PODER J U D I C I Á R I O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO llllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll *01550684* Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 539.4 02-5/9-00, da Comarca de RIBEIRÃO PRETO, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO sendo apelados LUIZ PAULO LUCIANO e FRANCISCO ANTÔNIO BELLEZA: ACORDAM, Tribunal de em Câmara Justiça do Especial Estado de do São Meio Ambiente Paulo, proferir do a seguinte decisão: "POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O REVISOR, QUE DECLARARÁ SEU VOTO", de conformidade com o voto do Relator, que íntegra este acórdão. O julgamento teve a participação Desembargadores TORRES DE CARVALHO e REGINA CAPISTRANO. São Paulo, 29 de novembro de 2007. Ai; SAMUEL/JUNJOR Presidente e/Relator dos PODER JUDICIÁRIO Tribunal d e Justiça d o Estado de São Paulo Apelação Cível n° 539 4 0 2 . 5 / 9 Voto n° 13.354 Comarca de Ribeirão Preto - 0 9 a Vara Proc n° 2 5 8 3 / 1 9 9 8 Apelante: Ministério Público Apelado: Luiz Paulo Luciano e outro Ação Civil Pública - Obrigação de não fazer Proibição de realizar espetáculos de rodeio ou outros que submetam animais a maus tratos ou tratamento cruel - Sentença improcedente quanto ao pedido principal e parcialmente procedente quanto ao pedido alternativo Preliminar de cerceamento de defesa afastada - Proibição de realização de rodeios com os instrumentos indicados - Utilização de instrumentos e práticas que causam sofrimento e dor aos animais - Preliminar afastada, recurso provido. Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público em face d a r s e n t e n ç a que julgou improcedente o pedido principal e parcialmente procedente o pedido alternativo n a ação civil pública ambiental que moveu em face de Luiz Paulo Luciano e outro, que c o n d e n o u estes a se a b s t e r e m de utilizar nos a n i m a i s o sedem que não seja confeccionado segundo os padrões estabelecidos pela Secretaria E s t a d u a l d a Agricultura e Abastecimento, ou com objetos pontiagudos ou cortantes, bem como e s p o r a s p o n t i a g u d a s ou cortantes e c h o q u e s elétricos, sob p e n a de m u l t a no valor de R$ 15.00,00 (quinze mil reais), atualizado pela tabela prática do Tribunal de J u s t i ç a . Alega o Órgão Ministerial, em preliminar, que a s e n t e n ç a seria n u l a , pois o julgamento antecipado da lide teria impedido a produção de provas, o que caracterizaria cerceamento de defesa Apelação Cível n° 539 402 5/9 - Comarca de Ribeirão Preto No mérito, sustenta, em síntese, que a responsabilidade civil ambientai seria objetiva, e que os instrumentos utilizados causariam maus tratos, dor e sofrimento nos animais Contra-razões às fls. 268/273. Pedido de ingresso da União Internacional Protetora dos Animais - UIPA e Sociedade Zoófila Educativa - SOZED para atuarem como litisconsortes ativos. Inicialmente distribuído à C. 23 a Câmara de Direito Privado, os autos foram redistribuídos a esta Câmara Especial do Meio Ambiente. A Procuradoria de Justiça se manifestou pelo provimento do recurso É o relatório A preliminar de nuhdade deve ser afastada desde logo, pois não se vislumbra a ocorrência de cerceamento de defesa As questões suscitadas não dependiam, para sua apreciação, da produção de outras provas, uma vez que já estavam comprovados os fatos essenciais ao deslinde da lide, com os diversos estudos e pareceres técnicos juntados aos autos, tendo o Juízo a quo, portanto, acertadamente, julgado a lide no estado em que se encontrava, nos moldes do artigo 330 do Código de Processo Civil Neste sentido: "JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE Cerceamento de defesa - Ação civil pública ambientai - Competência exclusiva do Magistrado de decidir a respeito da necessidade ou não de novas provas Ocorrência - Indeferimento da produção na hipótese do convencimento a respeito do destino a ser dado à lide - Possibilidade Constnção inocorrente - Recurso improvido neste aspecto" (Apelação n° 316 439-5/0 Sertãozinho - Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça - Relatora. Regina Capistrano - 18 5 06 - V.U. - Voto n° 3.798) Fica, assim, afastada a preliminar argüida. Apelação Cível n° 539 402 5/9 - Comarca de Ribeirão Preto 2 No mérito, assiste razão ao Ministério Público. Conforme vem sendo decidido por este Tribunal, os instrumentos utilizados para que os animais, sejam bovinos ou eqüinos, pulem ou corcoveiem durante os eventos de rodeio, impõem sofrimento, dor, tortura e crueldade. E tal prática deve ser afastada. A Lei Ordinária n° 10.519, de 17 de julho de 2002, diz com todas as letras que os apetrechos técnicos utilizados nas montanas, bem como as características do arreamento, não poderão causar injúrias ou ferimentos aos animais e devem obedecer às normas estabelecidas pela entidade representativa do rodeio, seguindo as regras internacionalmente aceitas. Acrescenta ainda a lei, no § I o de seu artigo 4 o , que "as cintas, ciíhas e as barngueiras deverão ser confeccionadas em lã natural com dimensões adequadas para garantir o conforto dos animais" e veda, no § 2 o , "o uso de esporas com rosetas pontiagudas ou qualquer outro instrumento que cause ferimentos nos animais, incluindo aparelhos que provoquem choques elétricos". Ora, o instrumento sedem, como cediço, visa produzir estímulos dolorosos nos animais, sendo, por isso, irrelevante o material com o qual é confeccionado. A função de tal instrumento é pressionar a virilha, o saco escrotal, o pênis e o abdômen do animal, provocando a dor e o sofrimento, que por sua vez levam o animal a pular, a corcovear, conforme já reconhecido por este Tribunal na Apelação Cível n° 122.093.5/1.00 (Rei Des. Clímaco de Godoy) e Agravo de Instrumento n° 328.048.5/9.00 (Rei. Des. Sérgio Godoy), ambos da 04 a Câmara de Direito Público. Como a lei federal veda instrumentos que possam causar injúrias ou ferimentos, a lei estadual 10.494/99 (anterior), na parte em que admite a utilização de sedem, está revogada Aliás, autorizar-se a utilização do sedem, desde que confeccionado em material que não fira o animal é o mesmo que Apelação Cível n° 539 402 5/9 - Comarca de Ribeirão Preto V~^\ 3 autorizar seu uso independentemente de qualquer restrição, pois a questão exigiria constante fiscalização por parte do Ministério Público e dos órgãos de proteção à vida animal, o que, a toda evidência, é de impossível execução. Além do mais, todos os demais itens apontados na inicial transgridem a lei e não podem ser realmente utilizados, por caracterizar maus tratos aos animais Assim decidiu-se também na Apelação Cível n° 218 1155/8, julgada em 0 3 / 0 9 / 2 0 0 3 , tendo como Relator o Des. Yoshiaki Ichihara, cujo teor deve ser acolhido. "(...) ao contrário do que alegam os apelantes, as provas existentes nos autos comprovam que no rodeio realizado foram utilizados instrumentos que submeteram os animais à dor, raiva e sofrimento A preservação e proteção dos animais contra atos que importem em tratamento cruel encontram respaldo no art. 225, VII, da Constituição Federal de 1988. Os laudos juntados aos autos, especialmente (fls 129/136, 143/181, 184/187, 490/509 e 521/908) subscritos por profissionais gabaritados, comprovam à saciedade os fatos alegados na inicial De outra parte, a r. sentença analisou percucientemente as conclusões dos autos, tendo sido adotados nos fundamentos de fis. 1040. Mesmo considerando que a Lei Estadual n° 10 359/99, art. 8 o , parágrafo único, permite a utilização de esporas, sedem e barngueiras, sem caracterizar a citada lei como inconstitucional, no caso concreto, considerando os laudos existentes nos autos, tais instrumentos causam sofrimentos e lesões nos animais, provocando dor e sofrimento No que se refere ao fato de a r. sentença ter, desconsiderado as conclusões do laudo do perito nomeado, aplica-se a regra do art 436 do Código Processo Civil, onde o Magistrado não está vinculado ou adstrito à conclusão do laudo, podendo fundamentar a sua decisão ou convicção com base em documentos e outras provas produzidas nos autos. Com efeito, se os pareceres e laudo trazidos forem suficientemente convincentes, sem qualquer agressão ao devido processo legal, podem ser adotados como convicção para fundamentar a sua decisão. É o que ocorreu (...) está a impedir que os rodeios com a utilização de instrumentos que importem no tratamento cruel dos animais seja Apelação Cível n° 539 402 5 / 9 - Comarca de Ribeirão Preto evitado como obrigação de não fazer, u m a vez que a utilização de i n s t r u m e n t o s como esporas, sedem e barrigueiras, como neste concreto, causam sofrimentos e lesões nos animais, o que importa em última análise no t r a t a m e n t o cruel e cuja proteção encontra respaldo no art. 2 2 5 , V d a Constituição Federal de 1988. Precedentes junsprudenciais r e s p a l d a m a posição aqui adotada* "AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Objetivo - Proteção de a n i m a i s - Rodeio Proibição de u s o de sedem e de outros i n s t r u m e n t o s c a u s a d o r e s de m a u s - t r a t o s e de estímulos dolorosos Liminar deferida — Realização do evento a s s e g u r a d a , com a a b s t e n ç ã o acima d e t e r m i n a d a — Recurso provido p a r a esse fim (JTJ 2 1 0 / 1 8 9 ) " "AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Rodeio - Festa do peão - Maus-tratos Obrigação de não fazer - Sedem, esporas, sino, peiteira, provas de laço (quatro modalidades), m e s a de a m a r g u r a e fut-boi - Sentença de improcedência Inexistindo prejuízo ao autor, pela falta de manifestação sobre a legislação superveniente comprovada a n t e s d a sentença, não h á nulidade a se declarar, principalmente considerando que as leis em questão não foram o único fundamento do decidido No pedido amplo está compreendida a pretensão m e n o r q u e decorre d a m e s m a c a u s a de pedir, sendo justamente seu acolhimento que configura a procedência parcial - Autorização de rodeios e festas de peão deve conter restrições a e q u i p a m e n t o s e práticas cruéis - Recurso parcialmente provido. (Apelação Cível n. 168.456-5 — B a u r u - 8 a C â m a r a de Direito Público - Relator Teresa Ramos Marques — 24.10 01 — v u . ) " "RODEIO - S u b m i s s ã o de a n i m a i s a m a u s - t r a t o s , golpes dolorosos e o u t r a s crueldades - Inadmissibilidade — Mantida a s e n t e n ç a que proíbe o emprego de i n s t r u m e n t o s c a u s a d o r e s de sofrimentos - Recurso n ã o provido. (Apelação Cível n 122 100-5 - Ribeirão Preto 9 a C â m a r a de Direito Público — Relator- Ricardo Lewandowski — 17 05.00 - v u.)". Improcedem, assim, os recursos sob os f u n d a m e n t o s retrorelacionados (. )." No m e s m o sentido a s Apelações n ú m e r o s 0 7 7 . 8 1 7 . 5 / 5 , Rei. Carlos de Carvalho, 0 5 / 0 6 / 2 0 0 1 ; 101.045 5 / 0 , Rei. E d u a r d o Braga, 19/08/1999 e 101.161.5/9, Rei Torres de Carvalho, 0 8 / 0 9 / 1999, todas deste Tribunal. Ressalte-se, ainda, o parecer da Douta Procuradoria de Justiça: Apelação Cível n° 539 402 5/9 - Comarca de Ribeirão Preto U 5 "Destaque-se que a pretensão d a peça inicial d a ação civil pública n ã o é impedir a "festa" ou o rodeio, m a s somente impedir que sejam utilizados os a p a r e l h o s que c a u s e m aos a n i m a i s o sofrimento ou incômodo. Se a não utilização dos referidos aparelhos fizer o animal ficar p a r a d o , sem p u l a r e o "espetáculo" perder a graça, e s t a r á comprovada de forma irrefutável que os a n i m a i s e r a m t r a t a d o s de forma cruel, se m e s m o sem os aparelhos ou outros estimuladores o animal pular, o rodeio poderia c o n t i n u a r a ser realizado. T a m b é m se deve d e s t a c a r que a "festa" t a m b é m é composta d a a p r e s e n t a ç ã o de cantores, d a venda de produtos etc, que n ã o estarão sendo atingidas pela inicial d a presente ação Assim, a inicial visa a aplicação dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais em defesa dos a n i m a i s , sendo que os laudos técnicos realizados por p e s s o a s de a b s o l u t a idoneidade a p o n t a r a m a existência de m a u s tratos nos rodeios, onde os aparelhos ora q u e s t i o n a d o s são utilizados". Dessa forma, o recurso deve ser provido p a r a que o pedido alternativo (fl. 12 'ai) seja julgado integralmente procedente, m a n t i d a a m u l t a fixada n a r sentença. Frise-se que impossível a elevação de tal valor para R$50 0 0 0 , 0 0 (cinqüenta mil reais) (fls. 264), u m a vez que o requerido n a inicial foi de R$ 15 0 0 0 , 0 0 (quinze mil reais). Sem c o n d e n a ç ã o em honorários advocatícios. C u s t a s pelos apelados. Em face de tais razões, afastada a preliminar, dá-se provimento ao recurso. \ SAMUEL JUWOR Relatór Apelação Cível n° 539 402 5/9 - Comarca de Ribeirão Preto 6 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Voto n° AC-1.690/07 Apelação n° 5 3 9 . 4 0 2 . 5 / 9 - 0 0 - Câmara Especial de Meio Ambiente Apte: Ministério Público Apdo: Luiz Paulo Luciano e outro Origem: 9 a Vara Cível (Ribeirão Preto) - Proc. n° 2 . 5 9 3 / 9 8 Juiz: Charles Bonemer Júnior Revisão - Voto vencido RODEIO. Ribeirão Preto. Proibição do uso de esporas ponteagudas sinos, peiteiras, choques elétricos e outros instrumentos Prova. - 1. Rodeio. Maltrato aos animais. gatória presença clusivos quanto e Juntados ao maltrato da Faculdade os animais. que malNão há salvo posição em contrário do veterinário de obri- - 2. Rodeio. Sedem. Os aos diversos processos representado próxima à virilha do animaL Há posições Congregação sedéns, e os choques elétricos. nos eventos, implique em maltrato. até agora produzidos que maltratem É vedado o uso de instrumentos tratem os animais, entre eles as esporas ponteagudas evidência de que sinos e peiteiras, ou não, pelo sedem, sobre o tema não são conuma barrigueira em ambos os sentidos de Medicina Veterinária estudos colocada e há deliberação da e Zootecnia da Universidade de São Paulo em sessão de 8-4-1998 no sentido de não emitir parecer sobre o uso do sedem em animais na literatura "considerando que o necessário nacional ou internacional atualmente embasamento não permite sição a respeito do assunto". Hipótese em que, pela controvérsia valece a autorização nistério Público concedida cientifico disponível uma tomada de ponão resolvida, na lei. - Sentença de improcedência. pre- Recurso do Mi- desprovido. 50 18 025 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n° 539.402.5/9-00 1. -fls. 2 Cuida-se de ação ambientai visando à proibição do uso em rodeio em Ribeirão Preto de esporas ponteagudas ou não, sedéns, sinos, peiteiras, choques elétricos e outros instrumentos e práticas que maltratem os animais, e fiscalizar os eventos. A sentença (fls. 235/240, vol. 2) julgou improcedente o pedido principal (proibição simples do uso dos instrumentos) e procedente em parte o pedido alternativo, proibindo o uso nos eventos promovidos na comarca, de sedem em desacordo com os padrões estabelecidos pela Secretaria da Agricultura ou de objetos pontiagudos e cortantes, esporas pontiagudas e cortantes, e choque elétrico sob pena de multa de R$-15.000,00 atualizados da sentença; compensou os honorários advocatícios e afastou má fé dos autores. O processo veio para análise do recurso do Ministério Público, em que pede a anulação do processo pelo julgamento antecipado, pois quer produzir provas para demonstrar o malefício causado pelos instrumentos; e no mérito quer a proibição total de todos eles. A Câmara, pelo voto dos Desembargadores SAMUEL JÚNIOR e REGINA CAPISTRANO, prove o recurso voluntário para julgar de todo procedente o pedido alternativo ' a - 1 ' de fls. 12, a saber: obrigação de não fazer consistente na abstenção do uso de sedem, esporas, peiteiras, laços e demais instrumentos que causem sofrimento físico e maus tratos nos cavalos, touros, bezerros e demais bovinos e eqüinos que participam dos rodeios promovidos pelos réus na comarca, sob pena de multa de R$-15.000,00 por espetáculo realizado. Meu voto mantém a sentença, pelas razões que exponho. 2. O cerceamento de defesa é claro: o juiz e o Tribunal adotam posição favorável a u m a das partes com base em laudos por elas trazidos e reciprocamente contestados, sem a contrapartida da opinião técnica e isenta do perito nomeado pelo juiz. É falha a que me refiro abaixo que tem dificultado o enquadramento técnico da questão e uma decisão mais fundamentada. No caso, no entanto, já se passaram 9 anos e não vejo como regredir (nem se sabe se o rodeio aqui cuidado ainda existe) a esse ponto inicial. Acompanho a maioria na rejeição da preliminar. / 50 18 025 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n° 539.402.5/9-00 3. -fls. 3 O acórdão prove o apelo do Ministério Público: afasta a aplicação da lei federal e estadual e proíbe o uso dos tais instrumentos 'de tortura', o sedem, o peitoral, as esporas, as barrigueiras, independente do material com que confeccionado e mdependente da permissão legal. No mérito, há duas questões a examinar. A primeira, recorrente, é a posição que a Câmara deve tomar frente à regulamentação legal de atividades em temas controvertidos. Os rodeios apresentam esse aspecto controverso da segurança dos animais; mas a regulamentação é extensa e descreve em detalhes de que maneira os animais devem ser tratados antes, durante e depois das provas, exigindo autorização da Secretária da Agricultura e a presença de um veterinário por ela indicado. A regulamentação, à primeira vista, atende a finalidade para a qual editada e não h á razão, sem fundado motivo, para desconsiderá-la. Melhor fica determinar o cumprimento da lei, que sem prova convincente tomar partido de u m a das correntes conflitantes. 4 A segunda se refere à demonstração da existência de maus tratos ou tortura dos animais. Tenho examinado os laudos que acompanham os diversos processos e percebo neles, especialmente nos laudos juntados pelas entidades de proteção aos animais, um viés ideológico mais do que técnico, o que não tira seu valor, mas também não o aumenta. Há laudos e pareceres juntados pelos réus nos diversos processos que afastam a crueldade e os maus tratos. Não tenho a questão como solucionada, no caso do sedem, que tem provocado a maior divergência, o laudo da UNESP nega maltrato ou danos aos touros (fls. 153/173) e as fotos de fls. 173 são ilustrativas, mostrando um touro pastando com o sedem colocado e outro cobrindo uma vaca, também com o sedem. Não percebo crueldade no uso de esporas rombudas; diversamente do acórdão, penso que o maltrato e a crueldade não estão ligadas ao uso do sedem e das esporas em si, mas ao material, formato e uso no caso concreto PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n° 539.402.5/9-00 -fls. 4 Tenho a sensação, mas não encontrei comprovação disso nos pareceres, que o boi e o cavalo (especialmente o boi) não pulam só por causa do sedem, mas por causa do cavaleiro; em outras palavras, sem o cavaleiro dificilmente os animais sairiam do brete pulando, mas correndo e escoiceando; e depois de acalmados (o ambiente do rodeio, são cavalos treinados para isso, deixa os animais excitados) parariam, mesmo se mantido o sedem. Neste processo há u m dado interessante: para desqualificar o estudo da UNESP sobre o uso do sedem em touros, o Ministério Público traz (fls. 245, vol. 2) u m a deliberação da Congregação da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo em sessão de 8-4-1998 no sentido de não emitir parecer sobre o uso do sedem em animais 'considerando que o necessário embasamento científico disponível na literatura nacional ou internacional atualmente não permite uma tomada de posição a respeito do assunto' [negrito nosso]; deixando ao critério dos professores se manifestarem a respeito em seus nomes, sem envolvimento do nome da Universidade - o que corrobora, em meu entender, a fragilidade das conclusões a que chegam diversos pareceres. 5. O acórdão fala, ao final, n a impossibilidade de fiscali- zação dos instrumentos; mas não é bem assim. Os rodeios são fiscalizados por veterinário da Secretaria da Agricultura, condição da autorização concedida, e a solução não é a proibição por hipotética impossibilidade de fiscalização, mas condicionar a realização do rodeio à efetiva presença do veterinário oficial; e a fiscalização que podemos exigir é essa, não a do Ministério Público ou de órgão de proteção à vida animal, sobre os quais não temos ingerência. Há o argumento de que, se o sedem é desnecessário, o rodeio sai sem ele; mas é u m a argumentação capciosa. O rodeio se baseia em um conjunto de providências que criam o clima para tanto e o sedem, que os aficionados e diversos estudiosos citam como u m estimulante, se insere nesse conjunto. Incomoda o animal, mas não tenho encontrado demonstração de que esse incômodo configure maltrato, crueldade, tortura, como é colocado pelo Ministério Público e pelas entidades de proteção. Em outro processo que examinei h á ínte/ 50 18 025 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n° 539.402.5/ 9-00 - fls. 5 ressante comentário: a carga e o esforço suportado pelos animais de rodeio é muito menor que a carga suportada pelos animais de lida, sejam os bois de carro, sejam os cavalos que campeiam o gado. 6. A questão, em seu conjunto, tem u m a vertente técnica que depende de mais esclarecimento; não me parece que os laudos usualmente apresentados demonstrem a crueldade e o maltrato, ao menos não com a clareza que outros vêem neles. A regulamentação foi u m avanço e eliminou u m a série de práticas indevidas; ir além disso, com fundamento no maltrato, exige meditação. Não vejo no rodeio uma atividade que tenha valor cultural, aqui entendida a cultura como manifestação própria de um povo ou de um agrupamento humano, argumento com que os promotores de rodeio tentam justificar a prática. O embate não tem essa magnitude, proibir ou não u m a manifestação cultural; o rodeio é uma atividade regrada pela lei que tem u m pouco de esporte e muito de atividade econômica, [aparentemente] lícita; sua proibição não causará nenhum dano à cultura paulista e brasileira. 7 O que resta, expungidos os argumentos que distorcem o enquadramento da questão, é saber (i) se há provas, de fato, de que a atividade configure maltrato, crueldade ou tortura dos animais; e (íi) se a regulamentação evita adequadamente tal crueldade, maltrato ou tortura. A posição que a Câmara adota (proibir a atividade independente da regulamentação) pode implicar no encerramento da atividade no Estado, tanto dos pequenos (em que pode haver dúvida quanto ao respeito aos animais) quanto dos grandes rodeios (em que medidas efetivas de proteção são adotadas). Tudo considerado, não vejo como - à falta de prova mais convincente - deixar de prestigiar a regulamentação trazida pela LF n° 10.519/02 de 17-7-2002 e pela LE n° 10.494/99. A sentença apreciou com razoabilidade e bom senso os elementos dos autos e merece prestígio. Jl / 50 18 025 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Câmara Especial de Meio Ambiente - Apelação n° 539.402.5/9-00 -fls. 6 Com a vênia da maioria, o voto é pelo desprovimento do recurso do Ministério Público, mantida a sentença. TORRES DE CARVALHO Revisor, vencido 50 18 025