UMA OUTRA AGRICULTURA É POSSÍVEL: PENSANDO A AGRICULTURA CONVENCIONAL PRATICADA NA QUITÉRIA E AS POSSIBILIDADES DE MUDANÇA PELOS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL Maria deFátima Santos da Silva Humberto Calloni À Guisa de Introdução O presente trabalho de pesquisa versa sobre a Quitéria, um sub- distrito da cidade do Rio Grande, no sul do Estado do Rio Grande do Sul, onde pratica-se a agricultura convencional, com o uso de produtos químicos – adubos e agrotóxicos. Apesar desse agricultores produzirem em pequenas propriedades e viverem da agricultura familiar, acabam por se utilizarem de métodos que não lhe são naturais, que por interesses capitalistas, foram introduzidos nessa região. Sob a promessa de maior lucro e produtividade, aprofundaram a crise da agricultura familiar, tão evidente. Entendemos essa questão dentro de um macrocosmos da crise ambiental, de quebra da harmonia vital entre mulheres e homens com a natureza. A agricultura convencional é mais uma face desse todo, um fator que a cada dia agrava essa crise, que se forjou ao longo da história nas relações entre os seres humanos e a natureza transformada. Como problema central de pesquisa propomos entender o que sustenta essa agricultura e como a Educação Ambiental pode contribuir para que se comece a pensar em uma agricultura pautada em outros valores. A Educação Ambiental e a utopia da Agricultura de base ecológica Não podemos ser ingênuos a ponto de pensar que esses agricultoras, como quem estamos dialogando, de um dia para o outro, perceberam que há um outro caminho, que estão fazendo algo prejudicial ao ambiente e, portanto, a si próprios. Esses homens e mulheres só perceberam que são capazes de transformar sua realidade, de reconciliar-se entre si e com a natureza, por meio de um processo de conscientização, da construção coletiva de novos valores, de uma nova ética. Nesse processo, é imprencídivel a Educação Ambiental, haja vista a necessidade de uma mudança cultural. É preciso criar junto aos agricultores uma nova identidade, um sentimento de pertencimento, de dependência com relação a natureza e com o outro. A Educação Ambiental enquanto ato político, voltado à transformação social, como um processo de permanente aprendizagem, de construção da cidadania tem que chegar a todos e todas. Sabemos que uma dissertação por si só, não consegue resolver todos esses problemas, quem sabe resolva apenas nossas dúvidas ou crie outras. Mas, quem sabe não permita àqueles sujeitos e construtores dela um repensar de si mesmo, quem sabe algo não brote dentro de cada um? Sonhos? Utopias? Esperanças? Talvez um dia não tenhamos mais “pragas”, não se fabriquem mais agrotóxicos. Talvez um dia por meio de um processo, que será fundamentalmente educativo, possamos todos e todas sem exceção, perceber que somos um elo dessa corrente, um fio nessa teia que é a vida, a qual precisamos preservar, regenerar. Durante muito tempo o capitalismo conseguiu superar suas próprias contradições e seguir seu curso, porém agora parece estar chegando ao seu limite, gerador de uma crise ambiental que é fruto de um processo contínuo de exploração e destruição dos recursos naturais, de sua transformação em meio de produção, mercadorias. Notadamente, uma crise paradigmática, já que é uma crise do conhecimento: É, enfim uma crise advinda da nossa forma de ver o mundo. Pensávamos que a tecnologia, o desenvolvimento de novos produtos, novas substâncias trariam o progresso; assim como acreditávamos que fosse possível controlar com tecnologia a poluição e destruição que o mesmo acarretasse. Tudo ilusão, a terra pede socorro, ela não se alimenta de dinheiro, tampouco nós, mas compramos muito com ele. É preciso construirmos uma sociedade mais livre e justa, onde cada um possa fazer seu caminho, onde a diferença seja respeitada. Há um novo mundo que precisamos construir, para tanto é imprescindível compreender a urgência de uma nova cultura, processo que passa pela educação ambiental, problematizadora, voltada para a constituição de homens e mulheres que não sejam meros espectadores, mas condutores de sua própria história, seres conscientes de si e do mundo, críticos, participativos, agricultores que convivam harmoniosamente com o ambiente, que descubram na agricultura não só um meio de sobrevivência, mas um modo de vida, um caminho, percebendo que não estamos sozinhos e que nossa ação sobre o ambiente reflete em nós mesmos. O problema central da pesquisa e a metodologia No que tange a esse trabalho o tema abordado será a Agricultura Convencional praticada na Quitéria.Um microcosmos, é verdade, mas onde há um modo de vida que se repete, não só nas outras localidades do interior de Rio Grande, mas em todas aquelas regiões que vivem desse tipo de agricultura e que viveram e sofreram as influências da Revolução Verde e dos processos de “modernização” agrícola. Desse modo, o problema dessa pesquisa poder-se-ia dizer que é a tentativa de responder uma interrogação, que a seguinte: O que sustenta a agricultura convencional praticada na Quitéria e que contribuições a Educação ambiental pode trazer à consolidação de uma agricultura de base ecológica? Dentro desse cenário os objetivos são: ê Conhecer a forma como são utilizados os agrotóxicos e como isso iniciou; ê Compreender a forma como se percebem os agricultores na relação que estabelecem com a natureza e qual a sua percepção acerca do tipo de agricultura praticada; ê Entender sua visão com relação a Agroecologia, e por que nunca buscaram esse caminho; ê Refletir acerca do papel da educação ambiental para mudança desse quadro - de agricultura convencional para uma agricultura de base ecológica. Assim, em se tratando de processos metodológicos, acreditamos que este deve ser cotidianamente repensado, deve estar sempre em diálogo com nossa proposta. Não temos duvidas de no caso deste trabalho estarmos impregnadas da pesquisa qualitativa. Foram propostas aos envolvidos entrevistas semi – estruturadas, buscando elementos que nos ajudem a pensar nosso problema e a seguir procedemos a uma análise e categorização dessas falas, bem como observações participantes. A agricultura convencional que se quer mudar: origem e faces É a partir de meados do século XX, em nível mundial que ocorre a difusão do chamado “Pacote Tecnológico da Revolução Verde”, trazendo com todas suas inovações, a destruição ambiental, agravando cada vez mais a crise, em que estamos todos inseridos. A Revolução Verde é mais um momento no processo histórico de “modernização” da agricultura e, por conseguinte da familiar. Não inaugura nem encerra nada, introduz novas formas de se plantar, cuidar, colher, e assim de entender-se a si próprio, mulheres e homens do campo, que dependem apenas, de seu trabalho. Há uma inversão de papéis, se antes a agricultura tinha que se adaptar às possibilidades do ecossistema, agora este é que precisa se adaptar ao modelo de produção convencional, com elementos e processos totalmente estranhos. Em sua origem esse modelo agrícola foi gerado: Por uma articulação entre os projetos de desenvolvimento nacional e as grandes empresas transnacionais, envolvidas na produção de insumo, industrializações e comercializações (...) Trata-se de uma etapa caracterizada como desenvolvimento econômico pelo incremento da produtividade. (RUSCHEINSKY & VARGAS, 2002, 133) A partir desse momento tem-se uma mudança crucial, se antes falava-se em falta de alimentos, agora esses sobram, disponíveis apenas a quem tem dinheiro. Mas, certamente, a agricultura convencional também tem limites para sua continuidade. O limite parece ser a resposta à indagação: até quando a natureza poderá suportar tal modelo? A Revolução Verde saudada como solução para a fome do mundo, na verdade contribui para o agravamento da crise. Produto da forma mecânica de ver o mundo, o homem e, consequentemente, a agricultura. Apesar de todo um discurso de preocupação com relação ao agravamento da fome do mundo, principalmente nos países de ‘terceiro mundo”, o que está por trás disso são os interesses do capital; Justificado pelo discurso da promoção humana e da possibilidade de fome que o mundo viveria com o crescimento populacional, sendo, desta forma, necessárias altas taxas de produtividade na agricultura para evitar que os povos desprotegidos tornassem presas fáceis do comunismo, que avançava no leste europeu e no oriente. Num contexto harmônico da guerra fria, prevaleceu o discurso da caridade e da fraternidade para os americanos do sul. Essa era a aparência de um grande negócio que estimulava ou criava organismos estratégicos de desenvolvimento científico e cultural. (LIMA, 1998, 18). O conhecimento científico e tecnológico começa a se voltar para a descoberta de novos produtos e formas de produção. São criados programas de treinamento e difusão desses métodos para outros países, chegando até o Brasil, que se encanta com as sementes híbridas e todo seu arsenal. A pesquisa também aponta para esse caminho, criando inclusive parcerias com organismos internacionais. Surgem os Centros Nacionais de Experimentação, como na UREMG (Universidade Rural do Estado de Minas Gerais), e ESAL (Escola Superior de Agricultura de Lavras), além de Centros Internacionais, objetivando o intercâmbio intelectual e de idéias e “parcerias com a AGROCERES, criada em 1945, no Brasil, como empresa do Grupo Rockefeller, (que) permitiram a efetiva criação de mercado de sementes” (LIMA, 1998, 18). Há, então, o surgimento de um novo paradigma agroeconômico com uma mudança drástica na base tecnológica da produção agrícola brasileira. Se o objetivo era a criação de mercados para as sementes, os defensivos, os agrotóxicos e máquinas, as conseqüências são desastrosas, além de todas alterações impostas à natureza. Grande número de pessoas saem do campo e não são absorvidas pela cidade, com condições dignas de sobrevivência vão engrossar as filas em busca de emprego. Segundo dados do IBGE, em 1950 cerca de 64% da população vivia no campo e em 1980, esse número cai para 33%, quase metade. Muda a forma dos agricultores se relacionarem com a terra, muda sua forma de organização econômica, aumentando cada vez mais, inclusive, sua dependência com relação aos empréstimos bancários. Esse é o quadro que quer-se mudar, apostamos em um processo de transição ecológica pautado em um (re) pensar-se a si próprio, na valorização do ser sobre o ter, no respeito ao ser diferente, no compromisso com o ambiente e com todos que conosco compartilham esse mundo. À Guisa de Conclusão Como conclusão devemos lembrar que acreditamos que esses agricultores estariam abertos a um proposta de agricultura ecológica, embora vissem, muito nisso, o lado econômico e esperem que pessoas “instruídas” possam guiá-los nessa travessia. Desconhecem, pois, o potencial transformador e propositor que há dentro de cada um deles, todo conhecimento acumulado ao longo dos anos. Eles reconhecem, contudo, o papel fundamental que tem a agricultura para a própria manutenção da vida, alguém precisa produzir o que é consumido nas cidades, por exemplo, mas dada essa importância da atividade não encontram uma contrapartida nas instituições governamentais em termos de incentivos a produção, superação de dificuldades, ainda que possamos identificar uma visão paternalista em todas as falas relacionadas ao papel desses “políticos”. Acreditamos que se fazem necessários, sim, incentivos por parte das instituições governamentais, das instituições de pesquisa, as universidades, os órgãos de assistência técnica, mas também a ação coletiva dos agricultores e também dos consumidores. É só com a união de todos os setores sociais que poderemos pensar em um processo de transição para uma agricultura de base ecológica. É uma ação educativa, entendendo educação como ambiental. Inexoravelmente, a educação ambiental precisa ser crítica, criativa, integradora, precisa questionar os sujeitos acerca de suas práticas, de suas vivências, de suas escolhas. É preciso promovermos a discussão com esses agricultores para que possam perceber a existência de outros caminhos que não sejam aqueles trilhados até agora. Essa deve ser a nossa meta, não como pesquisadores somente, mas sobretudo como cidadãos que somos, todos interligados e dependentes. Não podemos esperar que esses produtores, de uma hora para outra, magicamente resolvam abandonar todas suas certezas de até então, precisamos atuar para que possam ser criadas condições para isso. É, sem dúvida, um longo caminho, mas precisamos continuar acreditando que é possível, não podemos nunca perder nossa esperança, nossa confiança na mobilidade do mundo, na transformação constante que vivemos, em nosso condicionamento, nunca determinismo. Bibliografia ALTIERI, Miguel. Agroecologia: dinâmica da agricultura sustentável. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 1998. BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Editora Ática, 1995. CASCINO, Fábio. Educação Ambiental: princípios, história, formação de professores. São Paulo: Editora do SENAC São Paulo, 1999. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. GUIMARÃES, Mário. A Dimensão Ambiental da Educação. Campinas: Papirus, 1995. GRÜM, Mauro. 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