, p. 29-50. 31 abusivamente contabilizados ou que certos gastos considerados excessivos ou inapropriados sejam dedutíveis fiscalmente. Assim sucede, por exemplo, no caso das refeições pagas pelo empresário aos membros da sua família ou de refeições servidas aos operários da construção civil em restaurantes de luxo. Estas despesas podem ser consideradas em excesso relativamente às necessidades e capacidades da empresa34. Mas, já não se põe em causa, por exemplo, os gastos ou despesas com a remuneração do pessoal de uma empresa por considerar-se que o trabalho é indispensável à manutenção da força produtora e à obtenção de rendimentos. Também não se questiona, por outro lado, uma despesa que tenha, por exemplo, como finalidade a obtenção de vantagens patrimoniais para os colaboradores de uma empresa. Só devem ser aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos. São considerados gastos indispensáveis os que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para a obtenção do lucro de forma direta ou indireta35. O requisito da indispensabilidade dos custos deve ser aqui aferido por critérios de racionalidade económica36, isto é, deve ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou a manutenção da fonte produtora da empresa37. Não deve ser interpretado de forma abstracta mas de acordo com critérios essencialmente económicos. Por exemplo, é aceite a dedutibilidade fiscal das depreciações e amortizações quando os elementos do ativo imobilizado da empresa sofrerem “perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas”38. As empresas podem recorrer às depreciações e amortizações, de acordo com o regime jurídico em vigor, para compensar esta perda gradual, sendo aceites como gastos as depreciações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento. Para tal, a empresa deve assinalar no seu balanço anual as perdas de valores dos bens que fazem parte do seu património, por forma a que o balanço traduza a situação real da empresa, e para não provocar uma sobre-avaliação do seu lucro ou uma distribuição de lucros aparentes e uma redução do capital social da empresa39. Para que tal não aconteça, o regime das depreciações e amortizações, previsto no Decreto Regulamentar n.° 25/2009, de 14 de setembro, fixou taxas específicas para os vários sectores de atividade, e definiu os valores médios de desvalorização, para evitar precisamente amortizações abaixo do normal, o que teria por efeito de aumentar artificialmente o lucro da empresa e o imposto a pagar, ou para impedir amortizações mais elevadas, as quais levariam necessariamente à redução do imposto a pagar. Contudo, admite-se que possam ser eventualmente utilizados “métodos de depreciação e amortização diferentes dos indicados nos números anteriores, mantendo-se os períodos máximos e mínimos de vida útil, desde que, mediante requerimento, seja obtido o reconhecimento prévio da Direcção-Geral dos Impostos” (n.° 3 do artigo 4.° do Decreto Regulamentar n.° 25/2009). 34 STA, 29-03-2006, 01236/05. Tomás Tavares, A Dedutibilidade…, p.167. 36 J. L. Saldanha Sanches, Manual..., p. 280-281. 37 STA, 6/06/1990, recurso n.º 10654 e STA, 17/10/1990, recurso n.º 10438. 38 Artigo 28.°, n.° l do Código do IRC. 39 V. Paulo Domingues, Do Capital Social — Noção, Princípio e Funções, Coimbra, 1998, pp. 138 e ss. 35 Só não são aceites legalmente como gastos, apesar de suportados pela empresa e previstos no seu balanço comercial, as situações de amortizações que estão expressa e taxativamente previstos no artigo 34.° do CIRC. É o caso das depreciações e amortizações de bens do ativo que ultrapassaram o período de vida útil, salvo em casos excecionais justificados e aceites pela Direcção-Geral dos Impostos. Em termos gerais, só podem ser deduzidos fiscalmente os gastos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão direta ou indireta com os proveitos e ganhos. Estamos aqui perante uma “construção que privilegia o elemento do resultado ou destino do custo (…) e que (…) restringe a aceitação da dedutibilidade fiscal das despesas às que produzem resultados”40. Por exemplo, as ofertas e amostras de produtos comerciais são aceites como encargos de distribuição, venda, publicidade e colocação de mercadorias, isto é, como gasto fiscal, segundo a alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, desde que não ultrapassem o valor de 50 Euros e 5‰ (cinco por mil) do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior41. Não basta considerar certos gastos indispensáveis, é ainda necessário que os sujeitos passivos provem a indispensabilidade dos gastos incorridos e a sua ligação com os proveitos obtidos42. É negada a dedutibilidade fiscal dos gastos que não estejam relacionados com o negócio da empresa ou o fim económico da empresa ou que não sejam reais e efetivos para a sociedade ou ainda que estejam “abusivamente registados na contabilidade”43. Por exemplo, os pagamentos feitos “a países com regime fiscal privilegiado” só podem ser considerados como gastos se “o sujeito passivo puder demonstrar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm carácter anormal ou um montante exagerado” (n.° l do artigo 65.° do CIRC). A questão aqui do ónus da prova da indispensabilidade dos gastos é uma questão que tem, na verdade, mais a ver com a prova da realização da despesa do que com a prova da indispensabilidade, porque esta, ao contrário dos gastos, não tem que ser provada44. Por outro lado, é uma questão que compete mais ao contribuinte do que à Administração tributária. Quanto à necessidade da realização dos gastos ou despesas, não compete obviamente à Administração tributária fazer um juízo sobre a oportunidade e a conveniência dos gastos ou despesas, porque esta é um juízo da exclusiva competência do empresário, tal como também não compete à Administração tributária avaliar a indispensabilidade dos gastos à luz de critérios económicos, sendo esta questão também um assunto da competência dos órgãos de gestão da empresa. Deve ser o empresário a determinar os gastos ou despesas que entende necessários para o desenvolvimento da sua empresa. Compete-lhe, por exemplo, determinar o número de pessoas que considera indispensável para a sua empresa e fixar uma política de retribuição de acordo com os critérios que entende mais adequados, mesmo que sejam considerados excessivos ou desajustados. Também se entende, por exemplo, que os gastos realizados para uma campanha publicitária, mesmo que esta tenha sido infrutífera, não podem ser 40 António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 244. 41 Portaria n.º 497/2008, de 24 de Junho. 42 STA, 02/02/2000, recurso n.º 18092. 43 Tomás Tavares, A Dedutibilidade…, p. 41. 44 Vítor Faveiro, O Estatuto do Contribuinte: A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito, Coimbra, 2002, p. 848. considerados dispensáveis. “A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais”45. Só se pode excluir da dedutibilidade fiscal os gastos que não estejam ligados à atividade empresarial ou que não tenham um interesse económico para a empresa ou que ultrapassam nitidamente as necessidades e capacidades objetivas da empresa. Por exemplo, “[n]ão podem ser dedutíveis ao lucro tributável os montantes gastos em ofertas para clientes que se não prove serem essenciais para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora de modo a constituírem custos”46. Também, por exemplo, os empréstimos concedidos a uma empresa não podem excederem as suas necessidades nem comprometerem a sua viabilidade económica. Tem que existir uma relação entre os gastos e os proveitos, além de que os gastos devem ser susceptíveis de gerar direta ou indiretamente rendimentos ainda que futuros. “A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial”47. De referir, por último, que o facto de certas despesas estarem ou não relacionados com uma determinada atividade da empresa poderá não ser relevante se considerarmos que o art.º 23.º do CIRC remete para o princípio da universalidade do rendimento tributável (art.º 20.º CIRC), que determina que todo o rendimento proveniente de uma qualquer aplicação que uma sociedade comercial faça, integra o rendimento tributável. As despesas passam a estar associados não a uma atividade em particular mas a todas as atividades da empresa objeto de tributação relativamente ao exercício a que dizem respeito. 5.5 - A conexão entre gastos e proveitos Os gastos realizados pelo contribuinte devem estar ligados à obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora, bem como devem estar registados no exercício contabilístico correspondente e sujeitos a um único regime de tributação. Existindo atividades sujeitas a diferentes regimes de tributação, os gastos de uma atividade não podem ser deduzidos na outra, devendo existir uma separação contabilística entre as atividades isentas e não isentas, de acordo com o estipulado no artigo 18.º do CIRC48. No caso de atividades sujeitas a diferentes regimes de tributação, deve ser efetuada uma separação contabilística entre as atividades económicas, isto é, “a ligação entre proveitos e custos tem de fazer-se em relação a cada um dos regimes a que estiverem sujeitas as diferentes atividades da empresa”49. Por exemplo, uma empresa que se dedica a várias atividades, entre as quais uma delas se encontra isenta de tributação, deve estabelecer uma separação entre a atividade isenta e a atividade não isenta. Não 45 STA, 29-03-2006, 01236/05. STA, 19-12-2001, 026176, Vítor Meira. 47 Ac. TCAS de 16-11-2004, Rel.: Gomes Correia, proc. 182/04. 48 António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 297-298. 49 Manuel Henrique de Freitas Pereira, A Periodização do Lucro Tributável, in CTF, n.º 349, JaneiroMarço 1988, p. 140-141. 46 pode deduzir aos lucros obtidos nas atividades não isentas os prejuízos obtidos nas atividades isentas50. Nas operações sujeitas a regimes especiais de tributação, como é o caso do tabaco, dos espetáculos e dos jogos, o contribuinte é obrigado a separar na contabilidade os diferentes custos e a não deduzir nos lucros obtidos os gastos referentes às atividades sujeitas a regimes especiais51. Relativamente ao registo das operações, exige-se que os gastos e os proveitos estejam ligados ao exercício contabilístico correspondente (princípio da periodização). O critério da imputação temporal poderá ser “usado para definir uma particular forma de arrumação das contas de um sujeito passivo”52. Este princípio da periodização dos exercícios, consagrado no artigo 18.º do CIRC, determina que os proveitos e os gastos são imputáveis ao exercício a que dizem respeito, só sendo dedutíveis fiscalmente os gastos que tiverem sido contabilizados no ano em que foram incorridos, independentemente do seu pagamento53. Este princípio da periodização dos exercícios admite, contudo, uma excepção relativamente aos gastos dos exercícios anteriores, permitindo uma transferência de resultados entre exercícios no caso de não ser possível apurar os resultados nos termos do exercício em causa, conforme o disposto no artigo 18.º, n.º 2 do CIRC, que determina que “[a]s componentes positivas ou negativas consideradas como respeitantes a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”. Tem o contribuinte que fazer a prova das circunstâncias imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas para que os gastos em causa sejam imputados aos exercícios anteriores. Por conseguinte, não basta a existência de uma ligação entre os gastos e os proveitos sujeitos a imposto ou que os gastos registados na contabilidade sejam reais e efetivos, é ainda necessário que se verifique uma conexão entre a noção de gasto fiscal e de gasto contabilístico. Conclui-se assim que a dedutibilidade dos gastos incorridos não está limitada ao exercício a que dizem respeito, podem também estar em conexão com exercícios anteriores. 5.6 - A efetividade dos gastos Um dos requisitos essenciais à dedutibilidade dos gastos prende-se com a efetividade dos gastos incorridos. Um gasto só pode ser fiscalmente relevante se tiver sido realmente suportado pelo sujeito passivo, isto é, se o gasto contabilizado corresponder a uma transação efetivamente realizada pelo contribuinte. Não se pode, por exemplo, deduzir um gasto que tenha resultado de operações simuladas ou cujo preço tenha sido simulado54. É isto que sucede no caso das faturas falsas55, que são contabilizadas como gastos com à 50 STA, 29/06/1994, recurso n.º 17825; STA, 14/11/2001, processo n.º 26362. STA, 02/02/1998, recurso n.º 17440. 52 António Lobo Xavier, Efeitos de um Acordo Anulatório em Impostos Periódicos: O Caso do IRC, in RDES, Ano XXXIV, 1992, pp. 299 e ss. 53 “Princípios contabilísticos fundamentais” consagrados no POC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de Novembro. 54 STA, 26/09/2001, recurso n.º 25360. 55 J. M. Nogueira da Costa, Facturas Falsas, in Revista do Ministério Público, ano 17.º, janeiro-março 51 diminuição do lucro tributável. Para combater esta situação, prevê-se que a tributação deva incidir sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado (art. 39 da LGT). Também se exige que os gastos tenham um único destinatário ou uma única categoria de destinatários, isto é, que tenham sido suportados pela própria empresa e não por sujeitos alheios à empresa56. Os gastos visam as pessoas com responsabilidade tributária na empresa que, solidária ou subsidiariamente, deverão responder pelas obrigações legais. No caso de uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS), apesar da relação direta entre as participadas e a SGPS, esta não tem, regra geral, que assumir os gastos e os prejuízos das sociedades participadas, não estando, contudo, excluído a possibilidade que possa vir a assumir os custos das participadas57. Uma das outras questões fundamentais que se coloca em relação à efetividade dos gastos é de saber se devem ser apenas considerados dedutíveis os gastos efetivos ou se podem ser admitidos os gastos meramente hipotéticos ou potenciais. O artigo 23.º, n.º 1 do CIRC permite, por exemplo, que os gastos potenciais e previsíveis possam ser provisionados e considerados como gastos do exercício. Assim sucede no caso de alguém ter um montante a receber em moeda estrangeira e, para precaver-se de uma eventual diferença cambial, constitui uma provisão. “[A]s diferenças cambiais podem ser consideradas custos ou perdas se comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora”58. Neste sentido, o artigo 35.º n.º 1 alínea a) do CIRC dispõe que podem ser deduzidas fiscalmente as provisões que tiverem por fim a cobertura de “créditos resultantes da atividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”. O sujeito passivo não está impedido de prever antecipadamente as provisões necessárias para os casos de cobranças duvidosas, mas já não poderá constituir uma provisão se tinha previamente conhecimento da incobrabilidade de determinados créditos59. Não podem as provisões ser consideradas como gastos ou perdas do exercício se tinham que estar constar necessariamente no exercício em causa60. Não sendo então a provisão utilizada para satisfazer um determinado encargo, o montante provisionado passa a ser logo considerado como proveito e não como custo dedutível. Uma empresa pode criar certos tipos de provisões para minimizar o risco de deperecimento ou de perda de valor dos elementos patrimoniais da empresa, e imputar esses gastos a um determinado exercício, para assim obter a dedutibilidade fiscal das provisões. Mas, nem todas as provisões podem ser admitidas como gastos, apenas as categorias de provisões previstas no artigo 39 do CIRC. 1996, n.º 65, pp. 107 e ss. 56 STA, 16/12/1970, processo n.º 16266, Relator Conselheiro Anjos de Carvalho, publicado no Ap. ao DG de 07/07/1972, pp. 764 e ss. 57 STA, 26/06/2001, recurso n.º 4783/01, Relator: Valente Torrão. 58 STA, 4 de Maio de 2005, recurso 57/05. 59 A incobrabilidade verifica-se nos casos em que o devedor tenha pendente um processo especial de recuperação de empresas, falência ou insolvência, os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou os créditos estejam em mora há mais de seis meses e existirem provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento, conforme previsto nas alíneas a), b) ou c) do artigo 35.º do CIRC. 60 STA, 18-05-2005, 0132/05, Vítor Meira. Nesta norma não vem definido o conceito de provisão, apenas estão tipificadas as provisões fiscalmente dedutíveis. A definição do conceito de provisões é deixada ao critério da doutrina e da jurisprudência. É assim que o STA considera que uma provisão efetuada por uma empresa para a garantia das reformas dos seus trabalhadores não pode ser considerada como uma provisão fiscalmente dedutível61. De entre as várias categorias de provisões legalmente dedutíveis, destacam-se as provisões destinadas a fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso (artigo 39.º, 1, al. a)), as perdas por imparidade relacionadas com créditos de cobrança duvidosa (artigo 35.º, n.º 1, al. a)), os ajustamentos em inventários (artigo 28.º) e as provisões para os danos ambientais que poderão vir a ser suportados pela empresa (artigo 40.°)62. Todas estas provisões são susceptíveis de serem consideradas como gastos dedutíveis. Resulta de todo o exposto que apenas devem ser tidos em conta os gastos efetivos, ainda que provisionados, suportados pelos sujeitos passivos e correspondentes a uma transação real e efetiva. 5.7 – A contabilização de gastos reais e efetivos e o seu controlo pela Administração tributária Um gasto só pode ser aceite fiscalmente se estiver devidamente contabilizado. A inscrição formal de um bem na contabilidade da empresa não é, tão-pouco, uma garantia de que o bem venha a beneficiar necessariamente de efeitos fiscais, é mais uma garantia do “valor probatório dos registos contabilísticos”63 efetuados e, assim, da possibilidade de dedução fiscal do gasto realizado. O facto é que, com o registo contabilístico dos gastos realizados, poderá ser mais facilmente exercido um controlo sobre o cumprimento das obrigações fiscais e sobre a “função empresarial dos bens”64. O que deve aqui prevalecer é a realidade económica sobre a forma65 e não a mera inscrição formal de um bem na contabilidade sem qualquer ligação com a atividade da empresa66. Não podem ser considerados como gastos as importâncias escrituradas que não traduzem uma realidade económica para a empresa. Prevalece aqui o princípio da substância económica sobre a forma jurídica. Não podemos, por exemplo, apurar o lucro tributável sem antes procedermos às correcções do valor da fatura, sob pena de estarmos a tributar um proveito que manifestamente não existe67 e de termos que, posteriormente, proceder às devidas correções. O princípio da prevalência da tributação do rendimento real sobre o requisito formal só não deve ser aplicado naqueles casos em 61 STA, 11-02-2004, 01839/03, Vítor Meira. De referir que, contabilisticamente, algumas das provisões são designadas ajustamentos. 63 António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 155. 64 António Lobo Xavier, “O Princípio Contabilístico da Prevalência sobre a Forma e o Princípio da Consideração Económica dos Factos Tributários”, in RDES, Ano XXXVII, janeiro-setembro, 1995, p. 173 e 182. 65 Saldanha Sanches, “Abuso de Direito em Matéria Fiscal: Natureza, Alcance e Limites”, in CTF, n.º 398, abril-junho 2000, pp. 33 e ss. 66 António Lobo Xavier, “O Princípio Contabilístico da Prevalência sobre a Forma e o Princípio da Consideração Económica dos Factos Tributários”, in RDES, Ano XXXVII, janeiro-setembro, 1995, p. 188; Saldanha Sanches, Anotação ao Acórdão do STA (2ª secção) de 21 de abril de 1993, in Fisco, n.º 69, dezembro 1994, p.76. 67 STA, 07/12/1999, recurso n.º 23937, com anotação de Saldanha Sanches in Fiscalidade, n.º 3, pp. 81 e ss. 62 que resulta uma solução injusta para o contribuinte. Serão assim excluídas as importâncias escrituradas pelo contribuinte que não correspondem aos verdadeiros factos tributários ou que conduzem a situações de abuso fiscal. Caso o contribuinte não proceda às devidas correcções, caberá à Administração tributária corrigi-las, por forma a evitar deduções fiscais abusivas ou coberturas ilícitas de operações duvidosas ou ainda fugas aos impostos68. Para tal, impõe-se um perfeito conhecimento dos factos tributários e da efetividade das operações económicas e financeiras para que sejam tributadas apenas as operações e transações reais e efetivas e não outras sem qualquer relevância económica. Por isso, requer-se que as operações e transações efetuadas pelo contribuinte sejam devidamente comprovadas, sob pena de a Administração tributária poder vir a desconsiderar os gastos contabilizados. “Até prova em contrário e na falta de disposição legal expressa nesse sentido, um custo correctamente contabilizado é um custo aceite fiscalmente”69. O que significa que se a Administração tributária fizer a prova do valor não probatório dos registos contabilísticos efetuados pelo contribuinte, os gastos contabilizados deixam de ser aceites fiscalmente. A Administração tributária pode, no âmbito de uma inspeção tributária, requerer e obter a prova dos registos contabilísticos efetuados, através de documentos bancários que suportam esses registos contabilísticos. Com a informação bancária é possível reconstituir os registos70. É atribuída à Administração tributária a faculdade de “acesso aos documentos bancários do contribuinte quando sem esses documentos não seja possível aceder à comprovação e qualificação directa e exacta da matéria tributável”71. Não pode aqui o contribuinte impedir o acesso às contas bancárias pelo simples facto, por exemplo, de reunir numa mesma conta as operações a débito e a crédito da empresa e as operações respeitantes à sua vida privada. Uma tal situação não pode ser um motivo para impedir o acesso às contas bancárias. Impedir a Administração tributária deste acesso constituiria “um verdadeiro venire contra factum proprium. Pois que foi o contribuinte que, ao reunir numa mesma conta movimentos que interessam à sua vida empresarial e movimentos que respeitam à sua vida privada, não acautelou a reserva a que agora pretende acudir”72. Em suma, o contribuinte deve efetuar registos reais e efetivos das operações e transações com relevância económica, não podendo condicionar o acesso aos registos contabilísticos nem impedir que a Administração tributária aceda aos documentos bancários para averiguar o valor probatório dos registos contabilísticos. 6 - O poder discricionário da Administração tributária Com o Código de IRC não desapareceu por completo a margem de discricionariedade de que dispunha a Administração tributária no tempo da Contribuição Industrial, que rejeitava por completo a dedutibilidade dos custos que ultrapassassem os “limites tidos 68 António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, p. 187. 69 Idem, p. 169. 70 Alínea a) do n.° 1 do artigo 63.°-B da L.G.T. 71 STA, 29-08-2007, proc. n.º 0625/07, Jorge de Sousa. 72 STA, 29-08-2007, 0625/07, Jorge de Sousa. como razoáveis”. Hoje, a Administração tributária tem o poder discricionário de eleger as soluções mais válidas ou mais adequada para o caso em concreto ou ainda excluir um determinado gasto no caso de se verificar uma redução indevida do imposto a pagar. A Administração tributária tem vindo a questionar o lucro tributável e a possibilidade de certos gastos gerarem ou não proveitos73 - apesar de estarem devidamente comprovadas e em perfeita conexão com o rendimento tributável -, e a emitir um juízo sobre a opção empresarial ou ainda a não deduzir certos gastos porque não decorrem, diretamente, dos proveitos da empresa74. O facto de o regime de dedutibilidade dos gastos do IRC conter várias excepções75, algumas das quais com um certo grau de indeterminação, em nada contribuiu para reduzir a ingerência da Administração tributária, pelo contrário, tem levado a Administração tributária a recusar certos gastos legítimos apresentados pelos sujeitos passivos, pondo em causa as opções económicas destes últimos. A Administração tributária não se limita, de facto, a indicar aos contribuintes os seus direitos e garantias, mas intervém, de forma abusiva, na avaliação dos gastos fiscalmente dedutíveis, interferindo ilegalmente na vida da empresa. Isto não retira à Administração tributária o papel fundamental que tem vindo a desempenhar nas áreas mais problemáticas em que existem vários conceitos indeterminados no sentido de pormenorizar esses mesmos conceitos. Contudo, há necessidade de rodear a Administração tributária de certas protecções - sem querer pôr aqui em causa o próprio juízo discricionário da Administração tributária -, por forma a impedir certos comportamentos abusivos. Não pode, por exemplo, a Administração tributária se considerar no direito de julgar determinadas situações e recusar toda e qualquer tipo de despesa ou gasto pelo simples facto de não ter um fim empresarial. Mas pode, por exemplo, proceder às correcções técnicas necessárias ao apuramento da matéria colectável e à avaliação indireta da situação concreta do contribuinte, incluindo os gastos devidos, nos termos dos artigos 87 e seguintes da LGT, e excluir os gastos correspondentes às operações materialmente inexistentes76, os falsos registos e as declarações contabilísticas erradas. A avaliação indireta, sendo subsidiária da avaliação direta, confere à Administração tributária a faculdade de recorrer aos métodos indiretos para apurar o montante dos gastos que o contribuinte suportou. Segundo o STA, “[a] avaliação indirecta só deverá ter lugar quando a exclusão dos custos corresponda a uma lesão grave e irremediável da tributação segundo o rendimento líquido”77 e de acordo com os princípios e normas de procedimento e processo tributário. A Administração tributária “não goza de qualquer poder discricionário que lhe permita optar entre “correcções técnicas” e “avaliação 73 Tomás Castro Tavares, "Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos", CTF, 396, 1999, p. 167. 74 Ibidem. 75 A. Moura Portugal, A dedutibilidade…, em especial, pp. 108 e ss. 76 António Moura Portugal, A Vinculação da Administração fiscal no Recurso à Avaliação Indirecta da Matéria Colectável. Reflexões sobre um caso de Facturas Falsas, in Fiscalidade, n.º 7/8, 2001, pp. 105112. 77 STA, 2-2-2006, proc. n.º 01011/05, Baeta de Queiroz. indirecta” ao sabor das suas conveniências”78. Caso as decisões da Administração tributária não sejam conformes aos princípios e normas tributárias, serão, em última instância, corrigida pelos Tribunais tributários, isto é, objeto de fiscalização por parte dos Tribunais tributários79 a fim de evitar todo o tipo de “erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal”80. É aqui dado aos Tribunais a possibilidade de corrigir o poder de livre apreciação ou de discricionariedade técnica de que goza a Administração fiscal em relação aos actos tributários que ela pratica ou é obrigada a praticar. Compete ao juiz impedir que a Administração tributária viole o direito e interesse do sujeito passivo em deduzir fiscalmente gastos efetivos relacionados com a atividade empresarial. 7 - Conclusão O legislador português optou por não definir o conceito de gasto e incluir no artigo 23.º do CIRC um conjunto de gastos susceptíveis de serem consideradas para efeitos fiscais, em vez de adoptar uma definição precisa do conceito de gasto fiscal. Considera-se gastos fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.º e 34.º do CIRC, os gastos contabilísticos suportados pelas empresas e indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora. Integram esta categoria os que preenchem um conjunto de requisitos gerais necessários à dedutibilidade fiscal dos gastos, dos quais se destacam a comprovação material dos gastos realizados, a indispensabilidade dos gastos, a conexão dos gastos aos ganhos sujeitos a imposto e a efetividade dos gastos realizados. Estes são os requisitos fundamentais à dedutibilidade fiscal dos gastos reais que têm sido admitidos e definidos pela doutrina e jurisprudência. O artigo 23.º e 34.º do CIRC não são os únicos dispositivos a aceitar ou não a dedutibilidade dos gastos fiscais, estando previsto no CIRC outras normas em matéria de dedutibilidade ou não de gastos ou encargos para efeitos de determinação do lucro tributável. E mesmo quando previstos no CIRC ou contabilizados como gastos ou perdas do exercício, a Administração tributária ou os Tribunais tributários podem, em última instância, considerar que esses gastos ou encargos não são susceptíveis de integrar o balanço fiscal. A admissibilidade de certos gastos fiscalmente dedutíveis acaba por depender, nalguns aspetos, da Administração tributária ou dos Tribunais tributários. Neste sentido, a Administração tributária e os Tribunais tributários goza de um certo poder de decisão relativamente aos gastos que entendem que devem ser fiscalmente dedutíveis ou que ultrapassam os limites “razoáveis”. Este poder deve ser exercido no âmbito das regras legalmente estabelecidas e no respeito pelos direitos e interesses dos contribuintes. 78 Ibidem. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo - vol. II, p. 107. 80 STA, 05-07-2006, proc. n.º 0142/06, Brandão de Pinho. 79