A violência contra a criança nos dias de hoje: um enfoque
institucional
Maristela Barcelos Castro1
Resumo: Este artigo traz um recorte histórico das concepções de infância e as violências sofridas por
elas ao longo das épocas, culturas e políticas. Ainda se propõe a denunciar o que hoje, em algumas
instituições de ensino, acontece. Após, traremos as principais faces e nuances dessa violência hoje e
as profundas e irreversíveis marcas para o desenvolvimento saudável do ser humano. Ao final
abordaremos ainda a importância do cuidado no atendimento a essa primeira etapa da vida nas
instituições de ensino e a contribuição legal para a garantia desses direitos infantis.
Palavras-chaves: Infância. Violência. Escola. Educação. Desenvolvimento saudável.
Resumen: En este artículo se ofrece una concepción histórica de la infancia y la violencia sufrida por
ellos durante las edades, culturas y la política. Aunque el informe se propone que en la actualidad, en
algunas instituciones, sucede. Después, vamos a traer las caras principales y los matices de esta
violencia de hoy y las marcas profundas e irreversibles para el desarrollo saludable del ser humano.
Al final se discute la importancia de la atención a la primera etapa de la vida en las instituciones
educativas y la contribución estatutaria para asegurar estos derechos para los niños.
Palabra-clave: Violencia. Infantil. La escuela. La educación. El desarrollo saludable.
A infância e sua moderna concepção
Esse artigo pretende conceituar historicamente a infância e as violências a que essa
foi, e infelizmente, ainda é, submetida nos dias de hoje. Desvelaremos alguns tipos
de violência a que as crianças são vítimas nas instituições de ensino e os danos
causados ao desenvolvimento saudável no segundo local onde a criança passa mais
horas em sua incipiente vida, a escola.
No entanto, queremos inicialmente definir o que entendemos por infância hoje dentro
de uma perspectiva educacional, sociológica e legal. Assim podemos observar que
dentro de uma visão educativa, o Brasil considera a infância como sendo um período
especial no desenvolvimento do ser humano e pondera, segundo o RCNEI2 (1998)
que:
As crianças possuem uma natureza singular, que as caracterizam como
seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio, e isto
porque, através das interações que estabelecem desde cedo com as
1
Pedagoga-Supervisora Educacional-FAFIMC
Formação Pedagógica em Educação Infantil-FAFIMC
Especialista em Psicopedagogia Clínica-PUCRS
Formação em Terapia de Casal e Família-CAIF
Estudante do 3º semestre de Direito-Facos-Osório
2
RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil-Vol 1, Brasília, MEC/SEF,1998.
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pessoas que lhe são próximas e com o meio que as circunda, as crianças
revelam seu esforço para compreender o mundo em que vivem, as relações
contraditórias que presenciam e, por meio das brincadeiras, explicitam as
condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e desejos. (p.21)
E ainda na Resolução nº 5 de dez/2009:
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas
cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca,
imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona
e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.
Dentro de um paradigma sociológico a visão que vem sendo construída ao longo
dos tempos sobre a infância nos toma em reflexões e ponderações como nos
recomenda Teixeira (2009):
...me debruço a observar à concepção de infância nos dias atuais onde é
possível ver o reconhecimento da criança, da infância como "um vir a ser"
no futuro, é um olhar que por mais que se direciona a pensar nas crianças
como sujeitos ativos e produtores de culturas ainda se almejam o preparo
destas para o futuro desconsiderando-se o presente. Daí surgem as
problematizações sobre questões da concepção da infância na atualidade: a
criança já é no presente, ou será somente no futuro? Deve ser considerada
no presente ou deve ser vista somente como um ser que será só no futuro
desconsiderando o que ela é, sua vida, seu olhar e sua formação no
presente?
Já, juridicamente, podemos considerar a infância como uma etapa da vida onde a
proteção é no sentido de que as crianças, por si só, não podem defender-se, cuidarse ou amparar-se, sendo juridicamente incapazes, tanto de exercer pessoalmente a
vida civil (C.C, art. 3º, inciso I), como de autodefender-se. Ainda consideremos as
concepções de infância advindas do ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente- lei
nº 8069/90, pessoa de direitos, que precisa ser protegida mediante políticas sociais
públicas que permitam seu nascimento, e depois disso, seu desenvolvimento sadio e
harmonioso, em condições dignas de existência e ainda da Declaração universal dos
direitos da criança onde infere:
DIREITO À ESPECIAL PROTEÇÃO PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
FÍSICO, MENTAL E SOCIAL
Princípio II
- A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade e
serviços, a serem estabelecidos em lei por outros meios, de modo que
possa desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de
forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e
dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental
a que se atenderá será o interesse superior da criança . (grifo nosso)
Assim sendo, vemos que há uma preocupação em atender suas necessidades, quer
sejam
físicas,
emocionais,
intelectuais,
sociais
ou
civis.
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No
entanto,
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constrangimentos, ameaças e até mesmo “pequenas” agressões físicas, atitudes
que podem não ser percebidas como comportamentos violentos pelos adultos que
as praticam, deixam um profundo mal estar em ambos os sujeitos.
Permeando essas dimensões, traremos à tona a vulnerabilidade da infância perante
essa problemática, identificando as necessidades dessa primeira etapa do
desenvolvimento do ser humano, reconhecida como estruturante e fundamental para
as posteriores.
Breve histórico de concepções
Ao longo da história da humanidade a infância desempenhou papéis mais ou menos
importantes diante de uma sociedade adulta que a conceituou conforme sua cultura,
parâmetros, concepções e políticas. Em algumas dessas, a criança foi considerada
anjo, a benção do Todo-Poderoso, em outras, entidade do mal. Em algumas,
desamparada à própria sorte, em outras, algo sem maior valor ou importância,
quase transparente. No entanto, em todas as dimensões era no seio familiar,
quando não por amas de leite, que eram criadas.
No período Régio de Roma, em torno de 600 A.C. conforme nos traz Venosa(2005,
págs 60 e 65-66) o pai possuía o direito absoluto pelos integrantes de sua família,
“Pater Familias” e, com
a prerrogativa de vida e morte de qualquer um deles,
escolhia quem viveria ou não. Assim também, os pais exerciam a prerrogativa de
optar por assumir os seus infantes ou os enjeitar caso entendesse justificada sua
atitude.
Na República Romana, onde pela primeira vez encontra-se um direito escrito
aparece nas Leis das XII Tábuas3, na 4ª tábua, a permissão legal de matar o filho
que nasce disforme e o poder de vendê-lo, caso assim o desejasse. Nessa
concepção de infância, de filho, o pai ao olhar para a criança poderia aceitá-la como
sua ou não. Parece ser meu? É perfeito? Serve para ser o próximo patriarca? Para
ser um cidadão Romano? Essas eram algumas das perguntas de uma sociedade
3
A lei das XII Tábuas- http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/2649327, acesso em 04 de
março de 2013.
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que se organizava em torno de uma vida política e econômica a qual esse infante
faria ou não parte, segundo um parecer do genitor.
Na Esparta da antiguidade, por exemplo, na necessidade de arregimentar exércitos
para as batalhas, as crianças se tornavam os futuros guerreiros. Em rígidos
exercícios e regime militar extenuante, a infância, como hoje é entendida, passava
despercebida entre a fome e os espancamentos, como pontua a UNESCO (2007,
pág.16). Ainda em sociedades anteriores a Cristo, eram usadas em sacrifícios aos
deuses.
Posteriormente, já no século XX, foram exploradas como trabalhadoras em fábricas
e indústrias, diante de uma sociedade que necessitava de mão de obra barata. No
entanto, foi a partir dali que a infância tomou novos rumos. É no início do século
passado, com o trabalho infanto-juvenil extenuante de até 16 horas diárias, que
emerge a reflexão social e legal a respeito da necessidade de proteção a essa faixaetária. O reconhecimento de suas limitações e fragilidades, trazem então a
concepção de uma etapa onde há necessidade de se resguardarem direitos e
cuidados especiais (UNESCO, 2007, pág.16).
Foi então, a partir do século XX, que iniciou-se esse novo olhar sobre o lugar dessa
criança na sociedade e a educação veio tomando proporções até então não
imaginadas. A abertura de escolas, a obrigatoriedade do ensino, hoje a partir dos
zero anos vem tomando proporções extremas e a estatização da infância, nos faz
refletir e tomar certos cuidados. Cuidar e educar é responsabilidade de quem?
Apesar da indiscutível aura de a escola ser um ambiente de proteção e extremo
cuidado infantil, percebeu-se que em seu núcleo também poderiam acontecer
situações de necessidade de intervenção social, política, legal e, muitas vezes,
médica e hospitalar. Crianças são negligenciadas, quando não maltratadas dentro
de alguns desses espaços, e o mais alarmante, pelos seus próprios educadores. É
preciso investigar esses acontecimentos, qualificar os professores e monitores que
atendem essa etapa da vida, fortalecê-los em sua missão e profissão e proteger as
crianças.
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Infelizmente a palavra educar, ensinar ou disciplinar tem sido justificativa para
alguns desleixados “educadores” utilizarem-se da força física ou da violência
psicológica para alcançar objetivos “pedagógicos”. Entendamos que algumas dessas
práticas podem trazer sérias consequências sobre o desenvolvimento da criança. A
tríade
cuidar,
educar
e
disciplinar
deve
acompanhar
objetivos
claros,
encaminhamentos seguros e corretos e medidas protecionistas à criança, e mais
ainda, ser discutida com os pais ou responsáveis.
A disciplina precisa ter objetivos diretos, tanto a curto prazo, como interromper a
atitude incorreta e danosa naquele momento, como a longo prazo, ensinar a criança
a respeitar a si próprio, pais, professores e colegas. Faz parte do processo educativo
aprender,
entender
os
limites
e
cooperar
com
o
grupo.
Construir
um
desenvolvimento saudável pela aprendizagem é um exercício de cidadania e da
percepção da existência do outro. Esse é um dos objetivos, não único, e não
solitário, da escola.
É nesse momento de aprendizagem que se apresenta o caráter educativo e social e
não apenas uma punição ou penitência sem significado maior. Como infere Tiba
(2002. pág. 164) “De que adianta isolar o agressor no quarto? Que correlação ele
fará entre esse tipo de castigo e a ofensa ou ferimento que causou?” Dessa forma, o
ato disciplinador deve vir vinculado, de forma particular, ao dano causado ao outro
ou a alguma coisa, e somente assim sua função se completa. Caso contrário,
poderá se tornar “apenas” outra violência, provocando rachaduras na frágil
construção da personalidade humana.
A violência contra a criança, suas nuances e consequências
Entramos agora mais em uma área muito delicada e pouco falada. Notícias em
jornais televisivos e periódicos mostram casos de situações extremas de desprezo e
morte em instituições educativas. Algumas vezes, e não raro escolas e creches que
se comprometem em cuidar e educar, se tornam, algumas vezes, os piores algozes
da infância saudável.
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Nesses casos as crianças são vítimas de agressões, sejam dos próprios educadores
ou dos colegas, sem que nada seja feito ou denunciado. Muitas vezes sintomas de
angústia e fobias dos ambientes escolares, sem contar com depressão e mudanças
bruscas de atitudes, são as maiores armas e fundamentos para se investigar o que
está ocorrendo na escola ou na creche.
Diante de uma sociedade perplexa com o que faz com suas próprias crianças, a
preocupação com o bem-estar desses pequenos vem se efetivando em ações de
amparo e assistência. Hoje há um olhar das nações para as reais necessidades nos
diversos contextos em que a criança aparece. Algumas importantes reflexões foram
sendo feitas junto com a medicina, a sociologia e a psicologia a respeito desses
espaços e, muitas dessas, se positivaram em normativas e leis de amparo à infância
sejam no ambiente em que ela se encontrar.
No entanto, a caminhada apenas começa e de fato a proteção contra a violência na
infância pouco avançou. Conforme a OMS, citada por Rovinski e Cruz (2009, pág.
89), a violência constitui-se em:
O uso da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si
próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade,
que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte,
dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. (grifo nosso)
Com essa concepção, percebemos um entendimento claro do que seja violência em
seus vários aspectos e nuances. A OMS amplia a discussão de tal forma que se
visualiza e avalia a intenção do agressor. O uso do poder como força e da ameaça
como coação são inscritos também como formas de violência e considera os
resultados
desse
tipo
de
comportamento
comprometedores
para
um
desenvolvimento saudável do ser humano.
Assim sendo, governos, família ou escola todas estão em seu exercício de
autonomia e autoridade sob a mesma regra de preservar psicológica e fisicamente a
integridade e o desenvolvimento adequado e positivo do ser humano em sua mais
delicada e frágil fase. No entanto, mesmo com essa percepção e com leis que
assegurem esse direito, a problemática continua em pauta.
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Vemos que há hoje uma compreensão ampla e profunda das necessidades da
infância, por outro lado, ela ainda se apresenta por altos índices de violência, maus
tratos e agressões de todos os tipos. Em Fiorelli e Mangini (2010, pág.90)
destacaremos agora os tipos de violência que ocorrem com mais frequência contra
as crianças.
A violência física, que aparece no uso da força física intencional, pode apresentarse como um apertão no braço, um tapa, um arranhão, uma queimadura com cigarro,
um beliscão ou chacoalhações violentas. Aqui fica claro que, conforme os autores, o
grau e a gravidade dessa violência podem mudar, mas a natureza do ato continua a
mesma.
Ainda é importante refletir sobre outros aspectos, como as agressões verbais, gritos,
xingamentos, safanões, empurrões, falas de desvalorização do sujeito ou dos seus
entes parentais na frente da própria criança, bem como apelidos e constrangimentos
nas salas de aulas. Todas essas são, em suas essências, faces da violência
psicológica e moral, segundo tipo de violência relatado pelos autores. Aqui, em
seus aspectos desapercebidamente rotineiros e casuais, e talvez, por não serem
entendidas como violência, não são combatidas, faladas ou denunciadas,
perpetuam-se.
Apelidos depreciativos, constrangimentos nas salas de aulas por sua condição de
raça, aparência física, situação financeira e características peculiares, jamais
repercutirão positivamente ou serão educativos. Crianças subjugadas a isso podem
sentir-se confusas e amedrontadas quanto às figuras de autoridade. Os chamados
“brigões” e “encrenqueiros” podem ser os principais alvos da agressão psicológica.
Perpetuam-se assim situações de violência que podem causar, a médio e longo
prazos, sintomas psicossomáticos como enurese, febres, dores de cabeça entre
outros tantos conforme pesquisas informam.
Azevedo e Guerra, citados por Fiorelli e Mangini (2010) denunciam ainda que a
negligência ou a rejeição afetiva, o terceiro tipo de violência, um tipo mais
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específico da violência psicológica, é analisada como tortura4. No primeiro caso, há
falta de afeto e consideração pelos sentimentos e necessidades da criança e, no
segundo, a aversão, a depreciação, o distanciamento ou a agressão compõem um
conjunto de coisificação da criança, maculando sua humanidade e a construção da
sua autoestima. Ainda a UNESCO (2007, pág. 34) declara que:
A negligência é um tipo de relação entre adultos e crianças ou
adolescentes baseada na omissão, na rejeição, no descaso, na
indiferença, no descompromisso, no desinteresse, na negação da
existência. Dados estatísticos de serviços de proteção e assistência a
crianças e adolescentes, disque-denúncia e SOS vêm revelando que a
negligência é uma das formas de violência mais frequente. (grifo nosso)
Apesar de todos os esforços ainda não se conseguiu erradicar nas instituições
escolares essa problemática sendo que, inclusive, muitas crianças passam
despercebidas durante toda a carreira escolar, sem ao menos os professores
saberem seus nomes ou olharem em seus olhos.
Os mesmos autores ainda denunciam a violência sexual, a quarta e última forma
de violência cometida contra a criança que relataremos aqui. Essa se apresenta
tanto na forma de estimulação em relações homo ou heterossexual, como em jogos
sexuais, como na própria participação ativa do ato. Esse tipo de violência traz
marcas profundas e consequências nefastas para quem as sofre. Caminha (1999,
pág. 43) acrescenta que o abuso sexual traz como seu prejuízo maior o dano
psicológico.
A criança envolvida sofre a quebra prematura da infância, destruindo as fantasias e
o mundo simbólico tão importante para construção do real e do concreto.
Lembramos que esses três elementos, o simbólico, o real e o concreto, são a base
de todo o processo de aprendizagem escolar inicial.
4
CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR E PUNIR A TORTURA.-“ Reafirmando que
todo ato de tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes constituem
uma ofensa à dignidade humana e uma negação dos princípios consagrados na Carta da
Organização dos Estados Americanos e na Carta das Nações Unidas, e são violatórios aos direitos
humanos e liberdades fundamentais proclamados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do
Homem
e
na
Declaração
Universal
dos
Direitos
do
Homem;”
http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/i.Tortura.htm, acesso em 19/03/2013.
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Como consequência dessa agressão acontece a entrada antecipada e forçosa na
vida adulta. A sexualidade adulta, os segredos, os compromissos que isso acarreta,
são atos e responsabilidades muito superiores ao que pode seu frágil aparelho
psíquico suportar. Os prejuízos emocionais, sociais e cognitivos podem desencadear
doenças mentais graves. Sempre envolto em segredos familiares, alianças parentais
e ameaças, o abuso sexual pode surgir no núcleo familiar, onde ocorre na grande
maioria das vezes ou em outros lugares e com outras pessoas que, em princípio,
seriam da confiança da família e da criança.
Assim sendo, consideramos que a violência, independente da forma como se
apresenta é extremamente prejudicial ao desenvolvimento saudável e tem um
impacto psíquico desestruturante no indivíduo e, conforme orienta Caminha (1999,
pág.46):
Seria correto afirmar que crianças e adolescentes expostos à violência
intencional e repetitiva aprendem esses padrões como verdades e,
estas verdades internas, padrões mentais representacionais afetivos, serão
mediadores das suas relações sociais. (grifo nosso)
Deste modo a agressão, seja na sua forma hedionda, expressa, pública ou mais
sutil, escondida, quase que imperceptível tem o poder de constituir padrões de
relacionamentos inadequados e deturpados. Infelizmente os profissionais da
educação colaboram, ainda que sem estatísticas confiáveis, como um dos
responsáveis pelos mais variados tipos de violência contra a criança, talvez por
serem as pessoas que, junto com a família, são as mais próximas delas.
Desenvolvimento saudável e a vida escolar dos infantes
A própria realidade brasileira exige que desde muito cedo os infantes precisem ser
matriculados em creches e lá, junto com outras crianças, iniciam a construção de
suas personalidades. Cada criança precisa, especial e particularmente ser olhada,
desejada e suprida em suas necessidades. Muitas vezes as escolas de educação
infantil, com alguns de seus profissionais nem tão preparados, desconhecem ou não
dão a verdadeira importância a esses contextos.
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O bico, “o cheirinho”, a troca de fraldas, a mamadeira e a papinha, são tão
importantes quanto a conversa atenta, uma música cantada, a estimulação através
de brinquedos e objetos atraentes ou uma história contada em um momento de
intimidade e atenção com a criança. É necessário que ela seja chamada pelo nome,
respeitada em sua individualidade ainda enquanto pequenina. O afeto, a higiene, o
colo, a conversa [...] são as chaves mestras na construção da autoestima e de um
desenvolvimento saudável no ser humano. Em contraposição, o tratamento
igualitário, a impessoalidade, as palavras grosseiras e severas, o desprezo, a
produção de uma educação em massa e a falta de atenção direta e específica a
essas necessidades individuais trazem marcas negativas na formação da sua
personalidade.
Para que o desenvolvimento do ser humano possa ocorrer de forma saudável e
adequado são necessários inúmeros fatores para sustentá-lo, sendo um desses
pilares a relação com o outro. Conforme Brenner (1987, pág.111) “Freud foi o
primeiro a nos fornecer um quadro claro da grande importância que tem para nossa
vida e desenvolvimento psíquico a relação com outras pessoas”. Winnicott (1975,
pág.79) também estudou sobre a importância das relações adequadas ao longo do
percurso dos primeiros anos de vida da criança e afirma:
...chamo a atenção para o fato de que não se pode fazer uma descrição do
desenvolvimento emocional do indivíduo inteiramente em termos do
indivíduo, mas considerando que em certas áreas- e essa é uma delas,
talvez a principal - o comportamento do ambiente faz parte do próprio
desenvolvimento pessoal do indivíduo e, portanto, tem de ser incluído.
(grifo nosso)
O mesmo autor observou que uma série de cuidados e acontecimentos relativos à
interação com o ambiente eram necessários. Para que um bebê passe do estado de
não integração, sem percepção do que acontece ao seu redor, para um estado de
identidade unitária, ao qual todas as experiências com o ambiente são percebidas e
adaptadas ao sujeito, é preciso despender cuidado.
É no corpo e na alma que a criança aprende os significados e seu intrínseco valor
diante de tudo que lhe acontece. Para Bergès (1997, pág.51) “o corpo é, antes de
qualquer coisa um receptátulo, um lugar de inscrição, uma trama implacavelmente
destinada a imprimir-se com os cenários, e as cores de outrem...”. Assim,
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dependendo do olhar com que foi olhado, do amor com que foi amado, ou do
desprezo e negligência com que foi tratado, será essa pessoa.
Brenner (1987, pág. 29) ainda esclarece que “a consciência não necessita participar
e, frequentemente não participa inclusive das atividades mentais que são decisivas
na determinação do comportamento do indivíduo [...], tais atividades [...] podem ser
completamente inconscientes.” Isso talvez explique uma parte do profundo impacto
das ações (inconscientes) do indivíduo sobre a educação e da educação sobre as
ações do indivíduo. Sem se dar conta do que fazem (nem o professor, monitor e,
muito menos a criança) comportam-se conforme as aprendizagens construídas ao
seu próprio respeito e a respeito do lugar que o outro ocupa em suas vidas.
A aprendizagem, conforme Piaget, é um contínuo constante, ascendente e
estruturante processo que a cada etapa transforma em “self (interno), as
experiências (externas). Por isso, de acordo com Caminha (1999, pág. 47),
“[...]crianças expostas a ambientes estressantes são afetadas em sua capacidade de
discriminar e formam padrões deturpados de realidade”.
A violência, quer seja ela física ou psicológica, incide profundamente sobre o sentido
de valor e de autoestima do sujeito. Esses padrões fragilizam o desenvolvimento
minimamente adequado de um ser humano, expondo-o a déficits cognitivos,
transtornos de todos os tipos, inclusive de personalidade a possíveis doenças
mentais.
Conclusão
Diante do exposto, entendemos que as concepções de infância são uma construção
histórica da humanidade e perpassou por diversas compreensões e diferentes
formas de abrangência, de lugar e espaço nas sociedades. Hoje percebemos que a
infância precisa de proteção sendo uma frágil etapa. São necessárias cobranças e
controle no atendimento e no cuidado desses direitos.
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Com a Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, inicia-se essa rede
de proteção, que inclui a criança na sociedade como sujeito de direito que deve e
precisa ser resguardada. Sendo essas as funções do Estado, da família e da
sociedade.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) Lei 8069/90 vem normatizar e
regulamentar o reconhecimento da criança e do adolescente como seres humanos
que carecem de cuidados especiais, resguardando seu desenvolvimento de forma
adequada e saudável. No entanto, ainda hoje, quer nas ruas, nas famílias ou em
instituições escolares como abordamos aqui, crianças são vítimas de abusos,
agressões e violências que maculam e inscrevem em suas frágeis estruturas um
sentimento de baixa autoestima, de desvalia, de coisificação.
Tantas vezes transtornos de personalidade e doenças mentais são consequências
dessas impressões, dessas violências na vida adulta. Se uma criança for cuidada,
amada, ouvida e suprida em suas necessidades básicas, ela terá grandes chances
de ser uma adulta feliz e emocionalmente adequada, tendo em seu interior os
elementos e um repertório de boas lembranças e construções suficientes aonde
buscar a resolução de seus conflitos.
É necessário que, cada vez mais, o silêncio, a impunidade e a ignorância do que
seja e do que pode causar na vida de um infante a violência, sejam quebrados e
denunciados. Pais, educadores e monitores precisam estar atentos aos sinais de
violência e apontar seus agressores. A proteção ao mais frágil e desamparado é o
que se espera de uma sociedade e, mais ainda, de uma instituição de ensino.
Protocolos de atendimentos e encaminhamentos devem ser criados, mecanismos de
supervisão e comprometimento devem ser reforçados. Políticas prioritárias e de
eficaz proteção a essa faixa etária tão vulnerável e frágil em suas estruturas devem
ser anunciadas e perseguidas. Somente assim haverá um compromisso social
satisfatório que sustentará essa rede global de proteção efetiva aos direitos da
criança.
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