FACULDADE VALE DO CRICARÉ
DIREITO
DISCIPLINA DE LÍNGUA PORTUGUESA I
AULA Nº 04 – 22-05-2015
PROFª ANDRÉA MANOEL
As relações entre textos
1
AS RELAÇÕES ENTRE TEXTOS
Observe os trechos que seguem:
Do que a terra mais garrida
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
"Nossos bosques têm mais vida"
"Nossa vida", no teu seio, "mais amores''.
(Hino Nacional Brasileiro)
2
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
(Mendes, Murilo. Canção do exílio.)
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
(Dias. Gonçalves. Canção do exílio.)
3
• Quando o texto de caráter científico cita
outros textos, isso é feito de maneira
explícita. O texto citado vem entre aspas e
em nota indica-se o autor e o livro donde
se extraiu a citação;
• Num texto literário, a citação de outros
textos costuma ser implícita, pois
pressupõe que o leitor compartilhe com
ele um mesmo conjunto de informações a
respeito das obras que compõem um
determinado universo cultural.
4
A essa citação de um texto por
outro, a esse diálogo entre textos dá-se
o nome de intertextualidade.
5
• O poema de Gonçalves Dias possui muitas
virtualidades de sentido. Entre elas, a
exaltação ufanista da natureza brasileira.
• Os versos do Hino Nacional retomam o
texto de Gonçalves Dias para reafirmar esse sentido de exaltação da natureza
brasileira; (paráfrase)
• Os versos de Murilo Mendes citam
Gonçalves Dias com intenção oposta, pois
pretendem ridicularizar o nacionalismo
exaltado que pode ser lido no poema
gonçalvino. (paródia)
6
Um texto cita outro com,
basicamente, duas finalidades distintas:
a) para reafirmar alguns dos sentidos do
texto citado, e aí estaremos parafraseando
(paráfrase);
b) para inverter, contestar e deformar
alguns dos sentidos do texto citado; para
polemizar com ele, e aí estaremos
parodiando (paródia).
7
• A percepção das relações intertextuais, das
referências de um texto a outro, depende
do repertório do leitor, do seu acervo de
conhecimentos literários e de outras
manifestações culturais.
• Quanto mais se lê, mais se amplia a
competência para apreender o diálogo que
os textos travam entre si por meio de
referências, citações e alusões.
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Texto comentado
Canção do exílio
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
(continua)
9
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a
Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de
verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
Mendes. Murilo. Poemas. In: —. Poesias (1925--1955). Rio de Janeiro. J. Olympio. 1959. p. 5.
10
Tomando-se os dois versos iniciais
isolados do contexto, pode-se pensar que o
poema de Murilo vai fazer uma apologia do
caráter universalista e cosmopolita da
brasilidade, seguindo a linha de glorificação da
terra pátria, que pode ser lida no poema
homônimo de Gonçalves Dias;
Essa hipótese interpretativa pode
parecer plausível, já que "macieiras" e
"gaturamos" representam, respectivamente, a
vegetação e o reino animal, e "Califórnia" e
"Veneza",
os
elementos
estrangeiros
presentes em "minha terra". O solo pátrio
abriga elementos provindos de outras terras.
11
No entanto a leitura dos outros versos
do texto desautoriza essa hipótese de
leitura.
As contradições presentes no solo
pátrio não têm um valor positivo. Ao
contrário, o que se repete ao longo do texto
são contradições que não concorrem para
enaltecer ufanisticamente a brasilidade, mas
para ridicularizá-la.
12
Percebe-se que a cultura brasileira é
postiça e abriga uma série de contradições:
• "os poetas são pretos" (elementos de
condição social inferiorizada e oprimida);
• "que vivem em torres de ametista"
(alienados num mundo idealizado, que
não apresenta as mazelas do mundo real;
trata-se de uma referência irônica ao
Simbolismo e, principalmente, a Cruz e
Souza);
13
• "os sargentos do exército são monistas,
cubistas" (os que têm a função de garantir
a segurança do território têm pretensões
de incursionar por teorias filosóficas e
estéticas);
• "os filósofos são polacos vendendo a
prestações" (os amigos da sabedoria são
prostituídos — polaca é termo designativo
de prostituta — pela venalidade barata);
14
• o poeta critica com mordacidade a invasão
da pátria por elementos estrangeiros,
representados por "Califórnia", "Veneza",
"monistas", "cubistas", "Gioconda“;
• o poeta mostra que nem a natureza (v. 1-2)
nem a cultura (v. 3-9) têm um caráter
genuinamente brasileiro. O Brasil é uma
miscelânea, uma mistura de elementos
advindos de vários países;
• ao identificar oradores e pernilongos como
os que atrapalham o sono, ridiculariza a
oratória repetitiva dos políticos;
15
• o poeta admite que alguma verdade há
nas afirmações românticas (v. 12-13),
mas mostra que a prodigalidade da
natureza brasileira não é acessível à
maioria da população (v. 14);
• termina o poema desejando ter contato
com coisas genuinamente brasileiras.
Seu desejo é, ao mesmo tempo, um
lamento, pois o poeta sabe que ele não
se tornará realidade.
16
Logo:
O texto de Murilo cita Gonçalves Dias
com intenções paródicas. Seu texto,
diferentemente do poema gonçalvino, não
celebra ufanisticamente a pátria, mas
ironiza-a, vê-a de maneira crítica. Seu texto
não parafraseia o texto de Gonçalves Dias,
mas instaura uma visão oposta à dele,
estabelece uma polêmica com ele.
17
Essas diferenças manifestam-se a
partir da constituição do espaço do exílio.
Em Gonçalves Dias, a terra do exílio,
espaço desvalorizado, é um país
estrangeiro; em Murilo, o exílio é sua
própria terra, desnaturada a ponto de
parecer estrangeira (v. 10-11).
18
O texto e suas relações com a
história
Você já viu que todo texto é um
pronunciamento sobre uma dada realidade.
Ao fazer esse pronunciamento, o
produtor do texto trabalha com as ideias de
seu tempo e da sociedade em que vive.
Com efeito, as concepções, as ideias,
as crenças, os valores não são tirados do
nada, mas surgem das condições de
existência.
19
As concepções racistas, por exemplo,
aparecem numa época em que certos países,
necessitando de mão de obra, iniciam a
escravização de negros. A ideia de que certas
raças são inferiores a outras não é uma
maldade dos brancos, mas uma justificativa
apaziguadora da consciência dos senhores
de escravos. Essas concepções ganham um
impulso maior quando os países europeus,
precisando de matérias-primas, iniciam o
processo de colonização da África e da Ásia.
A colonização é, assim, justificada por um
belo ideal: expandir a civilização.
20
Todo texto assimila as ideias da
sociedade e da época em que foi produzido.
Porém, quando se afirma que os textos
se relacionam com a história, não se quer
dizer que eles narram fatos históricos de um
país, mas que revelam os ideais, as
concepções, os anseios e os temores de um
povo numa determinada época.
Por outro lado, uma sociedade não
produz uma única forma de ver a realidade.
Como ela é dividida pelos interesses
antagônicos dos diferentes grupos sociais,
produz ideias contrárias entre si. A mesma
sociedade que gera as ideias racistas produz
ideias antirracistas.
21
Por isso constroem-se nessa
sociedade
textos
que
fazem
pronunciamentos antagônicos com relação
aos mesmos dados da realidade.
Para entender com mais eficácia o
sentido de um texto, é preciso verificar as
concepções correntes na época e na
sociedade em que foi produzido.
22
TEXTO COMENTADO
Conto de mistério
Stanislaw Ponte Preta
Com a gola do paletó levantada e a aba do
chapéu abaixada, caminhando pelos cantos
escuros, era quase impossível a qualquer
pessoa que cruzasse com ele ver seu rosto.
No local combinado, parou e fez o sinal que
tinham já estipulado à guisa de senha. Parou
debaixo do poste, acendeu um cigarro e
soltou a fumaça em três baforadas
compassadas. Imediatamente um sujeito
mal-encarado, que se encontrava no café em
frente, ajeitou a gravata e cuspiu de banda.
23
Era aquele. Atravessou cautelosamente
a rua, entrou no café e pediu um guaraná. O
outro sorriu e se aproximou: "Siga-me!"— foi
a ordem dada com voz cava. Deu apenas um
gole no guaraná e saiu. O outro entrou num
beco úmido e mal-iluminado e ele — a uma
distância de uns dez a doze passos — entrou
também.
Ali parecia não haver ninguém. O
silêncio era sepulcral. Mas o homem que ia
na frente olhou em volta, certificou-se de que
não havia ninguém de tocaia e bateu numa
janela. Logo uma dobradiça gemeu e a porta
abriu-se discretamente.
24
Entraram os dois e deram numa
sala pequena e enfumaçada onde, no centro,
via-se uma mesa cheia de pequenos pacotes.
Por trás dela um sujeito de barba crescida,
roupas humildes e ar de agricultor parecia ter
medo do que ia fazer. Não hesitou — porém
— quando o homem que entrara na frente
apontou para o que entrara em seguida e
disse: "É este".
O que estava por trás da mesa pegou
um dos pacotes e entregou ao que falara.
Este passou o pacote para o outro e
perguntou se trouxera o dinheiro. (...)
25
Saiu então sozinho, caminhando rente
às paredes do beco. Quando alcançou uma
rua mais clara, assoviou para um táxi que
passava e mandou tocar a toda pressa para
determinado
endereço.
O
motorista
obedeceu e, meia hora depois, entrava em
casa a berrar para a mulher:
— Julieta! Ó Julieta...consegui.
A mulher veio lá de dentro enxugando
as mãos em um avental, a sorrir de felicidade.
O marido colocou o pacote sobre a mesa,
num ar triunfal. Ela abriu o pacote e verificou
que o marido conseguira mesmo. Ali estava:
um quilo de feijão. Dois amigos e um chato apud MAIA,
Português, 2000
26
Quase sempre, como vimos, para
compreendermos melhor um texto
precisamos contextualizá-lo. Isto é,
relacioná-lo com a época, o lugar e a
situação em que foi escrito.
O final do conto pode parecer
absurdo. Refere-se a um momento
histórico brasileiro de grande inflação, falta
de produtos básicos, racionamento de
carne, gasolina etc.
Quando foi escrito, nos anos 60, não
parecia absurdo. Estava carregado de
ironia.
27
Exercícios
sampa
alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a ipiranga e a avenida são
[ joão
é que quando eu cheguei por aqui eu nada
[ entendi
da dura poesia concreta de tuas esquinas
da deselegância discreta de tuas meninas
ainda não havia para mim rita lee
a tua mais completa tradução
alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruza a ipiranga e a avenida são
[ joão
(continua)
28
quando eu te encarei frente a frente não vi o
[ meu rosto
chamei de mau gosto o que vi de mau gosto o
[ mau gosto
é que narciso acha feio o que não é espelho
e à mente apavora o que ainda não é mesmo
[ velho
nada do que não era antes quando não somos
[mutantes
e foste um difícil começo afasto o que não
[ conheço
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende depressa a chamar-te de realidade
(continua)
29
porque és o avesso do avesso do avesso do
[ avesso
do povo oprimido nas filas nas vilas favelas
da força da grana que ergue e destrói coisas
[ belas
da feia fumaça que sobe apagando as estrelas
eu vejo surgir teus poetas de campos e
[ espaços
tuas oficinas de florestas teus deuses da chuva
panaméricas de áfricas utópicas túmulo do
[samba mais possível novo quilombo de zumbi
e os novos baianos passeiam na tua garoa
e os novos baianos te podem curtir numa boa
Veloso, Caetano. Caetano Veloso. Sei. de textos por Paulo Franchetti e
Alcyr Pécora. São Paulo. Abril Educação, 1981. p. 79-80 (Literatura
Comentada).
30
Questão 1
Sampa refere-se à cidade de São Paulo.
O texto relaciona lugares de São Paulo, bem
como poetas, músicos e movimentos
culturais que agitavam essa cidade na época
em que foi escrito. Lendo o texto, veja se
consegue identificar três dessas referências.
31
Questão 2
A mitologia grega apresenta o mito de
Narciso. Conta a narrativa mítica que
Narciso, rapaz dotado de grande beleza, um
dia, ao curvar-se sobre as águas cristalinas
de uma fonte, para matar a sede, viu sua
imagem refletida no espelho d'água e
apaixonou-se por ela.
Suas
tentativas
frustradas
de
aproximar-se dessa bela imagem levaram-no
ao desespero e à morte. Transformou-se
então na flor que tem o seu nome. Freud,
32
ao estudar esse mito, considera-o uma
explicação da existência de personalidades
que só amam a própria imagem.
a) Indique uma passagem do texto que faz
referência ao mito de Narciso.
b) Qual é o sentido dessa passagem,
tomando como referência o mito de
Narciso?
33
Questão 3
É um clichê muito difundido a
afirmação de que São Paulo, ao contrário
do Rio, nunca produziu samba. Indique a
passagem do texto em que se faz alusão a
isso.
34
Questão 4
Todas as coisas têm um avesso e um
direito. O poeta considera a realidade o
avesso do sonho ("e quem vem de outro
sonho feliz de cidade / aprende depressa a
chamar-te de realidade"). Pode-se dizer que
o poeta julga que em São Paulo não há
lugar para o sonho, a poesia?
35
Questão 5
O quilombo de Palmares, um dos
maiores redutos de escravos foragidos do
Brasil colonial, estava organizado como um
verdadeiro Estado, sob a chefia de GangaZumba. Quando começaram as lutas para
destruir o quilombo, os negros, liderados por
Zumbi, resistiram aguerridamente. Que significa a passagem "mais possível novo
quilombo de zumbi"?
36
Questão 6
Há no texto uma referência a uma
particularidade climática de São Paulo, que
serviu durante muito tempo de designativo
da cidade. Qual é ela?
37
Questão 7
O sentido global construído pelo poema
autoriza concluir que:
(a) São Paulo não inspira amor à primeira
vista, mas aos poucos começa-se a perceber
seus encantos e termina-se por gostar dela.
(b) São Paulo é uma cidade feia, que inspira
aversão.
(c) São Paulo é uma cidade que inspira amor à
primeira vista.
(d) São Paulo deixa as pessoas indiferentes,
não inspira amor nem aversão.
(e) São Paulo inspira ao mesmo tempo ódio e
amor.
38
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