PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA E SAÚDE HUMANA A INFLUÊNCIA DO DIAGNÓSTICO TARDIO, DA ALOIMUNIZAÇÃO E DO ANTÍGENO DUFFY NA DETERMINAÇÃO DE FENÓTIPOS CLÍNICOS NA DOENÇA FALCIFORME TESE DE DOUTORADO Angela Maria Dias Zanette SALVADOR 2011 i A INFLUÊNCIA DO DIAGNÓSTICO TARDIO, DA ALOIMUNIZAÇÃO E DO ANTÍGENO DUFFY NA DETERMINAÇÃO DE FENÓTIPOS CLÍNICOS NA DOENÇA FALCIFORME Tese de Doutorado apresentada ao Colegiado do Curso de Pós-Graduação de Mestrado e Doutorado em Medicina e Saúde Humana da Escola de Medicina e Saúde Pública da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências, como requisito parcial obrigatório para obtenção do título de Doutor. Angela Maria Dias Zanette Orientador: Prof. Dr. Sérgio Arruda SALVADOR 2011 ii Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Cabula da EBMSP Z28 Zanette, Ângela Maria Dias. Perfil clínico da Doença Falciforme: definição de subfenótipos clínicos e a influência do diagnóstico tardio, da aloimunização e do antígeno Duffy. / Ângela Maria Dias Zanette – Salvador: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. 2011. 103 f. Tese (Doutorado) – Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Requisito para obtenção de título de Doutor em Medicina, 2011. Orientação: Prof. Sérgio Arruda 1. Doença falciforme – diagnóstico tardio. 2. Aloanticorpos. 3. Antígenos – grupos sanguíneos I. Arruda, Sérgio. II. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. III. Título. CDU: 616.155.194 iii iv INSTITUIÇÕES ENVOLVIDAS EBMSP – Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública HEMOBA- Fundação de Hematologia e Hemoterapia da Bahia CPqGM – Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz – FIOCRUZ Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia – UFBA UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas v FONTES DE FINANCIAMENTO Recursos Próprios e Doações vi EQUIPE Angela Maria Dias Zanette – Médica hematologista, Mestre em Medicina pela Universidade Federal da Bahia, Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Medicina e Saúde Humana da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências. Dr. Sérgio Arruda – Médico, Doutor em Ciências. Professor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências-FBDC. Profa. Dra. Marilda Gonçalves – Doutora, professora da Faculdade de Farmácia da UFBA, Chefe do Laboratório de biologia molecular do CPqGM-Fiocruz. Profa. Dra. Lilian Castilho – Biomédica, Doutora, Chefe do Laboratório de Imunohematologia da UNICAMP. Laíse Vilasboas Schettini – Aluna de Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências. Laís Magalhães Aguiar – Aluna de Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências. Luciana Araújo Vasconcelos Nogueira – Médica hematologista da Fundação HEMOBA. Regina Célia Santos Bahia – Médica hematologista da Fundação HEMOBA. Bruno Antônio Veloso Cerqueira – Bioquímico, Doutorando do CPqGM-Fiocruz. Wendell Vilas Boas – Bioquímico, Doutorando do CPqGM – Fiocruz Dra. Joelma Figueiredo Menezes – Bioquímica, Doutora, Faculdade de Farmácia da UFBA. vii AGRADECIMENTOS Ao meu marido e filhos, Renato, Gustavo, Fabrício e Rafael, pelo incentivo, parceria, cumplicidade, que me motivam na busca incessante do conhecimento. À minha mãe, incentivadora de todas as horas, pelo amor incondicional. Ao meu pai, in memoriam, a quem devo o amor pela medicina e muito mais. Ao meu orientador, Prof. Dr. Sérgio Arruda, pela orientação e pela confiança em mim depositada. À Profa. Dra. Marilda Gonçalves, pelo inestimável auxílio na concretização deste projeto, pelo exemplo a ser seguido e pela amizade. À Profa. Dra. Lilian Castilho, pela boa vontade demonstrada, pela disponibilidade para a realização da fenotipagem e genotipagem dos antígenos eritrocitários, e pelas orientações recebidas. Às alunas de Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Laíse Schettini e Laís Aguiar, pela contribuição na primeira etapa deste trabalho e pelo interesse em temas de hematologia. A Silvana Souza da Paz, bioquímica do CPqGM-Fiocruz, pela realização dos haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta. A Elder T. Damasceno, bioquímico do CPqGM-Fiocruz, pela realização da talassemia alfa. A Bruno Antônio Veloso Cerqueira e Wendell Vilas Boas, bioquímicos, Doutorandos do CPqGM-Fiocruz, pela preciosa ajuda na coleta e no processamento das amostras dos pacientes. viii A Joelma Figueiredo Menezes, bioquímica da Faculdade de Farmácia, Doutora, pela paciência e pela ajuda inestimável no processamento das amostras para a realização da proteína-C reativa. A todos os funcionários do ambulatório e do laboratório de imunohematologia da Fundação HEMOBA pelo auxílio indispensável à realização deste trabalho. A todos aqueles que, de forma direta ou indireta, contribuíram para que este projeto se tornasse realidade. A todos os pacientes, razão de ser deste trabalho, a quem dedico todo o esforço despendido e os resultados obtidos. 9 ÍNDICE ÍNDICE DE SIGLAS E ABREVIATURAS ......................................................................... 11 ÍNDICE DE TABELAS ......................................................................................................... 12 I RESUMO .............................................................................................................................. 14 II INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15 III REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................................ 18 III.1 EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA FALCIFORME .................................................... 18 III.2 FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA FALCIFORME................................................... 21 III.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA DOENÇA FALCIFORME ............................... 23 III.4 FENOTIPOS CLÍNICOS NA DOENÇA FALCIFORME .......................................... 27 III.5 ALOIMUNIZAÇÃO NA DOENÇA FALCIFORME ................................................. 28 III.6 O SISTEMA DUFFY ................................................................................................... 30 IV JUSTIFICATIVA .............................................................................................................. 33 V OBJETIVOS DO ESTUDO ............................................................................................... 35 V.1 OBJETIVO PRINCIPAL............................................................................................... 35 V.2 OBJETIVOS SECUNDÁRIOS ..................................................................................... 35 VI PACIENTES, MATERIAIS E MÉTODOS.................................................................... 36 VI.1 DESENHO DO ESTUDO ............................................................................................ 36 VI.2 POPULAÇÃO DO ESTUDO ...................................................................................... 36 VI.3 LOCAL DE REALIZAÇÃO DO ESTUDO ................................................................ 36 VI.4 SELEÇÃO DA AMOSTRA ......................................................................................... 37 VI.4.1 Fase retrospectiva................................................................................................ 37 VI.4.1.1 Critérios de inclusão na fase retrospectiva ................................................... 37 VI.4.2 Fase prospectiva .................................................................................................. 37 VI.4.2.1 Critérios de inclusão na fase prospectiva ..................................................... 38 VI.5 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO PARA AMBAS AS FASES DO ESTUDO ............... 39 VI.6 METODOLOGIA PARA A OBTENÇÃO DOS DADOS .......................................... 39 VI.6.1 Fase retrospectiva................................................................................................ 39 VI.6.2 Fase prospectiva .................................................................................................. 39 VII RESULTADOS ................................................................................................................ 44 VII.2 FASE PROSPECTIVA DO ESTUDO ....................................................................... 46 VIII DISCUSSÃO ................................................................................................................... 58 IX CONCLUSÕES ................................................................................................................. 65 X LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS ................................................................................. 66 10 XI ABSTRACT ....................................................................................................................... 67 XII REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 68 XIII APÊNDICE ..................................................................................................................... 79 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .............. 79 APÊNDICE B – COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA (CEP) .......................................... 81 APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO PARA COLETA DE DADOS DA FASE RETROSPECTIVA DO ESTUDO .......................................................... 82 APÊNDICE D – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PACIENTES DA FASE PROSPECTIVA DO ESTUDO ................................................................ 85 XIV ANEXOS ......................................................................................................................... 87 ANEXO A – PORTARIA GM/MS N.º 822/GM EM 06 DE JUNHO DE 2001.................. 87 ANEXO B – PORTARIA No 1.391/GM DE 16 DE AGOSTO DE 2005 ........................... 91 ANEXO C – ARTIGO PUBLICADO 1............................................................................... 93 ANEXO D – ARTIGO PUBLICADO 2 .............................................................................. 99 11 ÍNDICE DE SIGLAS E ABREVIATURAS APO-A – Apolipoprotein A1 BEN – Benin CAM – Cameroon CAR – Central African Republic CCL-5 – Chemokine ( C-C motif ) ligand 5 DARC – Duffy antigen receptor for chemokines GM/MS – Grupo Ministerial / Ministério da Saúde ICAM-1 – Intercellular adhesion molecule-1 IL-1 – Interleucina 1 IL-6 – Interleucina 6 IL-8 – Interleucina 8 MCP-1 – Monocyte chemoattractant protein-1 OMS – Organização Mundial da Saúde PAF – Programa de Anemia Falciforme RANTES – Regulated upon Activation, Normal T-cell Expressed, and Secreted SNP – Single-nucleotide polymorphism SUS – Sistema Único de Saúde TEK – Tyrosine kinase, endothelial TGF-β/ BMP – Transforming growth factor beta / Bone morphogenetic proteins TNF – Tumor Necrosis Factor UGT1A1 – Uridine diphosphate glucuronyltransferase- 1ª VCAM-1 – vascular cell adhesion molecule-1 VJRT – Velocidade do Jato de Regurgitação Tricúspide 12 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 – Características clínicas e laboratoriais de pacientes com doença falciforme estudados na fase retrospectiva. ........................................................ 45 Tabela 2 – Aloanticorpos identificados em pacientes com doença falciforme estudados na fase retrospectiva. ......................................................................... 46 Tabela 3 – Principais dados clínicos e laboratoriais de pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, de acordo com a idade na ocasião do diagnóstico. ....................................................................................... 47 Tabela 4 – Dados demográficos e principais complicações clínicas em pacientes assintomáticos com anemia falciforme estudados na fase prospectiva. ............. 48 Tabela 5 – Dados laboratoriais de pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva. ................................................................................................. 49 Tabela 6 – Dados comparativos entre os pacientes das fases retrospectiva e prospectiva do estudo. ........................................................................................ 50 Tabela 7 – Principais complicações clínicas em pacientes com anemia falciforme, com e sem talassemia alfa deleção de 3.7kb, estudados na fase prospectiva do estudo. ............................................................................................................ 51 Tabela 8 – Principais dados laboratoriais em pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, com e sem talassemia alfa deleção de 3.7kb. .... 51 Tabela 9 – Frequências de fenótipos Duffy em pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva (N=107). ............................................................. 52 Tabela 10 – Frequências dos genótipos Duffy e FY/GATA em pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva (N=103). ........................................... 52 Tabela 11 – Principais complicações clínicas em pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, de acordo com o fenótipo Duffy. ...................... 53 Tabela 12 – Dados laboratoriais de pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, relacionados com o Fenótipo Duffy. .............................................. 53 Tabela 13 – Principais complicações clínicas em pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, de acordo com os haplótipos ligados ao grupo genes da globina beta. .............................................................................. 54 Tabela 14 – Dados laboratoriais de pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, relacionados aos haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta. ....................................................................................................... 55 Tabela 15 – Principais dados laboratoriais de pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, classificados em subfenótipos clínicos hemolítico e vasoclusão/hiperviscosidade. ......................................................... 56 Tabela 16 – Variáveis preditoras para o desenvolvimento de osteonecrose em pacientes com anemia falciforme acompanhados na fase prospectiva. N=97. .................. 57 13 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Vasoclusão na doença falciforme. .......................................................................... 22 Figura 2 – Mecanismos envolvidos na vasoclusão na doença falciforme: hipóxia, falcização das hemácias, inflamação, hemólise, ativação endotelial, diminuição da produção e consumo excessivo de óxido nítrico. ........................... 23 Figura 3 – Resumo do número de pacientes, diagnósticos e fases do estudo. Vinte e quatro pacientes preencheram critérios para inclusão em ambas as fases do estudo. ................................................................................................................ 38 14 I RESUMO Introdução: a doença falciforme (DF) é altamente prevalente na Bahia. Caracteriza-se pela presença da hemoglobina S, cuja polimerização intraeritrocitária oclui pequenos vasos e provoca hemólise crônica. Hemólise ou vasoclusão predominam nas apresentações clínicas e diagnóstico tardio é frequente.Transfundir hemácias pode ser indicado em eventos agudos ou complicações crônicas, porém aloimunização pode resultar das transfusões, representando risco para o paciente. O antígeno eritrocitário Duffy, receptor de quimiocinas, pode causar reações transfusionais e ser um possível marcador de variabilidade clínica. Haplótipos da globina beta e talassemia alfa são moduladores genéticos da clínica na DF. Objetivos: estimar a influência da aloimunização, diagnóstico tardio, fenótipo Duffy, haplótipos da globina beta e talassemia alfa na evolução clínica; conhecer a distribuição dos fenótipos hemolítico e vasoclusivo na DF. Métodos: trata-se de um estudo ambispectivo, desenvolvido em 2 fases: uma retrospectiva, com revisão de prontuários de 105 pacientes SS e 3 SC, receptores de transfusões entre 2004 e 2007, identificando-se clínica e aloimunização. Na segunda fase foram selecionados 109 pacientes SS, assintomáticos, sem intercorrências médicas ou transfusões recentes. Dados clínicos, laboratoriais, imunohematológicos, moleculares foram avaliados. Resultados: na primeira fase 56 pacientes desenvolveram aloimunização (51,8%), associada com idade mais baixa (p=0,041), gênero feminino (p=0,033) e autoimunização (p=0,0001). As principais indicações transfusionais foram anemia sintomática (73% ALO e 44,4% N-ALO), úlcera maleolar (13,5% ALO e 13,3% N-ALO) e crise dolorosa severa (13,5% ALO e 8,9% N-ALO). A primeira transfusão ocorreu antes dos 10 anos de idade em 45,4% dos casos. Aloanticorpos mais prevalentes foram anti-E, anti-K e anti-C (39,3%,21,4% e 16,1%, respectivamente). Poucos pacientes autoimunizados necessitaram tratamento imunossupressivo. Na fase prospectiva a média de idade ao diagnóstico foi 12,7±11,9 anos, sendo mais tardia no gênero feminino (15,9±12,0 anos, p=0,005).O fenótipo Duffy negativo, presente em 33,3% dos pacientes, e a hemoglobina acima de 8,0 g/dl foram preditivos para osteonecrose (p=0,002, OR=7,560, IC=2,064-27,690 e p=0,017, OR=4,618, IC=1,313-16,245, respectivamente). Prevaleceu o haplótipo BEN/CAR (51,2% dos casos), seguido do CAR/CAR (23,5%) e BEN/BEM (20,6%), tendo o CAR/CAR apresentado hemoglobina e hemoglobina fetal mais baixas (p=0,043 e 0,042, respectivamente). Talassemia alfa2 -3.7kb, pesquisada em 78 dos 109 pacientes, ocorreu em 29,5% desses, sendo que apenas a osteonecrose, mais frequente em pacientes com a mutação, tendeu `a significância estatística (p=0,055). O fenótipo clínico mais frequente foi o vasoclusão/hiperviscosidade, ocorrendo em 44,9% dos casos, seguido do hemolítico (38,5%). Em 16,5% dos pacientes não foi possível a classificação fenotípica, tratando-se de pacientes com curso clínico acentuadamente benigno. Conclusões: a aloimunização não impactou significativamente a evolução clínica, sendo associada com gênero feminino e autoimunização; diagnóstico tardio foi frequente, no início da adolescência, associado com acidente vascular encefálico, sequestro esplênico e aumento da bilirrubina indireta; prevaleceu o fenótipo vasoclusão/hiperviscosidade; o haplótipo da globina beta mais frequente foi o BEN/CAR, não havendo influência importante sobre a evolução clínica; houve tendência de associação da talassemia alfa com osteonecrose; fenótipo Duffy negativo e hemoglobina acima de 8,0 g/dl foram preditivos para osteonecrose. Palavras-chave: anemia falciforme, diagnóstico tardio, aloanticorpos, fenótipo, antígenos de grupos sanguíneos. 15 II INTRODUÇÃO As hemoglobinopatias são os distúrbios genéticos monogênicos mais prevalentes no mundo(1). Entre esses se destaca a doença falciforme, caracterizada pela presença da hemoglobina S (HbS), uma proteína anormal em que uma mutação no sexto codon do gene da cadeia beta da globina codifica o aminoácido valina em lugar de ácido glutâmico (β6 GluVal). O gene da HbS pode ocorrer na forma homozigota (SS), denominada anemia falciforme, ou combinada com outras hemoglobinas mutantes, como a forma duplamente heterozigota conhecida como hemoglobinopatia SC(1, 2). Sob baixas tensões de oxigênio a HbS forma polímeros, deformando os eritrócitos que assumem a forma de foice. Essas células afoiçadas ou falcizadas ocluem os pequenos vasos, fenômeno esse denominado vasoclusão. Os repetidos episódios de oclusão vascular provocam isquemia e inflamação, ocasionando dano e disfunção progressivos em órgãos e sistemas(3). As manifestações clínicas da anemia falciforme são consequência dos sucessivos episódios de vasoclusão e da hemólise crônica(4). As crises dolorosas são a principal manifestação clínica da doença e a causa mais importante de procura por atendimento médico. Outras manifestações agudas são acidente vascular encefálico (AVE), sequestro esplênico ou hepático, crise aplástica, priapismo, síndrome torácica aguda (STA), síndrome do quadrante superior direito, enquanto as complicações crônicas se caracterizam por lesões orgânicas progressivas, resultando em insuficiência renal e/ou cardíaca, osteonecrose, retinopatia, complicações biliares, falência hepática e hipertensão pulmonar(4). O tratamento da doença inclui o manejo da anemia e suas consequências, assim como o dos episódios dolorosos, infecções e dano orgânico(5). A abordagem adequada exige cuidado multiprofissional, considerando-se o acometimento multissistêmico próprio da doença. Hidratação adequada, uso de analgésicos e antinflamatórios, reposição de ácido fólico e uso de hidroxiureia, quando indicada, são medidas usuais no tratamento(6, 7). As transfusões de hemácias ocupam lugar de destaque no manejo da doença, com indicações precisas em eventos como a STA e o sequestro esplênico, e contribuir para a redução da morbidade e melhoria da qualidade de vida em situações como complicações cardíacas, 16 pulmonares e outras(8). A despeito da grande utilidade das transfusões na prática clínica, estas não são isentas de riscos(9). Reações alérgicas, transmissão de doenças veiculadas pelo sangue, sobrecarga de volume, excesso de ferro, aloimunização e outros podem resultar da terapia transfusional. A presença de aloanticorpos pode ser causa de reações transfusionais, limitar a disponibilidade de hemácias compatíveis para transfusão e reduzir a eficácia das hemácias transfundidas(10). De acordo com Wanko e cols., a prevalência de aloanticorpos pode ir de 5% a 50% e em determinadas situações pode representar risco iminente à vida do paciente(8). A variabilidade clínica é uma das características mais intrigantes da doença falciforme(11). Apesar de ter como base o mesmo defeito molecular, a forma de apresentação clínica varia acentuadamente entre os indivíduos acometidos e no mesmo indivíduo em diferentes fases da vida. Enquanto alguns cursam oligossintomáticos, com raras crises dolorosas ou outras manifestações clínicas da doença, outros apresentam formas mais graves, com crises álgicas frequentes, infecções, além de evoluir com relativa precocidade para complicações crônicas como úlceras maleolares, osteonecrose, priapismo, retinopatia e outras(12). Considerando que apenas a mutação da globina beta não é suficiente para explicar a substancial heterogeneidade clínica da doença falciforme, a busca por outros possíveis fatores genéticos, que contribuam para o entendimento da biologia da doença, tem motivado a identificação e o estudo de diversos polimorfismos gênicos(13-15). A doença falciforme está associada a um estado proinflamatório, caracterizado por leucometria elevada e níveis de citocinas como a IL-6 e a IL-8 também elevados(16-18), tendo sido a leucocitose nessa doença relacionada a mortalidade precoce(19). Antígenos de grupos sanguíneos eritrocitários podem atuar como moléculas funcionais e tem sido estudada a sua potencial relevância na fisiopatologia da doença falciforme. O antígeno Duffy é expresso nas hemácias e em células endoteliais de vênulas poscapilares, atuando tanto como receptor eritrocitário para o Plasmodium vivax como de quimiocinas (Duffy antigen / receptor for chemokines – DARC)(20). O papel relevante do antígeno Duffy na inflamação tem motivado o seu estudo na anemia falciforme, considerada um estado proinflamatório(21, 22). No estudo de Nebor e cols. pacientes caribenhos com anemia falciforme Duffy-positivos apresentaram leucometria, contagem de neutrófilos, IL-8 e RANTES (Regulated upon Activation, Normal T-cell Expressed, and Secreted) mais elevados quando 17 comparados com pacientes Duffy-negativos com a mesma doença(23). Nesse estudo, entretanto, não foram detectadas associações entre a expressão do DARC em hemácias e complicações clínicas como comprometimento renal, úlcera maleolar, priapismo e osteonecrose(23). A elucidação das complexas interações entre múltiplos fatores genéticos e ambientais, responsáveis pela diversidade fenotípica da doença, poderá ter implicações importantes no manejo clínico e no aconselhamento genético, assim como revelar novos alvos para intervenções terapêuticas. 18 III REVISÃO DA LITERATURA III.1 EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA FALCIFORME Em 1910 o cardiologista James Herrick, em Chicago, descreveu o caso de um jovem estudante negro, proveniente da região do Caribe, com anemia intensa, cujas hemácias apresentavam uma forma peculiar de foice(24). Apenas em 1949 Linus Pauling e cols. demonstraram tratar-se de um defeito na molécula da hemoglobina(25). Uma mutação em ponto no gene da globina beta (βs) codifica o aminoácido valina no lugar do ácido glutâmico, dando origem a uma hemoglobina mutante, a hemoglobina S. Esta pode se apresentar na forma homozigota, denominada anemia falciforme (SS), ou em combinação com outras hemoglobinas anormais, como a hemoglobinopatia SC e as talassemias (1) . A hemoglobina S apresenta-se em maior frequência na África equatorial, Arábia Saudita e Índia, enquanto a hemoglobina C é mais prevalente no oeste da África(1). Em populações de países como Nigéria, Zaire e Camarões a prevalência do gene βs pode exceder 20%, chegando a 45% entre indivíduos da tribo Baamba no oeste de Uganda(26). Na Nigéria, o país mais populoso da região, 24% da população é portadora do gene βs, sendo a prevalência da anemia falciforme de aproximadamente 20 por 1000 nascimentos. Esses dados significam que nesse país em torno de 150 000 crianças nascem anualmente com anemia falciforme(26). Dados epidemiológicos e estudos clínicos sugerem que o estado heterozigoto para o gene βs confere proteção relativa contra malária causada pelo Plasmodium falciparum(27). Além disso a distribuição geográfica desse gene coincide em grande parte com áreas endêmicas para malária, o que contribui para explicar a perpetuação do mesmo nas populações acometidas, considerando-se a vantagem de sobrevivência do indivíduo heterozigoto AS(28). Nos Estados Unidos da América a doença falciforme afeta aproximadamente 1 em cada 350 recém nascidos afro-americanos a cada ano, havendo em torno de 72 000 pacientes no país(29). 19 A hemoglobina S foi trazida para o Brasil através do tráfico de escravos africanos, sendo mais prevalente nos estados da Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e Maranhão(30), estados brasileiros com importante componente afro-descendente na população(31). A doença falciforme foi reconhecida como problema de saúde pública no Brasil em 1996, tendo sido lançado o PAF – Programa de Anemia Falciforme pelo Ministério da Saúde (MS). A Portaria GM/MS n.º 822/GM de 06 de junho de 2001 criou o Programa Nacional de Triagem Neonatal, incluindo a detecção de hemoglobinas anormais (Apêndice 1). Mesmo o teste não estando ainda implantado em todo o território nacional, os dados disponíveis até o momento demonstram que na Bahia, de cada 650 nascidos vivos, um tem hemoglobinopatia, na maioria anemia falciforme, e de cada 17 um tem traço falciforme (HbAS)(30, 32). Estima-se que 6% a 10% da população afrodescendente no Brasil é portadora do gene βs, com aproximadamente 3500 novos homozigotos SS ao ano de acordo com Cançado e Jesus(30). Em muitos países onde a doença falciforme é um problema de saúde pública, o seu manejo permanece inadequado, não existem programas de saúde específicos para a assistência integrada a esses doentes nem serviços médicos capacitados para o atendimento apropriado, e o diagnóstico é realizado usualmente em decorrência de alguma complicação da doença(33). Entre os pacientes brasileiros nascidos antes da instituição do diagnóstico neonatal, a doença falciforme com frequência é descoberta tardiamente. Paiva e Silva e cols., estudando 80 pacientes adultos com anemia falciforme, ressaltam que na maioria dos casos o diagnóstico foi estabelecido na adolescência ou início da vida adulta(34). No relato de Diop e cols. sobre pacientes senegaleses com doença falciforme, a média de idade ao diagnóstico foi 9,8 anos(35). De acordo com Platt e cols. a sobrevida em homozigotos SS adultos e crianças foi de 42 anos e 48 anos para homens e mulheres, respectivamente, enquanto em pacientes SC foi de 60 anos no gênero masculino e 68 anos no feminino(19). Nesse estudo foram acompanhados 3764 doentes entre zero e 66 anos de idade, sendo que 50% dos casos sobreviveram além da quinta década de vida. Mais recentemente o estudo de Serjeant, realizado na Jamaica, onde foi realizada uma busca ativa nos registros de 102 pacientes SS com mais de 60 anos, relata ter encontrado ainda vivos 40 pacientes com idades entre 60 e 87 anos(36). Nos casos jamaicanos a sobrevida mais longa foi associada a gênero feminino e nível mais alto de hemoglobina fetal. 20 A OMS ressalta que não existem dados convincentes sobre a mortalidade de indivíduos com anemia falciforme na Africa sub-sahariana, porém de acordo com a estrutura etária das populações que frequentam serviços médicos de atendimento a esses doentes, sugere que metade dos pacientes com a doença morre até 5 anos de idade, usualmente de infecções como malária e sepse por pneumococo, e da própria anemia(26). Na doença falciforme a suscetibilidade a infecções é maior na faixa etária de zero a 5 anos de idade(37). Por essa razão a adoção de medidas profiláticas como vacinas especiais, como as anti-pneumococo, hemophylus tipo b e meningococo, além do uso continuado de penicilina desde 2 meses até 5 anos de idade, tem contribuído sobremaneira para a redução da mortalidade em indivíduos com a doença (38-39). Adicionalmente, o cuidado multiprofissional e a educação de pacientes e familiares tem possibilitado a muitos doentes um incremento importante na qualidade de vida, além de sobrevida mais longa (40). Os dados do estudo de coorte de pacientes com doença falciforme realizado no Texas, evidenciam que, com os cuidados mencionados anteriormente para pacientes SS e Sβ0, a sobrevida global aos 18 anos é de 93,9% (intervalo de confiança: 90,3 – 96,2)(41). Em agosto de 2005 foi editada pelo Ministério da Saúde do Brasil a portaria que institui no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) o Programa Nacional de Atenção Integrada às Pessoas com Anemia Falciforme e outras Hemoglobinopatias, com a intenção de sistematizar as ações de assistência, promoção e recuperação da saúde dos indivíduos com essas doenças, tenham sido diagnosticados através da triagem neonatal ou mais tardiamente (Anexo B). Apesar de dados que apontam para uma redução da mortalidade nesses pacientes em virtude dos fatores mencionados previamente, o estudo de Loureiro e Rozenfeld, sobre a epidemiologia das hospitalizações em pacientes com doença falciforme na Bahia (BA), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), revela que a mediana da idade dos óbitos foi 26,5 anos na BA, 31,5 anos no RJ e 30,0 anos em SP, evidenciando idade baixa na ocasião do óbito nesses doentes(42). Dados como esses demonstram que o equacionamento da doença no nosso meio demanda por mais ações de saúde e educação, visando proporcionar a esses indivíduos uma sobrevivência mais longa e de melhor qualidade. 21 III.2 FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA FALCIFORME A hemoglobina S apresenta uma característica única entre as hemoglobinas, a capacidade de polimerizar-se sob condições de hipóxia. A falcização ou afoiçamento é consequência da polimerização da hemoglobina S intraeritrocitária, o que faz com que a célula se torne mais rígida e deformada, provocando uma elevação da viscosidade sanguínea e levando à oclusão de pequenos vasos(43). A população de eritrócitos circulantes na doença falciforme é composta por células heterogêneas, incluindo-se reticulócitos de baixa densidade, discócitos muito densos e hemácias irreversivelmente afoiçadas(44). Essas células são precocemente destruídas no baço, um processo hemolítico crônico mantido ao longo de toda a vida do paciente(45). Episódios recorrentes de oclusão vascular provocam isquemia, inflamação e dor, levando a disfunção e falência orgânicas progressivas(45). Embora o fenômeno da vasoclusão não esteja ainda completamente esclarecido, sabe-se que diversos componentes estão envolvidos na sua gênese, como integrinas e seus receptores(46), moléculas de adesão ao endotélio como vascular cell adhesion molecule-1 (VCAM-1) e intercellular adhesion molecule-1 (ICAM1)(47-48), selectinas endoteliais(49), proteínas solúveis de adesão como a trombospondina(50), fibrinogênio(51), fibronectina(52), fator de Von Willebrand(53), componentes da membrana eritrocitária como a Banda 3(54), citocinas inflamatórias(55) e outros(56, 57). A adesão aumentada dos leucócitos ao endotélio vascular contribui para a vasoclusão na doença falciforme, havendo evidências crescentes de que os leucócitos participam na iniciação e na propagação dos fenômenos vasoclusivos(57). A interação dos leucócitos com as hemácias circulantes pode obstruir o fluxo sanguíneo(58-59), tendo sido demonstrado que as hemácias S aderem mais facilmente às células endoteliais do que as hemácias normais in vitro(60-61). Na Figura I encontra-se esquematizado o fenômeno da vasoclusão na doença falciforme. Segundo Kaul e Hebbel, a iniciação, progressão e resolução de um episódio vasoclusivo poderiam conduzir a lesão de reperfusão, provocando uma resposta inflamatória na anemia falciforme(22). Citocinas inflamatórias como IL-1, IL8 e TNF, produzidas em resposta ao estresse inflamatório, estimulariam o endotélio vascular, induzindo a adesão das hemácias, o que levaria à vasoclusão(21). 22 A adesividade aumentada das hemácias afoiçadas a células endoteliais cultivadas tem sido demonstrada em pacientes considerados estáveis, sem evidência clínica de vasoclusão(47, 62). Figura 1 – Vasoclusão na doença falciforme. Fonte: Frenette PS, Atweh GF. The Journal of Clinical Investigation. 2007;117(4):851-858. A anemia hemolítica crônica, decorrente da destruição precoce das hemácias S, é outro componente fundamental da fisiopatologia da doença falciforme. A hemoglobina livre no plasma, resultante do processo hemolítico crônico, consome óxido nítrico (ON), provocando um estado de biodisponibilidade reduzida desse elemento(63). Essa redução compromete as funções homeostáticas vasculares do ON, um poderoso vasodilatador. As hemácias hemolisadas também liberam arginase, que destrói a L-arginina, substrato para a síntese do ON, contribuindo para a deficiência endotelial dessa substância(64). A anemia hemolítica varia em intensidade de acordo com o genótipo da doença falciforme, sendo mais severa em pacientes homozigotos SS e menos intensa em pacientes com hemoglobinopatia SC(65). Na doença falciforme marcadores de hemólise, como a 23 desidrogenase lática (DHL), apresentam relação direta com o consumo de óxido nítrico e o metabolismo alterado da arginina, o substrato da enzima óxido nítrico sintetase. Na Figura 2 encontram-se esquematizadas as alterações provocadas pela vasoclusão e hemólise crônica no metabolismo do óxido nítrico. Figura 2 – Mecanismos envolvidos na vasoclusão na doença falciforme: hipóxia, falcização das hemácias, inflamação, hemólise, ativação endotelial, diminuição da produção e consumo excessivo de óxido nítrico. VASOCLUSÃO Ativação da Coagulação Moléculas de adesão Citocinas Leucócitos FALCIZAÇÃO HIPÓX IA INFLAMAÇÃO DOR HIPÓXIA ORNITINA+ URÉIA ATIVAÇÃO ENDOTELIAL ARGINASE LIVRE L-ARGININA HEMÓLISE HEME + FERRO HEMOGLOBINA LIVRE ÓXIDO NÍTRICO SINTETASE ÓXIDO NÍTRICO SITETASE METEMOGLOBINA Fonte: Jesus,L.E.e Dekermacher,S. J Pediatr (Rio J.) 2009; 85(3):194-200. III.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA DOENÇA FALCIFORME A severidade clínica da doença falciforme varia de acordo com o genótipo envolvido, conforme mencionado acima, bem como de outros determinantes genéticos e adquiridos de 24 fenótipo clínico. Em geral o homozigoto SS cursa com quadro clínico mais grave, contrastando com a S-β+ talassemia, com pacientes oligossintomáticos na maioria dos casos. A S-β0 talassemia apresenta um comportamento clínico semelhante ao do SS, enquanto a hemoglobinopatia SC é em geral menos severa. Determinadas complicações, entretanto, podem ser mais comuns numa ou noutra categoria. Por exemplo, retinopatia e osteonecrose são mais comuns na hemoglobinopatia SC do que na anemia falciforme (66). A crise dolorosa ou venoclusiva é a principal manifestação clínica da doença falciforme. As crises são súbitas e recorrentes, ocorrendo com maior ou menor frequência em diferentes fases da vida. Observa-se grande variação entre pacientes e intra-paciente na ocorrência dos episódios álgicos. Todavia, estudos tem demonstrado que pacientes com crises mais frequentes tem sobrevida encurtada em relação àqueles menos acometidos por episódios venoclusivos (15). As complicações clínicas da doença falciforme podem ser agudas ou crônicas. Crises de sequestração esplênica e AVE são mais comumente observados na infância, enquanto à medida que o paciente envelhece, complicações como a osteonecrose, retinopatia, disfunção e falências progressivas renais, cardíacas e pulmonares são progressivamente mais prevalentes. Na Jamaica as úlceras maleolares são raras antes dos 10 anos de idade, ocorrendo pela primeira vez mais frequentemente entre os 10 e 25 anos, sendo incomuns após os 30 anos(67). O Estudo Cooperativo de Doença Falciforme norteamericano relata um padrão semelhante, embora tenha havido uma incidência máxima de úlcera maleolar entre 20 e 50 anos(68). Pacientes com o genótipo SS são os que mais apresentam esse tipo de complicação. A suscetibilidade a infecções é uma causa importante de morbidade em pacientes com doença falciforme(51). Em locais onde o uso profilático de penicilina e vacinas especiais é sistematicamente realizado, a mortalidade por microorganismos como pneumococo tem decrescido, numa clara demonstração de como medidas simples podem auxiliar na redução da mortalidade nos indivíduos acometidos pela doença. A síndrome torácica aguda (STA) é a principal causa de morte em pacientes com doença falciforme. É definida como infiltrado pulmonar novo, evidenciado através de radiografia, associado a um ou mais sintomas como febre, tosse, taquipnéia, dispnéia ou hipóxia, mais 25 provavelmente causada por infecção, em especial por S. pneumoniae(44). Outros fatores como embolia gordurosa, decorrente de isquemia ou infarto da medula óssea, vasoclusão em vasos pulmonares, edema pulmonar induzido pelo uso de narcóticos ou sobrecarga de líquidos são também possíveis causas de STA(44). Uma história pregressa de STA foi associada a mortalidade precoce, comparando-se pacientes que tiveram STA com outros que não apresentaram esse tipo de complicação(69). No grande estudo cooperativo norteamericano sobre STA, liderado por Vichinsky, os dados demonstram que 48% dos episódios desse tipo de evento ocorreram durante hospitalização devido à crise dolorosa ou outras causas(70). Episódios pregressos de STA predispõem o paciente com doença falciforme a eventos pulmonares repetidos e hipertensão pulmonar subsequente(44). A hipertensão pulmonar (HP) tem sido considerada causa importante de morbidade em pacientes com anemia falciforme, sendo associada a mortalidade elevada(71). Utilizando ecocardiograma como teste de screening em 195 pacientes consecutivos, Gladwin e cols. definiram HP como velocidade do jato de regurgitação tricúspide (VJRT) igual ou maior que 2,5 m/s, que seria equivalente a pressão sistólica na artéria pulmonar maior do que 30 mmHg(71). O uso do ecocardiograma como teste diagnóstico para detecção de HP é, todavia, controverso(72). No estudo de Bachir e cols., estudando 379 pacientes SS e 6 com S-β0 talassemia, todos os 96 indivíduos com VJRT de 2,5m/s foram submetidos a cateterismo cardíaco, evidenciando-se 75% de falsa positividade à ecocardiografia no grupo estudado(73). Nos demais casos, em 24 pacientes com HP documentada através do cateterismo, a pressão capilar pulmonar aumentada foi atribuída a disfunção do ventrículo esquerdo e em 5 casos a pressão elevada na artéria pulmonar foi atribuída a hipercinese relacionada ao débito cardíaco elevado, associada a resistência vascular pulmonar normal. Esses autores concluíram que a HP é uma complicação incomum na doença falciforme(73). Em pacientes da Bahia não é conhecida a prevalência de hipertensão pulmonar. Como fatores genéticos determinantes da variabilidade clínica da doença são reconhecidos a co-herança com a talassemia alfa e a concentração da hemoglobina fetal (HbF). Concomitância de talassemia alfa e doença falciforme diminui o potencial de polimerização da HbS, reduzindo a hemólise e a anemia(45, 74) . Entretanto, como resultante do nível mais elevado da hemoglobina e da viscosidade sanguínea, os pacientes podem cursar com mais episódios dolorosos e complicações ósseas. Por outro lado, a hemoglobina mais alta parece 26 oferecer proteção contra complicações como a retinopatia e as úlceras maleolares, menos comuns em pacientes com alfa talassemia e anemia falciforme(45). Bertles e Milner demonstraram que hemácias S com níveis baixos de HbF tem uma propensão aumentada para a desidratação celular, o que facilita a polimerização da hemoglobina S (75). Posteriormente Platt demonstrou que o nível da hemoglobina fetal constitui importante preditor de sobrevida na doença falciforme, sendo o risco de morte precoce inversamente associado aos níveis dessa hemoglobina(19). Polimorfismos ligados ao grupo de genes da globina beta ou haplótipos estão relacionados a diferentes concentrações de HbF, sendo as mais elevadas encontradas no haplótipo Senegal ou Indo-Arábico (a denominação se deve ao sítio geográfico onde são mais prevalentes ) e os mais baixos no haplótipo CAR (República Centro Africana) ou Bantu(2, 76, 77). Lyra e cols., estudando pacientes das cidades de São Paulo e Salvador, encontraram predomínio de dupla heterozigose para os haplótipos BEN/CAR nas duas populações, porém com diferenças na prevalência de complicações clínicas nos dois grupos estudados(78). Pacientes de São Paulo apresentaram mais hospitalizações por crise vasoclusiva e AVE do que os de Salvador, enquanto as infecções estiveram associadas com os haplótipos BEN/CAR e BEN/BEN em Salvador e BEN/CAR e CAR/CAR em São Paulo(78). Outros estudos confirmam que afro-americanos são frequentemente heterozigotos para os haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta, o que complica a interpretação da associação desses com o fenótipo clínico(45). Apesar de progressos consideráveis obtidos no entendimento de aspectos moleculares, na fisiopatologia e no manejo da doença falciforme, a sua grande variabilidade clínica permanece um desafio para os pesquisadores e profissionais envolvidos no cuidado a esses doentes. Hagar e Vichinsky, em um artigo sobre avanços na pesquisa clínica na doença falciforme, chamam a atenção para problemas clínicos que tem sido observados com maior frequência, relacionados com o aumento da sobrevida desses pacientes. A osteonecrose e a hipertensão pulmonar (HP) representam limitações consideráveis para a sobrevivência desses indivíduos, sendo a HP causa importante de óbito(79). 27 III.4 FENOTIPOS CLÍNICOS NA DOENÇA FALCIFORME Ballas, em uma publicação de 1991 sobre anemia falciforme, chamava a atenção para o fato de pacientes com frequência menor de crises álgicas apresentarem incidência maior de úlceras maleolares e menos mortalidade, enquanto em pacientes com crises dolorosas frequentes havia associação com dactilite prévia, tendência a infecções, AVE e STA(80). Como referido anteriormente, a heterogeneidade clínica na doença falciforme não pode ser explicada tão somente pela mutação na cadeia da globina beta. Outros fatores como os ambientais, sócio-econômicos e psicológicos podem ter papéis relevantes nessa diversidade de apresentações clínicas, própria da doença. Embora a anemia falciforme seja uma desordem monogênica, no que se refere à apresentação clínica trata-se muito provavelmente de uma doença multigênica(81). Até o presente momento mais de 100 single-nucleotide polymorphisms (SNPs) de diversos genes tem sido identificados em pacientes com diferentes fenótipos clínicos. Trata-se de genes de classes funcionais variadas, como os envolvidos em processos como a função vascular, inflamação, estresse oxidativo e biologia das células endoteliais(82). Esses estudos permitiram identificar, por exemplo, a associação do gene Klotho com priapismo e osteonecrose em pacientes com anemia falciforme(13, 81-83). Adicionalmente foram descritas associações de úlceras maleolares com SNPs também no gene Klotho, no TEK e em vários outros genes na via de sinalização do TGF-β/BMP através de análises de associação genotípica. O gene TEK está envolvido na angiogênese e o TGF-β/BMP modula cicatrização de feridas e angiogênese. Esses dados fazem supor que as úlceras maleolares, comuns na doença falciforme, podem ter o seu risco determinado geneticamente(83). Tomando como ponto de partida a publicação de Ballas, endossada posteriormente por Kato e cols.(65), considera-se atualmente que os principais fenótipos clínicos da doença falciforme são o hemolítico e o vasoclusão/hiperviscosidade(80). Vale ressaltar, entretanto, que essa classificação é insuficiente para abranger todo o complexo espectro de possíveis manifestações da doença(84). No fenótipo hemolítico predominam os efeitos dos distúrbios da homeostase do óxido nítrico, decorrentes da hemólise crônica, como a hipertensão pulmonar, priapismo, úlcera maleolar e 28 AVE(65). Por outro lado, no fenótipo vasoclusão/hiperviscosidade prevalecem as consequências dos fenômenos vasoclusivos e da hiperviscosidade sanguínea, decorrentes da polimerização intraeritrocitária da hemoglobina S, como as crises álgicas e a osteonecrose. Entretanto, em complicações como a síndrome torácica aguda, as consequências tanto de fenômenos vasoclusivos quanto de disfunção endotelial, decorrentes da hemólise crônica, evidenciam que uma sobreposição de mecanismos fisiopatogênicos na doença falciforme pode dificultar a clara identificação de um fenótipo clínico em muitos doentes(65). O conhecimento sobre os determinantes da variabilidade clínica da doença falciforme deverá permitir o desenvolvimento e a instituição precoce de terapias destinadas a pacientes sob maior risco de evolução desfavorável(85). III.5 ALOIMUNIZAÇÃO NA DOENÇA FALCIFORME Os grupos sanguíneos, caracteres hereditários presentes na superfície das hemácias e reconhecidos através de anticorpos, são de grande importância na medicina transfusional e de transplantes(86). Muitos desses anticorpos tem o potencial de causar reações hemolíticas transfusionais ou doença hemolítica do recém nascido de maior ou menor gravidade. A capacidade de suscitar o desenvolvimento de aloanticorpos, ou imunogenicidade, varia de um grupo sanguíneo para outro, sendo os mais imunogênicos os antígenos do sistema Rh e do ABO, seguidos dos do sistema Kell(86). Sua importância biológica deriva das múltiplas funções atribuídas aos grupos sanguíneos: transporte de moléculas transmembrana eritrocitária (transporte de uréia pelo sistema Kidd), adesão celular (sistemas Lutheran e Landsteiner-Wiener), receptor de quimiocinas (sistema Duffy), ações enzimáticas (sistema Kell) e outras(86, 87). Atualmente reconhecem-se 29 sistemas de grupos sanguíneos, que representam tanto um único gene como um cluster de dois ou três genes intimamente relacionados(86). O desenvolvimento de aloanticorpos em indivíduos com doença falciforme, ou seja, o paciente desenvolve um anticorpo contra um antígeno eritrocitário presente nas hemácias do doador, antígeno esse ausente nas suas próprias hemácias, representa um dos maiores riscos 29 associados à terapia transfusional nessa população. Com o objetivo de evitar a aloimunização, tem sido recomendada a fenotipagem pré-transfusional para os antígenos do sistema Rh D,C,c,E,e e Kell(9, 88). A extensão da fenotipagem para outros antígenos eritrocitários, como os dos sistemas Kidd, Duffy, MNS e outros, pode acrescentar um custo extra à transfusão, não sendo viável para muitos serviços de hemoterapia. O impacto da aloimunização na evolução clínica da doença falciforme não é conhecido. Tem sido relatado que pacientes com a doença apresentam frequência maior de alossensibilização do que pacientes com talassemia major, que são transfusão-dependentes e, usualmente, recebem um número maior de transfusões. Vichinsky e cols., abordando o tema, chamam a atenção para diferenças raciais entre receptor e doador, que poderiam ser causadoras de aloimunização na anemia falciforme. Os pacientes estudados por esses autores eram predominantemente negros, enquanto a população de doadores era composta na maioria por indivíduos caucasianos(10). No Brasil a população é intensamente miscigenada, caracterizada por uma mistura de indígenas, descendentes de escravos africanos e de europeus (a maioria portugueses, mas também italianos, alemães, espanhóis, poloneses e outros)(89, 90) . Em Salvador 82,1% da população é afro-descendente, maioria que abrange a população de pacientes com doença falciforme(31). Em outras palavras, pode-se especular que na Bahia pacientes e doadores de sangue apresentem a mesma composição étnica. O risco de aloimunização tem sido correlacionado com a idade. Rosse e cols., no Estudo Cooperativo de Doença Falciforme, mostraram que crianças que receberam a primeira transfusão aos 10 anos de idade ou mais tardiamente, apresentaram índices de aloimunização mais altos do que aquelas cuja primeira transfusão ocorreu antes dessa idade(91). A imaturidade do sistema imune tem sido aventada como uma possível causa de tolerância imunológica em pacientes transfundidos mais precocemente, o que conferiria alguma proteção contra aloimunização(92, 93). Além da idade, o número de transfusões recebidas é considerado fator de risco importante para o desenvolvimento de aloanticorpos uma vez que, quanto mais transfusões, maior exposição do paciente a antígenos estranhos(10). O gênero feminino também tem sido 30 associado a uma maior prevalência de alosensibilização, possivelmente devido à exposição antigênica mais elevada, decorrente de gestação e parto(94). Outro possível risco para o desenvolvimento de aloanticorpos poderia ser o status inflamatório do paciente, de acordo com Campbell-Lee(95). Em um modelo murino, Hendrickson e cols. demonstraram que inflamação no receptor aumentou significativamente o desenvolvimento de aloanticorpos(96). A presença de autoanticorpos, caracterizada por um teste direto de Coombs positivo em pacientes com anemia falciforme, na grande maioria previamente aloimunizados, tem sido descrita(97). Embora desconheça-se a sua patogênese, alguns autores defendem a hipótese de que a formação de autoanticorpos eritrocitários possa ser provocada pela ligação dos aloanticorpos às hemácias transfundidas, acarretando alterações conformacionais em epítopos antigênicos, que estimulariam a produção de autoanticorpos(97). Por outro lado, o desenvolvimento de autoanticorpos em pacientes com doença falciforme poderia ser reflexo da disfunção imune global, secundária à perda precoce da função esplênica nesses doentes(98, 99). Qualquer que seja a causa, a aloimunização é um tema importante a ser abordado em pacientes com anemia falciforme. III.6 O SISTEMA DUFFY O sistema de grupo sanguíneo Duffy, importante do ponto de vista transfusional e biológico, foi descrito como um aloanticorpo em um paciente hemofílico politransfundido(100). Na ocasião o antígeno foi denominado Fya, sendo o antígeno antitético Fyb descrito um ano depois(101). Utilizando-se anti-soros anti- Fya e anti-Fyb foram identificados 3 fenótipos em indivíduos caucasianos: Fy(a+b-), Fy(a-b+) e Fy(a+b+), produtos de alelos codominantes localizados no cromossomo 1, que caracterizam os genótipos FY*A/ FY*A, FY*B/FY*B e FY*A/FY*B, respectivamente(102). Os antígenos Fya e Fyb diferem entre si por uma única mutação em ponto (Asp42Gli)(103). 31 O fenótipo Fy(a-b-) ou Duffy null , mais comum em negros, deve-se a uma mutação em ponto (T-33C) na região promotora do FY*B(104). Essa mutação acarreta o rompimento do sítio de ligação para o fator de transcrição eritróide GATA-1, abolindo a expressão dos antígenos Duffy na superfície da hemácia, não impedindo, entretando, que esses estejam presentes em outros tecidos(20, 103). A frequência do fenótipo Fy(a-b-) varia de aproximadamente 70 % em afro-americanos a 100% em Gâmbia(86, 105), enquanto em doadores de sangue negróides da cidade de São Paulo a prevalência foi de 67%(106). Em um estudo com doadores de sangue afroamericanos e brancos, visando desvendar os mecanismos que determinam a expressão reduzida de antígenos Duffy, os autores concluíram que, dependendo da população, há no mínimo dois mecanismos causadores dessa redução: um se relaciona com o silenciamento da transcrição do alelo FYB, conforme referido acima, e o outro com o comprometimento da translação e/ou estabilidade da proteína(107). A glicoproteína Duffy é o receptor para a invasão dos eritrócitos pelos parasitas causadores de malária em humanos e símios, Plasmodium Vivax e Plasmodium Knowlesi, respectivamente(102). Hemácias com o fenótipo Fy(a-b-) são resistentes à invasão por esses parasitas, configurando-se uma vantagem seletiva dos indivíduos Duffy negativos em áreas com endemicidade elevada para malária(102). Por outro lado, a presença de um único alelo FYB mutado resulta na expressão de apenas 50% da proteína Duffy na superfície das hemácias, o que poderia ocasionar uma invasão parasitária limitada(107, 108). O conhecimento sobre o papel biológico do antígeno Duffy teve um impulso importante quando Darbonne e cols. descobriram um novo receptor de quimiocinas ou citocinas quimioatrativas na superfície das hemácias(109). Atualmente sabe-se que antígenos do grupo sanguíneo Duffy são carreados pelo Duffy antigen receptor for chemokines (DARC, também denominado CD234), uma glicoproteína expressa nas hemácias, células endoteliais de vênulas pós-capilares do corpo inteiro, além de células epiteliais de órgãos não eritróides(23). O DARC, além de receptor de Plasmodium, é também um receptor multiespecífico de alta afinidade para quimiocinas proinflamatórias como a interleucina-8 (IL-8), RANTES (Regulated upon Activation, Normal T-cell Expressed, and Secreted ou CCL5) e Monocyte Chemoattractant Protein-1 ( MCP-1)(110). 32 O DARC endotelial é necessário para o recrutamento, mediado por quimiocinas, de leucócitos para os sítios de inflamação, além do transporte transendotelial dessas citocinas(110). Estudos in vitro e in vivo sugerem que o DARC eritrocitário liga-se a quimiocinas, assim como as retira de sítios de produção exacerbada dessas proteínas, como locais de inflamação, prevenindo a ativação de leucócitos na circulação sanguínea e atuando na modulação da inflamação (23),(109). Os mecanismos envolvidos na liberação de quimiocinas ligadas ao DARC não estão ainda completamente esclarecidos. De acordo com Schnabel e cols., a coagulação sanguínea poderia liberar quimiocinas do reservatório Duffy, através da liberação de MCP-1 das plaquetas e de células mononucleares do sangue periférico(110). A ausência de DARC na superfície das hemácias tem importância fisiológica, considerandose que pessoas Duffy negativas tem a leucometria e a contagem média de neutrófilos mais baixas(111), assim como aumento da falência de pega de enxerto em pacientes submetidos a transplante renal(112). Estudo recente em pacientes com doença falciforme revelou níveis mais altos de quimiocinas ligadas ao DARC, como IL-8 e RANTES, em indivíduos Duffy positivos do que nos Duffy negativos(23). Por outro lado, uma condição clínica denominada neutropenia étnica benigna foi recentemente descrita, em que contagens mais baixas de neutrófilos em indivíduos de ancestralidade africana foram demonstradas. Nesse estudo essa condição foi atribuída ao polimorfismo rs2814778 no locus DARC, que caracteriza o alelo FY*B null(113). A hipótese de o fenótipo Fy(a-b-) estar associado a um curso clínico mais severo em pacientes com anemia falciforme tem sido defendida por alguns autores havendo, contudo, opiniões em contrário(114),(115). 33 IV JUSTIFICATIVA A distribuição dos fenótipos clínicos vasoclusão/hiperviscosidade e hemolítico em pacientes com doença falciforme em nosso meio não é conhecida, não havendo publicações a respeito. Outrossim, o diagnóstico tardio dessa hemopatia na Bahia, um estado majoritariamente afrodescendente, permanece um desafio a ser vencido. A despeito da instituição do diagnóstico neonatal da doença falciforme a partir de 2001, para os pacientes nascidos antes desse período permanece a dificuldade de acesso ao diagnóstico, que permitiria o acompanhamento multidisciplinar que o manejo adequado da doença exige. Na Bahia não são conhecidas as repercussões clínicas do retardo no diagnóstico dessa doença, não havendo publicações abordando o tema. Entre essas possíveis repercussões encontra-se o desenvolvimento de aloanticorpos eritrocitários, decorrentes de transfusões de hemácias, efetuadas muitas vezes sem que o diagnóstico da hemoglobinopatia tenha sido estabelecido, não raramente mal indicadas e sem que os pacientes recebam o componente hemoterápico preconizado para tal, quando necessário: hemácias pobres em leucócitos e fenotipadas. Embora a aloimunização seja uma complicação potencialmente séria na medicina transfusional, desconhece-se seu impacto sobre a evolução clínica na doença falciforme, quando são comparados pacientes com e sem essa complicação. As publicações sobre o tema concentram-se sobretudo nas indicações das transfusões sem , todavia, abordar possíveis efeitos do diagnóstico tardio. Entre os antígenos eritrocitários, passíveis de provocar aloimunização, destaca-se o antígeno Duffy, de grande interesse não só na medicina transfusional mas também devido ao seu importante papel na inflamação. O perfil antigênico Duffy não é conhecido na população com doença falciforme em nosso meio. Da mesma forma não existem estudos abordando a interação desse antígeno eritrocitário com a co-herança de talassemia alfa e dos haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta. 34 Considerando-se que a doença é um estado proinflamatório com grande variabilidade clínica, avaliamos o impacto do diagnóstico tardio, da aloimunização e do antígeno Duffy em pacientes com doença falciforme, além da interação desses com a talassemia alfa e os haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta. 35 V OBJETIVOS DO ESTUDO V.1 OBJETIVO PRINCIPAL Estimar a influência da aloimunização eritrocitária sobre o perfil clínico de pacientes com a doença falciforme. V.2 OBJETIVOS SECUNDÁRIOS Conhecer a repercussão do diagnóstico tardio da doença sobre a evolução clínica de pacientes com doença falciforme. Analisar a relação existente entre o fenótipo e o genótipo do sistema de antígenos eritrocitários Duffy e a expressão clínica da doença falciforme. Conhecer a distribuição dos fenótipos clínicos hemolíticos e vasoclusão/hiperviscosidade em pacientes com doença falciforme. Estimar a contribuição dos haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta sobre o quadro clínico na doença falciforme. Conhecer a influência da talassemia α-2 deleção de 3.7kb sobre a variabilidade fenotípica da doença falciforme. 36 VI. PACIENTES, MATERIAIS E MÉTODOS VI.1 DESENHO DO ESTUDO Trata-se de um estudo desenvolvido em duas etapas: a primeira, do tipo seccional, e a segunda do tipo coorte ambispectivo. Na segunda etapa efetuou-se um corte transversal no momento da inclusão do paciente no estudo. VI.2 POPULAÇÃO DO ESTUDO O estudo foi realizado com pacientes procedentes do ambulatório da Fundação de Hematologia e Hemoterapia da Bahia – HEMOBA, localizado em Salvador / Bahia. Todos os pacientes tinham diagnóstico confirmado de doença falciforme. VI.3 LOCAL DE REALIZAÇÃO DO ESTUDO A Fundação Hemoba é uma instituição especializada em hematologia e hemoterapia, centro de referência para hemopatias benignas, entre essas a doença falciforme. No serviço estão matriculados mais de 2000 pacientes com a doença, a maioria anemia falciforme, sendo um terço desses, crianças. O serviço conta com protocolos de acompanhamento dos pacientes com a doença, havendo prontuário padronizado para o atendimento pediátrico. No ambulatório são realizadas consultas multidisciplinares e testes laboratoriais (hematologia de adultos e pediátricas, odontologia, fisioterapia, hepatologia, enfermagem, psicologia, Doppler transcraniano e outros), transfusões de hemocomponentes e hemoderivados, curativos, sangrias terapêuticas, atendimento à crise dolorosa, aplicação e dispensação de medicamentos. Na primeira consulta os pacientes com doença falciforme coletam amostra para fenotipagem eritrocitária, desde que não tenham recebido transfusão sanguínea nos últimos 3 meses. No serviço são realizadas uma média de 270 transfusões de hemácias ao mês em pacientes com patologias diversas, sendo aproximadamente 24% em pacientes com doença falciforme. Na Fundação Hemoba, antes de 2004 as hemácias para transfusões eram tipadas apenas para os antígenos ABH-D. A partir desse ano a rotina imunohematológica pré-transfusional foi modificada, incluindo-se a fenotipagem para os antígenos eritrocitários Rh C,c,E,e Kell. 37 O ambulatório da Fundação Hemoba funciona de segunda a sexta-feira no horário de 07:00 as 19:00 horas. VI.4 SELEÇÃO DA AMOSTRA VI.4.1 Fase retrospectiva Foram elegíveis para essa etapa pacientes com 18 anos de idade ou mais, com diagnóstico de doença falciforme (SS ou SC). VI.4.1.1 Critérios de inclusão na fase retrospectiva Nessa etapa os critérios de inclusão foram ter diagnóstico de doença falciforme (SS ou SC) , ter recebido no mínimo 3 transfusões de hemácias de 2004 a 2007 e ter pelo menos 18 anos de idade. O número mínino de transfusões foi determinado com base no estudo de Sarnaik e cols. que, estudando aloimunização em pacientes com doença falciforme, encontraram uma média de 3 transfusões no grupo de pacientes que não desenvolveram esse tipo de complicação(116). Pacientes com menos de 18 anos não foram selecionados porque quase todos os pacientes desta faixa etária, que receberam transfusões no ambulatório da Fundação Hemoba, tiveram AVE como a principal indicação das mesmas. Foi considerado que esse fato poderia representar um vício de amostragem importante. Dos pacientes incluídos nessa fase, 24 preencheram os critérios de inclusão para ambas as etapas do estudo. VI.4.2. Fase prospectiva Nessa fase foram selecionados pacientes com diagnóstico de anemia falciforme (todos homozigotos SS), que compareceram para uma ou mais avaliações hematológicas no ambulatório da Fundação HEMOBA, sequencialmente, no período de 01 de novembro de 2008 a 30 de maio de 2009. No comparecimento à consulta de rotina o paciente era convidado a participar do estudo e, caso concordasse, era assinado o TCLE (Apêndice A) e coletada amostra de sangue total. Durante o acompanhamento os pacientes compareceram a cada 3, 4 ou 6 meses para revisões hematológicas, de acordo com a gravidade de cada caso (o período de observação abrangeu do momento da inclusão no estudo até dezembro de 2010). Para 38 uniformização do período de observação, considerando-se os tempos diferentes de inclusão do paciente no estudo, dados clínicos, como o número de crises dolorosas e internações hospitalares, são referentes aos últimos 5 anos de evolução de cada caso. O uso de hidroxiureia não foi considerado critério de exclusão e 12 pacientes faziam uso dessa droga quando incluídos no estudo (11,0%). Na análise dos dados, quando necessário, esses casos foram excluídos, sendo feita a ressalva pertinente no texto. A paciente que engravidou durante o período do estudo foi mantida no mesmo. VI.4.2.1 Critérios de inclusão na fase prospectiva Para ser incluído nessa fase do estudo o paciente devia ter diagnóstico de anemia falciforme , ter pelo menos 12 anos de idade, estar assintomático há pelo menos 30 dias, não ter recebido transfusão sanguínea nos últimos 3 meses, concordar em ser submetido a coleta de amostra de sangue e assinar o TCLE. A inclusão de pacientes a partir de 12 anos nessa fase do estudo decorreu de publicação sobre hipertensão pulmonar em crianças com doença falciforme, sugerindo que essa complicação, antes considerada rara na infância/adolescência, pode ocorrer precocemente nesses doentes(117). Por essa razão foi considerada relevante a inclusão de pacientes mais jovens no estudo. Uma vez que nessa fase foram selecionados pacientes que tivessem ou não recebido transfusões de hemácias, a inclusão de pacientes com menos de 18 anos não foi considerada um viés de amostragem importante. Foram convidados 110 pacientes, tendo 109 dado sua anuência em participar. Desses, 24 já haviam sido incluídos na primeira fase. No caso de menores de 18 anos o TCLE foi assinado pelos pais ou responsáveis. A Figura 3 resume as especificidades do estudo quanto ao número de participantes, diagnósticos e fases do mesmo. Figura 3 – Resumo do número de pacientes, diagnósticos e fases do estudo. Vinte e quatro pacientes preencheram critérios para inclusão em ambas as fases do estudo. PACIENTES DO ESTUDO FASE 1 FASE 2 108 pacientes 109 pacientes (105 SS; 3 SC) (todos SS) 39 VI.5 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO PARA AMBAS AS FASES DO ESTUDO Foi excluído do estudo qualquer paciente que não atendesse a pelo menos um dos critérios de inclusão, especificados anteriormente para qualquer das etapas definidas para o estudo. VI.6 METODOLOGIA PARA A OBTENÇÃO DOS DADOS VI.6.1 Fase retrospectiva A fonte dos dados foi o livro de registro de transfusões do ambulatório da Fundação Hemoba, onde constam dados de identificação do paciente, diagnóstico, data da transfusão, características do hemocomponente transfundido e a ocorrência ou não de reação transfusional. Pacientes com 18 anos ou mais, que tenham recebido pelo menos 3 transfusões de hemácias de 2004 a 2007 foram elegíveis para o estudo. Através da revisão dos prontuários médicos, foram registrados os dados demográficos, clínicos, transfusionais e imunohematológicos de cada doente. O número de transfusões, que o paciente tivesse recebido antes de ser encaminhado para a Fundação Hemoba, foi registrado baseado na informação do próprio paciente, familiares, relatórios médicos ou busca em prontuários médicos de outras instituições, sempre que possível. Os dados foram coletados de acordo com questionário específico construído para o estudo (Apêndice B). VI.6.2 Fase prospectiva Depois do consentimento do paciente, foram coletados 15 ml de sangue total, separados a seguir em 3 tubos, sendo 2 com EDTA (tampa roxa ) e o terceiro sem anticoagulante. Dos 2 frascos com EDTA, um foi reservado para extração de DNA que, depois de extraído e aliquotado, foi destinado à determinação da genotipagem de grupos sanguíneos eritrocitários, além de haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta e talassemia alfa-2 deleção de 3.7kb. A extração do DNA foi realizada no laboratório de biologia molecular do Centro de Pesquisas Gonçalo Muniz – FIOCRUZ. A determinação dos haplótipos foi realizada nesse serviço, de acordo com técnica previamente descrita(118), o mesmo ocorrendo com a identificação de talassemia alfa-2 deleção de 3,7kb, realizada segundo a técnica de Dodé e cols.(119). 40 A genotipagem de grupos sanguíneos foi realizada no laboratório de imunohematologia da UNICAMP. As técnicas empregadas na realização da genotipagem foram PCR multiplex para a genotipagem RHD e RHD pseudogene(120) e genotipagem em larga escala através de microarray (Kit BeadChip Human Erythrocyte Antigen - HEA - BioArray Solutions, Warren, NJ, USA)(121). Desse sistema constam todos os reagentes necessários para a execução do procedimento, além de sondas específicas referentes aos sítios dos seguintes polimorfismos: RHCE, FY (incluindo FY-GATA e FY265), DO (incluindo HY e JO), CO, DI, SC, GYPA, GYPB (incluindo marcadores que permitiam a identificação das variantes U-negativo e Uvariante), LU, KEL, JK, LW e uma mutação associada a hemoglobinopatia (HbS). O segundo tubo com EDTA foi encaminhado para realização de fenotipagem eritrocitária e pesquisa de anticorpo irregular (PAI) no laboratório de imunohematologia da Fundação Hemoba, realizados através da técnica em gel (Gel Teste - ID-Micro Typing System, Diamed®). O tubo sem anticoagulante foi centrifugado para separação do soro, que foi congelado a – 900C para realização posterior de proteína-C reativa no laboratório de análises clínicas da Faculdade de Farmácia da UFBA. Os dados clínicos e laboratoriais dos pacientes foram coletados dos prontuários médicos de acordo com questionário construído especificamente para o estudo (Anexo C). VI.8 VARIÁVEIS DO ESTUDO Foram consideradas as variáveis demográficas (idade, gênero, procedência, idade ao diagnóstico), perfil hematológico (hemoglobina, leucometria, número de neutrófilos e plaquetas, hemoglobina fetal, reticulócitos), número de crises dolorosas/ano, número de infecções/ano, número total de hospitalizações/ano, complicações da doença (osteonecrose, úlcera maleolar, acidente vascular encefálico, priapismo), número de transfusões, idade na primeira transfusão (se antes ou depois dos 10 anos de idade), indicações das transfusões, número e especificidade de aloanticorpos, bioquímica do sangue (creatinina, bilirrubinas, desidrogenase lática, aspartato transaminase, alanina transaminase, proteína C-reativa). Para os perfis hematológico e bioquímico foram consideradas as médias aritméticas dos últimos 3 41 exames registrados no prontuário médico. A proteína C-reativa foi obtida a partir do soro coletado no momento da inclusão do paciente no estudo, uma vez que este teste não consta no protocolo de acompanhamento dos pacientes na instituição onde a pesquisa foi realizada. Outras variáveis do estudo foram a talassemia alfa-2 deleção de 3.7kb, fenotipagem Duffy referente aos antígenos Fya e Fyb, genótipo FYA, FYB e FY-GATA e haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta. VI.9 DEFINIÇÃO DAS SÍNDROMES CLÍNICAS Foi considerado como diagnóstico tardio a identificação da doença falciforme após 12 meses de idade. Essa definição levou em consideração o fato das crises dolorosas nessa doença poderem ocorrer tão precocemente quanto aos 6 meses de vida, exigindo manejo adequado(122). Adicionalmente considerou-se que os pacientes cujo diagnóstico foi estabelecido com atraso deixaram de se beneficiar total ou parcialmente do uso profilático de penicilina e vacinas especiais que, em crianças com a doença, devem ser iniciados aos 2 meses de idade(123). Pode-se acrescentar ainda que estudos tem demonstrado que o diagnóstico precoce e o acompanhamento multidisciplinar são componentes importantes na redução da mortalidade e morbidade na doença falciforme, além de contribuírem para a melhoria da qualidade de vida desses doentes(40, 124). Foi considerado assintomático ou steady state o paciente que estivesse bem, sem queixas clínicas, crises dolorosas ou outras há pelo menos 30 dias(125). A crise dolorosa foi definida como episódio agudo de dor óssea em qualquer localização ou abdominal, que necessitou uso de analgésicos em domicílio ou ambiente hospitalar(126). As infecções foram definidas com base na sintomatologia clínica, como febre, sintomas e sinais respiratórios, genitourinários, digestivos ou outros, associados ou não a crise álgica. Osteonecrose foi definida como dor local e função articular reduzida, com necrose da cabeça femoral ou umeral documentada através de radiografia e/ou ressonância magnética, ou relato de intervenção cirúrgica para osteonecrose(127). 42 Priapismo foi definido como ereção peniana prolongada, não provocada ou não associada a desejo sexual, com duração variável(5). O acidente vascular encefálico (AVE) foi definido como deficit neurológico agudo, como paresia, hemiplegia ou outros, que tenha ou não resultado em sequelas permanentes(126). Úlcera maleolar foi definida como ulceração em maléolos, ativa ou pregressa, que não tenha cicatrizado em 3 meses, não explicada por outra causa(67). O diagnóstico de colelitíase foi estabelecido através de ultrassonografia de abdome. Qualquer paciente com priapismo, úlcera maleolar, AVE ou hipertensão pulmonar foi considerado portador de fenótipo hemolítico, enquanto pacientes com osteonecrose ou crises dolorosas frequentes (3 ou mais ao ano com necessidade de atendimento em serviço de urgência) foram incluídos no fenótipo vasoclusão/hiperviscosidade(65, 80, 128) . Pacientes sem critérios clínicos para inclusão nesses fenótipos foram considerados como de fenótipo de tipo indeterminado. A hipertensão pulmonar no grupo estudado foi apenas referencial, baseado em resultados (laudos) de ecocardiografia realizada em serviços distintos. Os pacientes foram considerados como portadores de hipertensão pulmonar quando o ecocardiograma, realizado em pacientes assintomáticos, fora de episódio agudo, apresentasse pressão na artéria pulmonar ≥25 mmHg ou quando a velocidade de regurgitação tricúspide fosse ≥2,5m/s(71). Entretanto, considerando não ter havido padronização na realização do teste, reconhecidamente operador-dependente, essa complicação não foi incluída nos resultados. Nenhum paciente foi submetido a cateterismo cardíaco. VI.10 ANÁLISE ESTATÍSTICA O programa estatístico SPSS versão 15.0 foi utilizado para a construção do banco de dados e realização da análise estatística. A prova de Kolmogorov-Smirnov foi utilizada para testar se uma determinada variável apresentava distribuição normal, sendo que cada variável foi avaliada individualmente. Os testes do Qui-quadrado ou de Fisher foram utilizados para a 43 análise das proporções, enquanto as variáveis contínuas com distribuição normal foram analisadas através do teste-t de Student para amostras independentes. Para variáveis contínuas que não atendiam os parâmetros de normalidade os testes Mann-Whitney ou Kruskall-Wallis foram os escolhidos. Para comparar as diferenças entre mais de dois grupos foi utilizada a análise da variância (ANOVA), no caso de variáveis com distribuição gaussiana, com o método de Bonferroni como pós-teste. A estatística multivariável foi realizada através de regressão logística binária para variáveis categóricas. Foram utilizadas no modelo backward as variáveis com p≤0,20. Valores de p0,05 foram considerados significantes e todos os testes foram bicaudais. VI.11 ASPECTOS ÉTICOS O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências sob n0 47/2007. Antes da inclusão dos pacientes no estudo os mesmos (ou seus representantes legais) assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que constitui o Apêndice A. 44 VII RESULTADOS VII.1 FASE RETROSPECTIVA DO ESTUDO Na primeira etapa do estudo, foram incluídos 105 pacientes homozigotos SS e 3 com hemoglobinopatia SC. Na tabela 1 estão resumidos os principais dados clínicos e laboratoriais desse grupo de doentes. A amostra constou de 48 pacientes do gênero masculino e 60 do feminino, cujas idades variaram de 18 a 61 anos, média 32,2±10,8 anos. Dos 108 pacientes, 56 desenvolveram aloimunização (51,8%), sendo a média de idade 30,1± 8,1 para os aloimunizados (ALO) e 34,3±12,4 anos para os não aloimunizados (N-ALO), diferença estatisticamente significante (p=0,041). A alossensibilização foi mais prevalente no gênero feminino, com 36 casos em 60 pacientes (60%), contra 20 casos em 48 pacientes no masculino (41,6%), p=0,033. O diagnóstico tardio da doença falciforme ocorreu tanto em pacientes ALO quanto N-ALO, em média aos 13,4±11,4 anos versus 13,1±10,9 anos, respectivamente. O número de transfusões recebidas foi mais alto no grupo de pacientes ALO, porém sem significância estatística (ALO com média de 15,4 ± 11,6 concentrados de hemácias e 12,0± 9,0 em N-ALO). O número de transfusões em ambos os grupos variou de 3 a mais de 50 unidades de concentrados de hemácias. Quarenta e nove pacientes (26 ALO e 23 N-ALO, 45,4% da amostra ) receberam a primeira transfusão de hemácias antes dos 10 anos de idade, enquanto 33 (17 ALO e 16 N-ALO) foram transfundidos pela primeira vez entre 11 e 20 anos (30,5%). Essa diferença não alcançou significância estatística. 45 Tabela 1 – Características clínicas e laboratoriais de pacientes com doença falciforme estudados na fase retrospectiva. Variáveis Idade (anos) Gênero (M/F) Hemoglobina (g/dl) Leucócitos x 103/mm3 Neutrofilos x 103/mm3 Plaquetas x 103/mm3 Reticulocitos ( % ) Hemoglobina fetal (%) Coombs direto positivo ALT (U/L) AST (U/L) DHL (U/L) Ureia (mg/dL) Creatinina (mg/dL) Úlcera maleolar (%) Osteonecrose (%) AVE (%) Nefropatia (%) Cardiopatia (%) Retinopatia (%) Número de transfusões Número* 108 108 105 104 97 101 84 70 100 103 70 95 98 108 108 106 63 55 51 95 Aloimunizados (N=56) 30,1 (±8.1) 20/36 7,2 (±1.6) 12,6 (±3.8) 7,9(±5.8) 413,2(±169) 7,0 (±5.3) 6,8 (±5) 22/52 31,9±18,4 47,0±22,5 886,4(±451,6) 27,36(±17,56) 0,72(±0,3) 28/56 (50) 10/56 (17,8) 4/51 (7,8) 9/24 (37,5) 8/37 (21,6) 4/14 (28,6) 15,4 (±11,6) Não aloimunizados (N=52) 34,3 (±12,4) 28/24 7,5 (±1,2) 11,5 (±3.6) 6,5(±3.8) 385,9 (±123) 6,5 (±4.5) 8,3(±5) 1/48 32,6±15,7 55,9±31,7 1046,9 (± 759,4) 36,56 (±39,73) 0,85(±0,5) 31/52 (59,6) 12/52 (23,1) 4/55 (7,3) 22/39 (56,4) 14/18 (77,8) 24/37 (64,9) 12.0 (±9.0) P 0,041¹ 0,081¹ 0,235¹ 0,125¹ 0,157¹ 0,319¹ 0,631¹ 0,234¹ 0,0001 0,827¹ 0,103¹ 0,283¹ 0,141¹ 0,144¹ 0,340² 0,634² 1,000² 0,145² 0,0001² 0,020² 0.095¹ NOTAS: *Número de pacientes com dados disponíveis. ¹Teste t de Student para variáveis independentes; ²Teste do Qui-quadrado. Valor de p0,05 considerado estatísticamente significante. Todos os testes foram bicaudais. Abreviaturas: ALT - alanina transaminase; AST - aspartato transaminase; DHL - desidrogenase lática; AVE - acidente vascular encefálico. Os aloanticorpos mais prevalentes nesse primeiro grupo estudado estão sumarizados na tabela 2. Em 19 dos 56 pacientes ALO (33,9%), anticorpos eritrocitários múltiplos foram identificados (máximo de 6 em um único indivíduo). Não foi possível identificar o anticorpo presente em 10,2% dos pacientes ALO. O teste direto de Coombs foi positivo em 22 pacientes ALO e em apenas um N-ALO (p=0,0001). Os autoanticorpos eram do tipo IgG, reativos a 370C com um padrão típico de panaglutinação no eluato. Todos os pacientes que apresentaram autoanticorpos, à exceção de um, eram previamente aloimunizados. Hemólise imune clinicamente significativa ocorreu em raros pacientes, tratados com prednisona, e evoluindo favoravelmente. Não foi registrado nenhum caso de reação transfusional hiperhemolítica. As principais indicações das transfusões de hemácias em pacientes ALO e N-ALO foram anemia sintomática, úlcera maleolar e crise dolorosa severa. Entre os ALO a anemia foi a principal indicação transfusional em 73% dos casos, enquanto crise álgica e úlcera de perna 46 responderam por 13,5% cada como motivo para a prescrição de transfusões. No grupo de pacientes N-ALO essas complicações responderam por 44,4%, 8,9% e 13,3% das indicações de transfusões, respectivamente. Outras indicações transfusionais menos frequentes foram infecções complicadas, gestação, priapismo, disfunção renal, complicações cardíacas, hipertensão pulmonar, síndrome torácica aguda, AVE e preparo para cirurgia. Complicações renais como elevação progressiva da creatinina, micro e macroalbuminúria e insuficiência renal crônica foram identificadas em pacientes ALO e N-ALO. Outros tipos de complicações como as cardíacas (arritmias, valvulopatias, insuficiência cardíaca) e a retinopatia foram mais frequentes entre pacientes N-ALO (p=0,0001 e 0,020, respectivamente). Tabela 2 – Aloanticorpos identificados em pacientes com doença falciforme estudados na fase retrospectiva. Aloanticorpos Anti-E Anti-K Anti-C Anti-Fya Anti-Lea Anti-Leb Anti-e Anti-D Anti-M Anti-c Anti-Fyb Anti-Jkb Anti-S Anti-VS Anti-Lua Frequência 25 12 9 3 3 3 2 2 2 2 1 1 1 1 1 Porcentagem (%) 39,3 21,4 16,1 5,3 5,3 5,3 3,6 3,6 3,6 3,6 1,8 1,8 1,8 1,8 1,8 NOTA: os aloanticorpos foram identificados tanto isoladamente como em combinação com outros anticorpos eritrocitários. Um paciente desenvolveu 6 aloanticorpos ao mesmo tempo. VII.2 FASE PROSPECTIVA DO ESTUDO Dos 109 pacientes com anemia falciforme estudados nessta etapa, 53 eram do gênero masculino (48,6 %) e 56 do feminino (51,4%), com idade cronológica global variando de 12 a 63 anos (média 30,2±10,8 e mediana 29,0 anos). Nas mulheres a média de idade cronológica foi 32,3±12,0, mediana 31 e nos homens 27,9 ± 9,1 anos, mediana 26 (p= 0,037). Considerando-se todos os pacientes, a idade na ocasião do diagnóstico foi em média 12,9± 11,8 anos com mediana 9,0, tendo sido estabelecido desde zero até 47 anos. No gênero feminino o diagnóstico de anemia falciforme ocorreu em média aos 15,9±12,1 anos, mediana 15,0, enquanto no masculino a média de idade ao diagnóstico foi 9,3±10,1 anos com mediana 47 5,0 (p=0,005). Na tabela 3 estão sumarizados os dados clínicos e laboratoriais dos pacientes, de acordo com a idade ao diagnóstico, estratificados em 3 grupos: pacientes cujo diagnóstico foi estabelecido no primeiro ano de vida, pacientes com diagnóstico entre 13 e 60 meses de idade e pacientes que tiveram a doença diagnosticada após os 60 meses de idade. Tabela 3 – Principais dados clínicos e laboratoriais de pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, de acordo com a idade na ocasião do diagnóstico. Variáveis Gênero (M/F) Idade atual (anos) Idade no diagnóstico (anos) Hemoglobina (g/dL) Leucócitos x 10 3/m m3 Neutrófilos x 10 3/m m3 Plaquetas x 10 3/m m3 Reticulócitos ( % ) Desidrogenase lática (U/L) Hemoglobina fetal (%) AST (U/L) B. indireta (mg/dL) Creatinina (mg/dL) Ferritina (ng/L) AVE (%) Osteonecrose (%) Sequestro esplênico (%) Retinopatia (%) Úlcera maleolar (%) Colelitíase (%) Priapismo(%) Anemia Falciforme (N=99) Diagnóstico no Diagnóstico entre Diagnóstico após primeiro ano de 13 e 60 meses de 60 meses de vida vida (N=15) vida (N=26) (N=58) 12/3 14/12 21/37 23,9±5,6 27,4±9,5 32,9±11,9 _ 2,9±1,4 20,4±10,2 8,0±1,1 8,7±1,3 8,2±1,5 14,1±6,0 11,1±4,2 11,3±3,8 6,7±2,4 6,0±3,2 6,3±2,9 413,1±178,9 379,4±86,3 399,2±166,1 9,6±8,3 6,6±3,4 7,5±4,2 1001,4±388,1 607,9±22,4, 821,3±585,9 6,8±4,4 7,6±4,4 8,5±5,9 47,7±20,6 48,0±18,2 48,1±21,5 3,8±2,3 2,5±2,4 2,1±1,6 0,6±0,2 0,6±0,2 0,7±0,4 411,6±531,5 316,7±294,3 395,9±357,7 4/15 (26,6) 4/26 (15,4) 4/58 (6,9) 1/15 (6,6) 6/26 (23,0) 8/58 (13,8) 2/15 (13,3) 1/26 (4,0 ) 0 1/15 (6,6) 0 8/58 (13,8) 7/15(46,6) 5/26 (19,2) 21/58 (36,2) 6/15(40) 13/26 (50,0) 30/58(51,7) 2/12 (13,3) 2/14(14,3) 4/21 (19,0) p 0,005¹ 0,185¹ 0,073¹ 0,789¹ 0,779¹ 0,593 0,106² 0,593² 0,979¹ 0,043² 0,346² 0,657² 0,024³ 0,211³ 0,026³ 0,088³ 0,137³ 0,582³ 0,869³ NOTAS: p0,05 considerado estatisticamente significante. Os valores de p são de testes bicaudais. ¹ANOVA; ²Kruskal-Wallis; ³Teste do Qui-quadrado. Abreviaturas: DP-desvio padrão; AST- aspartato transaminase; ALT- alanina transaminase; B- bilirrubina; AVE - acidente vascular encefálico. Cinquenta e seis pacientes (51,4%) eram procedentes de Salvador, 12 da região metropolitana de Salvador (11,0%) e 41 de municípios mais distantes da capital (37,6%). Durante o período de observação 7 pacientes foram a óbito (6,4%), sendo 4 do gênero feminino, entre esses uma paciente primigesta no terceiro trimestre de uma gestação gemelar. A gestante e mais 2 pacientes desenvolveram sepse, uma paciente faleceu por complicações relacionadas a insuficiência renal crônica, um paciente com hipertensão pulmonar faleceu por cor pulmonale e 2 pacientes foram a óbito por causa desconhecida. As idades dos pacientes que faleceram foram 21, 22, 29, 30, 51, 57 e 63 anos (média 39,0, mediana 30,0 anos). 48 A tabela 4 sumariza os principais dados demográficos e complicações clínicas apresentadas pelos pacientes estudados na fase prospectiva. As médias de crises dolorosas, hospitalizações e infecções anuais, considerados os últimos 5 anos, não apresentaram diferença estatística entre os gêneros, à exceção da idade cronológica e idade ao diagnóstico da anemia falciforme, mais elevadas no feminino (p=0,037 e 0,005, respectivamente). No gênero masculino as úlceras maleolares foram mais frequentes do que no feminino (37,7% contra 33,9%, respectivamente), porém sem alcançar significância estatística. Igualmente mais prevalentes no gênero masculino, os acidentes vasculares encefálicos ocorreram em 9 dos 53 pacientes (17%), enquanto no feminino 5 em 56 (8,9%) foram acometidos por essa complicação neurológica. Esta diferença, entretanto, não se mostrou significante (p=0,259). A colelitíase prevaleceu no gênero feminino, também sem significância estatística (p=0,794). Priapismo foi uma complicação apresentada por 12 dos 53 pacientes do gênero masculino (22,6%) em algum momento da evolução clínica, mais frequentemente do tipo recorrente. Na tabela 5 estão sumarizados os principais parâmetros laboratoriais do grupo estudado, tendo sido excluídos os dados referentes a 12 pacientes em uso de hidroxiureia. Tabela 4 – Dados demográficos e principais complicações clínicas em pacientes assintomáticos com anemia falciforme estudados na fase prospectiva. Gênero Masculino N=53 Gênero Feminino N=56 P 27,9±9,1 9,3±10,1 32,3±12,0 15,9±12,0 0,037¹ 0,005¹ Complicações clínicas N0 crises/ano N0 hosp./ano Infecções/ano Osteonecrose (%) 2,45±2,2 0,72±1,0 0,47±0,5 10/53 (18,9) 2,46±1,9 0,70±0,8 0,43±0,6 11/56 (19,6) 0,977² 0,913² 0,702² 1,000³ Úlcera maleolar (%) AVE (%) Colelitíase (%) Priapismo (%) 20/53 (37,7) 9/53 (17,0) 26/46 (56,5)4 12/53 (22,6) 19/56 (33,9) 5/56 (8,9) 31/49 (63,3)4 - 0,694³ 0,259³ 0,794³ - Variáveis Dados demográficos Idade (anos) Id. ao diagnóstico ( anos ) NOTAS: ¹Teste t de Student para amostras independentes; ²Teste de Mann Whitney; ³Teste do Qui-Quadrado. p 0,05 considerado estatisticamente significante. Os valores de p são de testes bicaudais. 4 Sete pacientes de cada gênero não realizaram ultrassonografia do abdome. Abreviaturas: Id. – idade; AVE - acidente vascular encefálico. N0 de crises/ano - número total de crises dolorosas/ano; N0 hosp./ano - número total de hospitalizações/ano. Os pacientes em uso de hidroxiureia foram mantidos nesta tabela por não ter havido diferença nos resultados com e sem a droga. Na variável “idade ao diagnóstico” a variação maior que a média reflete diagnóstico realizado com menos de 1 ano de idade; para as variáveis “ número de hospitalizações” e infecções/ano”, menos de 1 episódio ao ano, respectivamente. 49 No gênero feminino foram mais elevadas a hemoglobina fetal (9,2 ± 5,8 % contra 6,6 ± 4,4% no masculino, respectivamente, p=0,016), o VCM (92,9±9,7fl contra 90,6±9,7fl no masculino, p=0,242) e a ferritina (437,7±368,8 ng/dl contra 309,2±304,0 ng/dl no masculino, respectivamente, p=0,083). As demais variáveis, como hemoglobina, leucócitos, neutrófillos, plaquetas, AST, ALT, bilirrubinas, desidrogenase lática, proteína C-reativa, creatinina, foram todas mais elevadas no gênero masculino. As variáveis bilirrubina indireta e bilirrubina total evidenciaram diferença com significância estatística, conforme pode-se verificar na Tabela 5 (p=0,034 e 0,037, respectivamente). A primeira transfusão de hemácias ocorreu no primeiro ano de vida em 5 pacientes (4,6%), entre 1 e 5 anos de idade em 30 (27,5%), de 6 a 10 anos em 13 (11,9%), entre 11 e 20 anos em 24 (22%), de 21 a 30 anos em 15 (13,8%), de 31 a 40 anos em 6 (5,5%) e com mais de 40 anos de idade em 2 pacientes (1,8%). O número de concentrados de hemácias recebidos variou entre zero e mais de 50. Dos 109 casos, quatorze nunca receberam transfusão (12,8%), 38 receberam de 1 a 5 transfusões, 7 receberam de 6 a 10 concentrados de hemácias, 3 receberam de 11 a 20 transfusões e 21% (47 pacientes) foram politransfundidos com mais de 20 unidades de concentrado de hemácias. Tabela 5 – Dados laboratoriais de pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva. Variáveis Hb (g/dL) Leucócitos x 103/mm3 Neutrófilosx103/mm3 VCM (fL) Plaquetas x103/mm3 Reticulócitos (%) Hb Fetal (%) AST(U/L) ALT(U/L) B. direta (mg/dL) B.indireta (mg/dL) B. total (mg/dL) Ferritina ( ng/dL) DHL (mg/dL) PCR ( mg/L) Creatinina ( mg/dL) Masculino* N=48 8,4±1,4 12,3±4,4 7,1±4,1 90,6±9,7 405,8±151,4 7,4±5,3 6,6±4,4 50,6±18,8 29,4±17,3 1,0±0,9 3,1±,2,0 3,7±2,1 309,2±304,0 956,4±531,0 11,3±10,7 0,7±0,5 Feminino* N=49 8,0±1,3 11,4±2,9 6,5±2,6 92,9±9,7 391,8±160,5 7,3±3,8 9,2±5,8 46,3±20,7 27,0±15,9 0,9±1,1 2,4±2,0 3,2±2,5 437,7±368,8 831,6±502,2 8,0±5,1 0,6±0,2 P 0,164¹ 0,247¹ 0,401¹ 0,242¹ 0,658¹ 0,905¹ 0,016¹ 0,292¹ 0,476¹ 0,406² 0,034² 0,037² 0,083² 0,221² 0,143² 0,121² NOTAS: *Os dados de 12 pacientes em uso de hidroxiureia foram excluídos das análises. ¹Teste t de Student para amostras independentes; ²Teste de Mann Whitney. Os valores de p são de testes bicaudais. p0,05 considerado estatisticamente significante. Abreviaturas: Hb - hemoglobina; VCM - volume corpuscular médio; AST- aspartato transaminase; ALT – alanina transaminase; B - bilirrubina; DHL - desidrogenase lática; PCR - proteína C-reativa. 50 Dos 109 pacientes acompanhados prospectivamente, 25 desenvolveram aloimunização (22,9%). Desses, 2 pacientes (1,8%) previamente aloimunizados, apresentaram teste direto de Coombs positivo, sem evidências clínicas de hemólise autoimune. Os anticorpos contra antígenos eritrocitários mais prevalentes nesse grupo de doentes foram anti-K (10/109;9,2%), anti-E (7/109;6,4%) e anti C (3/109;2,8%). Esses aloanticorpos e outros com frequências menores ocorreram tanto isoladamente quanto combinados com outros anticorpos contra antígenos eritrocitários, sendo que em um caso foram identificados 6 aloanticorpos (anti-C, anti-Jkb, anti-Fya, anti-S, anti-VS e anti-K). Esse paciente já fora referido na etapa retrospectiva deste estudo. Na Tabela 6 visualizam-se alguns dados comparativos entre pacientes das duas fases do estudo. A aloimunização foi mais prevalente no grupo que havia recebido pelo menos 3 transfusões de hemácias, critério de inclusão para essa fase do estudo, sendo mais frequentes anticorpos eritrocitáarios anti-E. No grupo estudado prospectivamente, não obrigatoriamente transfundido, os aloanticorpos anti-K prevaleceram. Tabela 6 – Dados comparativos entre os pacientes das fases retrospectiva e prospectiva do estudo. Variáveis Idade (anos) Gênero (M/F) Id.Diagnóstico (anos) Aloimunização (%) Anti-E (%) Anti-K (%) Anti-C (%) CH antes de 10 anos de idade (%) AVE (%) Úlcera maleolar (%) Osteonecrose (%) Fase Retrospectiva N=108 (105 SS; 3 SC) 32,2±10,8 (18-61) 48/60 13,2±11,1 56/108 (51,8) 25/108 (23,1) 12/108 (11,1) 9/108 (8,3) 49/108 (45,4) 8/106 (7,5) 59/108 (54,6) 22/108 (20,4) Fase Prospectiva N=109 (todos SS) 30,2±10,8 (12-63) 53/56 12,9±11,8 25/109 (22,9) 7/109 (6,4) 10/109 (9,2) 3/109 (2,8) 48/109 (44,0) 14/109 (12,8) 39/109 (35,8) 21/109 (19,3) NOTAS: todos os pacientes da fase retrospectiva receberam no mínimo 3 concentrados de hemácias; na fase prospectiva havia pacientes transfundidos e não transfundidos. Abreviaturas: M-masculino; F-feminino; Id.-idade; CH- concentrado de hemácias; AVE- acidente vascular encefálico. A talassemia alfa-2 deleção de 3.7kb foi pesquisada em 78 dos 109 pacientes acompanhados prospectivamente (71,5% da amostra). Genes alfa normais foram identificados em 55 pacientes (70,5%); houve um homozigoto (1,3%) e 22 heterozigotos (28,2%) para o defeito genético pesquisado. Na Tabela 7 encontram-se resumidas as principais complicações clínicas desses pacientes. A osteonecrose foi mais prevalente em pacientes com talassemia alfa positiva, tendendo à significância estatística (p=0,055), enquanto AVE, úlcera maleolar, colelitíase e priapismo não ocorreram diferentemente entre pacientes com e sem essa 51 alteração genética. Na tabela 8 observam-se sumarizados os parâmetros laboratoriais desse grupo de doentes com e sem talassemia alfa-2 deleção de 3.7kb. A hemoglobina foi mais elevada nos pacientes com a mutação (p=0,008), enquanto naqueles sem talassemia alfa o VCM foi mais alto (p=0,012). Os dados de 10 pacientes em uso de hidroxiureia, que tiveram a pesquisa da talassemia alfa realizada, foram excluídos dessas análises. Tabela 7 – Principais complicações clínicas em pacientes com anemia falciforme, com e sem talassemia alfa deleção de 3.7kb, estudados na fase prospectiva do estudo. Variáveis Osteonecrose (%) Úlcera maleolar (%) AVE (%) Colelitíase (%) Priapismo (%) Talassemia alfa Positiva N=18 6/18(33,3) 6/18(33,3) 1/18(5,5) 3/18(16,6) 2/11(18,9) Talassemia alfa Negativa N=50 5/50(10) 21/50(42) 7/50(14,0) 6/50(12,0) 4/23(17,4) p 0,055¹ 0,584¹ 0,671¹ 0,862¹ 1,000¹ NOTAS: ¹Teste do Qui-Quadrado. Os valores de p são de testes bicaudais. p 0,05 considerado estatisticamente significante. Abreviatura: AVE - acidente vascular encefálico. Os dados de 10 pacientes em uso de hidroxiureia, que realizaram pesquisa de talassemia alfa, foram excluídos dessas análises. Tabela 8 – Principais dados laboratoriais em pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, com e sem talassemia alfa deleção de 3.7kb. Variáveis Hb ± DP(g/dL) VCM (fL) Leuco x 10 3/mm3 Neutro x 10 3/mm3 Plaquetas x 103/mm3 Reticulócitos (%) Hb fetal (%) AST ( U/L) ) ALT (U/L) B. Indireta (mg/dL) B.Direta (mg/dL) B. Total (mg/dL) Ferritina (ng/dL) DHL (mg/dL ) PCR (mg/L) Creatinina (mg/dL) Talassemia alfa Positiva N= 18 8,7±1,4 86,2±8,5 11,4±3,6 6,3±2,9 415,9±141,4 6,4±4,0 7,4±5,5 49,0±19,7 26,6±19,2 2,8±1,9 0,7±0,3 3,5±1,9 363,9±374,9 996,8±421,4 8,0±4,5 0,6±0,2 Talassemia alfa Negativa N=50 7,7±1,3 92,6±9,2 11,8±3,2 6,9±3,0 382,3±141,6 7,1±4,9 7,8±5,1 49,2±±21,8 28,4±15,7 2,7±2,2 0,9±1,7 3,4±2,3 374,7±327,0 877,1±572,9 9,4±8,1 0,7±0,4 p 0,008¹ 0,012¹ 0,620¹ 0,488¹ 0,391¹ 0,564¹ 0,713¹ 0,974¹ 0,704¹ 0,499² 0,810² 0,436² 0,770² 0,158² 0,889² 0,478² NOTAS: ¹Teste t de Student para amostras independentes; ²Teste de Mann Whitney. p 0,05 considerado estatisticamente significante. Os valores de p são de testes bicaudais. Abreviaturas: DP-desvio padrão; Hb:hemoglobina;VCM - volume corpuscular médio; Leuco - leucócitos; Neutro - neutrófilos; AST - aspartato transaminase; ALT - alanina transaminase; B - bilirrubina; DHL - desidrogenase lática; PCR - proteína C-reativa. Os dados referentes a 10 pacientes em uso de Hidroxiureia, que realizaram pesquisa de talassemia alfa, foram excluídos dessas análises. 52 Na tabela 9 estão resumidos os dados referentes à fenotipagem Duffy para os antígenos Fya e Fyb. Nos 102 pacientes em que os testes foram realizados, obtivemos os seguintes resultados: em 34,3% dos casos prevaleceu o fenótipo Fy(a-b+), seguido do Fy(a-b-) em 33,3%, Fy(a+b-) em 21,6% e Fy(a+b+) em 10,8%. Em relação ao genótipo, as frequências encontradas em 103 pacientes foram FYA/FYA em 5 casos (4,9%), FYA/FYB em 30 (29,1 % ) e FYB/FYB em 68 (66 %). O genótipo FY/GATA apresentou os seguintes resultados: FYA/FYA 25,5%, FYA/FYB em 41,2% e FYB/FYB em 33,3%. Os dados moleculares do antígeno Duffy encontram-se sumarizados na tabela 10. Foram considerados verdadeiramente Duffy negativos, ou seja, sem expressão eritrocitária de antígenos Duffy, os indivíduos com o fenótipo Fy(a-b-) e FY/GATA FYB/FYB, perfazendo 33,33% dos casos. Tabela 9 – Frequências de fenótipos Duffy em pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva (N=107). Fenótipo Duffy Frequência / % Fy(a+b+) Fy(a+b-) Fy(a-b-) Fy(a-b+) 11 / 10,8 22 / 21,6 34 / 33,3 35 / 34,3 Tabela 10 – Frequências dos genótipos Duffy e FY/GATA em pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva (N=103). Genótipo Duffy AA AB BB Frequência / % 5 / 4,9 30 / 29,1 68 / 66 FY/GATA AA AB BB Frequência / % 26 / 25,5 42 / 41,2 34 / 33/3 A tabela 11 apresenta as principais complicações clínicas relacionadas com o fenótipo Duffy. Foram mais prevalentes nos pacientes Duffy negativos o AVE, o priapismo e a osteonecrose. Entretanto, na análise univariada apenas para essa última complicação houve diferença significante estatisticamente (p=0,004). 53 Tabela 11 – Principais complicações clínicas em pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, de acordo com o fenótipo Duffy. Variáveis Osteonecrose (%) Úlcera maleolar (%) AVE (%) Colelitíase (%) Priapismo (%) Duffy Positivo N=68 8/68(11,8) 25/68(36,8) 7/68(10,3) 36/57(63,1)² 7/36(19,4) Duffy Negativo N=34 13/34(38,2) 12/34(38,2) 6/34(17,6) 18/31(58,1)² 4/13(30,8) P 0,004¹ 1,000¹ 0,350¹ 0,532¹ 0,451¹ NOTAS: ¹Teste do Qui-Quadrado. Os valores de p são de testes bicaudais. p0,05 considerado estatisticamente significante. ²Onze pacientes Duffy positivos e 3 negativos não realizaram ultrassonografia abdominal. Abreviaturas: AVE: acidente vascular encefálico. Os dados referentes aos pacientes com Hidroxiureia foram mantidos na tabela por não ter havido diferença entre a prevalência dessas complicações com e sem uso da droga. O perfil laboratorial dos pacientes Duffy positivos e negativos está sumarizado na tabela 12. Nessa pode-se observar que apenas a plaquetometria, com p=0,067, mostrou-se próxima da significância estatística. Tabela 12 – Dados laboratoriais de pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, relacionados com o Fenótipo Duffy. Variáveis HB±DP(g/dL) VCM (fL) Leuco x 10 3/mm3 Neutro x 10 3/mm3 Plaquetas x 103/mm3 Reticulócitos (%) HB fetal (%) AST ( U/L ) ALT ( U/L) B.indireta (mg/dL) B. direta (mgdL) B. total (mg/dL) Ferritina (ng/dL) DHL (mg/dL ) Proteína-C reativa (mg/L) Creatinina (mg/dL) Duffy Positivo N=62 8,1±1,4 92,3±9,6 12,1±4,4 7,1±3,9 415,1±163,0 6,9±4,1 8,2±5,7 50,7±20,6 28,2±16,3 2,8±2,0 0,8±0,8 3,4±2,1 368,4±248,0 950,5±566,0± 9,7±8,7 0,7±0,3 Duffy Negativo N=29 8,2±1,4 90,1±10,4 11,4±2,4 6,1±2,3 353,7±104,1 7,4±4,0 7,3±4,9 44,6±16,8 27,9±17,5 2,4±1,9 1,0±0,7 3,4±2,6 383,5±305,5 848,8±409,8 9,8±8,5 0,7±0,5 P 0,685¹ 0,326¹ 0,436¹ 0,204¹ 0,067¹ 0,611¹ 0,443¹ 0,173¹ 0,945¹ 0,343² 0,972² 0,747² 0,477² 0,942² 0,771² 0,594² NOTAS: p 0,05 considerado estatisticamente significante. ¹Teste t de Student para amostras independentes; ²Teste de Mann Whitney. Os valores de p são de testes bicaudais. Abreviaturas: HB - hemoglobina; DP - desvio padrão; VCM - volume corpuscular médio; Leuco - leucócitos; Neutro - neutrófilos; AST - aspartato transaminase; ALT - alanina transaminase; B. - bilirrubina; DHL - desidrogenase lática. Os dados referentes a 12 pacientes em uso de Hidroxiureia, que tiveram o fenótipo e genótipo Duffy determinados, foram excluídos dessas análises. Dos 109 pacientes estudados na fase prospectiva, os haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta foram determinados em 102 (93,6% da amostra). Nesses, o haplótipo mais 54 prevalente foi o BEN/CAR (51,2%), seguido do CAR/CAR (23,5%) e do BEN/BEN (20,6%). Quatro pacientes apresentaram haplótipos mais raros e foram retirados da análise (2 CAR/ATÍPICO, 1 CAR/CAM e 1 BEN/CAM). Os dados referentes aos haplótipos, relacionados com as principais complicações clínicas da doença falciforme no grupo estudado, encontram-se sumarizados na Tabela 13. Avaliando-se os pacientes homozigotos CAR/CAR e BEN/BEN em relação à prevalência de osteonecrose, úlcera maleolar, AVE, colelitíase e priapismo, não houve diferença estatística entre os mesmos. A variável que mais se aproximou da significância foi a úlcera maleolar, mais frequente nos pacientes CAR/CAR (p=0,071). Tabela 13 – Principais complicações clínicas em pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, de acordo com os haplótipos ligados ao grupo genes da globina beta. Variáveis Osteonecrose (%) AVE (%) Úlc. maleolar (%) Colelitíase (%) Priapismo (%) CAR-CAR N=24 4/24 (16,7%) 1/21 (4,8%) 12/24 (50%) 12/24 (50%) 1/14 (7,1%) BEN-BEN N=21 7/21 (33,3%) 2/24 (12,5%) 5/21 (23,8%) 13/21 (61,9%) 2/11 (18,2%) p 0,194¹ 0,363¹ 0,071¹ 0,656¹ 0,399¹ NOTAS: ¹Teste do Qui-Quadrado. Os valores de p são de testes bicaudais. p 0,05 considerado estatisticamente significante. Abreviaturas: AVE- acidente vascular encefálico; Úlc. – úlcera. Os dados de 10 pacientes em uso de Hidroxiureia, cujo haplótipo da globina beta foi determinado, foram mantidos nessas análises por não ter havido diferença em relação `as variáveis estudadas com ou sem o uso da droga. A tabela 14 apresenta resumidos os parâmetros laboratoriais dos pacientes com anemia falciforme acompanhados na fase prospectiva do estudo, em relação aos haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta. Observa-se que a hemoglobina e a hemoglobina fetal foram mais baixas no haplótipo CAR/CAR, diferenças estatisticamente significantes (p=0,043 e 0,042, respectivamente). A aspartato transaminase, mais elevada no haplótipo BEN/CAR, também apresentou significância estatística (p=0,012). Outro parâmetro laboratorial, a plaquetometria, também foi mais alta no haplótipo BEN/CAR, tendendo para a significância estatística com p=0,051. 55 Tabela 14 – Dados laboratoriais de pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, relacionados aos haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta. Variáveis Hb±DP(g/dL) VCM (fL) Leuco x 10 3/mm3 Neutro x 10 3/mm3 Plaquetas x 103/mm3 Reticulócitos (%) Hb fetal (%) AST ( U/L ) ALT (U/L B. Indireta (mg/dL) B. direta (mg/dL) B. total ( mg/dL) DHL ( mg/dL ) PCR (mg/dL) Creatinina ( mg/dL) Ferritina ( ng/dL) BEN-CAR N=47 8,2±1,1 93,3±11,4 12,4±4,3 7,3±4,1 431,7±183,3 7,4±5,2 9,0±6,1 52,1±21,5 30,2±19,6 2,7±2,3 0,8±0,5 3,4±2,3 872,1±525,0 10,2±9,7 0,6±0,3 410,2±382,4 CAR-CAR N=22 7,7±1,6 88,4±7,5 11,3±3,6 6,7±2,8 392,1±125,58 7,1±4,6 5,9±3,7 48,7±19,0 29,7±12,3 2,5±1,5 0,7±4,1 3,1±1,6 968,1±577,6 8,3±4,1 0,8±0,5 298,8±203,5 BEN-BEN N=18 8,8±1,6 91,2±7,8 10,8±2,8 6,3±3,0 326,2±82,8 7,1±3,7 7,9±4,8 35,4±14,7 21,6±10,5 2,5±2,0 0,9±0,7 3,2±2,5 889,9±446,6 10,2,±10,1 0,7±0,3 342,2±282,9 p 0,043¹ 0,159¹ 0,258¹ 0,475¹ 0,051¹ 0,951¹ 0,042¹ 0,012¹ 0,157¹ 0,954² 0,610² 0,819² 0,646² 0,998² 0,185² 0,394² NOTAS: p0,05 considerado estatisticamente significante. Os valores de p são de testes bicaudais. ¹ANOVA; ²Kruskal-Wallis. Abreviaturas: DP- desvio padrão; Hb- hemoglobina; Leuco - leucócitos; Neutro- neutrófilos; AST- aspartato transaminase; ALT- alanina transaminase; B - bilirrubina; DHL - desidrogenase lática; PCR - proteína C-reativa. Os dados referentes a 10 pacientes em uso de Hidroxiureia, cujos haplótipos da globina beta foram determinados, foram excluídos dessas análises. De acordo com os critérios especificados no item "Definição das Síndromes Clínicas", 42 (38,5%) pacientes foram classificados como fenótipo hemolítico, 49 (44,9%) como fenótipo vasoclusão/hiperviscosidade e 18 como fenótipo indeterminado (16,5%). Os principais dados laboratoriais desses primeiros 2 grupos de pacientes encontram-se sumarizados na tabela 15, após exclusão dos dados de pacientes em uso de hidroxiureia. A hemoglobina e a hemoglobina fetal apresentaram diferenças significantes entre os 2 fenótipos principais, o hemolítico e o vasoclusão/hiperviscosidade (p=0,0001 e 0,003, respectivamente), enquanto em relação a leucometria, contagem de neutrófilos, reticulócitos, plaquetas, VCM, bilirrubinas, não houve diferença estatística, à exceção da proteína C-reativa, mais elevada no fenótipo hemolítico ( p=0,043). 56 Tabela 15 – Principais dados laboratoriais de pacientes com anemia falciforme estudados na fase prospectiva, classificados em subfenótipos clínicos hemolítico e vasoclusão/hiperviscosidade. Variáveis Hb ±DP(g/dL) VCM (fL) Leuco x 10 3/mm3 Neutro x 10 3/mm3 Plaquetas x 103/mm3 Reticulócitos (%) HB fetal (%) AST ( U/L ) ALT ( U/L) B.indireta (mg/dL) B. direta (mgdL) B. total (mg/dL) Ferritina (ng/dL) DHL ( mg/dL ) PCR (mg/L) Creatinina ( mg/L) Subfenótipo Fenótipo Hemolítico N=38 7,5±1.2 92,1±9,4 12,3±4,5 7,1±4,2 422,4±170,7 7,5±3,9 5,9±3,9 50,2±19,1 26,8±17,5 3,0±2,1 0,9±1,3 3,7±2,7 352,6±376,6 943±665,7 11,1±9,9 0,7±0,4 Subfenótipo Vasoclusão N=43 8,7±1,3 90,6±9,7 11,5±3,0 6,5±2,7 383,9±149,4 7,1±5,2 9,6±6,1 46,6±21,5 29,2±17,1 2,4±2,0 0,8±0,4 3,2±2,1 379,2±342,4 866,6±388,0 7,9±5,5 0,6±0,2 P 0,0001¹ 0,496¹ 0,353¹ 0,421¹ 0,282¹ 0,735¹ 0,003¹ 0,432¹ 0,529¹ 0,179 0,346² 0,449² 0,394² 0,726² 0,043² 0,329² NOTAS: ¹Teste t de Student para amostras independentes; ²Teste de Mann Whitney. p 0,05 considerado estatisticamente significante. Os valores de p são de testes bicaudais. Abreviaturas: Hb- hemoglobina; DP-desvio padrão; VCM-volume corpuscular médio; Leuco-leucócitos; Neutro- neutrófilos; AST-aspartato transaminase; ALT-alanina transaminase; B.-bilirrubina; DHL- desidrogenase lática;PCR-proteína C-reativa. Os dados referentes a 12 pacientes em uso de hidroxiureia foram excluídos dessas análises. Na análise multivariada, tendo como variável dependente a osteonecrose e testando-se as variáveis preditoras idade ≥ 29 anos, idade ao diagnóstico acima de 29 anos, hemoglobina ≥ 8,0 g/dL, hemoglobina fetal ≤ 7,0%, leucócitos ≥ 11,5x103/mm3 , PCR ≥ 9,0 mg/dL, além do haplótipo CAR-CAR e o fenótipo Duffy negativo, foram estatísticamente significantes a hemoglobina e o fenótipo Duffy negativo, conforme pode-se observar na Tabela 16. O mesmo conjunto de parâmetros preditores não apresentou significância estatística em nenhum de seus elementos, tendo como variáveis dependentes AVE ou úlcera maleolar. Outras variáveis, como número de transfusões, aloimunização, autoimunização, talassemia alfa e outras não apresentaram diferenças estatísticas como possíveis preditoras para as diferentes complicações da doença falciforme. 57 Tabela 16 – Variáveis preditoras para o desenvolvimento de osteonecrose em pacientes com anemia falciforme acompanhados na fase prospectiva. N=97. *Idade ≥ 29 anos 0,069 Erro Padrão 0,653 0,916 1,071 0,298-3,856 *Id.Diag. ≥ 13 anos *Hb ≥ 8,0 g/dl -0,049 1,530 0,655 0,642 0,941 0,952 4,618 0,264-4,440 1,313-16,245 *Hb Fetal ≤ 7,0 ng/dl *Leucócitos ≥11,5x103/mm3 *PCR ≥ 9,0 mg/L Haplótipo CAR/CAR Fenótipo Duffy negativo -0,188 -0,647 0,313 0,002 2,023 0,708 0,655 0,682 0,822 0,662 0,094 0,324 0,646 0,998 0,305 0,524 1,368 1,002 7,560 0,076-1,222 0,145-1,893 0,360-5,202 0,200-5,017 2,064-27,690 Variáveis Coeficiente p 0,017 0,002 Odds Ratio NOTAS: teste utilizado:-regressão logística binária. p 0,05 considerado estatísticamente significante. *Parâmetro utilizado: média aritmética. Abreviaturas: Id.Diag - idade ao diagnóstico da anemia falciforme;Hb-hemoglobina; PCR-proteína C-reativa; IC- intervalo de confiança. IC 95 % 58 VIII DISCUSSÃO Apesar da triagem neonatal evidenciar que a doença falciforme tem prevalência e incidência elevadas em nosso meio, ainda assim essa hemopatia permanece amplamente desconhecida, inclusive por profissionais de saúde. No presente estudo constatou-se que o diagnóstico da doença foi estabelecido com atraso em uma proporção significativa de casos, sendo ainda mais tardio em pacientes do gênero feminino. Isso poderia, pelo menos a título de especulação, ser consequência da prevalência mais elevada de anemia ferropriva nesse gênero, encarada como fato corriqueiro por muitos profissionais de saúde e resultando em prescrição de sais de ferro para qualquer tipo de anemia. Essa assertiva, entretanto, necessita de confirmação através de estudos bem desenhados e com amostras maiores. No presente estudo todos os pacientes foram tratados com ferro antes do diagnóstico da hemoglobinopatia. Residir em Salvador, à capital do estado e onde se encontram os centros de referência para o atendimento à doença falciforme, não foi um fator facilitador para o acesso dos pacientes ao diagnóstico precoce. No grupo de doentes estudados, nos indivíduos cuja doença foi diagnosticada nos primeiros 12 meses de vida houve associação significante com AVC, sequestro esplênico e elevação da bilirrubina indireta, achados esses de acordo com a literatura. Fernandes e cols., abordando mortalidade em pacientes com doença falciforme em Minas Gerais, relatou que a sequestração esplênica foi responsável por um terço dos óbitos, tendo a maioria ocorrido em crianças com menos de 2 anos de idade(129). É importante ressaltar que Minas Gerais foi o primeiro estado brasileiro a incluir na triagem neonatal a detecção de hemoglobinas anormais no ano de 1998. Considerando o atraso no diagnóstico, ocorrido em muitos indivíduos com doença falciforme na Bahia, poder-se-ia especular que, nesse estado brasileiro, pacientes podem ter ido a óbito por sequestro esplênico, sem que a doença tenha sido sequer identificada. Em um estudo recente, realizado com crianças nigerianas com doença falciforme, a idade ao diagnóstico variou de 2,5 meses a 14 anos, sendo que o diagnóstico mais precoce esteve associado ao genótipo SS, classe socioeconômica mais alta e história de dactilite(130). A elevação da bilirrubina indireta, secundária ao processo hemolítico crônico na doença faciforme, tem sido reconhecida como fator de risco para o desenvolvimento de cálculos 59 biliares(131). A crescente incidência dessa complicação clínica a partir dos 5 anos de idade, chama a atenção para a necessidade de avaliação periódica dos doentes, objetivando o diagnóstico precoce da litíase biliar. Ohene-Frempong e cols. relatam que aproximadamente 11% dos pacientes com doença falciforme desenvolvem AVE clinicamente manifesto antes dos 20 anos de idade, com um risco maior na primeira década de vida(132). Na nossa casuística o AVE também foi mais prevalente até 10 anos de idade, confirmando a literatura. A aloimunização contra antígenos eritrocitários, detectada em pouco mais da metade dos pacientes da etapa inicial do estudo e em 23% dos casos da fase prospectiva, não representou impacto clínico importante nesses 2 grupos de doentes. Nesta casuística a associação da alossensibilização com o gênero feminino e o desenvolvimento de autoanticorpos encontram respaldo na literatura. Ahrens e cols. relataram 8,9% de associação de auto e aloanticorpos contra antígenos eritrocitários, ao estudar uma população de 204330 indivíduos, entre pacientes e doadores de sangue(133). Esses e outros autores tem demonstrado que a aloimunização eritrocitária pode estimular simultaneamente a produção de autoanticorpos contra antígenos eritrocitários, sendo sugerido, inclusive, que a transfusão de hemácias alogeneicas deve ser considerada um fator de risco para a autoimunização(134). Nos pacientes estudados na Fundação Hemoba a alossensibilização ocorreu mais prevalentemente em pacientes mais jovens, estando em desacordo com a literatura(104,105). O fato da paciente mais idosa de todo o grupo de doentes da fase retrospectiva não ter se aloimunizado, apesar de severamente politransfundida, explica porque a média de idade dos N-ALO foi mais elevada. A ocorrência de retinopatia e cardiopatia, mais frequentes entre os pacientes não aloimunizados, deve ser analisada com reserva, uma vez que apenas metade dos doentes, aproximadamente, realizou avaliação cardiológica com ecocardiograma e estudo pormenorizado da retina. Trabalhos científicos com desenhos apropriados e número adequado de pacientes são necessários para uma melhor abordagem do tema. 60 Os mecanismos envolvidos na alossensiblização na doença falciforme não são ainda conhecidos. Entretanto, segundo alguns autores o comprometimento do sistema imune, especialmente relacionado com a perda precoce da função esplênica, além de fenômenos relacionados com a inflamação, poderiam ser causa de desenvolvimento de aloanticorpos eritrocitários(134). Quaisquer que sejam os mecanismos envolvidos parece não ter havido repercussão significativa sobre a evolução clínica dos doentes. É importante ressaltar que os resultados do presente estudo necessitam confirmação através de outros trabalhos com casuísticas maiores e desenho específico. O uso de transfusões de hemácias para tratamento de úlcera maleolar, conforme verificado no grupo de doentes estudados, não encontra fundamento científico para tal. Serjeant e cols. ressaltam a necessidade de estudos controlados abordando o tema(17). O fenótipo eritrocitário Duffy negativo e a hemoglobina acima de 8 g/dl foram preditivos para o desenvolvimento de osteonecrose na análise multivariada no presente estudo. Os mecanismos etiopatogênicos dessa complicação óssea na doença falciforme não são ainda completamente compreendidos, tendo a trombofilia e a diminuição da fibrinólise sido sugeridos como possíveis fatores envolvidos na gênese da necrose óssea avascular(135, 136) . Akyinyoola e cols., comparando pacientes com doença falciforme com e sem osteonecrose na Nigéria, encontraram um índice mais elevado de crises dolorosas e hospitalizações, além de tempo de lise de euglobulina mais alto no grupo de doentes com osteonecrose da cabeça femoral, indicando uma redução da atividade fibrinolítica. Adicionalmente sabe-se que a coagulação sanguínea e a fibrinólise desempenham papéis relevantes na inflamação(137). Ao antígeno Duffy/DARC tem sido atribuída atuação de destaque no processo inflamatório, na função de receptor de quimiocinas, podendo também atuar como um depurador dessas substâncias dos locais onde haja produção excessiva, como os sítios de inflamação(109, 130) . Segundo Afenyi-Annan e cols. a falta da expressão eritrocitária do antígeno Duffy/DARC está associada com dano orgânico na doença falciforme, particularmente renal, podendo ser, na opinião desses autores, um potencial biomarcador para o desenvolvimento de lesão orgânica nessa doença(115). Nebor e cols., todavia, estudando a expressão do antígeno Duffy/DARC e níveis de marcadores inflamatórios em pacientes com anemia falciforme, não encontraram associação entre a expressão eritrocitária desse antígeno e complicações como osteonecrose, comprometimento da função renal, úlcera maleolar e priapismo(23). Nesse mesmo estudo, os indivíduos Duffy negativos exibiram leucometrias e contagens de neutrófilos mais baixas, 61 quando comparados com os Duffy positivos. No presente estudo, tanto as leucometrias quanto as contagens de neutrófilos foram mais elevadas nos indivíduos Duffy/DARC positivos, em concordância com a literatura. Não houve, entretanto, diferença estatística entre os dois grupos, podendo ser consequência do tamanho da amostra. Lau e cols., em um modelo murino, demonstraram que injúria de isquemia-reperfusão em tecido pulmonar provoca deposição de fibrina que, por sua vez, serve como mecanismo de ativação da inflamação(138). A autora sugere que impedir a deposição de fibrina pode reduzir esse tipo de lesão e o processo inflamatório. Se achados como esses podem ser extrapolados para a osteonecrose na doença falciforme, considerando-se que a injúria de isquemiareperfusão é componente importante da fisiopatogenia da doença, permanece por ser esclarecido. Da mesma forma, não está esclarecido o envolvimento ou não do antígeno Duffy/DARC no papel de marcador genético de severidade fenotípica na doença falciforme. Desvendar essa questão exige outros estudos com desenho apropriado e casuísticas maiores, a fim de propiciar uma melhor abordagem do tema. Se comprovada a relevância desse antígeno como determinante de gravidade clínica na doença, a introdução precoce de Hidroxiureia, por exemplo, nos indivíduos sob risco de evolução desfavorável, poderia resultar em melhoria da qualidade de vida, devido à redução dos episódios vasoclusivos, da hemólise e da adesividade das hemácias falcizadas ao endotélio vascular. A hemoglobina mais elevada é considerada um fator de risco para o desenvolvimento de osteonecrose em pacientes com doença falciforme, tendo os nossos dados confirmado a literatura(80). Neste estudo, tomando-se como ponto de partida as complicações clínicas apresentadas pelos pacientes, foi possível classificar a maioria dos casos em fenótipos clínicos de acordo com o estabelecido na literatura(80). Entretanto, em 16,5% da amostra estudada os critérios utilizados não permitiram incluir os pacientes em um dos fenótipos descritos. Trata-se de pacientes oligossintomáticos, sem complicações crônicas, com raríssimos episódios dolorosos ou mesmo nenhum durante longos períodos de tempo e sem histórico transfusional. Esses casos, classificados neste trabalho como fenótipo clínico indefinido, por falta de uma terminologia melhor, exemplificam o quão complexo é classificar clinicamente patologia com tamanha heterogeneidade, a despeito de todos os pacientes apresentarem o mesmo defeito genético. Tal fato indica, por outro lado, que os fenótipos clínicos em doença falciforme devem ter 62 importantes áreas de sobreposição. Esse aspecto foi ressaltado por Kato e cols., enfatizando, entretanto, a utilidade da dicotomização, ao colocar os subfenótipos da doença falciforme em um novo contexto(65). Ressaltam também esses autores que a alfa talassemia, ao reduzir a hemólise e melhorar a anemia, pode melhorar ou diminuir a prevalência de hipertensão pulmonar, AVE, úlceras maleolares e priapismo, o que é corroborado por outras publicações(65, 139) . A hemoglobina F, mesmo não podendo ser descartada como um fator modulador dos subfenótipos na doença falciforme, tem pouco efeito protetor direto contra essas complicações vasculopáticas, associadas com o fenótipo hemolítico. O contrário podese dizer em relação às complicações relacionadas com a vasoclusão/hiperviscosidade, em que a hemoglobina e a hemoglobina fetal mais elevadas tem um efeito protetor. No presente estudo, tanto a hemoglobina quanto a hemoglobina fetal estiveram mais elevadas no fenótipo vasoclusivo, com significância estatística, estando em concordância com a literatura(65). Mecabo e cols., estudando 87 pacientes brasileiros com anemia falciforme Duffy-negativos, encontraram associação com o fenótipo hemolítico nesses doentes(140). Houve uma frequência maior de hipertensão pulmonar e priapismo, associados a níveis igualmente elevados de DHL, evidenciando significância estatística. Alexander e cols. , estudando doença falciforme na Jamaica, tentaram reproduzir a classificação fenotípica proposta por Ballas, acrescentando-lhe um terceiro subfenótipo(80, 126) . O modelo de 3 subtipos clínicos consistiu em dividir os pacientes com úlceras maleolares em 2 grupos, um com menor e outro com maior número de crises dolorosas, dactilite, septicemia/meningite e STA. As diferenças do modelo jamaicano, comparadas com o de 2 grupos, proposto por Ballas, foram fenótipo vasoclusão/hiperviscosidade com VCM discretamente mais baixo e níveis de HbF também mais baixos(126). Esses autores chamam a atenção para diferenças geográficas na doença falciforme. Nos pacientes jamaicanos as úlceras maleolares ocorrem em aproximadamente 70% dos casos, uma proporção muito mais elevada do que os 5% descritos por Koshy e cols. nos Estados Unidos da América(68), e os 7,5% na Nigéria, reportados por Durosinmi e cols.(141). No presente trabalho a prevalência de úlceras maleolares de 35,8% situa-se em uma posição intermediária, quando comparada com os percentuais mencionados anteriormente. No presente estudo a proteína-C reativa (PCR), um marcador de inflamação sistêmica de baixo grau, foi mais elevada nos pacientes com fenótipo hemolítico. Embora estudos demonstrem nível basal aumentado desse marcador na doença falciforme durante o intervalo entre crises, período em que o paciente encontra-se assintomático, não encontramos dados consistentes na literatura associando essa elevação a fenótipos clínicos específicos na doença. 63 O estudo de Krishnan e cols., abordando pacientes pediátricos, demonstra associação desse parâmetro com hospitalizações por crises vasoclusivas, juntamente com a leucometria (142). Em outro estudo, Brittain e cols. encontraram associação entre inflamação e hemólise, ao estudar indivíduos com doença falciforme, o que é corroborado por outras publicações(18, 143). Considerando-se a patogenia da doença falciforme, em que hemólise, vasoclusão, inflamação, ativação da coagulação e outros fatores exercem papéis extremamente importantes, outros estudos com desenho e casuística apropriados são necessários para avaliar a possível contribuição da proteína-C reativa na definição de fenótipos clínicos na doença. A distribuição dos haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta nos pacientes estudados na Fundação Hemoba confirmou dados de estudos anteriores, realizados em indivíduos com anemia falciforme da Bahia, onde o haplótipo mais prevalente foi o BEN/CAR(78, 144) . Tem sido relatado que os 5 haplótipos descritos na literatura (Senegal, Benin, Bantu ou CAR, Indo-arábico e Camarões) diferem entre si em relação aos níveis de HbF, um importante modulador genético de severidade clínica da doença(145, 146). No presente estudo os resultados estão de acordo com a literatura, tendo sido evidenciado um nível mais baixo de HbF associado ao haplótipo CAR-CAR. Entretanto, as manifestações clínicas da doença não diferiram significativamente entre os 3 haplótipos principais identificados nesses doentes. Tal fato pode ser consequência do tamanho da amostra, insuficiente para detectar pequenas diferenças nos parâmetros clínicos e laboratoriais dos pacientes, quando comparados os diferentes haplótipos.O nível da HbF é influenciado pelo gênero, além dos haplótipos. Nagel e cols., estudando 122 pacientes com anemia falciforme, reportou HbF mais elevada em pacientes do gênero feminino(146). Os níveis de HbF mais elevados nesse gênero obedecem a uma determinação genética, segundo alguns autores, com uma herança ligada ao cromossomo X(147, 148) . Tem sido proposto que o gênero feminino, com 2 cromossomos X, seria homozigoto para esse fator, consequentemente expressando níveis mais elevados de HbF. No presente estudo também foi constatado aumento da HbF no gênero feminino, estando em concordância com a literatura. Menos morbidade em pacientes com doença falciforme está relacionada com a HbF mais alta, e ausência de um haplótipo CAR ou Bantu está aparentemente associada a resposta mais favorável à hidroxiureia(149). Entretanto, os mecanismos e possíveis polimorfismos que conduzem à determinação genética da produção da hemogobina F permanecem por ser esclarecidos. 64 A talassemia alfa apresenta prevalência elevada na população afro-descendente brasileira(150) e frequências diferentes de acordo com o grupo populacional estudado(1). Borges e cols., avaliando indivíduos brasileiros com hipocromia e microcitose sem anemia, encontraram 49,9% de talassemia alfa, sendo 42,8% heterozigotos para mutação –α3.7 kb(151). No grupo de pacientes estudados na Fundação Hemoba os indivíduos com talassemia alfa-2 deleção de 3.7kb apresentaram hemoglobina mais alta e VCM mais baixo, em concordância com a literatura. Devido à hemoglobina mais elevada, esses pacientes costumam cursar com frequência maior de crises dolorosas, assim como de osteonecrose e retinopatia(74). Na nossa casuística os pacientes com e sem talassemia alfa não evoluíram de forma significativamente diferente uns dos outros no que se referiu a frequência de crises dolorosas. Entretanto, a osteonecrose acometeu mais frequentemente os pacientes com talassemia alfa, tendendo à significância estatística (p=0,055). Esse dado concorda com a literatura, uma vez que a necrose óssea na doença falciforme tem sido relacionada com talassemia alfa, sendo até o momento a única mutação consistentemente associada com osteonecrose em pacientes com genótipo SS(152). 65 IX CONCLUSÕES A aloimunização eritrocitária não impactou de forma significativa a evolução clínica de pacientes com doença falciforme, porém está associada a gênero feminino e autoimunização. O diagnóstico tardio da doença falciforme é frequente em nosso meio, ocorrendo mais prevalentemente no início da adolescência, tendo havido associação com AVE, sequestro esplênico e elevação da bilirrubinemia indireta. No grupo de pacientes estudados a negatividade para o antígeno eritrocitário Duffy e a hemoglobina acima de 8,0 g/dl foram preditivas para o desenvolvimento de osteonecrose em pacientes com anemia falciforme. No presente estudo houve uma leve predominância do subfenótipo vasoclusão/hiperviscosidade. Vale ressaltar, entretanto, que em um quantitativo importante de casos a evolução clínica, acentuadamente benigna, não permitiu a classificação dos pacientes em um dos dois fenótipos clínicos aceitos na literatura. Neste estudo não foi identificada uma influência significativa dos haplótipos ligados ao grupo de genes da globina beta sobre o quadro clínico dos doentes. Os diferentes níveis da hemoglobina e da hemoglobina fetal, evidenciados entre os haplótipos, não se traduziram em diferenças relevantes na evolução clínica dos pacientes. A talassemia α-2 deleção de 3.7kb ocorreu em parcela significativa dos pacientes deste estudo, evidenciando tendência à associação com a osteonecrose. 66 X LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS Na etapa prospectiva do estudo pode ter havido tempo insuficiente de observação, não sendo possível afastar a possibilidade de que alguma complicação clínica menos severa possa ter ocorrido sem ter sido observada. Trata-se de uma amostra de conveniência, de um serviço de referência, que pode não representar inteiramente uma parcela da população de doentes do estado da Bahia, sem acesso até o momento à assistência multidisciplinar que a doença falciforme exige. Complicações clínicas como a hipertensão pulmonar e a retinopatia não puderam ser avaliadas neste estudo. É necessário equacionar a questão referente ao acesso dos pacientes aos serviços de saúde para a realização dos exames especializados, mormente os provenientes de cidades do interior. Estudos de coorte de pacientes com doença falciforme, diagnosticados na triagem neonatal, são necessários para a determinação de fenótipos clínicos na população de doentes em nosso meio. A fenotipagem eritrocitária estendida no momento do diagnóstico em pacientes com doença falciforme se justifica na Bahia, considerando-se a prevalência elevada da doença e a esperada expectativa de vida mais longa nesses casos, uma vez que haja melhora no acesso dos doentes ao cuidado multiprofissional adequado. Considerando-se o caráter inflamatório da doença falciforme, estudos sobre a influência do antígeno Duffy na determinação de fenótipos clínicos na doença são justificados, sendo necessários estudos prospectivos com desenho específico e com número adequado de pacientes. 67 XI ABSTRACT Introduction: Sickle cell disease (SCD) is highly prevalent in Bahia and delayed diagnosis of the disease is frequent. SCD is characterized by hemoglobin S, which polymerizes inside red blood cells. It causes small vessels occlusion and chronic hemolysis. SCD depict a multitude of clinical features and effects of chronic hemolysis or vaso-occlusion/hyperviscosity predominate in most of SCD clinical manifestations. Red blood cells (RBC) transfusions are important tools in SCD and may be necessary in many acute or chronic complications of the disease. Allosensitization can result from RBC transfusions and alloantibodies against RBC antigens may be a risk for the patient and decrease transfusions efficacy. The Duffy blood group antigen is a chemokine receptor and may be cause of transfusion reactions as well. These antigens might be a possible clinical phenotype marker in SCD. Other genetic markers of clinical diversity as βs-linked haplotypes and α-thalassemia are recognized as important in SCD. Objectives: to evaluate the role of alloimmunization, late diagnosis, Duffy blood group antigens phenotype, βs-linked haplotypes and α-thalassemia on SCD clinical picture; to know the hemolytic and vaso-occlusion/hyperviscosity phenotypes distribution in SCD in Bahia. Methods: the study was developed in 2 phases: in the first one, retrospective, clinical records of 105 SS and 3 SC adult transfused patients were reviewed in order to evaluate clinical, laboratory, and immunohematologic profiles. The second phase was prospective, where 109 SS over 12 years of age steady-state patients were followed from November, 2008 through December, 2010. Results: in the first phase 56 patients developed allosensitization (ALO) (51.8%), associated with lower age (p=0.041), feminine gender (p=0.033), and autoimmunization (0.0001). The main transfusion indications were symptomatic anemia (73% ALO, 44.4% N-ALO), leg ulcer (13.5% ALO and 13.3% N-ALO), and severe painful crisis (13.5% ALO, 8.9% N-ALO). First transfusion occurred before 10 years of age in 45.4% of cases. Most prevalent alloantibodies were anti-E, anti-K, and anti-C (39.3%, 21.4%, 16.1%, respectively). Just a few autoimmunized patients needed immunosuppression. In the prospective phase mean age at diagnosis was 12.7±11.9, being even later in feminine gender (15.9±12.1, p=0.005). Negative Duffy phenotype (p=0.002, OR=7.560, IC=2.064-27.690) and hemoglobin above 8.0 g/dL (p=0.017, OR=4.618, IC=1.313-16.245) were predictive for osteonecrosis development. BEN/CAR, CAR/CAR and BEN/BEN haplotypes were the most prevalent (51.2%, 23.5%, and 20.6%, respectively). Hemoglobin and fetal hemoglobin were lower in CAR/CAR (p=0.043 e 0.042, respectively). Alpha thalassemia occurred in 29.5% of 78 patients and only osteonecrosis was frequent in patients with that mutation (p=0.055). The most frequent clinical phenotype was vasocclusion/hyperviscosity (44.9% of cases) and hemolytic phenotype was present in 38.5% of patients. In 16.5% of patients we were not able to classify them phenotypically .These were patients with a very mild disease. Conclusions: allosensitization did not represent an important clinical impact on SCD; late diagnosis was frequent among SCD patients, mostly during early adolescence, and there was an association of delayed diagnosis with stroke, splenic sequestration crisis and increased non-conjugated bilirubin;vaso-occlusion/hyperviscosity phenotype predominated over hemolytic phenotype; the βs-globin linked haplotypes did not represent a significant influence on SCD patients; αthalassemia depicted a tendency to an association with osteonecrosis; negative Duffy phenotype and hemoglobin over 8.0 g/dl were predictive for osteonecrosis development. Key words: sickle cell Anemia, delayed diagnosis, alloantibodies, phenotype, blood groups antigens. 68 XII REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (1) Flint J, Harding RM, Boyce AJ, Clegg JB. The population genetics of the haemoglobinopathies. 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Na Bahia, de cada 650 crianças que nascem, uma tem doença falciforme, como demonstra o Teste do Pezinho, realizado pela APAE. Isso nos mostra que essa doença é um problema de saúde pública aqui no nosso meio, e por isso necessitamos estudá-la bem. Pretendemos, com essa pesquisa, conhecer melhor como se comporta a doença, as suas principais complicações, por que os pacientes apresentam quadros clínicos tão diferentes uns dos outros, apesar de terem a mesma doença. Se você concordar em participar da pesquisa, será coletada uma amostra de 20 ml do seu sangue, com todos os cuidados de higiene necessários, por profissionais experientes na coleta de sangue. Isso não causará nenhum prejuízo à sua saúde e o desconforto é o mesmo de uma coleta normal de sangue, de quando você faz exames solicitados pelo seu médico. O sangue coletado será conservado de acordo com as normas de armazenamento e utilização de material biológico humano no âmbito de projetos de pesquisa,conforme especificado na Resolução n0 347, de 13 de janeiro de 2005, Conselho Nacional de Saúde . No caso de haver novo projeto de pesquisa a ser desenvolvido com o mesmo material, o projeto deverá ser submetido à aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa. As informações obtidas através desse projeto de pesquisa serão utilizadas apenas com finalidades científicas, como a publicação em revistas especializadas, e você não poderá sob nenhuma forma, ser identificado. Você poderá retirar o seu consentimento em participar da pesquisa a qualquer momento, sem nenhum prejuízo para o seu atendimento normal na Fundação Hemoba. Nesse caso, os seus dados serão retirados do estudo. Pela sua participação neste estudo você não receberá nenhum tipo de pagamento. A sua participação em qualquer tipo de pesquisa é voluntária. Em caso de dúvida quanto aos seus direitos, escreva para o Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências (FBDC). Endereço: Av. D. João VI, 274 – Brotas – Salvador BA. CEP: 40290-000. 80 Você também poderá contactar a Dra. ANGELA MARIA DIAS ZANETTE pelo telefone (71) 3116 5675. Nome do paciente___________________________________________________________ Assinatura do Paciente________________________________________________________ Endereço ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Telefone____________________________________________________________________ Assinatura da pesquisadora: ____________________________________________________ Data:__________________________________________ CPF da pesquisadora ________________________ 81 APÊNDICE B – COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA (CEP) 82 APÊNDICE C - QUESTIONÁRIO PARA COLETA DE DADOS DA FASE RETROSPECTIVA DO ESTUDO NOME COMPLETO:____________________________________________________________________ REGISTRO HEMOBA: _______________________________________ IDADE: _______________________DIAGNÓSTICO: SS ( ) SC ( ) IDADE AO DIAGNÓSTICO:______________DATA DE NASCIMENTO:________________________ PROCEDÊNCIA: Salvador ( ) Reg. Metropolitana ( ) Interior ( ) Outro Estado ( ) PROFISSÃO:_________________________________________________________________________ JÁ INTERNOU ALGUMA VEZ ? SIM ( ) NÃO ( ) N0 DE INTERNAÇÕES NOS ÚLTIMOS 12 MESES: _______________________________ CAUSA DAS INTERNAÇÕES: Crise dolorosa ( ) ITU ( ) Cirurgia ( ) Sepsis ( ) ITR ( ) STA ( ) Parto ( ) AVC ( ) Seq.Esplênico ( ) Seq.Hepático ( ) IRC ( ) Insuf.Cardíaca ( ) Anemia ( ) Úlcera maleolar ( ) Complic. Gestação ( ) Priapismo ( ) Hipertensão pulmonar ( ) Outra ( ) __________________________________________________________________ JÁ USOU SANGUE FORA DO HEMOBA ? SIM ( ) NÃO ( ) NÚMERO TOTAL DE TRANSFUSÕES RECEBIDAS:_______________________ INDICAÇÃO DAS TRANSFUSÕES: Crise dolorosa ( ) ITU ( ) Cirurgia ( ) Sepsis ( ) ITR ( ) STA ( ) Parto ( ) AVC ( ) Seq.Esplênico ( ) Seq.Hepático ( ) IRC ( ) Insuf.Cardíaca ( ) Anemia ( ) Úlcera maleolar ( ) Complic. Gestação ( ) Hipert. pulmonar ( ) Priapismo ( ) Outra ( ) ______________________________________________________________ JÁ TEVE REAÇÃO TRANSFUSIONAL ? SIM ( ) NÃO ( ) Sem dados no prontuário ( ) TIPO DE REAÇÃO TRANSFUSIONAL: Febre ( ) Calafrios ( ) Alteraç cor da urina ( ) Dor lombar ( ) Urticária ( ) Dor óssea ( ) Cefaléia ( ) Mal estar ( ) Dispnéia ( ) Outra ( ) IDADE NA MENARCA:________________ NÚMERO DE GESTAÇÕES:____________________ IDADE NA PRIMEIRA GESTAÇÃO:_______________ FEZ PRE-NATAL ? SIM ( ) NÃO ( ) EVOLUÇÃO DA PRIMEIRA GESTAÇÃO: 9 meses,feto vivo ( ) 9 meses,feto morto ( ) morte neonatal ( ) parto prematuro,feto vivo ( ) parto prematuro,feto morto ( ) aborto, até 3 meses ( ) aborto, 4 a 6 meses ( ) baixo peso ao nascer ( ) 83 EVOLUÇÃO DA SEGUNDA GESTAÇÃO: 9 meses,feto vivo ( ) 9 meses,feto morto ( ) morte neonatal ( ) parto prematuro,feto vivo ( ) parto prematuro,feto morto ( ) aborto, até 3 meses ( ) aborto, 4 a 6 meses ( ) baixo peso ao nascer ( ) EVOLUÇÃO DA TERCEIRA GESTAÇÃO: 9 meses,feto vivo ( ) 9 meses,feto morto ( ) morte neonatal ( ) parto prematuro,feto vivo ( ) parto prematuro,feto morto ( ) aborto, até 3 meses ( ) aborto, 4 a 6 meses ( ) baixo peso ao nascer ( ) OUTRAS GESTAÇÕES__________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________ COMPLICAÇÕES DAS GESTAÇÕES: Não ( ) pré-eclâmpsia ( ) eclâmpsia ( ) convulsões ( ) crise dolorosa ( ) ITU ( ) ITR ( ) Meningite ( ) STA ( ) Infecção puerperal ( ) Outra ( ) Restrição do crescimento uterino ( ) Insuficiência placentária ( ) TIPO DE PARTO: N0 partos vaginais: ________ N0 cesáreas:__________ USO DE CONTRACEPTIVOS HORMONAIS: Não ( ) Oral ( ) IM mensal ( ) IM trimestral ( ) Sem dados no prontuário ( ) JÁ TEVE PRIAPISMO ? SIM ( ) NÃO ( ) CRISE ÁLGICA: SIM ( ) NÃO ( ) N0 CRISES DOLOROSAS ÚLTIMOS 12 MESES:_________________ ÚLCERA DE PERNA: SIM ( ) NÃO ( ) TEMPO DE CICATRIZAÇÃO DA ÚLCERA: menos de 6 meses ( ) de 6 meses a 1 ano ( ) entre 1 e 2 anos ( ) de 2 a 5 anos ( ) mais de 5 anos ( ) USO DE MEDICAMENTOS: ácido fólico ( ) Hidroxiureia ( ) Penicilina ( ) Desferoxamina( ) OUTROS:_____________________________________________________________________________ CARDIOPATIA: NÃO ( ) SIM ( ) TIPO DE CARDIOPATIA:_____________________________ ______________________________________________________________________________________ COOMBS DIRETO: Negativo ( ) Positivo ( ) PAI: Negativo ( ) Positivo ( ) ALOANTICORPO: ANTI-D ( ) ANTI-c ( ) ANTI-C ( ) ANTI-E ( ) ANTI-e ( ) ANTI-K ( ) ANTI-Lea ( ) ANTILeb ( ) ANTI-Jka ( ) ANTI-Jkb ( ) ANTI-Fya ( ) ANTI-Fyb ( ) OUTRO_______________________________________ 84 HAPLÓTIPO GLOBINA BETA:_________________________________________________________ TALASSEMIA ALFA: NÃO ( ) SIM ( ) HOMOZIGOTO ( ) HETEROZIGOTO ( ) COLELITÍASE: SIM ( ) NÃO () COMPLICAÇÕES ÓSSEAS: NÃO ( ) OSTEONECROSE ( ) OSTEOMIELITE ( ) INFARTO ÓSSEO ( ) LOCAL__________________________________________________________ AVE: SIM ( ) NÃO ( ) HIPERTRANSFUSÃO: SIM ( ) NÃO ( ) SÍNDROME TORÁCICA AGUDA: SIM ( ) NÃO ( ) FENÓTIPO ERITROCITÁRIO:____________________________________________________________ SOROLOGIA: NEGATIVA ( ) HIV + ( ) LUES + ( ) VHC+ ( ) VHB+ ( ) CHAGAS+ ( ) HTLV+ ( ) MICROALBUMINÚRIA: SIM ( ) NÃO ( ) RETINOPATIA: SIM ( ) NÃO ( ) HIPERTENSÃO PULMONAR: SIM ( ) NÃO ( ) HB:__________ LEUCO:____________ NEUTRÓFILOS____________RETICULÓC.____________ PLAQUETAS_______________TGO___________TGP___________GGT_________URÉIA_________ CREATININA____________FERRITINA__________ALBUMINA_________GLOBULINAS________ BILIRRUBINA TOTAL____________DIRETA______________INDIRETA_______________________ FOSF. ALCALINA__________ ÁCIDO ÚRICO____________CLEAR. DA CREATININA___________ LDH_____________HB FETAL_____________ 85 APÊNDICE D - QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PACIENTES DA FASE PROSPECTIVA DO ESTUDO Nome completo do paciente:________________________________________________ ________________________________________________________________________ Registro Hemoba:________________ Sexo: F ( ) M ( ) Idade:_____________ Diagnóstico:_________________________ Idade no diagnóstico:____________Procedência:_________________________________ Data de nascimento:________________________________ Ocupação:________________________________________________________________ Contato com agrotóxicos: Sim ( ) Não ( ) Internação: Sim ( ) Não ( ) Se sim, quantas vezes:__________________________ Se sim, qual a(s) causa(s) do(s) internamento (s)? Pneumonia ( ) Infecção urinária ( ) Cirurgia ( ) Septicemia ( ) Crise dolorosa ( ) Meningite ( ) Parto ( ) AVC ( ) Seqüestro esplênico ( ) Seqüestro hepático ( ) Dactilite ( ) STA ( ) IRC ( ) Insuf. Cardíaca ( ) Anemia severa ( ) Úlcera de perna ( ) Complicação de gestação ( ) Outra:_____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ Transfusão de hemácias: Não ( ) Sim ( ) N0 de transfusões:__________ Indicação da(s) Transfusão(ões): Crise de dor ( ) Infecção ( ) Úlcera de perna ( ) Dor torácica ( ) Anemia severa ( ) Priapismo ( ) IRC ( ) Insuf. Cardíaca ( ) Gestação ( ) Cirurgia ( ) AVC ( ) Seqüestro esplênico ou hepático ( ) Hipertensão pulmonar ( ) Outra ( ) Qual?____________________________________ ___________________________________________________________________________ Recebeu transfusões fora do Hemoba ? Sim ( ) Não ( ) Se sim, quantas: ____________________Onde?___________________________________ ___________________________________________________________________________Reação às transfusões ? Sim ( ) Não ( ) Se sim, de que tipo? Febre e calafrios ( ) Urticária ( ) Alteração da cor da urina ( ) Dor lombar ( ) Dor nos ossos ( ) Cefaléia ( ) Mal estar ( ) Dispnéia ( ) Outra: _______________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ Se sim, a reação foi durante a transfusão ou depois ? Durante ( ) Depois ( ) Idade na menarca:______________ Gestação: Sim ( ) Não ( ) Se sim, quantas:________________ Idade na primeira gestação: __________________ Fez prenatal? Sim, em todas ( ) Não em todas ( ) Nenhuma gestação ( ) Evolução da gestação? 9 meses com feto vivo ( ) Parto prematuro com feto vivo ( ) 9 meses com feto morto ( ) Parto prematuro com feto morto ( ) 86 Morte nos primeiros 28 dias de vida ( ) Abortamento nos primeiros 3 meses ( ) Abortamento no segundo trimestre ( ) Outra______________________________________________________________________ Outra complicação na (s) gestação (ões) ? Pré-eclâmpsia ( ) Eclâmpsia ( ) Convulsões ( ) Crise dolorosa ( ) ITU ( ) Pneumonia ( ) Meningite ( ) STA ( ) Outra_______________________ Parto em casa ( ) Parto hospitalar ( ) Tipo(s) de parto (s): Vaginal eutócico( ) Vaginal com fórceps ( ) Cesárea ( ) Infecção pós parto? Sim ( ) Não ( ) Uso de contraceptivos hormonais: Sim ( ) Não ( ) Tipo de contraceptivo: Oral ( ) Injetável mensal ( ) Injetável trimestral ( ) Qual?______________________________________________________________________ Menopausa: Sim ( ) Não ( ) Priapismo: Não ( ) Sim ( ) Úlcera de perna? Sim ( ) Não ( ) Se sim, quantas no momento:________________ Tempo médio de cicatrização das úlceras: Menos de 6 meses ( ) Entre 6 meses e 1 ano ( ) Entre 1 e 2 anos ( ) Entre 2 e 3 anos ( ) Entre 3 e 5 anos ( ) Entre 5 e 10 anos ( ) Mais de 10 anos ( ) Uso atual de medicação: Sim ( ) Não ( ) Se sim, qual ? Ácido fólico ( ) Hidroxiurea ( ) Diclofenaco ( ) Nimesulida ( ) Tylex ( ) Paracetamol ( ) Dipirona ( ) Outra:_________________________________ Medicação usada em domicílio para dor: dipirona ( ) paracetamol ( ) diclofenaco ( ) morfina ( ) tylex ( ) tramal ( ) nimesulida ( ) ibuprofeno ( ) não sabe ( ) nenhum ( ) História de uso de dolantina ?: Sim ( ) Não ( ) Data do preenchimento: Preenchido por:_____________________ Assinatura do (a) entrevistador (a): ______________________________________________ 87 XIV ANEXOS ANEXO A - PORTARIA GM/MS N.º 822/GM EM 06 DE JUNHO DE 2001 O Ministro de Estado da Saúde no uso de suas atribuições legais, Considerando o disposto no inciso III do Artigo 10 da Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990, que estabelece a obrigatoriedade de que os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, procedam a exames visando o diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais; Considerando a necessidade de definir, claramente, a que exames para detecção de anormalidades no metabolismo do recém-nascido se refere o texto legal supramencionado, com o propósito de, ao nominá-los, permitir o desenvolvimento de uma política mais adequada de controle e avaliação sobre o processo e de garantir que os exames sejam efetivamente realizados; Considerando a Portaria GM/MS nº 22, de 15 de janeiro de 1992, que trata do Programa de Diagnóstico Precoce do Hipotireoidismo Congênito e Fenilcetonúria; Considerando a necessidade de ampliar o acesso à Triagem Neonatal no País e buscar a cobertura de 100% dos recém-nascidos vivos, cumprindo assim os princípios de eqüidade, universalidade e integralidade que devem pautar as ações de saúde; Considerando a necessidade de definir e ampliar a gama de doenças congênitas a serem, prioritariamente, incluídas na Triagem Neonatal no País e que isso seja feito dentro de rigorosos critérios técnicos que levem em conta, entre outros aspectos, a sua freqüência na população, possibilidade de tratamento e benefícios gerados à saúde pública; Considerando a diversidade das doenças existentes e a necessidade de definir critérios de eleição daquelas que devam ser inseridas num programa de triagem neonatal de características nacionais, como o fato de não apresentarem manifestações clínicas precoces, permitirem a detecção precoce por meio de testes seguros e confiáveis, serem amenizáveis mediante tratamento, serem passíveis de administração em programas com logística definida de acompanhamento dos casos – da detecção precoce, diagnóstico definitivo, acompanhamento clínico e tratamento e, por fim, terem uma relação custo-benefício economicamente viável e socialmente aceitável; Considerando a necessidade de complementar as medidas já adotadas pelo Ministério da Saúde no sentido de uniformizar o atendimento, incrementar o custeio e estimular, em parceria com os estados, Distrito Federal e municípios, a implantação de um Programa Nacional de Triagem Neonatal; Considerando a necessidade de prosseguir e incrementar as políticas de estímulo e aprimoramento da Triagem Neonatal no Brasil e de adotar medidas que possibilitem o avanço de sua organização e regulação e que isso tenha por base a implantação de Serviços de Referência em Triagem Neonatal / Acompanhamento e Tratamento de Doenças Congênitas; Considerando que estes Serviços devem ser implantados e se constituir em instrumentos ordenadores e orientadores da atenção à saúde e estabelecer ações que integrem todos os níveis desta assistência, definam mecanismos de regulação e criem os fluxos de referência e contra-referência que garantam o adequado atendimento, integral e integrado, ao recém-nascido, e Considerando a necessidade de ampliar as medidas e os esforços para que se criem os meios capazes de produzir a redução da morbi-mortalidadade relacionadas às patologias congênitas no Brasil, resolve: Art. 1º Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Triagem Neonatal / PNTN. 88 § 1º O Programa ora instituído deve ser executado de forma articulada pelo Ministério da Saúde e pelas Secretarias de Saúde dos estados, Distrito Federal e municípios e tem por objetivo o desenvolvimento de ações de triagem neonatal em fase pré-sintomática, acompanhamento e tratamento das doenças congênitas detectadas inseridas no Programa em todos os nascidos-vivos, promovendo o acesso, o incremento da qualidade e da capacidade instalada dos laboratórios especializados e serviços de atendimento, bem como organizar e regular o conjunto destas ações de saúde; § 2º O Programa Nacional de Triagem Neonatal se ocupará da triagem com detecção dos casos suspeitos, confirmação diagnóstica, acompanhamento e tratamento dos casos identificados nas seguintes doenças congênitas, de acordo com a respectiva Fase de Implantação do Programa: a - Fenilcetonúria; b - Hipotireoidismo Congênito; c - Doenças Falciformes e outras Hemoglobinopatias; d - Fibrose Cística. § 3º Em virtude dos diferentes níveis de organização das redes assistenciais existentes nos estados e no Distrito Federal, da variação percentual de cobertura dos nascidos-vivos da atual triagem neonatal e da diversidade das características populacionais existentes no País, o Programa Nacional de Triagem Neonatal será implantado em fases, estabelecidas neste ato. Art. 2º Estabelecer as seguintes Fases de Implantação do Programa Nacional de Triagem Neonatal: - Fase I - Fenilcetonúria e Hipotireoidismo Congênito Compreende a realização de triagem neonatal para fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, com a detecção dos casos suspeitos, confirmação diagnóstica, acompanhamento e tratamento dos casos identificados. Os estados e o Distrito Federal deverão garantir a execução de todas as etapas do processo, devendo, para tanto, organizar uma Rede de Coleta de material para exame (envolvendo os municípios) e organizar/cadastrar o(s) Serviço(s) Tipo I de Referência em Triagem Neonatal/Acompanhamento e Tratamento de Doenças Congênitas que garantam a realização da triagem, a confirmação diagnóstica e ainda o adequado acompanhamento e tratamento dos pacientes triados; - Fase II - Fenilcetonúria e Hipotireoidismo Congênito + Doenças Falciformes e outras Hemoglobinopatias Compreende a realização de triagem neonatal para fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, doenças falciformes e outras hemoglobinopatias, com a detecção dos casos suspeitos, confirmação diagnóstica, acompanhamento e tratamentos dos casos identificados. Os estados e o Distrito Federal deverão garantir a execução de todas as etapas do processo, devendo, para tanto, utilizar a rede de coleta organizada/definida na Fase I e organizar/cadastrar o(s) Serviço(s) Tipo II de Referência em Triagem Neonatal/Acompanhamento e Tratamento de Doenças Congênitas que garantam a realização da triagem, a confirmação diagnóstica e ainda o adequado acompanhamento e tratamento dos pacientes triados; - Fase III - Fenilcetonúria, Hipotireoidismo Congênito, Doenças Falciformes e outras Hemoglobinopatias + Fibrose Cística Compreende a realização de triagem neonatal para fenicetonúria, hipotireoidismo congênito, doenças falciformes, outras hemoglobinopatias e fibrose cística com a detecção dos casos suspeitos, confirmação diagnóstica, acompanhamento e tratamento dos casos identificados. Os estados e o Distrito Federal deverão garantir a execução de todas as etapas do processo, devendo, para tanto, utilizar a rede de coleta organizada na Fase I e organizar/cadastrar o(s) Serviço(s) Tipo III de Referência em Triagem Neonatal/Acompanhamento e Tratamento de Doenças Congênitas que garantam a realização da triagem, a confirmação diagnóstica e ainda o adequado acompanhamento e tratamento dos pacientes triados. 89 Art. 3º Estabelecer, na forma do Anexo I desta Portaria e em conformidade com as respectivas condições de gestão e a divisão de responsabilidades definida na Norma Operacional de Assistência à Saúde – NOAS-SUS 01/2001, as competências e atribuições relativas à implantação/gestão do Programa Nacional de Triagem Neonatal de cada nível de gestão do Sistema Único de Saúde. Art. 4º Estabelecer, na forma do Anexo II desta Portaria, os critérios/exigências a serem cumpridas pelos estados e pelo Distrito Federal para habilitação nas Fases de Implantação do Programa Nacional de Triagem Neonatal definidas no Artigo 2° desta Portaria. Art. 5º Determinar às Secretarias de Saúde dos estados, Distrito Federal e dos municípios, de acordo com seu nível de responsabilidade no Programa, que organizem Redes Estaduais de Triagem Neonatal que serão integradas por: a - Postos de Coleta; b - Serviços de Referência em Triagem Neonatal/ Acompanhamento e Tratamento de Doenças Congênitas Tipo I, II ou III; § 1º Compete aos municípios a organização/estruturação/ cadastramento de tantos postos de coleta quantos forem necessários para a adequada cobertura e acesso de suas respectivas populações, sendo obrigatória a implantação de pelo menos 01 (um) Posto de Coleta por município (municípios em que ocorram partos), em conformidade com o estabelecido no Anexo III desta Portaria; § 2º Compete aos estados e ao Distrito Federal a organização das Redes Estaduais de Triagem Neonatal, designando um Coordenador Estadual do Programa Nacional de Triagem Neonatal, articulando os Postos de Coleta Municipais com o(s) Serviço(s) de Referência, os fluxos de exames, a referência e contra-referência dos pacientes triados; § 3º Compete, ainda, aos estados e ao Distrito Federal a organização/estruturação/cadastramento de Serviço(s) de Referência em Triagem Neonatal/Acompanhamento e Tratamento de Doenças Congênitas, de acordo com a Fase de implantação do Programa, respectivamente de Tipo I, II ou III, que estejam aptos a realizar a triagem, a confirmação diagnóstica, o acompanhamento e tratamento das doenças triadas na Fase de Implantação do Programa em que o estado estiver, em conformidade com o estabelecido no Anexo III desta Portaria, sendo obrigatória a implantação de pelo menos 01 (um) Serviço de Referência por estado no tipo adequado à sua Fase de Implantação do Programa. Art. 6º Aprovar, na forma do Anexo III desta Portaria, as Normas de Funcionamento e Cadastramento de Postos de Coleta e de Serviços de Referência em Triagem Neonatal/Acompanhamento e Tratamento de Doenças Congênitas. Art. 7º Estabelecer que os estados e o Distrito Federal, para que possam executar as atividades previstas no Programa Nacional de Triagem Neonatal, deverão se habilitar, pelo menos, na Fase I de Implantação do Programa, até o último dia útil da competência agosto/2001. Art. 8º Excluir, da Tabela do Sistema de Informações Ambulatoriais - SIA/SUS, a contar da competência setembro/2001, o procedimento de código 11.052.11-2 – Teste de Triagem Neonatal (TSH e Fenilalanina). Art. 9º Incluir, na Tabela do Sistema de Informações Ambulatoriais - SIA/SUS, a contar da competência setembro/2001, os seguintes procedimentos: CÓDIGO PROCEDIMENTO VALOR R$ 07.051.03-4 Coleta de Sangue para Triagem Neonatal 0,50 11.201.01-0 Dosagem de Fenilalanina e TSH (ou T4) 11,00 11.202.01-7 Dosagem de Fenilalanina e TSH (ou T4) e Detecção de Variantes de Hemoglobina Dosagem de Tripsina Imunorreativa 19,00 11.203.01.3 5,00 90 11.211.01-6 Dosagem de Fenilalanina (controle / diagnóstico tardio) 5,00 11.211.02-4 Dosagem de TSH e T4 livre (controle / diagnóstico tardio) 12,00 11.211.03-2 Detecção de Variantes da Hemoglobina (diagnóstico tardio) 8,00 11.211.04-0 Detecção Molecular de Mutação das Hemoglobinopatias (confirmatório) 60,00 11.211.05-9 Detecção Molecular para Fibrose Cística (confirmatório) 60,00 38.071.01-0 Acompanhamento em SRTN a Pacientes com Diagnóstico de Fenilcetonúria 25,00 38.071.02-9 Acompanhamento em SRTN a Pacientes com Diagnóstico de Hipotireoidismo Congênito 25,00 38.071.03-7 Acompanhamento em SRTN a Pacientes com Diagnóstico de Doenças Falciformes e Outras Hemoglobinopatias 25,00 38.071.04-5 Acompanhamento em SRTN a Pacientes com Diagnóstico de Fibrose Cística 25,00 § 1º A Secretaria de Assistência à Saúde/SAS definirá, em ato próprio, os serviços/classificação a que estarão vinculados os procedimentos ora incluídos, suas compatibilidades, instruções de realização e cobrança bem como outras orientações necessárias a sua plena implementação; § 2º Os procedimentos ora incluídos somente poderão ser realizados/cobrados por aqueles serviços habilitados para tal, de acordo com a Fase de Implantação do Programa em que o estado estiver, em conformidade com as normas complementares a esta Portaria a serem publicadas em ato da Secretaria de Assistência à Saúde/SAS. Art. 10 Definir recursos financeiros a serem destinados ao financiamento das atividades estabelecidas nesta Portaria no montante de R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais), sendo que destes, R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais) correspondem a recursos adicionais aos atualmente despendidos na Triagem Neonatal. § 1° Os recursos adicionais de que trata o caput deste Artigo serão disponibilizados pelo Fundo de Ações Estratégicas e Compensação – FAEC, sendo que sua incorporação aos tetos financeiros dos estados ocorrerá na medida em que estes se habilitarem nas respectivas Fases de Implantação do Programa Nacional de Triagem Neonatal, em conformidade com o estabelecido nesta Portaria. § 2° Os recursos orçamentários de que trata esta Portaria correrão por conta do orçamento do Ministério da Saúde, devendo onerar os Programas de Trabalho: 10.302.0023.4306 – Atendimento Ambulatorial, Emergencial e Hospitalar em regime de Gestão Plena do Sistema Único de Saúde – SUS; 10.302.0023.4307 – Atendimento Ambulatorial, Emergencial e Hospitalar prestado pela Rede Cadastrada no Sistema Único de Saúde – SUS. Art. 11 Determinar que a Secretaria de Assistência à Saúde elabore e publique o Manual de Normas Técnicas e Rotinas Operacionais do Programa Nacional de Triagem Neonatal e adote as demais medidas necessárias ao fiel cumprimento do disposto nesta Portaria, definindo, se for o caso, a inclusão/alteração de procedimentos/medicamentos nas Tabelas do SIA/SUS e SIH/SUS, pertinentes à adequada assistência aos pacientes, determinação extensiva às disposições constantes deste ato. Art. 12 Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos financeiros a contar da competência setembro/2001. JOSÉ SERRA 91 ANEXO B - PORTARIA No 1.391/GM DE 16 DE AGOSTO DE 2005 Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde, as diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias. O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições, e Considerando o disposto no art. 196 da Constituição, relativamente ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação; Considerando as atribuições comuns da União, dos Estados e dos municípios estabelecidas na Lei n o 8.080, de 19 de setembro de 1990; Considerando os princípios e diretrizes da Política Nacional do Sangue, Componentes e Hemoderivados, implementada, no âmbito do Sistema Único de Saúde, pelo Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados – SINASAN, cuja finalidade é garantir a auto-suficiência do País nesse setor e harmonizar as ações do poder público em todos os níveis de governo (art. 8o da Lei no 10.205, de 21 de março de 2001); Considerando a alta prevalência das doenças falciformes na população brasileira, dentre as quais a Anemia Falciforme é majoritária; Considerando que as pessoas com essa enfermidade, devido às alterações nos glóbulos vermelhos, apresentam diferentes complicações clínicas e comprometimento progressivo de diferentes órgãos; Considerando a necessidade de tratamento multiprofissional e multidisciplinar a ser realizado por profissionais adequadamente preparados; Considerando a inclusão do exame para detecção de doença falciforme, na fase II do Programa Nacional de Triagem Neonatal, instituído pela Portaria no 822/GM, de 6 de junho de 2001; Considerando a importância médico-social do início precoce do tratamento na rede de assistência do Sistema Único de Saúde; e Considerando que historicamente a Hemorrede Pública é referência reconhecida no tratamento dessas enfermidades R E S O L V E: Art. 1º Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, como diretrizes para a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias: I - a promoção da garantia do seguimento das pessoas diagnosticadas com hemoglobinopatias pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), recebendo os pacientes e integrando-os na rede de assistência do Sistema Único de Saúde - SUS a partir, prioritariamente, da Hemorrede Pública, e provendo assistência às pessoas com diagnóstico tardio de Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias, com a criação de um cadastro nacional de doentes falciformes e outras hemoglobinopatias; II - a promoção da garantia da integralidade da atenção, por intermédio do atendimento realizado por equipe multidisciplinar, estabelecendo interfaces entre as diferentes áreas técnicas do Ministério da Saúde, visando à articulação das demais ações que extrapolam a competência da Hemorrede; III - a instituição de uma política de capacitação de todos os atores envolvidos que promova a educação permanente; IV - a promoção do acesso à informação e ao aconselhamento genético aos familiares e às pessoas com a doença ou o traço falciforme; V - a promoção da integração da Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias com o Programa Nacional de Triagem Neonatal, visando a 92 implementação da fase II deste último e a atenção integral às pessoas com doença falciforme e outras hemoglobinopatias; VI - a promoção da garantia de acesso aos medicamentos essenciais, conforme protocolo, imunobiológicos Especiais e insumos, como Filtro de Leucócitos e Bombas de Infusão; e VII - a estimulação da pesquisa, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das pessoas com Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias. Parágrafo único. As diretrizes de que trata este artigo apóiam-se na promoção, na prevenção, no diagnóstico precoce, no tratamento e na reabilitação de agravos à saúde, articulando as áreas técnicas cujas ações têm interface com o atendimento hematológico e hemoterápico. Art. 2º Caberá à Secretaria de Atenção à Saúde adotar, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, as providências necessárias ao cumprimento do disposto nesta Portaria. Art. 3o Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. SARAIVA FELIPE 93 ANEXO C - ARTIGO PUBLICADO 1 94 95 96 97 98 99 ANEXO D - ARTIGO PUBLICADO 2 100 101 102 103