Artigos Gerais Democratizar o Acesso à Justiça: uma Contribuição Baseada em Políticas Públicas Rogerio Favreto Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça Secretário-Geral Adjunto da Conferência dos Ministros da Justiça dos Países Ibero-americanos Especialista em Direito Político – UNISINOS e mestrando em Direito de Estado – PUC RS Procurador de carreira do Município de Porto Alegre e Procurador-Geral no período de 1997 a 2004 Assessor Especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República (2005) Consultor Jurídico do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome(2006) Marcelo Sgarbossa Coordenador Geral de Democratização do Acesso à Justiça da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça Mestre em Análise de Políticas Públicas pela Università di Torino Ex-Coordenador Executivo do Instituto de Acesso à Justiça – IAJ Diretor do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS Nota introdutória O presente texto traduz um pouco da concepção e do trabalho desenvolvido na Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ) do Ministério da Justiça, em especial algumas ações e políticas públicas voltadas à universalização do acesso à Justiça. A Secretaria de Reforma do Judiciário foi criada em abril de 2003, pelo Decreto no 4.685 do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, como órgão de caráter nacional do Ministério da Justiça, com o propósito inicial de impulsionar a aprovação da Reforma do Judiciário, levada a efeito com a Emenda Constitucional no 45, de 2004. 470 Revista ENM É o órgão nacional incumbido da articulação entre o Executivo, Judiciário, Legislativo, Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil, entidades da sociedade civil e organismos internacionais na elaboração e pactuação de propostas de reforma normativa, no plano constitucional e infraconstitucional, voltadas à modernização e administração do Sistema de Justiça. Tem a função estratégica de contribuir para o aperfeiçoamento das instituições de Justiça, com acesso universal e democrático de todos os cidadãos, associado a uma prestação jurisdicional mais rápida e eficiente. A Secretaria, que reflete uma prioridade do Governo Federal, promove, coordena e sistematiza propostas para o aperfeiçoamento da gestão da Justiça, com o objetivo de torná-la mais célere e acessível à população. Atualmente, além de dar continuidade e prioridade às reformas normativas processuais ou de direito material, a Secretaria passou a atuar diretamente na execução de políticas públicas para promover a democratização do acesso à Justiça no Brasil e efetivação de direitos, por meio de parcerias com os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Justiça. Nessa ótica do papel e políticas desenvolvidas pela Secretaria de reforma do judiciário é que se direciona este artigo, no sentido de atender à solicitação da AMB – Associação de Magistrados do Brasil e aos organizadores desta obra preparada para o seu congresso nacional, qual seja, aquele de fornecer sugestões práticas ao aperfeiçoamento do Poder Judiciário, com respostas concretas1 tendo em vista que, salvo melhor juízo, as políticas públicas que estão sendo executadas pela Secretaria de Reforma do Judiciário têm sido orientadas justamente no sentido de oferecer ações para a melhoria do Sistema de Justiça no Brasil. Assim, ao invés de uma reflexão teórica sobre o tema do acesso à justiça, o texto que segue procura aportar subsídios ao debate com enfoque especial nas próprias ações da Secretaria de Reforma do Judiciário. Por fim, vale sempre lembrar e convidar àqueles que desejarem buscar uma leitura e discussão teórica mais completa e aprofundada sobre o direito fundamental ao acesso à justiça, a obra de Mauro Cappeletti e Bryant Garth2 que se tornou referência Desde já nossos cumprimentos à acertada iniciativa da Associação dos Magistrados Brasileiros de editar a presente obra, visando apresentar propostas concretas e sugestões práticas de circunstância(s) para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário. Parece-nos justamente que o momento histórico e os entraves pelo qual o Sistema de Justiça atravessa exigem esforço e cooperação no sentido de encontrar saídas e alternativas para os limites já conhecidos por todos. 2 CAPPELLETI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988. 1 Revista ENM 471 na pesquisa e reflexão do tema aqui tratado e que, mesmo considerando ter sido escrita na década de setenta, demonstra-se uma leitura atual e indispensável. Fica, portanto, do ponto de vista teórico, registrado os limites do texto que segue, mas indicamos desde já o caminho para o leitor que deseja aprofundarse no tema, esperando que o enfoque na experiência prática possa colaborar com o conjunto da obra e, em consequência, para a sociedade. 1. Democratização e acesso à Justiça: reflexões sobre a amplitude de significados A partir de 2007, no segundo ciclo de gestão do Ministério da Justiça, a Secretaria de Reforma do Judiciário definiu a Democratização do Acesso à Justiça como foco central de sua ação. Tal decisão é fruto do acúmulo daqueles que, desde a sua criação, empenharam-se de corpo e alma em contribuir, do ponto de vista do Poder Executivo Federal, para o aprimoramento do Sistema de Justiça a fim de respeitar e garantir os direitos fundamentais. Assim, entendemos importante ressaltar e inserir na prática, do dia a dia, e no discurso a própria expressão “Democratização do Acesso à Justiça” diante da força e dos compromissos que a própria expressão remete e obriga o Estado e a sociedade a ações promocionais para a concretização deste direito. Bem de ver que a expressão não é unívoca e remete a inúmeras conexões e significados que precisam, ainda que minimamente, de um pouco de atenção. À guisa de contextualização, cabe destacar que nossos tribunais – como de resto também todas as instituições públicas – já não são mais os mesmos. Nos últimos anos, a democratização de todos os espaços públicos estatais – e não estatais – tem se tornado uma realidade, felizmente, sem volta. É possível perceber também esta realidade no campo privado: não é raro encontrar trabalhadores da iniciativa privada reclamando mais poder de decisão e participação dentro de suas empresas em que a marca principal é a existência de um dono. Esse sentimento e vontade de participar dos rumos e das decisões que lhe afetam3, seja em que âmbito for – familiar, profissional, associativo, etc – é o refluxo dos anos em que a ditadura militar no Brasil calou sua voz e, portanto, sua ação. Assim como os parlamentos do século XVIII se legitimaram no princípio de que não poderia haver impostos sem que houvesse a aprovação dos representantes do povo (no taxation without representation) também nos estados democráticos, cada vez mais, os cidadãos não reconhecem legitimidade em decisões públicas que lhes afetem diretamente sem que, de alguma forma, não tenham passado por sua aprovação. Esse é, de alguma forma, o resumo da crise de legitimidade enfrentada pelo sistema político no Brasil e em muitos outros países. 3 472 Revista ENM Diante desse contexto, entendemos necessário, ainda que brevemente, discorrer um pouco sobre a questão semântica que envolve democratizar quando temos em mente o acesso à justiça. Considerando os limites e as finalidades desta contribuição, nos conten tamos aqui em entender que democratizar significa que as instituições públicas devem franquear o acesso ao povo em todos os sentidos (acesso à informação, às decisões, ao serviço, ao bom atendimento, etc). A expressão acesso à justiça, por sua vez, também não é unívoca e comporta no mínimo duas ordens de compreensões. A primeira delas, diz respeito ao acesso ao judiciário. Ou seja, de forma singela e objetiva, é garantir e promover o direito fundamental à ação judicial. Tal situação, por si só, já envolve uma série de garantias no processo e fora dele. Para a supracitada compreensão, vale notar que o Judiciário precisa ser tomado aqui no sentido mais amplo de Sistema de Justiça tendo em vista a necessidade de se entender sempre a instituição judiciária de forma dinâmica: o Judiciário em relação como os demais órgãos e atores da cena judicial, a fim de se evitar a existência de mais uma instituição total, fechada em si mesma, autorreferencial. Assim, acesso ao Sistema de Justiça também significa que o cidadão tem, dentre outros, o direito ao bom e adequado atendimento por seu advogado particular ou pela assistência jurídica gratuita da Defensoria Pública; o mesmo vale para o atendimento pelos servidores nos cartórios judiciais, para os juízes e promotores, oficiais de justiça e demais servidores do Judiciário. A segunda ordem de compreensão, que a expressão acesso à justiça remete é aquela de acesso aos direitos. Acessar a Justiça, neste caso, está ligado à ideia de garantir e promover direitos e garantias fundamentais através de políticas públicas em todo o sistema de justiça. Assim, exemplificativamente, quando a Secretaria de Reforma do Judiciário apoia ou promove um evento há, nesse tipo de iniciativa, um potencial para levar informação e, consequentemente, empoderar4 pessoas para o exercício e reivindicação dos próprios direitos. Seja como for, para uma leitura constitucionalmente adequada da expressão democratizar o acesso à justiça¸ o que importa é tomá-la no seu sentido amplo, integral, dinâmico, garantidor e promotor de um direito fundamental e indispensável num estado democrático, social e republicano. 4 Há quem atribuía a autoria do termo empoderamento – do inglês empowerment – a Paulo Freire. Como faz Leila de Castro Valoura em http://www.paulofreire.org/twiki/pub/Crpf/CrpfAcervo000120/Paulo_ Freire_e_o_conceito_de_empoderamento.pdf Revista ENM 473 2. Ações públicas afirmativas: concretização de direitos fundamentais O “II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais Acessível, Ágil e Efetivo”, firmado pelos Presidentes dos três poderes em 13 de abril de 20095, por proposição do Ministério da Justiça, incorporou desde os seus considerandos o compromisso de “fortalecer a proteção aos direitos humanos”, conferindo prioridade às proposições legislativas sobre temas relacionados “à concretização dos direitos fundamentais, à democratização do acesso à Justiça, inclusive mediante fortalecimento das Defensorias Públicas”, arrolando um conjunto de matérias prioritárias e voltadas à prevenção e reparação das eventuais violações aos direitos dos cidadãos, bem como à responsabilização administrativa e penal dos agentes e servidores públicos causadores dos danos6. Em complementação às reformas normativas, a Secretaria de Reforma do Judiciário executa ações de efetivação de direitos, por meio do PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, objetivando estruturar as instituições e qualificar o atendimento direto ao cidadão, na defesa e promoção dos seus direitos sociais e fundamentais. Exemplo típico da necessidade de ações cooperadas entre os três Poderes é o cumprimento das diretrizes e direitos de proteção e prevenção à violência contra a mulher, previstos na Lei Maria da Penha, uma vez que não basta a aprovação de legislação avançada se não houver a implantação dos instrumentos de efetividade e a sua correta aplicação. A Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006, nasceu da luta de milhares de mulheres e homens inconformados com a violência de gênero, que viola direitos fundamentais e humanos. Leva o nome Maria da Penha em homenagem à saga de uma mulher que, por duas vezes, foi vítima de tentativa de homicídio por parte de seu ex-marido, mas que lutou para reparar as agressões sofridas. O agressor restou condenado, nove anos depois. A edição da referida Lei cumpre importante ciclo de afirmação dos direitos humanos, em atendimento às recomendações da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e da Convenção de Belém do Pará, ratificadas pelo Estado brasileiro e voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência doméstica. Publicado no DOU de 26 de maio de 2009. Vide objetivos estratégicos e item I do Anexo do II Pacto de Reforma da Justiça, firmado em 13 de abril de 2009 pelos presidentes dos três poderes e publicado no DOU de 26 de maio de 2009. 5 6 474 Revista ENM A Constituição Federal determina a criação de mecanismos para coibir esse tipo de crime no âmbito das relações familiares, em favor dos preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana e da igualdade. A nova Lei consagra um novo microssistema jurídico de democratização do acesso à justiça e abordagem sistêmica do problema, através de políticas públicas afirmativas de prevenção em detrimento do tradicional tratamento como crime de menor potencial ofensivo. Sua aprovação significou um avanço na configuração de novos proce dimentos democráticos de acesso à Justiça: deu transparência ao fenômeno da violência doméstica e, ainda, provocou um forte debate sobre o tema na sociedade, nas universidades e no próprio meio jurídico. A lei consagrou a proteção da mulher da violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Segundo o Ministro da Justiça, Tarso Genro7: A lei agora dialoga com os eixos de prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, no sentido de garantir uma vida livre de violência. É extremamente inovadora, ao prever a criação de Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Tais juizados têm competência para resolver os conflitos pela aplicação de medidas penais e cíveis. Por meio da adoção das medidas protetivas de urgência, no mesmo processo a mulher pode obter a condenação criminal do seu agressor e o seu afastamento do lar, bem como fixar pensão alimentícia, a guarda dos filhos e a separação. Se for necessário, o agressor poderá ser preso, já que não se considera mais a violência contra a mulher como delito de menor potencial ofensivo, como algo fora da intervenção do Estado. Agora realmente o Estado tem que ‘meter a colher em briga de marido e mulher’. Tratando-se de um microssistema protetivo que alterou normas de diversos diplomas legais, por sua importância e especificidade, exige da sociedade atenção especial e dos operadores do direito dedicação e sensibilidade agudas, para se apropriarem integralmente das novas disposições. Considerando esta realidade e os compromissos normativos e políticos da Lei Maria da Penha, o Ministério da Justiça, dentro do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania do Ministério da Justiça –, designou a 7 GENRO, Tarso. “Erradicar a violência contra a mulher”, artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, em 9 de março de 2008. Revista ENM 475 Secretaria de Reforma do Judiciário para a ação de sensibilizar as instituições do Sistema de Justiça, a fim de conferir efeito real no cotidiano. Assim, foi instituída a ação de “Efetivação da Lei Maria da Penha8”. Referida ação prevê, dentre outras medidas, o apoio financeiro e institucional aos tribunais de Justiça dos estados para criação de juizados ou varas especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como promotorias especializadas e núcleos da Defensoria Pública para atendimento da mulher. Essa ação, encampada pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e o Conselho Nacional de Justiça, possibilitou significativa ampliação desses Juizados e as demais estruturas conexas do Ministério Público e da Defensoria Pública9. Conforme defendido em artigo jornalístico: “(...) a criação desses Juizados representa um largo passo na direção da simplificação dos procedimentos judiciais e da democratização do acesso à justiça, por meio de políticas públicas afirmativas de prevenção e mediação dos conflitos, em detrimento do tradicional tratamento como crime de menor potencial ofensivo. Com a criação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher um novo formato de processo é construído. A Lei estabelece a tramitação conjunta dos feitos criminais e civis em um só Juízo. Esta nova modalidade permite uma abordagem sistêmica do problema, com maior celeridade e segurança jurídica nas decisões de justiça. 8 A ação denominada Efetivação da Lei Maria da Penha consiste, em síntese, no apoio, com recursos e a experiência acumulada pela Secretaria e Reforma do Judiciário, aos Tribunais de Justiça, as Promotorias de Justiça e a Defensoria Pública para o fortalecimento e/ou criação de varas e núcleos especializados no enfrentamento à violência doméstica; capacitação dos operadores do direito, agentes de segurança e demais profissionais envolvidos em políticas de gênero; apoio no fortalecimento de Centros de Referência, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo e a criação de banco de dados unificados para diagnosticar a implementação da lei e possibilitar a parametrização dos procedimentos. 9 Ao total, no ano de 2008, a Secretaria de Reforma do Judiciário formalizou o repasse de recursos da ordem de R$ 17 milhões, contemplando onze Tribunais de Justiça dos Estados, com o objetivo de criar e fortalecer 22 Juizados (AC, AL, BA, DF, ES, MG, PE, PI, RJ, RS e SP). O Investimento contemplou ainda a estruturação de 26 Núcleos Especializados de Atendimento à Mulher na Defensoria Pública (AC, AL, AM, BA, CE, DF, ES, MG, PA, PE, PI, RJ, RO, RN, RS, SP, SE e TO) e 14 Núcleos e Promotorias Especializados de Combate à Violência Doméstica e familiar contra a Mulher no Ministério Público (BA, CE, ES, GO, MG, PE, RS e RO) para vigilância e cumprimento da Lei Maria da Penha. Esses investimentos beneficiarão, até o final do ano de 2009, de forma direta, 788.199 pessoas, dentre mulheres em situação de violência doméstica e seus dependentes. Para o ano de 2009 estão previstos investimentos da ordem de 10,5 milhões de reais, contemplando mais 10 Juizados, 8 Promotorias/Núcleos e 7 Núcleos de Defesa da Mulher. Existem recursos orçamentários do PRONASCI até 2001. 476 Revista ENM Também a atuação do Magistrado titular desses novos juizados é renovada em face da especialidade temática e unificação de competências, bem como pela introdução de equipe de atendimento multidisciplinar, inovações que permitem a criação de um ambiente acolhedor e humanitário, para a vítima e crianças envolvidas no conflito familiar 10. Desse modo, para que a lei produza resultados reais, é fundamental o desenvolvimento de ações afirmativas e políticas públicas de indução e incentivo à estruturação dos órgãos responsáveis por sua aplicação, em especial: a criação, em todos os estados, dos juizados especializados, com atendimento multidisciplinar; o fortalecimento das delegacias de polícia; a instituição de núcleos especializados nas Defensorias e no Ministério Público; mas, principalmente, a capacitação de especificados operadores do Direito. 3. Acesso e saída da Justiça: um falso paradoxo Diante das altas taxas de congestionamento11 e da consequente morosidade na tramitação das ações judiciais, é constante a preocupação com as políticas que ampliem ainda mais a possibilidade do ajuizamento de novas demandas por parte dos cidadãos. Ou seja, ainda que sem eco na sociedade brasileira, há uma espécie de retórica dos efeitos perversos que se posiciona contrário às políticas que ampliem o acesso da população ao Judiciário. Mas tal posicionamento, contrário à ampliação do acesso à justiça, não aparece de forma clara no debate público. A retórica da intransigência12, neste caso, se concretiza no direcionamento da agenda do acesso à Justiça para as pautas meramente coorporativas ou na força de grupos de interesse. Tal atuação, pouco republicana, muitas vezes consegue sucesso, o que resulta em colocar o Sistema de Justiça ao seu serviço, desviando as instituições de seus compromissos constitucionais. O referido sistema está inserido num contexto maior e que bem resume Boaventura de Sousa Santos13: 10 FAVRETO, Rogerio. “Efetivação da Lei Maria da Penha”, artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, em 17 de agosto de 2008. 11 A expressão “taxa de congestionamento” é expressão que ganhou notoriedade desde o momento em que o Conselho Nacional de Justiça passou a divulgar através do Justiça em Números a quantidade de demandas em tramitação no Judiciário de cada estado da federação. 12 Este é o título da obra de Albert Hischman, para aqueles que não toleram as mudanças e os avanços. HIRSCHMAN, Albert. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade e ameaça. São Paulo, Companhia das Letras. 1992. 13 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007. p. 22. Revista ENM 477 (...) os tribunais não foram feitos para julgar para cima, isto é, para julgar os poderosos. Eles foram feitos para julgar os de baixo. As classes populares, durante muito tempo, só tiveram contato com o sistema judicial pela via repressiva. E, com essa classificação – julgar para baixo ou para cima –, se explica os motivos das altas taxas de congestionamento rapidamente alcançadas nos últimos anos: começou-se a julgar para os de baixo, que estão na base da pirâmide e, portanto, em maior número no Brasil. Então, há que se considerar como positivo o aumento da procura por parte dos cidadãos, sinal que a cidadania chegou a mais pessoas no Brasil. Mas para sair desse limite que o Sistema de Justiça enfrenta, é necessário pensar através de outras categorias que não aquelas pelas quais o próprio sistema encontrou suas atuais deficiências. É dizer, em síntese e em regra geral, que a abertura de novos concursos públicos, e a consequente ampliação da estrutura das instituições não será suficiente para tornar o Judiciário mais ágil e efetivo. Não é possível, portanto, resolver este paradoxo acesso-saída, que é verdadeiro, se continuarmos insistindo que é tão somente no Poder Judiciário, e através do processo judicial, que se resolvem as diferenças na sociedade. Por conseguinte, o paradoxo acesso-saída é falso, pois baseado num sistema que deve ser invocado pelo cidadão como a última – e não a primeira – forma de resolução de conflito. 4. Universalização do acesso à Justiça pela priorização das ações coletivas No plano processual, devemos tratar que a universalização do acesso à Justiça passa pela instituição de um Sistema Único Coletivo que priorize e discipline a ação coletiva para tutela de interesse ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, objetivando a racionalização e priorização do processo e julgamento dos conflitos de massa. Essa diretriz é amplamente defendida pelos especialistas, conforme sustenta o Professor Luiz Manoel Gomes, ao comentar o art. 16 do Código Modelo de Processos Coletivos, que confere prioridade de processamento, uma vez que “la dimensión Del dano, por incidir sobre toda uma colectividad, deja claro que lãs acciones colectivas deben tener prioridad em la tramitación”14. 14 GOMES, Luiz Manoel. Comentários al art, 16, em Gidi, y Ferrer Mac-Gregor (coords.), Código Modelo 478 Revista ENM Essa demanda, não só dialoga com a ampliação do acesso, como também atende a agilidade da prestação jurisdicional (tratamento concentrado e uniforme em única demanda) e efetividade dos direitos, pela busca da proteção no plano coletivo e de forma mais qualificada. A assinatura deste II Pacto de Reforma da Justiça propiciou o envio de importante projeto de lei que institui um novo sistema de ações coletivas, através de uma nova regulação da Lei da Ação Civil Pública, voltado à priorização da ação coletiva para tutela de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, em detrimento da atual cultura de judicialização dos conflitos de massa15. A fragilidade da atual regulação é apontada em diagnóstico publicado pela Secretaria de Reforma do Judiciário, conforme estudo realizado pelo CEBEPEJ – Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, nas considerações do Professor Kazuo Watanabe sobre a tutela coletiva no Brasil16: Apesar do expressivo número de ações civis públicas ajuizadas com o objetivo de questionar a legalidade das tarifas em questão, a existência de tais ações coletivas não se mostrou capaz de impedir o ajuizamento concomitante de milhares de ações individuais promovidas por consumidores isolados com objetivo idêntico àquele perseguido nos processos coletivos, tendo ocorrido, em virtude do ajuizamento dessas milhares de ações individuais, sérios prejuízos para a administração de alguns Juizados Especiais Cíveis da Capital de São Paulo. Este projeto de lei foi fruto de intenso debate produzido por uma Comissão de juristas integrada por representantes de todos os órgãos da Justiça e segmentos representativos das carreiras jurídicas, como o Conselho Nacional de Justiça, entidades da magistratura, o Ministério Público Federal e Estadual, a OAB, a Defensoria Pública, o Instituto Brasileiro de Direito Processual e da academia científica17. de Procesos Colectivos. Um diálogo Iberoamericano. Comentários artículo por artículo, México, PorrúaUNAM, 2008, p. 217. 15 O PL no 5.139/09 tramita na CCJ da Câmara dos Deputados, sob relatoria do Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia. 16 WATANABE, Kazuo. Tutela Judicial dos Interesses Metaindividuais – Ações Coletivas. Ministério da Justiça – Secretaria de Reforma do Judiciário. Brasília, setembro de 2007, p. 12. 17 A Comissão de Juristas foi designada pela Portaria no 2.481/2008 do Ministério da Justiça, com a finalidade de apresentar uma proposta de readequação e modernização da tutela coletiva, com a seguinte composição: Rogerio Favreto, Secretário de Reforma do Poder Judiciário, que a preside, Luiz Manoel Revista ENM 479 Trata-se, no entanto, de um novo marco na regulação dos procedimentos de prevenção e recomposição dos direitos difusos e coletivos, oferecendo não só maior segurança jurídica e efetividade à tutela coletiva, mas ampliação do acesso à Justiça. Dentre as inúmeras inovações e avanços do projeto, no plano da universalização e democratização do acesso à Justiça, destacam-se: a) ampliação dos direitos coletivos tuteláveis pela Ação Civil Pública: meio ambiente, saúde, educação, previdência e assistência social, trabalho, desporto, segurança pública, transportes coletivos, assistência jurídica integral, serviços públicos, dentre outros; b) aumento do rol de legitimados para proposição das ações coletivas, como a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil e os Partidos Políticos, que passam a atuar na defesa dos direitos coletivos; c) tratamento especial para permitir a suspensão dos processos individuais, concentrando e priorizando a tramitação da ação coletiva, com mais agilidade e profundidade na sua avaliação e, evitando a proliferação de demandas e a divergência entre julgamentos; d) a produção das provas é de quem estiver mais próximo dos fatos e capacidade de produzi-las, objetivando maior efetividade; e) democratização na aplicação do resultado das ações, como reparação de danos ambientais, aos consumidores, etc, com participação dos interessados na decisão da destinação dos valores, inclusive por meio de audiências públicas, possibilitando resultado mais efetivo para populações ou locais atingidos por danos coletivos. Os avanços consubstanciados na proposta terão reflexo amplo e imediato na forma de tutelar os direitos coletivos no Brasil, o que representa um passo importante rumo ao acesso à justiça e à efetividade da tutela coletiva. Aposta-se que a alteração normativa possa contribuir na mudança da cultura da individualizada da judicialização dos conflitos, em especial nos temas de massa, merecendo a priorização administrativa e judicial do uso das ações coletivas. Gomes Junior, relator, Ada Pellegrini Grinover, Alexandre Lipp João, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, André da Silva Ordacgy, Anízio Pires Gavião Filho, Antonio Augusto de Aras, Antonio Carlos Oliveira Gidi, Athos Gusmão Carneiro, Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, Elton Venturi, Fernando da Fonseca Gajardoni, Gregório Assagra de Almeida, Haman de Moraes e Córdova, João Ricardo dos Santos Costa, José Adonis Callou de Araújo Sá, José Augusto Garcia de Souza, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Luiz Rodrigues Wambier, Petronio Calmon Filho, Ricardo de Barros Leonel, Ricardo Pippi Schmidt e Sergio Cruz Arenhart. A referida comissão debateu por mais de 6 meses e apresentou uma proposta ao Ministro da Justiça, Tarso Genro, que a encaminhou à Casa Civil, oportunidade que os órgãos do Governo da área jurídica deram continuidade ao debate e efetuaram algumas modificações. . 480 Revista ENM 5. A fundamentalidade da Defensoria Pública e a contribuição da Secretaria de Reforma do Judiciário no avanço da instituição Não há como falar em acesso à Justiça deixando de lado a instituição que, por excelência e previsão constitucional, está no centro da garantia e promoção deste direito fundamental. Qualificada pelo legislador constituinte de 1988 como uma das instituições que exercem função essencial, a Defensoria Pública é, ao nosso sentir, a instituição republicana do Sistema de Justiça que mais tem ganhado notoriedade e importância nos últimos anos e a Secretaria de Reforma do Judiciário tem sido verdadeira cúmplice nesse processo. Com efeito, as articulações para a aprovação da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, para o qual a própria Secretaria de Reforma do Judiciário no Ministério da Justiça foi criada, resultaram em obrigar aos Estados da Federação na instituição e estruturação da Defensoria Pública com reconhecimento da autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa em propor seu orçamento. A Secretaria de Reforma do Judiciário também esteve presente em inúmeros eventos e iniciativas, tudo visando fortalecer a instituição. Destaque especial para a elaboração dos Diagnósticos da Defensoria Pública. O primeiro – realizado em 2004 – demonstrou a fragilidade institucional e indicou a necessidade de “somar esforços para fortalecer essa instituição tão importante para a consolidação da democracia brasileira” 18. O segundo estudo – produzido em 2006 – justamente para medir o impacto depois da aprovação da Emenda n. 45 já apontou uma inflexão na consolidação da instituição. Trata-se de um estudo bastante completo e detalhado, que visa conhecer a realidade da instituição. É também, como disse o então Secretário de Reforma do Judiciário, Pierpaolo Cruz Bottini19: (...) mais que um simples diagnóstico. É um documento que retrata a consagração de um modelo de acesso à Justiça democrático, transparente, participativo. Que aponta uma opção política por um serviço público de qualidade que ainda padece de estrutura precária, mas ganha força e legitimidade a cada dia. 18 Márcio Thomas Bastos, Ministro de Estado da Justiça, na apresentação do “Estudo Diagnóstico da Defensoria Pública do Brasil”, realizado e publicado pelo Ministério da Justiça, dezembro de 2004. 19 II Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. República Federativa do Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria de Reforma do Judiciário. 2006, p. 9. Revista ENM 481 Atualmente, está em andamento o terceiro diagnóstico, esperando demonstrar a sua consolidação como instituição essencial à Justiça e à efetivação do princípio constitucional da assistência jurídica gratuita à população, bem como as suas limitações e carências estruturais, a fim de orientar os investimentos e as políticas públicas dos governos. O diagnóstico em execução foi discutido e formatada sua composição de forma democrática por uma Comissão designada pelo Ministro da Justiça Tarso Genro, contemplando representantes dos órgãos estaduais, via CONDEGE – Conselho de Defensores Gerais dos Estados, da Defensoria Pública da União e entidades nacionais representativas das carreiras de defensores públicos: ANADEP – Associação Nacional de Defensores Públicos e ANADPU – Associação Nacional de defensores Públicos da União20. O conteúdo do III Diagnóstico21, além da formulação coletiva e representativa da citada comissão, contará com o envio de cinco mil questionários para os defensores públicos de todo país, a fim de emitirem sua avaliação pessoal sobre a instituição, atuação concreta na assistência jurídica e outras atividades do seu mister. Ao mesmo tempo, servirá para colher o perfil sócio-profissional dos membros da instituição, bem como suas expectativas e visão da qualidade do trabalho e integração social. No plano da estrutura dos órgãos, as informações serão colhidas junto aos Defensores-Gerais dos Estados e ao Defensor-geral da União, em formulário apropriado, contemplando, dentre outros dados: forma e tempo de criação; organização administrativa; extensão e/ou limites da autonomia; quadro funcional; orçamento; quantidade de demandas e ações judiciais; perfil das ações e resultados; etc. Portaria no 1428/2008, publicada no DOU de 8 de agosto de 2008. A Comissão é integrada por ROGERIO FAVRETO, Secretário de Reforma do Judiciário, Presidente; LEONARDO LOREA MATTA, representando a Defensoria Pública da União; RENATO E VITTO, representando o Conselho Nacional dos Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE); FERNANDO CALMON, representando a Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP); HAMAN TABOSA DE MORAES E CÓRDOBA, representando a Associação Nacional dos Defensores Públicos da União (ANDPU); e JUAREZ PINHEIRO, Coordenador-Geral de Modernização e Administração da Justiça da SRJ/Ministério da Justiça. A secretaria-executiva dos trabalhos está sob responsabilidade do Assessor da Secretaria de Reforma do Judiciário, EDUARDO MACHADO DIAS. 21 O III Diagnóstico está em fase de execução, com previsão de conclusão para o mês de novembro de 2009. Com recursos do Ministério da Justiça, via PNUD – Programa das Nações Unidas (BRA 05/036), foi contrata a empresa por seleção INBRAPE – Instituto Brasileiro de estudos e Pesquisas Sócioeconômicos, em processo de seleção pública. 20 482 Revista ENM Assim, a partir do momento em que a instituição consegue enxergar-se, passa a ter instrumentos para lutar por melhores condições de trabalho perante seus governos estaduais e a própria União. Subsidiar o debate público em relação à defensoria talvez tenha sido a grande contribuição que os diagnósticos podem oferecer no fortalecimento da instituição e na consequente democratização do acesso à justiça. Para colaborar no fortalecimento da Defensoria Pública, a Secretaria de Reforma do Judiciário vem realizando intenso debate e articulação com os próprios atores do processo, gerando várias parcerias e projetos de enfoque especializado. Exemplo dessa atuação conjunta é a implementação de uma política pública voltada à melhoria do sistema carcerário, com enfoque para a melhoria da segurança pública e garantia dos direitos humanos. Trata-se da ação “Assistência Jurídica Integral aos Presos e Familiares”, que busca garantir a plena observância dos critérios e tempos de progressão dos regimes de pena, atenção especial aos presos provisórios, fiscalização das condições dos presídios, respeito dos direitos humanos dos apenados e priorização das penas alternativas. O seu enfoque principal é a democratização do acesso à Justiça, conferindo aos presos tratamento digno e respeito aos seus direitos. A assistência jurídica prestada pela Defensoria Pública busca garantir a plena observância aos critérios de progressão de regime, com atenção especial para os casos em que o preso já cumpriu sua pena e deveria ter retomado ao convívio social. Por meio do apoio da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, as Defensorias Públicas têm recebido recursos para estruturação, especialmente voltados à ampliação de recursos humanos, aquisição de equipamentos e sistemas de informação, a fim de qualificar o trabalho dos defensores públicos no atendimento às pessoas privadas de liberdade e seus familiares. Assim, a defensoria pública tem recebido a cooperação do Ministério da Justiça na área de execução penal, para o fortalecimento da assistência jurídica e integral aos presos e familiares. Somente em 2008, por meio do PRONASCI, a Secretaria de Reforma do Judiciário do nosso Ministério aportou 14 milhões de reais para a defensoria pública dos Estados, permitindo a criação e fortalecimento de 19 (dezenove) núcleos especializados no atendimento dos presos, presas e familiares, e, também estruturação de 2 (dois) núcleos da Defensoria Pública da União22. Ao todo, os investimentos no ano de 2008, contemplaram a Defensoria Pública de 17 Estados (AC, AL, BA, CE, DF, ES, MA, PA, PE, PI, RJ, RO, RN, RS, SP, SE e TO) e a Defensoria Pública da União. 22 Revista ENM 483 Para o de 2009 serão contemplados mais cinco estados, com investimentos previstos de mais 4 milhões de reais. Os investimentos do Ministério da Justiça, via PRONASCI, beneficiarão, até o início do ano de 2011, de forma direta, mais de 310 mil pessoas, dentre homens e mulheres em situação de prisão e seus familiares. Outro destaque deste importante eixo é a ação articulada entre o Ministério da Justiça, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, o Departamento Penitenciário Nacional e as Defensorias para a concepção de mutirão de assistência jurídica específica para mulheres encarceradas. No plano mais urgente e enfrentamento à crise carcerária, foi criada a Força Nacional da Defensoria Pública em execução Penal, que contará com um “banco” de defensores voluntários e especializados no atendimento criminal e penitenciário, para fazerem frente a demandas excepcionais, nos Estados que não implantaram a Defensoria23 ou estão com estrutura deficitária, bem como apoiar os mutirões carcerários coordenados pelo Conselho Nacional de Justiça. Trata-se de uma cooperação solidária entre os órgãos das defensorias, sob coordenação do Conselho dos Defensores-Gerais dos Estados – CONDEGE, mediante parceria com a Secretaria de Reforma do Judiciário que viabilizará o suporte logístico no deslocamento das equipes da Força Nacional24 e integrará uma coordenação executiva do projeto, juntamente com o referido Conselho, o Departamento Penitenciário Nacional e a Defensoria Pública da União. Essa Força Nacional da Defensoria Pública em Execução Penal visa garantir a assistência jurídica aos presos nos estabelecimentos prisionais em situação crítica e de forma emergencial, permitindo a normalização pelo posterior e contínuo atendimento regular da supramencionada Defensoria. Será um “pólo da liberdade”, como afirmou o Ministro de Estado da Justiça Tarso Genro em seu discurso na cerimônia de assinatura do referido acordo de cooperação. É oportuno registrar que o fortalecimento da Defensoria Pública precisa acompanhar o momento histórico que vivemos, em se tratando de acesso à justiça. Não se deseja uma instituição que se fortaleça para reproduzir um sistema esgotado baseado na judicialização da vida e da sociedade. Há que se buscar meios alternativos para resolução de conflitos. Exemplos destes novos caminhos, pretendemos apontar agora. 23 Os Estados de Santa Catarina e Paraná não possuem Defensoria Pública no molde constitucional e Goiás já instituiu formalmente. 24 Acordo de Cooperação firmado em 12 de agosto de 2009 entre o Ministério da Justiça (Secretaria de Reforma do Judiciário, DEPEN e DPU) e o CONDEGE, a ser gestado nos termos da Portaria no 2.689/09, instituída pelo Ministro da Justiça Tarso Genro e publicada no DOU de 14-8-09. 484 Revista ENM 6. Políticas públicas em curso para democratizar o acesso à Justiça: a mediação como meio alternativo para resolução de conflitos25 A recente experiência na história do Sistema de Justiça brasileiro através da implementação dos juizados especiais cíveis e criminais a partir de 1999 serve de aprendizado para as futuras políticas públicas. Com efeito, os denominados juizados de pequenas causas26 fizeram com que o acesso à jurisdição fosse ampliado para a população, resultando num aumento exponencial e progressivo das demandas sociais levadas a juízo, garantindo mais acesso e, por outro lado, gerando morosidade e altos níveis de ineficiência e ineficácia pelo grande congestionamento processual. Os juizados especiais federais, desde sua criação, tiveram uma explosão de ações decorrentes da grande demanda que estava reprimida na própria Administração Pública. Por exemplo, no ano de 2008, ingressaram mais de um milhão e duzentos mil novos processos27. Trata-se do paradoxo do sucesso. Assim, se por um lado a enorme quantidade de demandas que aportaram aos juizados especiais demonstraram a alta conflitividade dos brasileiros e brasileiras; por outro, sinalizaram claramente a necessidade da criação de outros espaços públicos – até mesmo não estatais – de promoção de paz social que não reproduzam o processo e a judicialização dos conflitos. Esses novos espaços precisam estar ligados a uma nova cultura de paz, baseada em relações de confiança e que exigirá um novo perfil de profissionais, muito distante daqueles profissionais do Direito que desde a sua formação são treinados para o conflito do processo, reproduzindo uma lógica árida e autorreferencial baseada na figura do ganhador-perdedor, do autor e do réu. Em regra, essa cultura da guerra tem se refletido nas práticas dos tribunais e foros judiciais, alcançando todos os níveis e especialidades de jurisdição, reproduzindo, assim, o caos societário que deveriam solver. É claro, que também a sociedade tem transferido demasiadamente seus problemas de relacionamento afetivo, sexual, negocial, patrimonial etc, para que 25 As linhas que seguem partem da apresentação das experiências brasileiras feita pelo Ministro da Justiça Tarso Genro e pelo Secretário da Reforma do Judiciário, Rogerio Favreto, sobre “resolução alternativa de litígios” apresentada na XI CONFERÊNCIA DOS MINISTROS DA JUSTIÇA DOS PAÍSES DA LINGUA OFICIAL PORTUGUESA – CPLP, realizado na Guiné Bissau, em 11 e 12 de fevereiro de 2008. A temática da Conferência foi “As diferentes Experiências de Resolução Alternativa de Litígios no seio da CPLP”. Registramos, também, nosso agradecimento ao colega Marcelo Vieira de Campos pelas contribuições no texto originário. 26 Denominação inicial que foi alterada na sequência para juizados especiais, a fim de afastar eventual conotação pejorativa de que sua competência seria para demandas de segundo nível. 27 Fonte – site do Conselho Nacional de Justiça: www.cnj.jus.br. Revista ENM 485 o Judiciário os resolva, concebendo a jurisdição como serviço público que está à disposição de ânimos beligerantes sejam eles quais forem, renunciando ao dever/ direito de também ela contribuir no processo de ordem e harmonia social. Mas tal constatação, que envolve a cultura de um povo e suas diferenças sociais históricas, são tão profundas e complexas que reconhecemos aqui nosso limite em abordá-las. De qualquer forma, cabe ao Estado o papel de indutor de uma nova cultura, baseada na paz e nos direitos humanos. No plano da desjudicialização dos conflitos, registramos a contribuição da Lei no 11.441/07, que pela “nova regra o divórcio, a separação, o inventário e a partilha poderão ser realizados por meio de escritura pública, desde que exista acordo entre as partes e não envolvam interesses de incapazes”28. Trata-se, não só da simplificação e celeridade na resolução dos conflitos, mas do acesso mais fácil à população pela utilização da grande rede de serviços das serventias extrajudiciais. De parte do Ministério da Justiça, a Secretaria de Reforma do Judiciário tem incentivado muito a cultura da paz e da mediação desde que as faculdades de Direito para os futuros profissionais sejam formados e preparados com técnicas de mediação e direitos humanos, tanto para sua melhor preparação à contemporaneidade do ofício profissional da advocacia, magistratura, carreira do Ministério Público e da Defensoria Pública, como na contribuição da desjudicialização e pacificação de conflitos na própria sociedade. Trata-se do projeto PACIFICAR, lançado em 200829 pela Secretaria de Reforma do Judiciário, que tem como escopo principal implantar, fortalecer e divulgar a mediação, composição e outros meios alternativos de solução de conflitos, no âmbito das faculdades de Direito, como instrumentos à ampliação do acesso e maior efetividade da Justiça. O público-alvo são os estudantes de Direito, via financiamento aos núcleos de práticas jurídicas das faculdades. No plano da sua estrutura física, recursos humanos e a capacitação teórica e, principalmente, prática em técnicas de mediação extrajudicial e conciliação judicial. A contrapartida social é o desenvolvimento de trabalhos e incursões junto às comunidades mais carentes, em complementação à FAVRETO, Rogerio. “Lei no 11.441/07: um passo adiante na democratização do acesso à Justiça”. Apresentação da Cartilha sobre Inventários, Partilhas, Separações e Divórcios. Ministério da Justiça – Secretaria de Reforma do Judiciário, Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal e Seção São Paulo e ANOREG – Associação de Notários e Registradores do Brasil, 2007. 29 O projeto PACIFICAR que integra o PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, foi instituído pela Portaria no 1.587/08, do Ministro da Justiça, e a primeira seleção de projetos ocorreu por meio do Edital de Convocação Pública no 16/08, publicado no DOU de 9 de setembro de 2008. 28 486 Revista ENM tradicional e importante contribuição realizada de assistência jurídica gratuita promovida pelos Centros Acadêmicos de Direito30. Necessário anotar que esse projeto foi debatido com a Comissão de Ensino Jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério da Educação, tendo este último já editado nova portaria que confere destaque no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES, para os cursos de graduação em Direito que contemplarem nos núcleos de prática jurídica, “atividades de arbitragem, conciliação e mediação”31, como uma política indutora do fortalecimento da mediação. Ao lado do aperfeiçoamento normativo, a redução da cultura da litigio sidade é essencial para que a Justiça se ocupe da forma mais adequada das questões estruturais e fundamentais da sociedade contemporânea, bem como melhor se prepare para a mediação e conciliação de litígios. Para tanto, a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério de Justiça, por meio do PRONASCI, articulou o fortalecimento da mediação e conciliação como uma política pública nacional, a qual está sendo executada em parceria com as escolas de aperfeiçoamento das diferentes carreiras jurídicas. A ação foi incluída no programa permanente da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura, tanto para o conteúdo dos concursos públicos, como na formação continuada dos magistrados32. Também foi instituída, pelo Ministro da Justiça, uma Comissão especial para monitorar esses cursos de capacitação em técnicas de mediação e composição de conflitos, objetivando avaliar os resultados e orientar os eventuais ajustes na condução do seu conteúdo e direcionamento dos investimentos33. Seguindo diretriz da Reforma do Judiciário (art. 93, inciso IV, da CF, introduzido pela EC no 45/2004), a capacitação continuada dos magistrados é O projeto Pacificar encontra-se em sua segunda edição. No ano de 2009, foi reeditado em novo chamamento público (DOU de 17 de abril de 2009) que recebeu mais 12 projetos de faculdades de Direitos. Em 2008, foram repassados recursos da ordem de R$ 1.500.000,00 para 17 projetos em estados diversos (CE, DF, ES, MG, PB, PE, RJ, RN, RS, SC, SP). Entre os proponentes encontram-se universidades federais, defensorias públicas, OSCIPs e órgãos estaduais e municipais. 31 Item 3.3.2 da Portaria no 840/2008, publicada no DOU de 7 de agosto de 2008. 32 O projeto piloto foi desenvolvido em parceria com o TRF da 4ª Região que promoveu pela Emagis três cursos, distribuídos nos Estados do RS, SC e PR. Com o sucesso dessa cooperação, passamos a realização de cursos de multiplicadores, já tendo sido realizados dois para juízes federais e estaduais, de forma separada, através de convênio da Secretaria de Reforma do Judiciário e a ENFAM/STJ. 33 Comissão especial nomeada pela Portaria no 2.688, publicada no DOU de 13/8/09 e composta pelos juízes ANDRÉ GOMMA DE AZEVEDO e ROBERTO PORTUGAL BACELLAR, representando a magistratura estadual; Desembargador NEFI CORDEIRO, da Justiça Federal; ROGERIO FAVRETO e MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, pelo Ministério da Justiça e MARCOS ROSAS DEGAUT PONTES, pela ENFAM. 30 Revista ENM 487 orientada pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados. O enfoque do fortalecimento da conciliação integra conteúdo programático do curso de formação para ingresso na carreira34, bem como o aperfeiçoamento regular está sendo operado por meio das escolas oficiais dos tribunais de Justiça Estadual e Federal, através de cursos de capacitação para composição e mediação de conflitos35. Da mesma forma, o Ministério da Justiça firmou parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil, através da sua Escola Nacional e realizou o primeiro curso para multiplicadores36, atendendo às escolas superiores de advocacia das seccionais da entidade e preparando a reprodução regional, já que os advogados capacitados servem como gestores dos futuros cursos locais. Importante sinalar que essa ação está associada ao esforço que o Conselho Nacional de Justiça tem feito com os mutirões da conciliação, realizados desde 2007 e que, na sua última edição de dezembro de 2008, permitiu a realização de 307.884 audiências, importando em 130.424 acordos judiciais, envolvendo a movimentação econômica de 974 milhões de reais. O índice de conciliação alcançou o percentual de 42%37. Essa edição contou com o apoio expresso do Ministério da Justiça, onde a Secretaria de Reforma do Judiciário foi responsável, dentre outras ações institucionais, pela edição de mais de 260 mil materiais de divulgação e cartilhas informativas distribuídas na semana de conciliação e por meio do projeto “Conciliar é legal” do CNJ. Esta política de fortalecimento da mediação e conciliação judicial entende que os modelos tradicionais de acesso à justiça encontram-se significativamente esgotados em termos de dar respostas satisfatórias e eficazes ao universo cada vez mais complexo e maior dos conflitos sociais que se criam em nossa sociedade, trabalhando para constituir um novo paradigma cultural, não centrado na lógica do conflito, oriunda da cultura forjada pelo bacharelismo dos cursos de Direito, uma vez que “o profissional da guerra em que se constitui o bacharel de direito, com base formativa altamente dogmática e positivista, tem se projetado diretamente para o tecido social, fazendo com que as relações Inciso VIII do art. 6o da Resolução no 1, de 17 de setembro de 2007. Em complementação aos cursos para multiplicadores, já foram firmados convênios com os tribunais de Justiça do RS, SC, RJ e TO, importando em dois milhões de reais investidos pelo Ministério da Justiça. 36 O Termo de Cooperação foi firmado pelo Secretário da Reforma do Judiciário, Rogerio Favreto e o Presidente do Conselho Federal da OAB, Dr. César Britto, durante a XX Conferência Nacional dos Advogados, realizada de 11 a 15 de novembro de 2008 em Natal/RN. O primeiro curso de multiplicadores para advogados das 27 seccionais da OAB e suas respectivas escolas superiores de Advocacia, foi realizado no período de 19 a 21 a agosto de 2009, na sede da entidade nacional, em Brasília/DF. 37 Fonte CNJ: www.conciliar.cnj.gov.br. Notícia veiculada em 16 de dezembro de 2008. 34 35 488 Revista ENM intersubjetivas e interinstitucionais se judicializem em proporções agudas, com uma perspectiva desmesurada. Poderia, em vez disso, trabalhar com a solução pacífica e negociada – portanto mais preventiva que curativa – dos problemas que surgem em qualquer comunidade de interesses múltiplos e diversos.”38 Como o problema é de aculturação à composição de conflitos, não dependendo tão-somente do Estado-juiz, mas de todos os agentes envolvidos numa relação jurisdicional, faz-se necessário um processo de reeducação dos sujeitos de direito. É com tal perspectiva que o projeto de fortalecimento da mediação quer propor a estruturação de um processo de formação da paz e composição de interesses, propiciando mais prevenção, controle e repressão à criminalidade. Registrada as ações voltadas aos operadores do direito, merece destaque outra fundamentação técnica e investimento do Governo Federal, direcionada à própria comunidade e sua cidadania. Trata-se do projeto denominado de Justiça Comunitária, que passamos a discorrer como uma forma de atender ao objetivo da presente obra, ou seja, apresentar soluções concretas para os limites encontrados pelo Sistema de Justiça brasileiro. 7. A Justiça Comunitária: uma experiência concreta de meio alternativo de resolução de conflitos39 Paralelamente à experiência dos juizados especiais, existe um conjunto de iniciativas inovadoras da Justiça brasileira voltadas à aproximação do Poder Judiciário com a comunidade. São as iniciativas de Justiça na Praça e os Juizados Volantes ou Itinerantes, onde o próprio Poder Judiciário desloca sua estrutura e agentes para locais mais populares ou de difícil acesso, propiciando maior efetividade e resolutividade na prestação jurisdicional. Nesse plano, cabe especial distinção o projeto Justiça Comunitária, iniciado em 2002 pela Juíza Gláucia Falssarelli Foley e, na sequência, acolhido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que concentrou inicialmente sua atuação em duas cidades satélites de Brasília (Ceilândia e Taguatinga)40. Foi através dessa experiência bem sucedida no Distrito Federal que o PRONASCI incorporou-a como uma de suas ações, passando a fazer parte de uma política Favreto, Rogerio. Artigo “Novo paradigma à pacificação dos conflitos”, jornal Folha de São Paulo – Tendências/Debates, 3 de dezembro de 2007. 39 A ação é coordenada pelo colega Eduardo Machado Dias, integrando ainda à unidade responsável os servidores Marcelo Carambula e William Gonçalves de Siqueira. 40 O projeto foi premiado como a melhor prática da categoria “Tribunal”, da 2. ed. o do Prêmio INNOVARE, realizado em 2005, promovido por várias instituições da Justiça. 38 Revista ENM 489 pública permanente, seja no plano de investimentos, seja na indução e apoio institucional à sua replicação. A Justiça Comunitária funciona por intermédio dos agentes comunitários, que são selecionados dentre os moradores dos bairros. Os mediadores comu nitários são os responsáveis pela composição dos conflitos da comunidade, no próprio bairro, prestando informações às pessoas que buscam orientação, encaminhando-as aos órgãos públicos competentes e atuando como agentes multiplicadores do projeto da Justiça Comunitária. Toda a organização e o funcionamento do projeto constam de publicação especial editada e distribuída aos parceiros do projeto e aos próprios agentes comunitários em mediação41. Estes agentes proporcionam para a comunidade assistência individual e coletiva desempenhando as atividades de: (i) orientação jurídica; (ii) animação de redes sociais e (iii) mediação comunitária. A primeira atividade – orientação jurídica – tem por objetivo democratizar o acesso às informações dos direitos dos cidadãos, decodificando a complexa linguagem legal. Para tanto, os agentes de mediação comunitária produzem, em comunhão com os membros de uma equipe interdisciplinar, materiais didáticos e artísticos, tais como: cartilhas, filmes, peças teatrais, musicais, cordéis, dentre outros42. A segunda ação – animação de redes sociais – refere-se à transformação do conflito, por vezes, aparentemente individual, em oportunidade de mobilização popular e criação de redes solidárias entre pessoas que, apesar de partilharem problemas comuns, não se organizam, até porque não se comunicam. Por sua vez, a mediação comunitária é uma importante ferramenta para a promoção do empoderamento e da emancipação social. Por meio dessa técnica, as partes envolvidas no conflito têm a oportunidade de refletir sobre o contexto de seus problemas, de compreender as diferentes perspectivas e, ainda, de construir em comunhão uma solução que possa garantir, para o futuro, a pacificação social. Outra função é a triagem dos conflitos, para serem encaminhados aos órgãos competentes. O projeto Justiça Comunitária constitui-se como uma alternativa eficaz à morosidade e à inacessibilidade do processo judicial oficial, servindo também 41 Justiça Comunitária. Manual de Capacitação em Técnicas de Mediação. Republica Federativa do Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria de Reforma do Judiciário. 2009. 42 Cartilha “O que é Justiça Comunitária”, editada pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, 2008, a qual é distribuída para divulgar o projeto e informar à população sobre os serviços disponibilizados. 490 Revista ENM como um instrumento de resgate do estatuto do cidadão da comunidade, a fim de restaurar a sua capacidade emancipatória, por meio da autogestão de seus conflitos. Quando operada na esfera comunitária, a mediação potencializa a sua dimensão emancipatória, na medida em que trata de autodeterminação, de participação nas decisões políticas, reelaborando, assim, o papel do conflito e desenhando um futuro sob novos paradigmas. Muito embora a experiência tenha sido concebida por iniciativa de um agente público e adotada por um ente estatal, o modelo desenvolvido é paraestatal, porque, além de contar com membros da comunidade como seus principais operadores, é exatamente na esfera comunitária, onde a vida acontece, que se estabelece o locus preferencial de atuação da mediação comunitária. Em síntese, é a Justiça realizada pela, para e na comunidade. Toda sua atuação exige a implantação de espaços físicos nas próprias comunidades para que o núcleo de Justiça Comunitária possa funcionar adequadamente, é necessário que possua uma estrutura física mínima, com espaços para o atendimento ao público, para o trabalho das equipes multidisciplinares43 e realização das mediações, bem como locais para pôr em prática as oficinas, os cursos, as dinâmicas de grupo e as atividades culturais. Essa infraestrutura física e de recursos humanos é financiada com recursos conveniados pelo Ministério da Justiça44. Para a implementação da ação, os agentes de mediação comunitária devem ser credenciados e selecionados na própria comunidade que implantará o Núcleo de Justiça Comunitária, justamente para que haja uma sintonia entre os anseios, necessidades e valores locais com as ações a serem desenvolvidas e a escolha dos candidatos. 43 Os núcleos de JUSTIÇA COMUNITÁRIA, apoiados pelo Ministério da Justiça, têm como estrutura a constituição de uma equipe composta por psicólogo, assistente social e assessor jurídico para funcionarem na retaguarda dos agentes comunitários de mediação, tanto no plano da orientação técnica, como das medidas de inclusão dos atendidos em programas sociais governamentais e ou comunitários, visando a efetiva pacificação dos conflitos e recuperação da vulnerabilidade social. 44 No ano de 2008, foram financiados 11 núcleos, com investimento de mais de 2,6 milhões de reais do orçamento da Secretaria de Reforma do Judiciário, mediante convênios com os seguintes parceiros: Tribunal de Justiça do Acre, (Rio Branco, Capixaba e Epitaciolândia); Defensoria Pública do Ceará (Tancredo Neves e João XXIIII) e Ministério Público do Ceará, Fortaleza (Pirambu e Grande Messejana), Tribunal de Justiça do Distrito Federal e territórios (Taguatinga e Ceilândia); Prefeitura Municipal de Vitória/ES (São Pedro); Instituto Desembargador Alceu Conceição Machado, Curitiba/PR (Sítio Cercado); Ministério Público de Pernambuco, Recife (Casa Amarela); Instituto Cultural São Francisco, Porto Alegre – RS (Lomba do Pinheiro). Para o ano de 2009, a previsão é de que sejam implementados mais 30 núcleos de Justiça Comunitária, nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Maranhão, Piauí, Sergipe e Tocantins, totalizando investimentos da ordem de R$ 9.000.000,00. Considerando o biênio 2008/2009, serão 41 núcleos implementados, com o total de 11,6 milhões de reais investidos pelo Governo do Presidente Lula. Revista ENM 491