Angélica Rosa A vida profissional de Anna começou em 1914, quando iniciou sua formação para o magistério primário. Embora curta, sua carreira nessa área foi de extrema importância, por ter servido de base para o trabalho pioneiro que iria desenvolver no campo da psicologia infantil. Quando, em 1918, começou sua formação psicanalítica, tendo por analista seu pai, era uma jovem insatisfeita com a profissão e consigo mesma. Analisar a própria filha era uma conduta inusitada, já que o terapeuta deveria ser neutro e objetivo. Este fato chocou os colegas de Sigmund Freud, pois, de acordo a suas próprias teorias, o “pai-analista-da-filha” não podia ser objetivo. Como se sabe, para a psicanálise, a teoria do interesse sexual de uma criança pelo genitor do sexo oposto é considerada ocorrência normal. Mas, quando em 1922, Anna publicou sua primeira tese: Lutando contra fantasias e sonhos diários, seus colegas começam a levá-la a sério. No ano seguinte, assume oficialmente as responsabilidades de secretária e representante do pai, além de secretariar o recém-criado Instituto de Formação Psicanalítica de Viena. Começou, também, a clinicar em psicoterapia, numa época em que as teorias de Freud ainda provocavam uma forte oposição entre médicos e psicólogos mais acadêmicos e conservadores. Em 1925, começa a trabalhar com Dorothy Burlingham em creches especiais para crianças com problemas emocionais. À medida que Anna analisava um número crescente de crianças, ficou patente que sua técnica de terapia infantil era diferente da que o pai usava com adultos. Isto muito o agradou. Ela recorria a técnicas muito diferenciadas, refutando a análise paterna do “Pequeno Hans”. Sigmund Freud dizia que os “sintomas nos dão a orientação e a segurança ao fazer os diagnósticos”. Mas, como observava Anna, os sintomas infantis não são iguais aos dos adultos. Em 1927 publicou Introdução à Técnica da Análise da Criança. Começava a se opor a Melanie Klein, líder da escola inglesa, dizendo acreditar que a terapia das crianças devia ser mantida dentro de uma dinâmica “pedagógica”. Seu trabalho mais notável foi O Ego e os Mecanismos de Defesa, publicado em 1936. Foi nessa obra que sua visão da psicanálise infantil começa a caminhar para a adolescência. Esse livro tinha três propósitos. Primeiro, analisar e rever, de forma geral, as descobertas técnicas e teóricas que ensinavam os psicanalistas a dar igual consideração clínica ao id, ao ego e ao superego. Em segundo lugar, rever os mecanismos que seu pai isolara e descrevera, elaborando-os e os resumindo. Por último, incorporar os mecanismos de defesa à experiência que acumulara, até então. Ela consegue terminar o livro a tempo de apresentá-lo ao pai, em seu 80º aniversário. Nesse livro Anna expõe sua teoria dizendo que o foco da psicanálise não deveria ser os conflitos do inconsciente, mas sim a pesquisa do ego, também chamado de “sede de observação”. Na psicanálise, o ego é a parte do aparelho psíquico que está em contato com a realidade externa. Serve de mediador entre os impulsos instintivos e a realidade. No livro, Anna elaborou sobre uma variedade de mecanismos de defesa psicológicos, sendo, os principais, repressão, negação, racionalização, comportamento reacionário, isolamento, projeção, regressão e sublimação. Estes permitem ao ego eliminar a ansiedade e habilitam o funcionamento psicológico original do indivíduo. Sem dúvida, esta obra foi uma contribuição pioneira no campo da psicologia do ego e de grande utilidade para a compreensão mais profunda do adolescente. Para Anna, as crianças sempre foram sua razão de ser. Ela desenvolveu o modelo de estudo sistemáti-co de sua vida emocional e mental. Em 1947, fundou em Londres a Clínica de Terapia Infantil Hampshead, importante centro de pesquisas e treinamento para psicanalistas, dirigindo-a até sua morte. Lá, logo começou a trabalhar no berçário de Hampshead, como psicanalista de crianças. Durante a 2ª Guerra Mundial, Anna Freud e sua colega, Dorothy Burlingham, escreveram três livros baseados em seu trabalho nos berçários, que consideravam verdadeiro laboratório para o desenvolvimento infantil. Na realidade, era um abrigo para 80 crianças, a maioria separadas dos pais, que haviam perdido casas e pertences nos bombardeios nazistas. Os três livros eram “Jovens em tempo de guerra” (1942), “Crianças sem família” (1943) e “Guerra e crianças” (1943). As duas colegas descreveram o tratamento adequado para crianças separadas de suas famílias e submetidas às condições estressantes da guerra. Em 1943, Anna Freud fundou a famosa “Clínica Hampshead”, na GrãGretanha, onde planejava estudar o efeito da guerra sobre as crianças. Foi pioneira no diagnóstico do desenvolvimento da criança sob estresse, que acarreta distúrbios mentais. Anna visava adaptar a criança à realidade, mas não necessariamente como uma revelação do conflito inconsciente. Trabalhava junto aos pais e acreditava que a terapia devia ter uma influência educacional positiva na criança. Em 1951, fecharam-se os berçários de Hampshead. Dois anos mais tarde, Anna fundou a “Terapia Infantil de Hampshead”, que se tornou o maior centro do mundo para tratamento psicanalítico infantil, mudando e talvez salvando a vida de inúmeros jovens problemáticos, com distúrbios mentais. Treinou muitos profissionais competentes em terapia infantil e teve muita notoriedade e influência na psiquiatria, de modo geral. Muitos colegas a consideravam a sucessora do pai; psicanalistas americanos a elegeram “a maior, em expe-riência clínica, de seu tempo”. Anna Freud questionava velhas teorias que se baseavam na noção de que o desenvolvimento saudável de uma criança dependia de uma rígida disciplina. Através das ferramentas da psicanálise, tratava as neuroses infantis interpretando seus sonhos e suas brincadeiras. Seu livro, “Normality and Pathology in Children” (Normalidade e Patologia nas Crianças), de 1965, é um resumo abrangente de seu pensamento, estudo e método de tratamento. Sua contribuição à terapia e à psicologia infantil foi, sem sombra de dúvida, imensa. Ela demonstrou quão válidas eram as reconstruções que seu pai fizera sobre o desenvolvimento e a patologia infantil, através de suas sessões de análise, mas foi muito além disso. Acrescentou muito ao que já se sabia, através da observação direta das crianças. Anna influenciou muito a atenção futura que seria dada a estas, principalmente à criança e ao adolescente institucionalizados, separados de seus pais e desprovidos de laços afetivos. Não gostava de publicidade, recusando vários convites para ser entrevistada. Seu maior receio era que talvez pudessem afetar seus pacientes e interferir em seu tratamento. Seu trabalho vinha em primeiro lugar e sua dedicação a este era absoluta. Anna Freud teve um papel revolucionário na psicologia infantil, tanto quanto seu pai o teve na de adultos. Foi condecorada com um certificado de honra pela Universidade Hebraica de Jerusalém, no “Bedford College”, em 14 de julho de 1976.