PODER J U D I C I Á R I O
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
REGISTRADO(A) SOB N°
ACÓRDÃO
llllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll
*01550684*
Vistos,
relatados
e
discutidos
estes
autos
de
APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 539.4 02-5/9-00, da Comarca de
RIBEIRÃO PRETO, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO sendo
apelados LUIZ PAULO LUCIANO e FRANCISCO ANTÔNIO BELLEZA:
ACORDAM,
Tribunal
de
em Câmara
Justiça
do
Especial
Estado
de
do
São
Meio Ambiente
Paulo,
proferir
do
a
seguinte decisão: "POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO,
VENCIDO O REVISOR, QUE DECLARARÁ SEU VOTO", de conformidade
com o voto do Relator, que íntegra este acórdão.
O
julgamento
teve
a
participação
Desembargadores TORRES DE CARVALHO e REGINA CAPISTRANO.
São Paulo, 29 de novembro de 2007.
Ai;
SAMUEL/JUNJOR
Presidente e/Relator
dos
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal d e Justiça d o Estado de São Paulo
Apelação Cível n° 539 4 0 2 . 5 / 9
Voto n° 13.354
Comarca de Ribeirão Preto - 0 9 a Vara
Proc n° 2 5 8 3 / 1 9 9 8
Apelante: Ministério Público
Apelado: Luiz Paulo Luciano e outro
Ação Civil Pública - Obrigação de não fazer Proibição de realizar espetáculos de rodeio ou
outros que submetam animais a maus tratos
ou tratamento cruel - Sentença
improcedente
quanto ao pedido principal
e
parcialmente
procedente
quanto ao pedido alternativo
Preliminar
de
cerceamento
de
defesa
afastada - Proibição de realização de rodeios
com os instrumentos indicados - Utilização de
instrumentos
e práticas
que
causam
sofrimento e dor aos animais - Preliminar
afastada, recurso provido.
Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público em
face d a r
s e n t e n ç a que julgou improcedente o pedido principal e
parcialmente procedente o pedido alternativo n a ação civil pública
ambiental que moveu em face de Luiz Paulo Luciano e outro, que
c o n d e n o u estes a se a b s t e r e m de utilizar nos a n i m a i s o sedem que não
seja confeccionado segundo os padrões estabelecidos pela Secretaria
E s t a d u a l d a Agricultura e Abastecimento, ou com objetos pontiagudos
ou cortantes, bem como e s p o r a s p o n t i a g u d a s ou cortantes e c h o q u e s
elétricos, sob p e n a de m u l t a no valor de R$ 15.00,00 (quinze mil
reais), atualizado pela tabela prática do Tribunal de J u s t i ç a .
Alega o Órgão Ministerial, em preliminar, que a s e n t e n ç a
seria n u l a , pois o julgamento antecipado da lide teria impedido a
produção de provas, o que caracterizaria cerceamento de defesa
Apelação Cível n° 539 402 5/9 - Comarca de Ribeirão Preto
No
mérito, sustenta, em síntese, que a responsabilidade civil ambientai
seria objetiva, e que os instrumentos utilizados causariam maus
tratos, dor e sofrimento nos animais
Contra-razões às fls. 268/273.
Pedido de ingresso da União Internacional Protetora dos
Animais - UIPA e Sociedade Zoófila Educativa - SOZED para atuarem
como litisconsortes ativos.
Inicialmente distribuído à C. 23 a Câmara de Direito
Privado, os autos foram redistribuídos a esta Câmara Especial do Meio
Ambiente.
A Procuradoria de Justiça se manifestou pelo provimento
do recurso
É o relatório
A preliminar de nuhdade deve ser afastada desde logo,
pois não se vislumbra a ocorrência de cerceamento de defesa
As
questões
suscitadas
não
dependiam,
para
sua
apreciação, da produção de outras provas, uma vez que já estavam
comprovados os fatos essenciais ao deslinde da lide, com os diversos
estudos e pareceres técnicos juntados aos autos, tendo o Juízo a quo,
portanto, acertadamente, julgado a lide no estado em que se
encontrava, nos moldes do artigo 330 do Código de Processo Civil
Neste sentido:
"JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE Cerceamento de defesa - Ação civil pública
ambientai - Competência exclusiva do
Magistrado de decidir a respeito
da
necessidade ou não de novas provas Ocorrência - Indeferimento da produção na
hipótese do convencimento a respeito do
destino a ser dado à lide - Possibilidade Constnção inocorrente - Recurso improvido
neste aspecto" (Apelação n° 316 439-5/0 Sertãozinho - Câmara Especial do Meio
Ambiente do Tribunal de Justiça - Relatora.
Regina Capistrano - 18 5 06 - V.U. - Voto n°
3.798)
Fica, assim, afastada a preliminar argüida.
Apelação Cível n° 539 402 5/9 - Comarca de Ribeirão Preto
2
No mérito, assiste razão ao Ministério Público.
Conforme vem sendo decidido por este Tribunal, os
instrumentos utilizados para que os animais, sejam bovinos ou
eqüinos, pulem ou corcoveiem durante os eventos de rodeio, impõem
sofrimento, dor, tortura e crueldade.
E tal prática deve ser afastada.
A Lei Ordinária n° 10.519, de 17 de julho de 2002, diz
com todas as letras que os apetrechos técnicos utilizados
nas
montanas, bem como as características do arreamento, não poderão
causar injúrias ou ferimentos aos animais e devem obedecer às
normas estabelecidas pela entidade representativa do rodeio, seguindo
as regras internacionalmente aceitas.
Acrescenta ainda a lei, no § I o de seu artigo 4 o , que "as
cintas, ciíhas e as barngueiras deverão ser confeccionadas em lã
natural com dimensões adequadas para garantir o conforto dos
animais" e veda, no § 2 o , "o uso de esporas com rosetas pontiagudas
ou qualquer outro instrumento que cause ferimentos nos animais,
incluindo aparelhos que provoquem choques elétricos".
Ora, o instrumento sedem, como cediço, visa produzir
estímulos dolorosos nos animais, sendo, por isso, irrelevante o
material com o qual é confeccionado.
A função de tal instrumento é pressionar a virilha, o saco
escrotal, o pênis e o abdômen do animal, provocando a dor e o
sofrimento, que por sua vez levam o animal a pular, a corcovear,
conforme já reconhecido por este Tribunal na Apelação Cível n°
122.093.5/1.00 (Rei Des. Clímaco de Godoy) e Agravo de Instrumento
n° 328.048.5/9.00 (Rei. Des. Sérgio Godoy), ambos da 04 a Câmara de
Direito Público.
Como a lei federal veda instrumentos que possam causar
injúrias ou ferimentos, a lei estadual 10.494/99 (anterior), na parte
em que admite a utilização de sedem, está revogada
Aliás, autorizar-se a utilização do sedem, desde que
confeccionado em material que não fira o animal é o mesmo que
Apelação Cível n° 539 402 5/9 - Comarca de Ribeirão Preto
V~^\
3
autorizar seu uso independentemente de qualquer restrição, pois a
questão exigiria constante fiscalização por parte do Ministério Público
e dos órgãos de proteção à vida animal, o que, a toda evidência, é de
impossível execução.
Além do mais, todos os demais itens apontados na inicial
transgridem
a lei e não
podem
ser realmente
utilizados,
por
caracterizar maus tratos aos animais
Assim decidiu-se também na Apelação Cível n° 218 1155/8, julgada em 0 3 / 0 9 / 2 0 0 3 , tendo como Relator o Des. Yoshiaki
Ichihara, cujo teor deve ser acolhido.
"(...) ao contrário do que alegam os apelantes, as
provas existentes nos autos comprovam que no
rodeio realizado foram utilizados instrumentos que
submeteram os animais à dor, raiva e sofrimento A
preservação e proteção dos animais contra atos que
importem em tratamento cruel encontram respaldo
no art. 225, VII, da Constituição Federal de 1988. Os
laudos juntados aos autos, especialmente (fls
129/136, 143/181, 184/187, 490/509 e 521/908)
subscritos por profissionais gabaritados, comprovam
à saciedade os fatos alegados na inicial De outra
parte, a r. sentença analisou percucientemente as
conclusões dos autos, tendo sido adotados nos
fundamentos de fis. 1040. Mesmo considerando que
a Lei Estadual n° 10 359/99, art. 8 o , parágrafo único,
permite a utilização de esporas, sedem e barngueiras,
sem caracterizar a citada lei como inconstitucional,
no caso concreto, considerando os laudos existentes
nos autos, tais instrumentos causam sofrimentos e
lesões nos animais, provocando dor e sofrimento No
que se refere ao fato de a r. sentença ter,
desconsiderado as conclusões do laudo do perito
nomeado, aplica-se a regra do art 436 do Código
Processo Civil, onde o Magistrado não está vinculado
ou adstrito à conclusão do laudo, podendo
fundamentar a sua decisão ou convicção com base
em documentos e outras provas produzidas nos
autos. Com efeito, se os pareceres e laudo trazidos
forem suficientemente convincentes, sem qualquer
agressão ao devido processo legal, podem ser
adotados como convicção para fundamentar a sua
decisão. É o que ocorreu (...) está a impedir que os
rodeios com a utilização de instrumentos que
importem no tratamento cruel dos animais seja
Apelação Cível n° 539 402 5 / 9 - Comarca de Ribeirão Preto
evitado como obrigação de não fazer, u m a vez que a
utilização de i n s t r u m e n t o s como esporas, sedem e
barrigueiras,
como
neste
concreto,
causam
sofrimentos e lesões nos animais, o que importa em
última análise no t r a t a m e n t o cruel e cuja proteção
encontra respaldo no art. 2 2 5 , V d a Constituição
Federal de
1988. Precedentes
junsprudenciais
r e s p a l d a m a posição aqui adotada* "AÇÃO CIVIL
PÚBLICA - Objetivo - Proteção de a n i m a i s - Rodeio Proibição de u s o de sedem e de outros i n s t r u m e n t o s
c a u s a d o r e s de m a u s - t r a t o s e de estímulos dolorosos Liminar deferida — Realização do evento a s s e g u r a d a ,
com a a b s t e n ç ã o acima d e t e r m i n a d a — Recurso
provido p a r a esse fim (JTJ 2 1 0 / 1 8 9 ) " "AÇÃO CIVIL
PÚBLICA - Rodeio - Festa do peão - Maus-tratos Obrigação de não fazer - Sedem, esporas, sino,
peiteira, provas de laço (quatro modalidades), m e s a
de a m a r g u r a e fut-boi - Sentença de improcedência Inexistindo prejuízo ao autor, pela falta
de
manifestação
sobre a legislação
superveniente
comprovada a n t e s d a sentença, não h á nulidade a se
declarar, principalmente considerando que as leis em
questão não foram o único fundamento do decidido No pedido amplo está compreendida a pretensão
m e n o r q u e decorre d a m e s m a c a u s a de pedir, sendo
justamente
seu acolhimento que configura
a
procedência parcial - Autorização de rodeios e festas
de peão deve conter restrições a e q u i p a m e n t o s e
práticas cruéis - Recurso parcialmente provido.
(Apelação Cível n. 168.456-5 — B a u r u - 8 a C â m a r a
de Direito Público - Relator Teresa Ramos Marques
— 24.10 01 — v u . ) " "RODEIO - S u b m i s s ã o de
a n i m a i s a m a u s - t r a t o s , golpes dolorosos e o u t r a s
crueldades - Inadmissibilidade — Mantida a s e n t e n ç a
que proíbe o emprego de i n s t r u m e n t o s c a u s a d o r e s de
sofrimentos - Recurso n ã o provido. (Apelação Cível n
122 100-5 - Ribeirão Preto 9 a C â m a r a de Direito
Público — Relator- Ricardo Lewandowski — 17 05.00
- v u.)". Improcedem, assim, os recursos sob os
f u n d a m e n t o s retrorelacionados (. )."
No m e s m o sentido a s Apelações n ú m e r o s 0 7 7 . 8 1 7 . 5 / 5 ,
Rei. Carlos de Carvalho, 0 5 / 0 6 / 2 0 0 1 ; 101.045 5 / 0 , Rei. E d u a r d o
Braga,
19/08/1999
e
101.161.5/9,
Rei
Torres
de
Carvalho,
0 8 / 0 9 / 1999, todas deste Tribunal.
Ressalte-se, ainda, o parecer da Douta Procuradoria de
Justiça:
Apelação Cível n° 539 402 5/9 - Comarca de Ribeirão Preto
U
5
"Destaque-se que a pretensão d a peça inicial d a ação
civil pública n ã o é impedir a "festa" ou o rodeio, m a s
somente impedir que sejam utilizados os a p a r e l h o s
que c a u s e m aos a n i m a i s o sofrimento ou incômodo.
Se a não utilização dos referidos aparelhos fizer o
animal ficar p a r a d o , sem p u l a r e o "espetáculo"
perder a graça, e s t a r á comprovada de forma
irrefutável que os a n i m a i s e r a m t r a t a d o s de forma
cruel, se m e s m o sem os aparelhos ou outros
estimuladores o animal pular, o rodeio poderia
c o n t i n u a r a ser realizado.
T a m b é m se deve d e s t a c a r que a "festa" t a m b é m é
composta d a a p r e s e n t a ç ã o de cantores, d a venda de
produtos etc, que n ã o estarão sendo atingidas pela
inicial d a presente ação
Assim, a inicial visa a aplicação dos dispositivos
constitucionais e infraconstitucionais em defesa dos
a n i m a i s , sendo que os laudos técnicos realizados por
p e s s o a s de a b s o l u t a idoneidade a p o n t a r a m
a
existência de m a u s tratos nos rodeios, onde os
aparelhos ora q u e s t i o n a d o s são utilizados".
Dessa forma, o recurso deve ser provido p a r a que o pedido
alternativo (fl. 12 'ai)
seja julgado integralmente procedente, m a n t i d a
a m u l t a fixada n a r sentença.
Frise-se que impossível a elevação de tal valor
para
R$50 0 0 0 , 0 0 (cinqüenta mil reais) (fls. 264), u m a vez que o requerido
n a inicial foi de R$ 15 0 0 0 , 0 0 (quinze mil reais).
Sem c o n d e n a ç ã o em honorários advocatícios. C u s t a s pelos
apelados.
Em face de tais razões, afastada
a preliminar,
dá-se
provimento ao recurso.
\
SAMUEL JUWOR
Relatór
Apelação Cível n° 539 402 5/9 - Comarca de Ribeirão Preto
6
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Voto n° AC-1.690/07
Apelação n° 5 3 9 . 4 0 2 . 5 / 9 - 0 0 - Câmara Especial de Meio Ambiente
Apte: Ministério Público
Apdo: Luiz Paulo Luciano e outro
Origem: 9 a Vara Cível (Ribeirão Preto) - Proc. n° 2 . 5 9 3 / 9 8
Juiz: Charles Bonemer Júnior
Revisão - Voto vencido
RODEIO. Ribeirão Preto. Proibição do uso de esporas ponteagudas
sinos, peiteiras,
choques elétricos
e outros instrumentos
Prova. - 1. Rodeio. Maltrato aos animais.
gatória presença
clusivos
quanto
e Juntados
ao maltrato
da Faculdade
os
animais.
que malNão há
salvo posição em contrário do veterinário
de obri-
- 2. Rodeio. Sedem. Os
aos diversos processos
representado
próxima à virilha do animaL Há posições
Congregação
sedéns,
e os choques elétricos.
nos eventos, implique em maltrato.
até agora produzidos
que maltratem
É vedado o uso de instrumentos
tratem os animais, entre eles as esporas ponteagudas
evidência de que sinos e peiteiras,
ou não,
pelo sedem,
sobre o tema não são conuma barrigueira
em ambos os sentidos
de Medicina Veterinária
estudos
colocada
e há deliberação
da
e Zootecnia da Universidade
de
São Paulo em sessão de 8-4-1998 no sentido de não emitir parecer sobre o uso do sedem em animais
na literatura
"considerando
que o necessário
nacional ou internacional
atualmente
embasamento
não permite
sição a respeito do assunto". Hipótese em que, pela controvérsia
valece a autorização
nistério Público
concedida
cientifico
disponível
uma tomada de ponão resolvida,
na lei. - Sentença de improcedência.
pre-
Recurso do Mi-
desprovido.
50 18 025
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n° 539.402.5/9-00
1.
-fls.
2
Cuida-se de ação ambientai visando à proibição do uso
em rodeio em Ribeirão Preto de esporas ponteagudas ou não, sedéns, sinos, peiteiras, choques elétricos e outros instrumentos e práticas que maltratem os animais, e fiscalizar os eventos. A sentença (fls. 235/240, vol. 2) julgou improcedente o pedido principal (proibição simples do uso dos instrumentos) e procedente
em parte o pedido alternativo, proibindo o uso nos eventos promovidos na comarca, de sedem em desacordo com os padrões estabelecidos pela Secretaria da
Agricultura ou de objetos pontiagudos e cortantes, esporas pontiagudas e cortantes, e choque elétrico sob pena de multa de R$-15.000,00 atualizados da sentença; compensou os honorários advocatícios e afastou má fé dos autores. O processo veio para análise do recurso do Ministério Público, em que pede a anulação do
processo pelo julgamento antecipado, pois quer produzir provas para demonstrar
o malefício causado pelos instrumentos; e no mérito quer a proibição total de
todos eles.
A Câmara, pelo voto dos Desembargadores SAMUEL
JÚNIOR e REGINA CAPISTRANO, prove o recurso voluntário para julgar de todo
procedente o pedido alternativo ' a - 1 ' de fls. 12, a saber: obrigação de não fazer
consistente na abstenção do uso de sedem, esporas, peiteiras, laços e demais
instrumentos que causem sofrimento físico e maus tratos nos cavalos, touros,
bezerros e demais bovinos e eqüinos que participam dos rodeios promovidos pelos réus na comarca, sob pena de multa de R$-15.000,00 por espetáculo realizado. Meu voto mantém a sentença, pelas razões que exponho.
2.
O cerceamento de defesa é claro: o juiz e o Tribunal
adotam posição favorável a u m a das partes com base em laudos por elas trazidos
e reciprocamente contestados, sem a contrapartida da opinião técnica e isenta do
perito nomeado pelo juiz. É falha a que me refiro abaixo que tem dificultado o
enquadramento técnico da questão e uma decisão mais fundamentada. No caso,
no entanto, já se passaram 9 anos e não vejo como regredir (nem se sabe se o
rodeio aqui cuidado ainda existe) a esse ponto inicial. Acompanho a maioria na
rejeição da preliminar.
/
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PODER JUDICIÁRIO
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Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n° 539.402.5/9-00
3.
-fls. 3
O acórdão prove o apelo do Ministério Público: afasta a
aplicação da lei federal e estadual e proíbe o uso dos tais instrumentos 'de tortura', o sedem, o peitoral, as esporas, as barrigueiras, independente do material
com que confeccionado e mdependente da permissão legal.
No mérito, há duas questões a examinar. A primeira,
recorrente, é a posição que a Câmara deve tomar frente à regulamentação legal
de atividades em temas controvertidos. Os rodeios apresentam esse aspecto controverso da segurança dos animais; mas a regulamentação é extensa e descreve
em detalhes de que maneira os animais devem ser tratados antes, durante e depois das provas, exigindo autorização da Secretária da Agricultura e a presença
de um veterinário por ela indicado. A regulamentação, à primeira vista, atende a
finalidade para a qual editada e não h á razão, sem fundado motivo, para desconsiderá-la. Melhor fica determinar o cumprimento da lei, que sem prova convincente tomar partido de u m a das correntes conflitantes.
4
A segunda se refere à demonstração da existência de
maus tratos ou tortura dos animais. Tenho examinado os laudos que acompanham os diversos processos e percebo neles, especialmente nos laudos juntados
pelas entidades de proteção aos animais, um viés ideológico mais do que técnico,
o que não tira seu valor, mas também não o aumenta. Há laudos e pareceres juntados pelos réus nos diversos processos que afastam a crueldade e os maus tratos. Não tenho a questão como solucionada, no caso do sedem, que tem provocado a maior divergência, o laudo da UNESP nega maltrato ou danos aos touros
(fls. 153/173) e as fotos de fls. 173 são ilustrativas, mostrando um touro pastando com o sedem colocado e outro cobrindo uma vaca, também com o sedem. Não
percebo crueldade no uso de esporas rombudas; diversamente do acórdão, penso
que o maltrato e a crueldade não estão ligadas ao uso do sedem e das esporas
em si, mas ao material, formato e uso no caso concreto
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-fls. 4
Tenho a sensação, mas não encontrei comprovação
disso nos pareceres, que o boi e o cavalo (especialmente o boi) não pulam só por
causa do sedem, mas por causa do cavaleiro; em outras palavras, sem o cavaleiro
dificilmente os animais sairiam do brete pulando, mas correndo e escoiceando; e
depois de acalmados (o ambiente do rodeio, são cavalos treinados para isso, deixa os animais excitados) parariam, mesmo se mantido o sedem. Neste processo
há u m dado interessante: para desqualificar o estudo da UNESP sobre o uso do
sedem em touros, o Ministério Público traz (fls. 245, vol. 2) u m a deliberação da
Congregação da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade
de São Paulo em sessão de 8-4-1998 no sentido de não emitir parecer sobre o
uso do sedem em animais 'considerando que o necessário embasamento científico disponível na literatura nacional ou internacional atualmente não
permite uma tomada de posição a respeito do assunto' [negrito nosso]; deixando ao critério dos professores se manifestarem a respeito em seus nomes,
sem envolvimento do nome da Universidade - o que corrobora, em meu entender,
a fragilidade das conclusões a que chegam diversos pareceres.
5.
O acórdão fala, ao final, n a impossibilidade de fiscali-
zação dos instrumentos; mas não é bem assim. Os rodeios são fiscalizados por
veterinário da Secretaria da Agricultura, condição da autorização concedida, e a
solução não é a proibição por hipotética impossibilidade de fiscalização, mas
condicionar a realização do rodeio à efetiva presença do veterinário oficial; e a
fiscalização que podemos exigir é essa, não a do Ministério Público ou de órgão
de proteção à vida animal, sobre os quais não temos ingerência.
Há o argumento de que, se o sedem é desnecessário, o
rodeio sai sem ele; mas é u m a argumentação capciosa. O rodeio se baseia em um
conjunto de providências que criam o clima para tanto e o sedem, que os aficionados e diversos estudiosos citam como u m estimulante, se insere nesse conjunto. Incomoda o animal, mas não tenho encontrado demonstração de que esse
incômodo configure maltrato, crueldade, tortura, como é colocado pelo Ministério
Público e pelas entidades de proteção. Em outro processo que examinei h á ínte/
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ressante comentário: a carga e o esforço suportado pelos animais de rodeio é
muito menor que a carga suportada pelos animais de lida, sejam os bois de carro, sejam os cavalos que campeiam o gado.
6.
A questão, em seu conjunto, tem u m a vertente técnica
que depende de mais esclarecimento; não me parece que os laudos usualmente
apresentados demonstrem a crueldade e o maltrato, ao menos não com a clareza
que outros vêem neles. A regulamentação foi u m avanço e eliminou u m a série de
práticas indevidas; ir além disso, com fundamento no maltrato, exige meditação.
Não vejo no rodeio uma atividade que tenha valor cultural, aqui entendida a cultura como manifestação própria de um povo ou de um
agrupamento humano, argumento com que os promotores de rodeio tentam justificar a prática. O embate não tem essa magnitude, proibir ou não u m a manifestação cultural; o rodeio é uma atividade regrada pela lei que tem u m pouco de
esporte e muito de atividade econômica, [aparentemente] lícita; sua proibição não
causará nenhum dano à cultura paulista e brasileira.
7
O que resta, expungidos os argumentos que distorcem
o enquadramento da questão, é saber (i) se há provas, de fato, de que a atividade
configure maltrato, crueldade ou tortura dos animais; e (íi) se a regulamentação
evita adequadamente tal crueldade, maltrato ou tortura. A posição que a Câmara
adota (proibir a atividade independente da regulamentação) pode implicar no encerramento da atividade no Estado, tanto dos pequenos (em que pode haver dúvida quanto ao respeito aos animais) quanto dos grandes rodeios (em que medidas efetivas de proteção são adotadas).
Tudo considerado, não vejo como - à falta de prova
mais convincente - deixar de prestigiar a regulamentação trazida pela LF n°
10.519/02 de 17-7-2002 e pela LE n° 10.494/99. A sentença apreciou com razoabilidade e bom senso os elementos dos autos e merece prestígio.
Jl
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-fls. 6
Com a vênia da maioria, o voto é pelo desprovimento
do recurso do Ministério Público, mantida a sentença.
TORRES DE CARVALHO
Revisor, vencido
50 18 025
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Vistos, relatados e discutidos estes autos de