PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS INTRODUÇÃO Procura-se estabelecer uma linha de raciocínio, enfatizando conceitos da teoria geral do processo como lide, jurisdição, ação e processo, cujo domínio é imprescindível para estágio no curso de direito. ASPECTOS GERAIS Na concepção de Moacyr Amaral Santos, interesse "é a relação entre uma pessoa e um bem". O ser humano encontra nos bens da vida a solução para atender alguma necessidade. Bens da vida "são todas as coisas, situações ou mesmo pessoas que de algum modo possam ser objeto de aspirações e de direitos LIDE Os bens existentes numa sociedade são insuficientes para atender a toda demanda de desejos dos indivíduos. Em razão desse contraste entre a infinidade de interesses e a escassez de bens, é comum que uma pessoa se oponha à pretensão almejada por outra. Tal situação desencadeia um fenômeno social chamado lide, a qual, segundo Carnelutti, conceitua-se como: "o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida". A lide abala as estruturas da sociedade, instalando uma verdadeira crise. Diante dessa situação, é necessário o emprego de meios que solucionem esse conflito para que a desordem e o caos não comprometam a existência do próprio grupo social. A eliminação dos conflitos ocorrentes na vida em sociedade, pode se dar pela atuação de um (autodefesa ou autotutela) ou de ambos os sujeitos dos interesses em conflito (autocomposição), ou por ato de terceiro (a mediação e o processo). AUTOTUTELA ou AUTODEFESA Em épocas mais remotas predominava a autotutela, regime pelo qual um dos litigantes fazia valer sua pretensão através do emprego da força física. É fácil constatar a precariedade da autodefesa, pois ela não garantia uma decisão justa, senão "a vitória do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco ou mais tímido". Hodiernamente, não se admite faça justiça por meios próprios, pois essa conduta é tipificada como crime de exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345). A autotutela ou autodefesa só é admitida excepcionalmente pelo ordenamento jurídico, como, por exemplo, no caso de esbulho da posse (CC, art. 502). Sobre a autodefesa, o professor Carreira Alvim observa que: “Esta forma de resolução dos conflitos é apontada como a mais primitiva, quando ainda não existia, acima dos indivíduos, uma autoridade capaz de decidir e impor a sua decisão aos contendores, pelo que o único meio de defesa do indivíduo (ou do grupo) era o emprego da força material ou força bruta contra o adversário, para vencer a sua resistência”. AUTOCOMPOSIÇÃO Outra forma de solução de litígios também utilizada nos sistemas rudimentares e que perdura até hoje, consiste na Autocomposição. Nesta, os indivíduos em conflito abrem mão de seus interesses ou de parte dele. Três são as formas de autocomposição: a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas)". ARBITRAGEM Num outro estágio da civilização, os indivíduos, percebendo que nem sempre se obtinha o concurso de vontades necessário à autocomposição, passaram a preferir que o litígio fosse solucionado por um terceiro desinteressado e imparcial, o árbitro. Num primeiro momento, a arbitragem era facultativa, incumbindo aos contendores a eleição do árbitro. Tal função poderia recair sobre um sacerdote, cujas soluções representavam a vontade divina, ou sobre os anciãos, pessoas tidas como sábias pois conheciam os costumes do grupo social integrado pelos litigantes. Posteriormente, com o advento da arbitragem obrigatória, o Estado passou a ter uma pequena participação na solução dos conflitos, pois antes da atuação do árbitro, o litígio era submetido à apreciação do pretor, o qual indicava qual o preceito que prevaleceria no caso concreto. JURISDIÇÃO Vedada a autotutela e como nem sempre os litigantes eram tão altruístas a ponto de chegarem a um acordo (autocomposição), cedendo parte de suas pretensões, o Estado, percebendo que seria verdadeira temeridade deixar ao arbítrio dos particulares a solução das contendas, avocou para si o "monopólio da administração da justiça.“ Daí surge a noção de Jurisdição Assim, em dado momento histórico, o Estado, atribuindo como sua a tarefa exclusiva de compor os litígios através do exercício da jurisdição, passou a intervir como terceiro imparcial, fazendo valer a ordem jurídica e, dessa forma, restabelecer a paz social com a composição da lide. TRÍADE PROCESSUAL Para que se possa ter uma exata compreensão do direito processual, é preciso se dedicar ao estudo de três institutos basilares: - Jurisdição, - Ação e - Processo. São, na expressão de Ramiro Podetti, a "trilogia estrutural do direito processual". JURISDIÇÃO A Justiça Pública. O Estado retirou da esfera dos particulares a solução das contendas, em razão das arbitrariedades e desmandos ocorrentes. A lei passou regular a atuação estatal. Mas, o próprio Estado limitou a sua atuação, enunciando princípios e estabelecendo regras de cumprimento obrigatório. Princípio da Inércia (ne procedat judex ex officio) Visando garantir a imparcialidade do órgão jurisdicional, o art. 2º do CPC preceitua: "nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou interessado a requerer, nos casos e formas legais”. Segundo o qual o juiz não pode dar início ao processo sem ser provocado. PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL O exercício da função jurisdicional é limitado pela garantia constitucional do devido processo legal. Diz Humberto Theodoro Júnior, que a tutela jurisdicional seja prestada num Processo "traçado previamente pelas leis processuais, sem discriminação de parte, e com garantia de defesa, instrução contraditória, duplo grau de jurisdição, publicidade dos atos, etc". PROCESSO 1 - Princípio da inafastabilidade ou do controle jurisdicional. Como é vedado ao particular fazer justiça com as próprias mãos, ao invocar a atuação do Estado-juiz, este (ESTADO) é obrigado a agir A atividade jurisdicional, contudo, não é exercida de forma livre, devendo ser conduzida com respeito a determinadas garantias. Assim, a jurisdição atua através de um método, que é o processo. Cândido Rangel Dinamarco: processo é uma série de atos interligados e coordenados ao objetivo de produzir a tutela jurisdicional justa, a serem realizados no exercício de poderes ou faculdades ou em cumprimento a deveres ou ônus. FORMAÇÃO DO PROCESSO O processo é formado por dois elementos associados: 1 - Procedimento, o qual representa o conjunto de atos coordenados cronologicamente; 2 - relação jurídica processual, que é o vínculo que une autor, réu e juiz (actum trium personarum), com produção de efeitos jurídicos (poderes, deveres e ônus). TIPOS DE PROCESSO 1 – PROCESSO DE CONHECIMENTO: COMUM SUMÁRIO ESPECIAL JUIZADO ESPECIAL 2 – PROCESSO DE EXECUÇÃO; 3 – PROCESSO CAUTELAR RITO COMUM __________________________________________ PI DESPA CITA CONTES AUDI CHO ÇÃO AUDI TAÇÃO ÊNCIA ÊNCIA SENTEN ÇA RITO SUMÁRIO __________________________________________ PI DESPA CHO CITA AUDIÊNCIA SENTEN ÇÃO ÊNCIA/DEFESA ÇA PROCESSO X PROCEDIMENTO Diz Alexandre Freitas Câmara, "o processo é uma entidade complexa, de que o procedimento é um dos elementos formadores". O procedimento revela o processo, é seu aspecto exterior. Pressupostos processuais Preceitua o inciso LIV do art. 5º da CF que "ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Embora a atividade jurisdicional seja de incumbência exclusivamente estatal, ela não pode ser exercida de forma arbitrária. A garantia de due process of law, da qual decorrem os demais princípios processuais, impõe limites à jurisdição, ficando esta impedida de intervir em patrimônio alheio ou restringir a liberdade de alguém sem o trâmite de um processo justo, na forma da lei. Para que se tenha um "devido processo legal", é necessário não apenas observar as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural, da proibição de provas obtidas por meios ilícitos, etc, mas também é essencial o cumprimento de determinadas regras estabelecidas pela lei processual, como os pressupostos processuais. Pressupostos Processuais (Jorge Luís Dall’agnol): "requisitos necessários para a existência jurídica e o desenvolvimento do processo". Os pressupostos processuais são os requisitos para: A) condições de admissibilidade (die erfordenisse für die zulässigkeit), B) condições prévias para a formação definitiva de toda relação processual (die vorbedingungen für zustandekommen des ganzen prozessverhältiness), C) condição de existência da relação processual, D) condição para validade da formação definitiva da relação processual. PRINCIPAIS CORRENTES Duas correntes merecem destaque na discussão do tema no Brasil. A primeira corrente, de influência italiana, sustenta que os pressupostos processuais se dividem em dois grupos: 1- os pressupostos processuais de existência e 2- os pressupostos processuais de validade. A segunda corrente afirma existir apenas pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito. Adepto dessa linha, José Frederico Marques, ensina que os pressupostos processuais e as condições da ação, "constituem espécie de que os pressupostos processuais de admissibilidade da tutela jurisdicional são o gênero". Optamos pela primeira corrente, pois se vislumbram de forma mais clara os requisitos mínimos para o nascimento da relação processual e aqueles necessários ao seu desenvolvimento regular. Pressupostos de existência do processo Diz José Milton da Silva, "os pressupostos antecedentes, ou de existência do processo, são aqueles que deverão preexistir à relação processual". São os requisitos necessários para a instauração do processo. É preciso, fixar o instante em que nasce a relação processual. A ação é formulada quando o titular de uma pretensão insatisfeita apresenta a petição inicial ao Poder Judiciário. O processo passa a existir no instante em que a demanda é proposta, isto é, quando o autor deduz sua pretensão em juízo. A existência da relação processual também está condicionada à presença de um juiz investido de jurisdição. Destarte, o processo só existe quando seu trâmite se dá perante um órgão apto ao exercício da função jurisdicional. Grande parte da doutrina considera também a citação e a capacidade postulatória como pressupostos de existência. Pressupostos de validade do processo Os pressupostos processuais responsáveis pela validade da relação processual podem ser classificados sob dois aspectos distintos: 1 - os pressupostos positivos, que devem estar presentes no processo, e 2 - os pressupostos negativos, cuja ausência é necessária para a validade da relação processual. Pressupostos processuais positivos subjetivos 1 - Relativos ao juiz: Competência, Imparcialidade. 2 - Relativos às partes: Capacidade de ser parte, Capacidade processual, Capacidade postulatória Pressupostos processuais objetivos 1 - Pressupostos processuais objetivos intrínsecos: a) Petição apta B) Citação válida 2 - Pressupostos processuais objetivos extrínsecos: a) Litispendência b) Coisa julgada c) Perempção d) Convenção de arbitragem Ausência dos pressupostos processuais Tem por corolário a inexistência da relação jurídica processual. Essa inexistência (jurídica) pode ser reconhecida a qualquer tempo, durante ou após o término do processo. Causa, em regra, a extinção do processo sem resolução do mérito. No que pertine à imparcialidade (suspeição e impedimento) e à competência absoluta do juízo, sua inobservância não leva à extinção do processo, havendo a nulidade dos atos decisórios e a remessa dos autos ao juiz desimpedido ou absolutamente competente, conforme o caso. Na hipótese de já ter sido prolatada sentença com trânsito em julgado, poderá se declarar a nulidade da relação processual através de ação rescisória. CONDIÇÕES DA AÇÃO Embora autônomo e abstrato, o direito de ação está instrumentalmente ligado a uma pretensão sobre a qual deverá incidir a prestação jurisdicional invocada. Dessa forma, para que o juiz possa adentrar no mérito da questão, é necessário o preenchimento de determinadas condições que se relacionam com a pretensão a ser julgada. Nas palavras de Liebman, as condições da ação são os requisitos de existência da ação, devendo por isso ser objeto de investigação no processo, preliminarmente ao exame do mérito (ainda que implicitamente, como se costuma ocorrer). Só se estiverem presentes essas condições é que se pode considerar existente a ação, surgindo para o juiz a necessidade de julgar sobre o pedido para acolhê-lo ou rejeitá-lo. A concepção liebmaniana da ação desfruta de largo prestígio no Brasil, tanto que o CPC a adota claramente ao determinar: 1 - possibilidade jurídica do pedido, legitimidade ad causam e interesse de agir. 2- a extinção do processo sem resolução do mérito na ausência de quaisquer das condições da ação (art. 267, VI). Legitimidade das partes Também conhecida como legitimatio ad causam, pode ser definida, nas palavras de Alfredo Buzaid, como a "pertinência subjetiva da ação“. Diz respeito à titularidade a ser observada nos pólos ativo e passivo da demanda. Preceitua o art. 3º do CPC, "para propor ou contestar uma ação é necessário ter interesse e legitimidade“. Assim, somente os titulares da relação jurídica de direito material deduzida em juízo é que podem demandar. Na ação de despejo, v.g., são partes legítimas o locador (ativa) e o locatário (passiva), pois figuram na relação jurídica de direito material (contrato de locação) trazida a juízo. Diz Lopes da Costa, parte legítima "é a pessoa do processo idêntica à pessoa que faz parte da relação jurídica de direito material e nesta ocupa a posição correspondente à que vem tomar no processo". LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA Em regra, só está autorizado a demandar o titular do interesse deduzido em juízo. Nesse caso, fala-se em legitimação normal ou ordinária, hipótese em que as partes do processo coincidem com as partes da relação substancial. LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA Todavia, excepcionalmente, a lei permite que alguém atue em nome próprio para preservar direito alheio, ou seja, concede legitimidade à pessoa que não é titular do direito material. É a hipótese de legitimidade extraordinária ou anômala, que segundo Liebman "é o direito de perseguir em juízo um direito alheio". Interesse de agir O interesse processual consiste na utilidade do provimento jurisdicional solicitado. Essa utilidade depende da presença de dois elementos: 1 - necessidade de tutela jurisdicional: decorre da vedação da autotutela. Dessa forma, para que se verifique a necessidade de se recorrer ao Estado-juiz para satisfazer uma pretensão, basta a impossibilidade do autor fazer valer seu interesse através do emprego de meios próprios. 2 - adequação do provimento solicitado: o interesse-adequação, isto é, a utilização do método processual adequado à tutela jurisdicional almejada. Assim, p. ex., o cônjuge que pretenda desfazer seu casamento em razão de ser o outro adúltero deverá mover ação de separação judicial, e não ação de anulação do casamento. Possibilidade jurídica do pedido Há possibilidade jurídica do pedido quando o ordenamento jurídico admite, em tese, a pretensão deduzida pelo autor. Melhor dizendo, a possibilidade jurídica estará preenchida se o direito material não veda o exame da matéria pelo poder judiciário.