PROJETO METAMORFOSEANDO: A TRANSIÇÃO PARA O ENSINO FUNDAMENTAL. Ana Flávia Silva Luz (PUC-Campinas, [email protected]). Edilson Guarnieri Junior (PUC-Campinas, [email protected]). Maria Sílvia Pinto de Moura Librandi da Rocha ([email protected]). Introdução REFLETINDO SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL A partir da Constituição de 1988, a Educação Infantil passou a ser um direito da criança, um dever do Estado e uma opção da família. A fim de universalizar a maneira de se entender e atuar na Educação Infantil pelo extenso território nacional, em 1998 o Ministério da Educação e do Desporto elaborou e distribuiu o Referencial Curricular para a Educação Infantil, tal material busca por uma ação integrada que incorpore às atividades educativas os cuidados essenciais das crianças e suas brincadeiras. O Referencial foi concebido de maneira a servir como um guia de reflexão de cunho educacional sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais que atuam diretamente com crianças de zero a seis anos, respeitando seus estilos pedagógicos e a diversidade cultural brasileira. Segundo consta no próprio texto do Referencial sua organização possui caráter instrumental e didático, devendo os professores ter consciência, em sua prática educativa, que a construção de conhecimentos se processa de maneira integrada e global e que há interrelações entre os diferentes eixos sugeridos a serem trabalhados com as crianças (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1998). Nessa perspectiva, vê-se a autonomia dada ao professor bem como sua responsabilidade no processo educacional, isso faz com que questionemos a formação/capacitação deste profissional, os recursos e instrumentos que disponibiliza para realizar plenamente tal atividade, bem como o envolvimento da comunidade. Embora não existam informações abrangentes sobre os profissionais que atuam diretamente com as crianças nas creches e pré-escolas do país, vários estudos têm 2 mostrado que muitos destes profissionais ainda não têm formação adequada, recebem remuneração baixa e trabalham sob condições bastante precárias. Se na pré-escola, constata-se, ainda hoje, uma pequena parcela de profissionais considerados leigos, nas creches ainda é significativo o número de profissionais sem formação escolar mínima cuja denominação é variada: berçarista, auxiliar de desenvolvimento infantil, monitor, recreacionista, etc (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1998). A escolaridade exigida para os professores é a formação em ensino superior. Para os monitores de Educação Infantil, em 2000, passou a ser exigida a escolaridade do Ensino Fundamental para o trabalho. Ainda não há na Prefeitura Municipal de Campinas uma proposta de formação inicial daquelas que irão trabalhar com crianças de zero a três anos (Ávila, 2002). A constatação dessa realidade nacional diversa e desigual da Educação Infantil aponta além do déficit de funcionários e formação ineficiente, as superlotações de turmas, ausência de vagas nas creches e instituições de Educação Infantil. Estes problemas ultrapassam a capacidade de transformação por meio da ação do professor em sala de aula, há uma questão estrutural, que permeia interesses sócio-políticos e econômicos. Segundo Ávila (2002) os universos escolares apresentam-se permeados por lógicas de dominação e poder, institucionalmente constituídas. O atendimento institucional à criança pequena, no Brasil e no mundo, apresenta ao longo de sua história concepções bastante divergentes sobre sua finalidade social. Grande parte dessas instituições nasceu com o objetivo de atender exclusivamente às crianças de baixa renda. O uso de creches e de programas pré-escolares como estratégia para combater a pobreza e resolver problemas ligados à sobrevivência das crianças foi, durante muitos anos, justificativa para a existência de atendimentos de baixo custo, com aplicações orçamentárias insuficientes, escassez de recursos materiais; precariedade de instalações; formação insuficiente de seus profissionais e alta proporção de crianças por adulto (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1998). Constituir-se em um equipamento só para pobres, principalmente no caso das instituições de Educação Infantil, financiadas ou mantidas pelo poder público, significou em muitas situações atuar de forma compensatória para sanar as supostas faltas e carências das crianças e de suas famílias. A tônica do trabalho institucional foi 3 pautada por uma visão que estigmatizava a população de baixa renda. Nessa perspectiva, o atendimento era entendido como um favor oferecido para poucos, selecionados por critérios excludentes. A concepção educacional era marcada por características assistencialistas, sem considerar as questões de cidadania. Modificar essa concepção de educação assistencialista significa atentar para várias questões que vão muito além dos aspectos legais. Envolve, principalmente, assumir as especificidades da Educação Infantil e rever concepções sobre a infância, as relações entre classes sociais, as responsabilidades da sociedade e o papel do Estado diante das crianças pequenas (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1998). Retratando tal perspectiva, vemos que as creches de Campinas eram alocadas na Secretaria de Promoção e Assistência Social, e por uma decisão política, na gestão do Partido dos Trabalhadores (1989-1990) passaram à Secretaria Municipal de Educação (Ávila, 2002). Visto que não devemos ver a pré-escola como um instrumento assistencialista e sim de caráter educacional, destacamos seu importante papel social a partir das idéias de Vygotsky, que compreende a escola como um espaço diferenciado e insubstituível na apropriação pelo sujeito da experiência culturalmente acumulada, por oferecer conteúdos e desenvolver modalidades de pensamento bastante específicos (apud Rego, 1999). A prática educativa deve buscar situações de aprendizagens que reproduzam contextos cotidianos nos quais, por exemplo, escrever, contar, ler, desenhar, procurar uma informação etc. tenha uma função real, isto é, escrever para guardar uma informação, para enviar uma mensagem, contar tampinhas para fazer uma coleção etc. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1998). Nesta linha, nos reportamos aos pensamentos de Vygotsky (2005), segundo este autor “Para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras – temos de compreender o seu pensamento. Mas nem mesmo isso é suficiente – também é preciso que conheçamos a sua motivação”. Isso porque, o pensamento é gerado pela motivação, ou seja, pelos desejos e necessidades do sujeito, seus interesses e emoções. Segundo Dewey o bom ensino só se dará quando os alunos, sob conveniente direção, possam mover-se por intenções que liguem suas impulsões e desejos a 4 propósitos definidos, ideais e valores. Montessori defende uma idéia mais voltada para o social, dizendo que é a personalidade humana e não um método de educação que deve-se considerar, é a defesa da criança, o reconhecimento científico de sua natureza, a proclamação social de seus direitos que devem substituir os falhos modos de conceber a educação. Freint segue esta mesma linha, dizendo que o processo educacional deve fazer sentido num contexto de atividades significativas, que possibilitassem às crianças sentirem-se sujeitos do processo pessoal de aquisição de conhecimentos. Entendendo o dinamismo, a ação, como estimulantes das crianças na buscar por conhecimento, multiplicando seus esforços em busca de uma satisfação interior (apud Almeida, 2002). Embora as crianças desenvolvam suas capacidades de maneira heterogênea, a educação tem por função criar condições para o desenvolvimento integral de todas as crianças, considerando, também, as possibilidades de aprendizagem que apresentam nas diferentes faixas etárias. Para que isso ocorra, faz-se necessário uma atuação que propicia o desenvolvimento de capacidades envolvendo aquelas de ordem física, afetiva, cognitiva, ética, estética, de relação interpessoal e inserção social (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1998). Deste modo, Almeida (2002) destaca que o processo educativo deve ser visto em todo o contexto social, a qual criança e a qual instituição estamos falando, a nos atentarmos as particularidades existentes, assim, formar os professores com estes teóricos que dizem muito sobre a infância é de fundamental importância para subsidiarlhes na construção de suas práticas, tendo consciência das opções teórico-práticas que fazem, participando ativamente de um processo histórico social e, assim, libertando-se das amarras impostas pelas inseguranças originárias do desconhecimento de seu objeto de trabalho, a infância. Almeida (2002) relata em seu texto como foi o surgimento da Educação Infantil ao longo dos séculos, e assim mostrando as várias teorias que podem subsidiar professores e afins para compreenderem melhor as crianças com as quais trabalham. Começando pelo século XVII, um grande nome para a educação é Comênio, suas ideias vão no sentido de que, assim como uma árvore que se desenvolve a partir do tronco, todas as coisas que queremos instruir em um homem para utilidade de toda a vida, deverão ser-lhes plantadas logo nesta primeira escola. No século XVIII surgem as idéias de Rousseau que evidencia a necessidade de considerar a infância, e não mais ver a 5 criança como um homem pequeno, dando importância as suas especificidades, seus modos de ver, de pensar, de sentir, que lhes são próprios. Pestalozzi com seu sistema pedagógico foi considerado um dos precursores da educação nova que ressaltou a importância de se psicologizar a educação e defini-la em função das necessidades de crescimento e desenvolvimento da criança, seu projeto educativo tinha a “intuição” como fundamento básico para se atingir o conhecimento. No século XIX, em 1837 Fröebel criou na Alemanha o Kindergarten (Jardim de infância), ele compreende o aspecto educativo do brinquedo ou das atividades lúdicas, e enfatiza seu papel ativo no processo de desenvolvimento na infância, isto é, destaca a auto-atividade como o caminho mais viável para determinação de um processo educacional. Por fim, chegando ao século XX vê-se que as escolas laicas marcaram a ruptura do domínio da Igreja sobre a educação, reafirmando a hegemonia da burguesia liberal. Um grande movimento de renovação pedagógica denominada “Escola Nova”, também aconteceu nesse período. Surgem aí vários autores que buscam uma mudança que acompanhe as transformações sociais (Almeida, 2002). Um dos outros grandes autores desse século, principalmente para a psicologia, é Jean Piaget, que com seu questionamento principal: “como se processa a aquisição do conhecimento” tem muito que oferecer para o âmbito educacional, principalmente para a Educação Infantil. Concomitantemente a ele, existiu um teórico russo que muito contribui para a educação, Vygotsky, que disse que “a necessidade do estudo da criança reside no fato de ela estar no centro da pré-história do desenvolvimento cultural devido ao surgimento do uso de instrumentos da fala” e que “tais processos psicológicos superiores se desenvolvem nas crianças por meio da imersão cultural nas práticas das sociedades, pela aquisição dos símbolos e instrumentos tecnológicos da sociedade e pela educação em todas as suas formas”. Para Vygotsky desenvolvimento e aprendizagem são processos interativos, no entanto, cabe ao processo de aprendizagem, realizado em um contexto social específico, possibilitar o processo de desenvolvimento, “o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam” (Almeida, 2002). O papel da escola passa a ter uma relevância muito grande para que o sujeito se forme, mas que, muitas vezes, o comprometimento das instituições educativas passa 6 longe do seu papel de educar. Wallon (1979) destaca que seria justamente na cooperação e na integração que haveria as condições ideais de exploração de todo o potencial de desenvolvimento do ser humano e isto tem reflexos que se expandem para a sociedade. Ao pensarmos neste desenvolvimento humano, considerando o seu processo educativo, vemos que, ao se pensar em uma proposta curricular deve-se levar em conta não só o número de horas que a criança passa na instituição, mas também a idade em que começou a freqüentá-la e quantos anos terá pela frente. As particularidades de cada proposta curricular devem estar vinculadas principalmente às características socioculturais da comunidade na qual a instituição de Educação Infantil está inserida e às necessidades e expectativas da população atendida. O trabalho direto com crianças pequenas exige que o professor tenha uma competência polivalente. Ser polivalente significa que ao professor cabe trabalhar com conteúdos de naturezas diversas que abrangem desde cuidados básicos essenciais até conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1998). O modelo do trabalho educativo da creche estudada por Ávila (2002) apareceu muitas vezes como um reflexo do Ensino Fundamental: atividades curtinhas, centradas no adulto, na maioria das vezes sem um projeto explicitado, aconteciam de formas isoladas, mas com indícios que havia uma intencionalidade educativa, talvez (sem muita consciência) copiando a pré-escola e antecipando-a, já que este era o único modelo disponível. Isto não quer dizer que as crianças tenham ficado horas sentadas em cadeirinhas para desenhar, pintar, recortar; ao contrário, brincavam bastante entre elas, mas este era um modelo valorizado pelas profissionais para revelar que as crianças pequenininhas eram capazes de fazerem coisas. De outro lado, o trabalho das professoras ainda parecia ser este: propor atividades para desenvolver conteúdos através das ditas “atividades pedagógicas”. Para Zabalza (2000), há dez aspectos chave na Educação Infantil: a organização dos espaços no sentido de ele ser amplo, facilmente identificado pelas crianças, inclusive contendo opções para o acolhimento de grupos; o equilíbrio entre a iniciativa infantil e o direcionamento dos educadores, ou seja, a diretividade do mediador não deve substituir a iniciativa da criança. Ao mesmo tempo tem atividades 7 de importância no currículo que devem ser planejadas e executadas; a emoção leva boa parte de atenção dos educadores por ser a plataforma onde se baseia todo o resto da Educação Infantil. Através disso, a criança terá mais confiança para seu prazer, autonomia e visão da realidade. Com o reconhecimento das emoções pela criança ela passa a ter mais controle sobre elas. O ideal, segundo o autor, seria haver também uma atividade específica para cada dimensão do desenvolvimento, por exemplo, os quesitos música e linguagem se conectam, mas é importante que haja a estimulação dos dois em separado para reconhecimento da especificidade de cada um pelos pequenos; a rotina serve para organizar o aprendizado e esclarecer a estrutura de um processo a ser seguido facilitando também a segurança e autonomia; os materiais devem ser de origem tanto comercial, quanto artesanal, com finalidades acadêmicas quanto provenientes de situações cotidianas e corriqueiras. Esses materiais, que também podem ser trazidos de casa oferecem instrumentos de descoberta e criação; Apesar de ser complicado manter a atenção individualizada permanente é importante em alguns momentos que aconteçam colaborando assim para a base de uma cultura diversificada; há necessidade de haver um programa de acompanhamento constante das crianças na intenção de estar a par do desenvolvimento delas mais do que para que seja formalizado o processo educacional. Planejar e avaliar o básico ajuda, a saber, o quanto os alunos estão progredindo. Essa análise deve ser global e individual. A comunicação com os pais é fundamental para continuação da educação em casa o que de acordo com o autor enriquece o trabalho feito na escola assim como enriquece os próprios pais; a linguagem é peça-chave para a capacidade da criança de pensar e decodificar a realidade, portanto, quanto mais enriquecida for a linguagem que permear o ensino sua falas serão cada vez mais ricas e com um repertório maior de opções de se comunicar se superando a cada aquisição nova de vocabulário (Zabalza, 2000). Além disso, Zabalza (2000) salienta a contribuição que há no toque individual de todos os integrantes da escola nessas questões com sugestões para inovações e resoluções de problemas. Coloca também a ênfase nos trabalhos de grupo que parecem funcionar melhor que os individuais entre as crianças estimulando a comunicação e saída do conteúdo da escola para outros ambientes frequentados pelas crianças. Além disso, o prazer deve sempre estar acompanhando todos os trabalhos feitos por elas. 8 A CRIANÇA COMO SUJEITO HISTÓRICO CULTURAL “Mire, veja: o mais importante e bonito no mundo, é isto: que as pessoas não são sempre iguais, ainda não foram terminadas...” (Guimarães Rosa) A concepção de criança é uma noção historicamente construída e conseqüentemente vem mudando ao longo dos tempos, não se apresentando de forma homogênea nem mesmo no interior de uma mesma sociedade e época. Assim é possível que, por exemplo, em uma mesma cidade existam diferentes maneiras de se considerar as crianças pequenas dependendo da classe social a qual pertencem, do grupo étnico do qual fazem parte. Boa parte das crianças pequenas brasileiras enfrentam um cotidiano bastante adverso que as conduz desde muito cedo à precárias condições de vida e ao trabalho infantil, ao abuso e exploração por parte de adultos. Outras crianças são protegidas de todas as maneiras, recebendo de suas famílias e da sociedade em geral todos os cuidados necessários ao seu desenvolvimento. Essa dualidade revela a contradição e conflito de uma sociedade que não resolveu ainda as grandes desigualdades sociais presentes no cotidiano (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, 1998). A criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também o marca. A criança tem na família, biológica ou não, um ponto de referência fundamental, apesar da multiplicidade de interações sociais que estabelece com outras instituições sociais. O homem, como ser essencialmente social, constitui-se historicamente no contexto cultural a partir da interação com outros homens, através do trabalho de mediação simbólica possibilitada pela atividade da linguagem (Vygotsky, 1994). A evolução de cada homem – de sua cognição e subjetividade – é vista como fenômeno singular, mas que também faz parte da história de seu ambiente social. A atividade 9 simbólica, realizada pelo trabalho linguístico, é considerada básica para o desenvolvimento psicológico humano: enquanto ferramenta semiótica, a linguagem possibilita a transmutação do mundo natural concreto para o nível de representação no mundo mental. (Teixeira, 2008). De acordo com os estudos de Vygotsky (1994), um dos pontos centrais na caracterização do que é tipicamente humano é a existência das chamadas “funções mentais superiores”. Esses são mecanismos psicológicos sofisticados e complexos, relacionados ao controle consciente do comportamento, à ação intencional e à determinação do indivíduo para tomar decisões, orientar procedimentos, garantir a memória, etc. Considerando o desenvolvimento humano como um fenômeno complexo, Vygotsky critica visões reducionistas que procuram explicá-lo a partir de idéias associacionistas e mecanicistas. Sua premissa fundamental é que os processos mentais humanos só podem ser compreendidos ao considerarmos historicamente sua ocorrência durante o crescimento. É um grande desafio compreender de forma não redutora as complexas características do indivíduo em cada faixa etária em que se encontra. A evolução humana não pode ser compreendida apenas na esfera biológica, pois está necessariamente ligada também à esfera da vida social. Os homens aprendem a partir de erros e acertos – não apenas de seus próprios (como os animais), mas, sobretudo dos de outras pessoas, pelo acesso à herança cultural acumulada que nos é transmitida através das experiências compartilhadas e do convívio em sociedade (Teixeira, 2008). O conceito de mediação destaca-se na concepção histórico-cultural devido ao papel fundamental que desempenha no desenvolvimento psicológico desde o nascimento. Na interação da criança com o outro social operam-se importantes trocas interpsicológicas, que permitem o trabalho de reconstrução intrapsicológica. Esse processo configura um verdadeiro avanço cognitivo, com a ampliação do universo de conhecimento. (Vygotsky, 1994). Assim, vemos que o desenvolvimento das funções mentais superiores é cultural, pois elas se desenvolvem primeiro entre as pessoas (interpsicologica) e depois no interior da criança (intrapsicologica), sendo assim, o outro, o mundo, é de extrema importância na constituição do sujeito. 10 O mundo das relações proporciona à criança experiências de mediação social como substrato para seu trabalho singular de representação do mundo, seu modo próprio de funcionamento psicológico. É pela inserção social da criança em instituições como a própria família, e, mais tarde a escola, que se viabilizam as interações tão necessárias ao ser humano (Teixeira, 2008). O desenvolvimento se dá com o sujeito tornando próprios os discursos/saberes que eram inicialmente dos outros. Esse é o principio do conceito de “zona de desenvolvimento proximal”, definida por Vygotsky (1994, p. 112): Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. Destaca-se nesse conceito o caráter dialético da dinâmica da aprendizagem e do desenvolvimento humano, dado pela constante troca entre sujeito e o seu mundo. A mediação opera a partir da existência do signo, complexa ferramenta simbólica. A palavra ocupa lugar privilegiado entre os signos, possibilitando a introjeção do mundo real para o mundo mental através da constituição de conceitos, idéias abstratas. Dessa forma pode-se entender a possibilidade humana da interação comunicativa verbal, que permite compartilhar conteúdos ausentes no tempo e no espaço. Esse é o processo de subjetivação que, através da palavra como signo mediador, instaura a relação intersubjetiva entre as pessoas e entre essas e o mundo (Teixeira, 2008). As funções psicológicas emergem no plano das relações sociais, e o indivíduo se constrói a partir delas, e assim, dá-se um importante papel para a linguagem, que é o meio do qual mais efetivamente nos relacionamos com os outros, a linguagem tem esse caráter mediador que é tão importante para a visão histórico-cultural. Para Vygotsky (1994), a relação entre as funções psicológicas superiores foi outrora relação real entre pessoas. Eu me relaciono comigo e com os outros, tal como as pessoas relacionaram-se comigo. Sendo uma articulação entre os planos interpessoal e intrapessoal, do processo dialógico das interações surge a subjetividade, constituinte do universo psicológico interior do sujeito. 11 É através da interação com o outro e com o mundo ao seu redor, reafirmando a necessidade e o prazer tipicamente humano de expressão e comunicação, que a criança tem a possibilidade de penetrar no mundo simbólico através da linguagem, desenvolvendo as funções mentais superiores e avançando na sua constituição enquanto homem. Essa maneira de compreender o desenvolvimento infantil valoriza os processos interativos na constituição do sujeito-criança (Teixeira, 2008). Para Vygotsky (1994), o desenvolvimento não se tratava de uma mera acumulação lenta de mudanças unitárias, mas sim, de um complexo processo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no desenvolvimento das diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, entrelaçamento de fatores externos e internos e processos adaptativos. Durante os anos da pré-escola e da escola as habilidades conceituais da criança são expandidas através do brinquedo e do uso da imaginação. Nos seus jogos variados a criança adquire e inventa regras. Na medida em que a criança imita os mais velhos em suas atividades padronizadas culturalmente, ela gera oportunidades para o desenvolvimento intelectual. Inicialmente, seus jogos são lembranças e reproduções de situações reais; porém, através da dinâmica de sua imaginação e do reconhecimento de regras implícitas que dirigem as atividades reproduzidas em seus jogos, a criança adquire um controle elementar do pensamento abstrato. Nesse sentido o brinquedo dirige o desenvolvimento (Vygotsky, 1994). Analogamente, a instrução e o aprendizado na escola estão avançados em relação ao desenvolvimento cognitivo da criança. Vygotsky (1994) propõe um paralelo entre o brinquedo e a instrução escolar: ambos criam uma zona de desenvolvimento proximal e em ambos os contextos a criança elabora habilidades e conhecimentos socialmente disponíveis que passará a internalizar. Durante as brincadeiras todos os aspectos da vida da criança tornam-se temas de jogos; na escola, tanto o conteúdo do que está sendo ensinado como o papel do adulto especialmente treinado que ensina são cuidadosamente planejados e mais precisamente analisados. Segundo Pino (1996) a educação é processo pelo qual, através da mediação social, o individuo internaliza a cultura e se constitui em ser humano. O desenvolvimento humano e educação constituem dois aspectos de uma mesma coisa. Se 12 o primeiro diz o que é o ser humano e como ele se constitui, a segunda é a concretização dessa constituição. Vemos então a fundamental importância que a educação tem no processo de humanização do ser humano, de torná-lo sujeito, um ser social. METAMORFOSES DA VIDA: A MUDANÇA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL De acordo com Vygotsky, é no espaço compartilhado, na interação com o outro, que se efetiva a mediação simbólica que é a base do processo de conhecimento. Isso significa dizer que é através de outros que se torna possível ao sujeito estabelecer relações com objetos. A mediação social, possibilitada nas interações da criança com seus pares ou com adultos, propicia à criança vivenciar importantes trocas interpsicológicas e realizar o trabalho de reconstrução intrapsicológica, que se constitui como avanço cognitivo e ampliação do seu universo de conhecimento. (Teixeira, 2008) A natureza social e simbólica da criança está presente também na escola, as interações se estabelecem nas atividades lúdicas e discursivas que acontecem no contexto de sala de aula. A escola, no entanto, nem sempre contempla essa necessidade da criança, pois tem tradicionalmente se preocupado em priorizar aspectos mais formais (transmissão de conteúdos específicos e manutenção da disciplina), em detrimento de práticas que valorizam uma maior interação entre as crianças, com espaço para o lúdico e para a interlocução (Teixeira, 2008). No contexto dessa problemática, é particularmente significativa a passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, não só pela brusca transição de estruturas funcionais, mas pelo tratamento normalmente dado às possibilidades interativas no Ensino Fundamental. A Educação Infantil costuma contemplar em seu programa oportunidades de interação entre as crianças através de dinâmicas de grupo e tempo livre para brincarem, valorizando atividades nas diversas áreas: verbal, corporal, plástica, musical, etc. Já no Ensino Fundamental, a criança caracteriza-se ainda pelo importante papel que as atividades lúdicas têm em seu processo de desenvolvimento, e pela necessidade de interagir com as pessoas e com o mundo através de múltiplas formas de linguagem. Porém, a organização da rotina da escola para com o aluno se coloca agora no 13 cumprimento de um programa curricular onde prevalece fortemente o enfoque na linguagem verbal lógico-racional, e o objetivo de alfabetizar passa a ser o centro de toda atenção (Teixeira, 2008). O brinquedo, enquanto forma de construção do real, parece não fazer parte das estratégias pedagógicas para as quais o silêncio, a disciplina e a imobilidade são componentes fundamentais. O Ensino Fundamental caracteriza-se por ser um espaço mais formal do que o da Educação Infantil, preocupando-se em preencher a maior parte do tempo das crianças com atividades dirigidas, de caráter pedagógico. A ênfase recai significativamente em dinâmicas individualizadas, centralizadas no professor, e majoritariamente enfocando a escrita através de exercícios mecânicos e cópias (Teixeira, 2008). A partir das constatações acima citadas, surgem muitos questionamentos nesta temática: Como as crianças encaram esta transição? Quais seus sentimentos frente a esta mudança? Como se sentem saindo da Educação Infantil? Como imaginam que será o próximo ano? Como será a nova escola? As inseguranças são potencializadas por ir para um ambiente novo? Como será estar no meio de crianças mais velhas? Como podemos auxiliar neste processo de transição? Como utilizar os conhecimentos psicológicos com o intuito de prevenir possíveis traumas? Outro fator a ser considerado às metamorfoses escolares são as metamorfoses do desenvolvimento humano. Pois o aluno se transforma a todo o momento, como mudanças físicas, cognitivas, afetivo-emocionais e sociais, de acordo com sua faixa etária, e, na escola, as mudanças acontecem em relação às dificuldades do conteúdo das aulas, no número de atividades, na mudança de professores e principalmente nas diferenças pedagógicas de ensino (Teixeira, 2008). Deste modo, são somadas as transformações de caráter educacional, com as de desenvolvimento do aluno, constituindo a subjetividade de cada criança. Dentre esses momentos está a passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, que é o foco de nossa intervenção. Segundo Saretta (2004) a maioria das crianças apresentam uma alta expectativa em relação à entrada no primeiro ano do Ensino Fundamental, demonstrando sentimentos de alegria e de grande motivação. Porém a criança passa a ter outras responsabilidades e compromissos, o que pode gerar sentimentos de medo e 14 insegurança não apenas nelas, mas também nos pais e professores. A entrada no Ensino Fundamental é vista pelas crianças com grande ansiedade, pois traz demandas novas para elas, sendo algumas destas o aprender a lidar com um novo ambiente, relacionar-se com adultos ainda desconhecidos, conquistar aceitação em um novo grupo de iguais e enfrentar demandas acadêmicas mais desafiadoras. O contexto social se amplia, as expectativas dos adultos se tornam mais exigentes, a dependência é menos tolerada e o suporte está menos disponível. Inúmeras mudanças então ocorrem simultaneamente, no plano das relações interpessoais, que é preciso negociar interações não apenas com crianças da mesma idade, mas também com crianças mais velhas, e, no plano acadêmico, a criança se depara com uma extensa agenda de novas habilidades a serem desenvolvidas e conhecimentos a serem dominados (Teixeira, 2008). Saretta (2004) afirma que as crianças, sabendo de sua condição de mudança, parecem reconhecer que devem estar preparadas para eventuais frustrações e possíveis dificuldades que terão que enfrentar na nova escola, que é um espaço privilegiado para a aprendizagem e o desenvolvimento de novas habilidades sociais. Ressalta a importância de se trabalhar a afetividade das crianças nesse processo de transição, pois a afetividade é tão importante quanto à inteligência para o desenvolvimento do ser humano e é no meio afetivo que as variadas emoções são manifestadas e significadas, sendo que estas precisam ser externalizadas e conhecidas para que a criança seja entendida por completo. Como o meio é um dos principais aspectos constituintes do ser humano, a escola surge como um importante ambiente social, afetivo e cognitivo na formação das crianças e adolescentes, já que em nossa sociedade, é onde passamos maior parte de nossas vidas, onde se formam vínculos, aprende-se e desenvolve-se da infância para a adolescência e início da idade adulta (Wallon, 1979). Com base nesta visão é que entendemos a escola como promotora do desenvolvimento humano e, como tal, deveria se constituir como espaço de cuidado e promoção da saúde. Segundo Saretta (2004) a instituição de Educação Infantil deve possuir a afetividade como base, deve-se trabalhar para elevar o nível de desenvolvimento integral de uma criança, ou seja, nos aspectos físico-motor, afetivo-emocional, social e 15 cognitivo. Questões relacionadas aos aspectos afetivo-emocionais devem ter uma atenção privilegiada, não apenas porque nesta etapa do desenvolvimento estes aspectos desempenham papel fundamental, mas também porque constituem a base para qualquer progresso nas diferentes áreas do desenvolvimento. Porém, o que acontece em muitas escolas de Educação Infantil é a priorização do desenvolvimento dos aspectos cognitivos, na tentativa de antecipar características do Ensino Fundamental. E NÓS, COMO AGIMOS A PARTIR DISSO? Propôs-se como intervenção atividades que facilitassem a transição (de série e escola), proporcionassem autoconhecimento, disponibilizasse informações deste momento escolar dos participantes, de modo a atuar preventivamente neta temática. Projeto Metamorfoseando 2.1 Objetivo Geral Acompanhar e auxiliar os alunos da creche Adélia a passagem da pré-escola para o primeiro ano do Ensino Fundamental, de forma que o processo de rompimento de vínculos com a creche e estabelecimento das novas relações na nova escola ocorra de uma maneira saudável. Objetivos específicos Criar um ambiente de confiança com os alunos, para que possam expressar suas emoções e pensamentos sobre a passagem da pré-escola para o primeiro ano. Identificar nos alunos o conhecimento sobre a nova escola. Levar a criança à percepção e reflexão de seus sentimentos em relação à creche e primeiro ano. Proporcionar à criança uma reflexão sobre as metamorfoses da vida. 16 Participantes O Projeto tem como foco os 22 alunos do Jardim II A, sala coordenada pela professora Maria Luiza (Tia Iza) na Unidade de Educação Infantil Adélia Corrêa Hoog Zornig. A sala foi dividida em 4 grupos, dos quais dois tiveram como referência a estagiária Ana Flávia e dois o estagiário Edilson, com cada subgrupo terá como tempo de execução das atividades aproximadamente 1 hora. Atividades Desenvolvidas 1º intervenção: Boas vindas com poesia. O primeiro contato girará em torno da poesia “As borboletas” de Vinícius de Moraes, será realizada a leitura e proposto um faz-de-conta a partir da temática da poesia. Tem-se como objetivo criar um ambiente de confiança com os alunos, para que possam expressar suas emoções e pensamentos. A poesia foi disponibilizada em material impresso às crianças, e estas o coloriram com giz de cera, cola-gliter e lã, materiais disponibilizados pelos estagiários. 2º intervenção: Asas para as Borboletas. Inicialmente deve-se explorar a tema da metamorfose por meio de roda de conversa, vídeos e clipe musical. Será proposto a construção de uma borboleta para que os alunos possam levá-la de recordação, utilizará como materiais: lápis de cor, colagliter, e palito de acrílico. Ao término da atividade cada aluno receberá uma imagem do ciclo da metamorfose da borboleta, material este que poderá ser colorido em casa ou sala de aula posteriormente. Proporcionando às crianças uma reflexão sobre as metamorfoses. 3º intervenção: Música e Sapos. O tema será iniciado com um clipe musical “O sapo não lava o pé”, e se colocará em discussão como o sapo é quando nasce e suas transformações ao longo da metamorfose. Propõem-se as crianças transformar o sulfite, de modo diferente do habitual, em um sapo que pulasse de verdade, por meio de dobradura e posteriormente a 17 dramatização do pular do sapo. Será disponibilizada aos alunos uma imagem do ciclo da metamorfose do sapo, material este que poderá ser colorido em casa ou sala de aula posteriormente. Tem-se como objetivo proporcionar às crianças uma reflexão sobre as metamorfoses. 4º intervenção: Crescimento Mágico. A partir da temática metamorfose, será trabalhado o crescimento e desenvolvimento, utilizará como instrumento lúdico um conto de fadas “João e o pé de feijão”, que será narrado pelos estagiários propondo dramatização dos eventos por parte das crianças. Será apresentado as crianças um vídeo do desenvolvimento de uma árvore. A atividade culminará no plantio de feijões pelas crianças. Ao término da atividade cada aluno receberá uma imagem do ciclo do desenvolvimento do feijão, material este que poderá ser colorido em casa ou sala de aula posteriormente. 18 5º intervenção: Sentidos e Sentimentos Proporcionar aos alunos a reflexão sobre o desenvolvimento de cada um, de modo a compreender suas vidas como metamorfoses, pontuando que grande parte delas ocorreu dentro do espaço escolar, já que se passa muitas horas do dia neste contexto. Desse modo, convidá-las a lembrar de maus e bons momentos vivenciados nesta instituição (creche Adélia). As lembranças deverão ser materializadas em sulfite a ser disponibilizado em diferentes cores, formas e tamanhos para que possam materializar suas memórias de maneira criativa. Levando as crianças à percepção e reflexão de seus sentimentos em relação à creche e levantando expectativas a respeito do primeiro ano do ensino fundamental como também da nova escola. 6º intervenção: Como nós Em fim, chegamos ao ponto culminante de nossas intervenções. Refletindo que todos passam por transformações e metamorfoses ao longo de suas vidas, não de modo evolutivo quantitativamente e sim qualitativamente, uma fase não é melhor ou pior que a outra, são momentos diferentes, que é vivenciado de maneira singular na subjetividade de cada sujeito. Será utilizado como recurso ilustrativo ao desenvolvimento humano um slide show que abarca o desenvolvimento intra uterino. Que proporcionara recursos para uma dramatização por parte das crianças de todo o desenvolvimento humano, do bebê dentro do útero, nascimento, infância, adolescência, fase adulta e envelhecimento. Será frisado que assim como todas as metamorfoses que já vimos até o agora, esse é um dos momentos cruciais em suas vidas acadêmicas, em que passaram da creche para o ensino fundamental, e que nós, os estagiários, os acompanharemos em uma visita a este novo mundo a ser explorado para assim minimizar os possíveis traumas. 7º intervenção: Nosso destino Neste dia propõe-se uma visita a nova escola. Possibilitando aos alunos o conhecimento sobre a nova escola. 19 8º intervenção: Fechando um ciclo: “Um passo a frente já não estaremos no mesmo lugar” Questionar as crianças quanto à experiência de visitar a nova escola, explorar os sentimentos e sensações dessa metamorfose, sanar duvidas e acolher possíveis sofrimentos, possibilitando as crianças à percepção e reflexão de seus sentimentos em relação à creche para que possam expressar suas emoções e pensamentos sobre a passagem da pré-escola para o primeiro ano. Finalizando a intervenção com uma confraternização a ser produzida pelas crianças, de forma a concretizar a metamorfose na execução de um bolo. CONSIDERAÇÕES FINAIS “Quando dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando um pão, e eles trocam o pão, cada um continua com um pão. Mas, quando dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando uma idéia, cada um vai embora com duas idéias.” (Ditado Chinês) Por meio deste projeto pode-se acompanhar e auxiliar os alunos da creche Adélia a passagem da pré-escola para o primeiro ano do Ensino Fundamental, contribuindo para que o processo de rompimento de vínculos com a creche e potencialmente para que o estabelecimento das novas relações na nova escola ocorresse de uma maneira saudável. As atividades realizadas proporcionaram um ambiente de confiança com os alunos, onde estes puderam expressar livremente, sem receios de julgamentos, préconceitos ou punição, todas suas emoções e pensamentos em relação às vivencias passadas na creche e as expectativas quanto a nova escola. Já que estes sentimentos são compreensíveis e esperados nesta transição e devem ser vivenciados, para que com a mediação de um adulto, elas aprendam a identificar seus próprios sentimentos, podendo 20 assim, minimizar danos desta transição, o que vem a ser uma demanda da atuação do psicólogo de modo preventivo. Os trabalhos realizados com as crianças focalizavam sua inserção em uma escola estadual no mesmo bairro, contudo, isto não foi concretizado neste ano, visto que a turma atual será inserida em uma outra unidade de ensino, que fica em um outro bairro, o que nos preocupou muito, e também aos alunos e professores. Desta forma, nossa intervenção foi crucial neste momento de crise, por meio da visita realizada a nova instituição de ensino pode-se amenizar os medos, receios e angústias trazidos pela nova situação. Principalmente, teve-se como resultado, o conhecimento e a oportunidade de reflexão e discussão com as crianças sobre as metamorfoses existentes em nossas vidas. Compreender a perspectiva da criança, buscando os sentidos próprios do contexto infantil, é um desafio, já que há o risco de se atribuir sentidos equivocados pela manutenção de uma visão adultocêntrica. Distorções podem de fato ocorrer com a “contaminação” dos sentidos do mundo adulto sobre outros possíveis sentidos infantis, que podem ficar encobertos. Ao termino da Educação Infantil tem-se um rompimento real de vínculos, o que gera o sentimento de perda, pelos brinquedos, pelas horas de sono, pelo número de refeições e principalmente pelos momentos de brincadeira que aconteciam no parque. Em contrapartida, as expectativas e ansiedades das crianças para com a nova escola apareceram de forma positiva, visto que estão fascinados pelos novos conhecimentos que irão adquirir. No processo de transição, a reconfiguração do espaço significa mais do que uma mudança física, representando indiscutivelmente uma pressão do sistema para novas formas de agir, de aprender e de se relacionar. Formas indiscutivelmente menos interativas, mais solitárias, que aquietam o corpo e silenciam a palavra (Teixeira, 2008). Ressaltamos aqui como uma variável importantíssima para a execução do projeto a colaboração da gestão da escola, que nos possibilitou trabalhar de maneira livre, sem as amarras burocráticas do sistema, que coloca barreiras na educação formal, assim, vemos que o campo tem possibilidades ampliadas de atuação dado seu caráter 21 não-formal. Pois almejamos uma escola que possa contribuir para a construção subjetiva do aluno enquanto sujeito que se apropria de sua história e age no mundo. Deste modo trabalhos futuros devem focalizar os mediadores presentes na escola, os professores e a gestão, instrumentalizando-os, pois a continuidade seria orquestrada nas mãos do que permanecem. O psicólogo, por sua vez, é o profissional que pode ser e fazer a diferença, por meio de uma ciência crítica, comprometida com o social e que focalize, prioritariamente, a promoção dos processos evolutivos saudáveis de todas as pessoas envolvidas. Uma Psicologia que proponha mudanças no sentido de desenvolver pessoas emancipadas e autônomas, objetivando a libertação como prática e a liberdade como fim e é nesta direção que se pretende contribuir com a produção do conhecimento aqui indicado. 22 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ALMEIDA, O. A. (2002) A Educação Infantil na História A História Na Educação Infantil. Palestra proferida no 14º. Congresso Brasileiro de Educação InfantilOMEP/BR/MS, Campo Grande. ÁVILA, M. J. F. (2002) As professoras de crianças pequenininhas e o cuidar e educar. Um estudo sobre as praticas educativas em um CEMEI de Campinas/SP. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação. UNICAMP. MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. (1998) Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular para a Educação Infantil. Brasília. Vol. 1. PINO, A. (1996) A psicologia concreta de Vigotski: implicações para a Educação. In Psicologia da Educação: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação. Pontificia Universidade Católica de São Paulo. nº 7/8 – São Paulo: EDUC. REGO, T. C. (1994) Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Ed. Vozes. SARETTA, P. (2004) A um passo do ensino fundamental: dando voz aos sentimentos das crianças. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Centro de Ciências da Vida – PUC – Campinas. p. 173. TEIXEIRA, T. C. F. (2008) Da educação infantil ao ensino fundamental: com a palavra, a criança. VYGOTSKY, L.S. (1994) Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. VYGOTSKY, L.S. (2005) Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes. WALLON, H. (1979) A Psicologia e educação da criança. Lisboa: Veja Ed. ZABALZA, M. A. (2000) Os dez aspecto-chave de uma educação infantil de qualidade. Qualidade em educação infantil. Porto Alegre: Artmed.