antologia poética murilo mendes organização e posfácios Júlio Castañon Guimarães Murilo Marcondes de Moura coleção murilo mendes [coordenação] Júlio Castañon Guimarães Milton Ohata Murilo Marcondes de Moura ANTO LOGI APOÉ TICA 3 poemas canção do exílio 8 cartão-postal 9 noturno resumido 10 biografia do músico 11 família russa no brasil 12 a sesta 13 modinha do empregado de banco 14 cantiga de malazarte 15 panorama 16 os dois lados 17 glória de cícero dias 18 imparcialidade 19 sonata sem luar, quase uma fantasia 20 o mundo inimigo 22 corte transversal do poema 23 mapa 24 bumba-meu-poeta 27 história do brasil 1500 34 força do aleijadinho 36 elegia do dia 16 37 1930 39 o visionário formas alternadas 42 jandira 43 pré-história 46 a palavra lisol 47 metade pássaro 48 tédio na varanda 49 novíssimo prometeu 50 alta tensão 51 tempo e eternidade novíssimo job 54 a morta viva 56 poema essencialista 57 o sinal de deus ruth 60 a tempestade 61 os quatro elementos reflexão nº. 1 64 mozart 65 manhã 66 oito horas 67 botafogo 68 o utopista 69 a poesia em pânico segunda natureza 72 metafísica da moda feminina 73 o amor sem consolo 75 igreja mulher 77 meu duplo 78 as metamorfoses o emigrante 82 pastoral 83 o visionário 84 o rito geral 85 a marcha da história 86 estudo nº. 6 87 os amantes submarinos 88 a inicial 89 pastor pianista 90 1941 91 abismo 92 maria helena vieira da silva 93 o nascimento do mito 94 o convidado de pedra 95 novíssimo orfeu 96 mundo enigma harpa-sofá 98 memória 99 natureza 100 ana luísa 101 lamentação 102 poema barroco 103 poesia liberdade poema da tarde 106 a ceia sinistra 107 vermeer de delft 109 ofício humano 110 tempos duros 111 poema dialético 112 entrada no sanatório 114 elegia nova 115 choques 116 o túnel do século 117 algo 118 aproximação do terror 119 ideias rosas 121 janela do caos 122 sonetos brancos o espelho 128 meditação da noite 129 o filho pródigo 130 ouro preto 131 mulher dormindo 132 contemplação de ouro preto romance das igrejas de minas 134 flores de ouro preto 144 capela do padre faria 146 montanhas de ouro preto 148 são francisco de assis de ouro preto 149 crucifixo de ouro preto 150 acalanto de ouro preto 151 parábola indicação 158 descanto 159 coisas 160 exegese 161 iniciação 162 quem 163 a pulga 164 despedida de orfeu 165 infinito íntimo sexta meditação 168 quatro textos evangélicos judas iscariotes 170 siciliana atmosfera siciliana 178 as ruínas de selinunte 179 meditação de agrigento 180 elegia de taormina 181 tempo espanhol numancia 184 aos poetas antigos espanhóis 185 aos pintores antigos da catalunha 186 jorge manrique 187 ávila 188 são joão da cruz 189 o dia do escorial 190 toledo 191 o sol de granada 194 o chofer de barcelona 195 joan miró 197 convergência exergo 200 grafito num muro de roma 201 grafito numa cadeira 203 grafito para paolo uccello 204 grafito para casimir malevitch 206 murilograma a n. s. j. c. 207 murilograma a baudelaire 209 murilograma para mallarmé 212 murilograma para maria da saudade 213 murilograma a joão cabral de melo neto 215 murilograma a debussy 218 texto de informação 220 metamorfoses (6) 222 palavras inventadas (em forma de tandem) 223 dido 224 texto de consulta 226 ipotesi qualcuno 232 il viaggio 233 ipotesi 234 ritorno 235 il quadro 236 lawrence ferlinghetti 238 hans magnus enzensberger 239 lisbona 240 papiers paysage 244 salut a arpad szenes 245 toast 246 A poesia e o nosso tempo Murilo Mendes 248 Caderno de imagens Sobre esta antologia 257 Posfácios Murilo Marcondes de Moura 262 Júlio Castañon Guimarães 273 Indicações de leitura 280 Sobre o autor 282 Bibliografia do autor 283 índice de primeiros versos 285 poemas canção do exílio Minha terra tem macieiras da Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza. Os poetas da minha terra são pretos que vivem em torres de ametista, os sargentos do exército são monistas, cubistas, os filósofos são polacos vendendo a prestações. A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos. Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda. Eu morro sufocado em terra estrangeira. Nossas flores são mais bonitas nossas frutas mais gostosas mas custam cem mil réis a dúzia. Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade e ouvir um sabiá com certidão de idade! 8 poemas cartão-postal Domingo no jardim público pensativo. Consciências corando ao sol nos bancos, bebês arquivados em carrinhos alemães esperam pacientemente o dia em que poderão ler o Guarani. Passam braços e seios com um jeitão que se Lenine visse não fazia o Soviete. Marinheiros americanos bêbedos fazem pipi na estátua de Barroso, portugueses de bigode e corrente de relógio abocanham mulatas. O sol afunda-se no ocaso como a cabeça daquela menina sardenta na almofada de ramagens bordada por Dona Cocota Pereira. 9 noturno resumido A noite suspende na bruta mão que trabalhou no circo das idades anteriores as casas que o pessoal dorme comportadinho atravessado na cama comprada no turco a prestações. A lua e os manifestos de arte moderna brigam no poema em branco. A vizinha sestrosa da janela em frente tem na vida um camarada que se atirou dum quinto andar. Todos têm a vidinha deles. As namoradas não namoram mais porque nós agora somos civilizados, andamos no automóvel gostoso pensando no cubismo. A noite é uma soma de sambas que eu ando ouvindo há muitos anos. O tinteiro caindo me suja os dedos e me aborrece tanto não posso escrever a obra-prima que todos esperam do meu talento. 10 poemas biografia do músico O guri nasceu no morro aniquilado de sambas bebeu leite condensado soltou papagaio de tarde aprendeu o nome de todos os donatários de capitania esgotou os criouléus da Cidade Nova bocejou anos e anos no Conservatório não tirou medalha de ouro coitado porque não tinha pistolão mais um astro que desponta no horizonte da arte nacional botou sapato camuflagem terno de xadrez casou com a filha do vendeiro da esquina que parecia com Carlos Gomes fez diversas músicas imitando o gorjeio dos pássaros morreu vítima de pertinaz moléstia que zombou dos recursos da ciência ao enterro compareceram pessoas de destaque citando palmas com sentidas dedicatórias chegando no céu os anjinhos de calça larga e gravata-borboleta deram um concerto de ocarina onde figurava a oitava nota e ele desmaiou de comoção. 11 família russa no brasil O Soviete deu nisto, seu Naum largou de Odessa numa chispada, abriu vendinha em Botafogo, logo no bairro chique. Veio com a mulher e duas filhas, uma delas é boa posta de carne, a outra é garotinha mas já promete. No fim de um ano seu Naum progrediu, já sabe que tem Rui Barbosa, Mangue, Lampião. Joga no bicho todo o dia, está ajuntando pro carnaval, depois do almoço anda às turras com a mulher. As filhas dele instalaram-se na vida nacional. Sabem dançar o maxixe conversam com os sargentos em bom brasileiro. Chega de tarde a aguardente acabou, os fregueses somem, seu Naum cai na moleza. Nos sábados todo janota ele vai pro criouléu. Seu Naum inda é capaz de chegar a senador. 12 poemas a sesta O sol bate em chapa nas casas antigas. O mar embalança, rede mole sem corpo de mulata, verde azul lilás verde outra vez. As praias espreguiçam-se malandras, é a hora das linhas repousantes. A buzina distante dum automóvel chega até aqui com um som de lundu. Um mulatinho magro com o desenho certo chupa um pirolito devagarinho. Dentro das casas pensativas as meninas caem na madorna. A música das serrarias aumenta a sonolência… Os comerciantes torcem pra nenhum freguês entrar. 13 modinha do empregado de banco Eu sou triste como um prático de farmácia, sou quase tão triste como um homem que usa costeletas. Passo o dia inteiro pensando nuns carinhos de mulher mas só ouço o tectec das máquinas de escrever. Lá fora chove e a estátua de Floriano fica linda. Quantas meninas pela vida afora! E eu alinhando no papel as fortunas dos outros. Se eu tivesse estes contos punha a andar a roda da imaginação nos caminhos do mundo. E os fregueses do Banco que não fazem nada com estes contos! Chocam outros contos pra não fazerem nada com eles. Também se o Diretor tivesse a minha imaginação O Banco já não existiria mais e eu estaria noutro lugar. 14 poemas cantiga de malazarte Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo, ando debaixo da pele e sacudo os sonhos. Não desprezo nada que tenha visto, todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola. Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos, destelho as casas penduradas na terra, tiro o cheiro dos corpos das meninas sonhando. Desloco as consciências, a rua estala com os meus passos, e ando nos quatro cantos da vida. Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido, não posso amar ninguém porque sou o amor, tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos e a pedir desculpas ao mendigo. Sou o espírito que assiste à Criação e que bole em todas as almas que encontra. Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo nada me fixa nos caminhos do mundo. 15 panorama Uma forma elástica sacode as asas no espaço e me infiltra a preguiça, o amor ao sonho. Num recanto da terra uma mulher loura enforca-se e vem no jornal. Uma menina de peito largo e ancas finas sai do fundo do mar, sai daquele navio que afundou e vira uma sereia. A filha mais moça do vizinho lá está estendida no caixão na sala de visita com paisagem, um cheiro enjoado de angélica e meus sentidos pêsames. Tudo está no seu lugar minha namorada está sozinha na janela o sonho está dormindo na cabeça do homem o homem está andando na cabeça de Deus, minha mãe está no céu em êxtase, eu estou no meu corpo. 16 poemas os dois lados Deste lado tem meu corpo tem o sonho tem a minha namorada na janela tem as ruas gritando de luzes e movimentos tem meu amor tão lento tem o mundo batendo na minha memória tem o caminho pro trabalho. Do outro lado tem outras vidas vivendo da minha vida tem pensamentos sérios me esperando na sala de visitas tem minha noiva definitiva me esperando com flores na mão, tem a morte, as colunas da ordem e da desordem. 17 glória de cícero dias O homem chega no céu que os olhos dele acham a arquitetura muito equilibrada. Traz ainda a lembrança da gente obscura da terra. Os grandes querubins segurando estrelas na mão não conseguem convencê-lo completamente. Ele procura nos recantos da morada celeste os poetas anônimos jejuadores dançarinas de café barato quitandeiros assassinos pobretões. Anjinhos comportados de cabelo rente abrem sanfonas enormes que ele se baba de gozo. Uma banda de músicos toda pachola acolhe-o com dobrados que aumentam o ar de festa. Meninas convencidas apresentam buquês de flores que formam a palavra Amor. O poeta entra na glória definitiva enquanto os anjinhos gritam batendo palmas com emoção: Meu padrinho! Meu padrinho! 18 poemas © Cosac Naify, 2014 © Herdeiros de Murilo Mendes, 2014 estabelecimento de texto Júlio Castañon Guimarães e Murilo Marcondes de Moura coordenação editorial Milton Ohata preparação Livia Lima revisão Débora Donadel, Fabiano Calixto projeto gráfico Gabriela Castro, Paulo André Chagas reproduções fotográficas Aline Macedo tratamento de imagens Wagner Fernandes produção gráfica Aline Valli e Mariana Tavares Geraldo agradecimentos Lucia Riff, Augusto Massi, Gracita Garcia Bueno, Laura Liuzzi e Francisco Alvim. Ao Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, à diretora Nícea Nogueira, aos funcionários Lucilha Magalhães, Paulo Alvarez e Valtencir Almeida. À Universidade Federal de Juiz de Fora, na pessoa dos professores Henrique Duque de Miranda Chaves Filho, Gerson Esteves Guedes e Antenor Salzer Rodrigues. Nesta edição, respeitou-se o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Dados internacionais de catalogação na Publicação (cip) Mendes, Murilo [1901-75] Antologia poética: Murilo Mendes Organização, estabelecimento de texto e posfácios: Júlio Castañon Guimarães e Murilo Marcondes de Moura São Paulo: Cosac Naify, 2014 isbn [ed. especial] 978-85-405-0795-1; 288 pp. + 32 pp., 41 ils. isbn 978-85-405-0762-3; 288 pp. + 16 pp., 19 ils. 1. Poesia brasileira i. Guimarães, Júlio Castañon, ii. Moura, Murilo Marcondes de 869.82-1 (81) cdd 869.91 Índices para catálogo sistemático: i. Poesia: Literatura brasileira: 869.91 cosac naify rua General Jardim, 770, 2º. andar 01223-010 São Paulo sp cosacnaify.com.br [55 11] 3218 1444 atendimento ao professor [55 11] 3823 6560 [email protected] fontes Romain, Tungsten papel Pólen soft 80 g/m² impressão Geográfica