As alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro – uma leitura perfunctória André Lamas Leite Assistente da FDUP Maio de 2013 [email protected] 2 Sumário I) PARTE GERAL 1. Enquadramento da reforma no “Programa do Governo” 2. Procedimento legislativo 3. Objetivos centrais 3 Sumário II) PARTE ESPECIAL 4. Aplicação da lei no tempo 5. As regras de competência e impedimentos dos juízes 6. Os direitos e deveres processuais do arguido. Obrigatoriedade de assistência por defensor. O primeiro interrogatório judicial de arguido detido e outros interrogatórios 7. Da forma, do tempo e da comunicação dos atos e da sua documentação 4 Sumário 8. A prova pericial: sob o signo da rapidez 9. As medidas de coação processual: entre a simplificação e a reabertura de uma vexata quæstio 10. Afloramentos de oportunidade e consenso nos ditos shoplifters 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência, em especial do arguido: desafios ao princípio do nemo tenetur? 12. Nulidade da sentença 5 Sumário 13. Um (novo) processo sumário: a inexistência de limitação, como regra, da sua utilização; problemas de tramitação; o exercício do direito de defesa; o reenvio para a forma processual comum 14. Os recursos 6 As alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro I) PARTE GERAL 7 1. Programa do XIX Governo Constitucional (…) agilizar os sistemas processuais. (…) as reformas a introduzir serão objeto de participação, de ampla divulgação e de debate público e transparente. Revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal no sentido de ampliar e efetivar a aplicação do processo sumário quando se trate de detidos em flagrante delito, e ampliar a aplicação de prisão preventiva nos crimes com penas superiores a três anos. 8 2. Procedimento legislativo Proposta de lei 77/XII (entrada: 21/6/2012) Aprovação na generalidade: 13/7/2012 Aprovação na especialidade: 27/12/2012 Votação final global: 11/1/2013 Promulgação e referenda: 13/2/2013 Publicação em DR: 21/2/2013 Projeto de Lei 266/XII/1 (PCP): obrigatoriedade de assistência do arguido por defensor no inquérito e garantia de maior celeridade no julgamento dos delitos de menor gravidade 9 2. Procedimento legislativo 1.ª retificação: Declaração de Retificação n.º 16/2013, de 22/3 2.ª retificação: Declaração de Retificação n.º 21/2013, de 19/4 10 3. Objetivos centrais a) Celeridade processual: ex. prova pericial, processo sumário, art. 340.º; Necessidade da celeridade e eficácia no combate ao crime e defesa da sociedade e (…) garantia dos direitos de defesa do arguido b) Reforço das garantias de defesa do arguido: ex. alargamento da assistência por defensor; c) Utilização de novos meios técnicos e tecnológicos: ex. documentação de atos processuais; 11 3. Objetivos centrais d) Reforço da autorresponsabilidade do arguido e das suas declarações em inquérito: ex. leitura permitida em audiência; e) Clarificação de dissensos doutrinais e jurisprudenciais em várias matérias: ex. recursos. Os desenvolvimentos jurisprudenciais do STJ e a disparidade de decisões sobre a admissibilidade de recurso para esse Supremo Tribunal determinam que se aclarem alguns traços deste regime 12 As alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro II) PARTE ESPECIAL 13 4. Aplicação da lei no tempo Entrada em vigor: 23 de março de 2013 (art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 20/2013) Aos processos pendentes à data de 23/3/2013 em que o arguido já tenha sido interrogado continua a aplicar-se o regime anterior a este em matéria de leitura permitida de declarações do arguido (art. 4.º, n.º 2, da Lei) – aplicação do art. 5.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPP 14 4. Aplicação da lei no tempo Problema: E se em 23/3/2013 estivermos perante coarguição e um (ou mais) dos arguidos já tiver sido interrogado e o outro (ou outros) não? Interpretação extensiva do art. 4.º, n.º 2 Caso contrário, no mesmo processo, teríamos dois regimes muito diversos e incompatíveis, com problemas em sede de corroboração Basta que pelo menos um dos arguidos tenha já sido interrogado antes de 23/3/2013 para se aplicar o regime anterior aos demais Fundamento legal: art. 5.º, n.º 2, al. a), sobretudo, mas também a al. b), do CPP 15 5. As regras de competência e impedimentos dos juízes Art. 40.º (impedimento por participação em processo) Só há impedimento quando o juiz tenha proferido ou participado em decisão de recurso em que se tenha entrado na apreciação do mérito do objeto processual, o mesmo sucedendo com a decisão instrutória, a decisão de aplicar MCP de proibição e imposição de condutas, OPH e prisão preventiva, ou pedido de revisão Conteúdo em detrimento da forma Menos exigente do que, p. ex., o § 23 da StPO 16 5. As regras de competência e impedimentos dos juízes Dificuldades: Distinção entre decisão de mérito e de pura forma (não abrange todos os pressupostos processuais; prescrição do procedimento criminal, extinção do direito de queixa) Antecipação de algumas pré-compreensões dos juízes face ao caso concreto? 17 6. Os direitos e deveres processuais do arguido Art. 61.º (direitos e deveres processuais) Deixa de ser obrigatório responder sobre os antecedentes criminais Idem nos artigos 141.º, n.º 1 e 342.º, n.º 1 Vantagens: Reforço da posição processual do arguido: não é, ele mesmo, como regra, meio de prova Acusatório Disponibilização do CRC, como regra, às entidades judiciárias e policiais 18 6. Os direitos e deveres processuais do arguido Críticas: ASJP: Dificuldades práticas na obtenção do CRC, em tempo útil, especialmente nos casos do art. 141.º Mesmo quando há acesso, muitos dos crimes mais recentes não estão inscritos Limitação dos poderes de cognição do JIC, com eventuais perdas em sede de MCP (art. 204.º) Alguma responsabilização do arguido «Praxe judiciária» de não perseguição criminal em hipóteses de não indicação de todos os antecedentes 19 6. Os direitos e deveres processuais do arguido Art. 64.º (obrigatoriedade de assistência) Nos interrogatórios judiciais feitos por autoridade judiciária – juiz, JIC, MP – [antes: só interrogatórios de arguido detido ou preso] No debate instrutório e na audiência de julgamento, sempre [antes: não era obrigatória se não estivesse em causa prisão ou MS de internamento] Reforço das garantias de defesa do arguido (art. 32.º, n.º 1, CRP) OA: também nas hipóteses de interrogatórios por OPC a arguido em liberdade 20 7. Da forma, do tempo e da comunicação dos atos e da sua documentação Art. 99.º (auto) Registo áudio ou audiovisual: ligação à utilização das declarações do 21 arguido em julgamento Art. 101.º (registo e transcrição) Clarificação quanto à gravação áudio ou audiovisual da tomada de declarações e decisões verbais [embora já não fosse novo] Esse registo dispensa a transcrição, como regra Entrega, com respeito pelo segredo de justiça, de cópia aos sujeitos processuais, no prazo máximo de 48 h [em parte, já existia] Aplicáveis aos artigos 141.º e 364.º (audiência de julgamento) 7. Da forma, do tempo e da comunicação dos atos e da sua documentação Art. 113.º (regras gerais sobre notificações) N.º 5: arquivamento de inquérito contra pessoa indeterminada – sujeitos processuais notificados por via postal simples sem prova de depósito (notificação: 5.º dia útil posterior à expedição) Crítica: controlo do prazo para eventual intervenção hierárquica O denunciante com a faculdade de se constituir assistente, o assistente e as partes civis são notificados por via postal simples para o domicílio indicado nos autos (art. 145.º, n.ºs 5 e 6) 22 8. A prova pericial Exposição de motivos da proposta de lei: Regras que impõem a delimitação do objeto da perícia, formulação de quesitos e obrigação de transmissão de toda a informação relevante, bem como a sua atualização superveniente Art. 154.º (despacho que ordena a perícia) Introduz-se a formulação de quesitos e a indicação do laboratório ou instituição Obrigação de comunicar toda a informação relevante à perícia e alterações supervenientes, com aditamento de quesitos 23 8. A prova pericial Art. 156.º (procedimento) Acesso direto aos autos pelos peritos e não já direito a que os elementos lhes sejam «mostrados» Se não houve formulação de quesitos ou faltar outra informação, os peritos são obrigados a requerê-los, com resposta num máximo de 5 dias Questão essencial: Haverá vantagem real na formulação de quesitos? São estas as alterações aptas a introduzir mais celeridade? 24 8. A prova pericial A redação anterior era próxima do § 80 da StPO No direito alemão, o juiz dispõe de mais amplos poderes de configuração da função dos peritos (§ 78 da StPO) 25 9. As medidas de coação processual Exposição de motivos da proposta de lei: Art. 204.º, als. a) e c) Natureza pública das finalidades visadas O MP não detém uma posição de monopólio quanto à ponderação desses valores e necessidade da sua proteção, mas é a autoridade mais bem posicionada para avaliar da repercussão que as medidas de coação podem provocar nestas situações [art. 204.º, al. b)] Esta distinção permite que o juiz exerça efetivamente o seu papel de garante dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos 26 9. As medidas de coação processual Art. 194.º (despacho de aplicação e sua notificação) Princípio do pedido pelo MP em inquérito e obrigatoriedade de ser ouvido, em instrução, agora sob pena de nulidade (do art. 120.º [já assim se entendia]) Regime duplo: Fundamento da MCP – fuga ou perigo de fuga ou perigo de continuação da atividade criminosa ou perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas: o JIC deixa de estar vinculado ao pedido do MP, podendo aplicar MCP mais grave quanto à natureza, medida ou modalidade de execução 27 9. As medidas de coação processual Regime duplo: Fundamento da MCP – perigo de perturbação do inquérito (prova): o JIC está vinculado ao pedido, sob pena de nulidade do art. 120.º Instrução: pode sempre, pois o JIC é o respetivo dominus Investigação bicéfala? TIR (artigos 196.º e 214.º, n.º 1, al. e)): Extingue-se apenas com a extinção da pena e não com o trânsito em julgado Maior facilidade de localização do condenado 28 9. As medidas de coação processual Críticas: Retrocesso a (parte da) situação anterior à reforma de 2007 Perdas nas atribuições das duas magistraturas O regime anterior era adequado a um JIC como «juiz das liberdades»; ultrapassa-se o figurino tradicional deste magistrado (ASJP) Para o JIC decidir diferentemente do pedido, pode ter de se basear em factos que não constam do processo – regresso a um juiz que investiga em inquérito? Processo mais inquisitório? Onde está a acusatoriedade do modelo? 29 9. As medidas de coação processual Se problema de mera subsunção jurídica, o acusatório não está em perigo Nas hipóteses das als. a) e c) do art. 204.º também cabe ao MP elaborar a ponderação dos bens jurídicos em presença (art. 219.º da CRP) Contudo, a ASJP, por «congruência» com posição expendida em 2006, «não se opõe», mas adverte que «a comunidade não entende como pode o Estado mudar de opinião sobre coisas tão essenciais a cada meia dúzia de anos» 30 9. As medidas de coação processual Estranha coincidência de posições entre o CSM, o CSMP e a ASJP E se o MP discorda da MCP aplicada pelo JIC, diversa da que requereu? Recurso do art. 219.º E a celeridade processual? OA: inconstitucionalidade por violação do princípio do acusatório e do art. 219.º, n.º 1, da CRP 31 9. As medidas de coação processual Dúvidas: Basta ao MP invocar um perigo ou risco e o JIC escolhe a MCP, ou tem de invocar uma circunstância concreta? Uma facticidade concreta E se a MCP é pedida com fundamento nas 3 alíneas do art. 204.º? Pode o JIC ir para além do pedido do MP? Nada o impede 32 9. As medidas de coação processual Dúvidas: Se o MP apenas promove a aplicação de uma MCP com base na al. b), pode o JIC apreciar dos perigos das outras duas alíneas quando discordar do fundamento do MP? Parece ter sido intentio legislativa conceder tais poderes ao JIC, existindo aqui um seu poder conformador e um objeto processual “aberto” Menos garantismo? Pode só haver a valoração do JIC 33 Medidas de garantia processual Vinculação absoluta do JIC ao pedido do MP: não cabe ao primeiro acautelar os interesses pecuniários do Estado (embora a redação do art. 194.º, n.º 3 não seja a mais clara) Incorreto: Só é assim na caução económica do art. 227.º, n.º 1 e já não na Caução económica do n.º 2 do mesmo artigo e Parte das hipóteses do arresto preventivo (art. 228.º) 34 10. Afloramentos de oportunidade e consenso nos ditos shoplifters Furtos simples (art. 207.º, n.º 2, CP): Em estabelecimento comercial; Durante o período de abertura ao público; Subtração de coisas móveis de valor diminuto [art. 202.º, al. c), CP; 1 UC = 102 €]; Recuperação imediata das coisas furtadas e Desde que não haja comparticipação Possibilidade de suspensão provisória do processo, dispensando-se a concordância do assistente (art. 281.º, n.º 9) 35 10. Afloramentos de oportunidade e consenso nos ditos shoplifters Crime particular em sentido estrito (art. 207.º, n.º 2, CP) que, por isso, não admite detenção em flagrante delito, logo, não pode aplicar-se processo sumário (art. 255.º, n.º 4) Já pode ser julgado em sumário um duplo homicídio qualificado (por juiz singular)… Incentivo à não perseguição destes crimes: valores da taxa do art. 519.º (art. 8.º, n.º 1, RCP) e dos bens furtados Tratamento diferenciado das grandes superfícies: “recuperação imediata” (seguranças) 36 10. Afloramentos de oportunidade e consenso nos ditos shoplifters Direito alemão: AE-StGB: não prossecução criminal destes delitos Não prossecução do processo penal em caso de crimes de menor gravidade, desde que haja acordo do juiz e o grau de culpa seja diminuto (§ 153 da StPO) § 153a da StPO: correspondente ao nosso art. 281.º Propostas: Lei atuante de mediação penal (que não a vigente) A atual medida do art. 281.º, n.º 9 Maior aplicação de penas de substituição Recusa de uma cláusula geral de isenção de pena 37 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Exposição de motivos da proposta de lei: A situação anterior tem conduzido (…) a situações geradoras de indignação social e incompreensão dos cidadãos quanto ao sistema de justiça Verdadeira proibição de produção (Beweiserhebungsverbote) e de valoração da prova (Beweisverwertungsverbote) – proibição de prova dependente, apesar do silêncio da lei 38 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Do assistente, partes civis e testemunhas (art. 356.º, n.ºs 3 e 4): Prestadas perante autoridade judiciária – juiz, JIC ou MP – (e não só juiz) Avivamento da memória ou Contradições ou discrepâncias ou Esgotadas as diligências para apurar o paradeiro, não seja possível notificar para comparecer: norma perigosa, a exigir grande controlo dos autos pelos Advogados 39 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Do arguido (artigos 357.º e 141.º, n.º 4, al. b)): Prestadas perante autoridade judiciária (e não apenas juiz); Assistência pelo defensor e Advertência do art. 141.º, n.º 4, al. b) 40 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Consequências processuais: Não valem como confissão do art. 344.º (art. 357.º, n.º 2) Princípio do art. 127.º (art. 141.º, n.º 4, al. b)) Ainda: Apenas perante autoridade judiciária (afasta OPC de modo claro: art. 144.º, n.º 2) E delegação do MP em funcionários judiciais? A lei não é clara, mas a interpretação de “autoridade judiciária” (art. 357.º, n.º 1, al. b)) tem de ser estrita 41 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Ainda: No caso da delegação, estranhamente não se dá conhecimento dos elementos processuais que indiciam as imputações (afastamento da al. e), do n.º 4, do art. 141.º pelo 144.º, n.º 2): só pode ser lapso, sob pena de inconstitucionalidade (garantias de defesa do art. 32.º, n.º 1, da CRP) 42 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Críticas: Garantias de defesa do arguido com base no princípio da vinculação temática Reforço do inquérito em detrimento do julgamento? Novo locus gravitacional? Subversão do modelo acusatório do processo penal, constitucionalmente imposto (art. 32.º, n,º 5) Os seus traços fundamentais estão assegurados pelo regime; prior statements; jurisprudência do TEDH 43 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Mesmo sujeitas ao princípio do art. 127.º e excluídas do regime da confissão, na prática, os juízes tenderão a atribuir-lhe uma grande eficácia de valoração probatória Risco que existe em outros meios de prova Diferente margem de atuação do defensor em julgamento e em inquérito (menor): artigos 345.º, n.º 1, e 141.º, n.º 6 Não é clara a expressão «poderão ser utilizadas no processo» (ASJP) Não se vê como, porquanto existe verdadeira proibição de prova dependente se não observados os requisitos 44 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Previsivelmente, o arguido remeter-se-á ao silêncio desde o início; norma “emblemática” e que se arrisca a não funcionar na prática Estratégia processual Princípio da oralidade e da imediação Registo áudio e audiovisual Só perante um magistrado judicial, em fase de inquérito, está garantida a contraditoriedade? (AJP) As declarações em sede do art. 141.º podem ser sobre uma parcela dos factos: limitação dos direitos de defesa e reforço do arguido como meio de prova Se em audiência os factos já são diversos? 45 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Apenas se deve ter em conta as declarações do arguido em sede do art. 141.º que estejam contidas nos factos da acusação (ou da pronúncia, se existir) Só em audiência o arguido está na posse de todos os meios probatórios existentes contra ele: declarações do arguido mais como meio de prova que como meio de defesa Adequado entendimento do nemo tenetur se ipsum accusare? OA: inconstitucionalidade por violação do art. 32.º, n.º 1, CRP 46 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Em casos de coarguição, só se pode haver leitura se ocorrer contraditório Estrutura acusatória: a entidade que julga pode basear-se em declarações do arguido prestadas perante o MP, a quem cabe investigar? No limite, pode condenar-se apenas com a leitura ou reprodução de declarações de arguido, assistente, testemunhas e partes civis, perante o MP, sem que nenhum deles esteja presente em julgamento 47 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência O fundamento apresentado aponta para um “populismo penal”: legisla-se a pedido, para satisfazer o que o legislador acha ser o “sentimento comum” da população? E os princípios estruturantes do processo penal que também são estruturantes do Estado de Direito (art. 2.º da CRP)? 48 11. Das leituras e das reproduções de declarações permitidas em audiência Direito comparado: StPO alemã: § 254 (leitura de declarações; contradições) 1. As declarações do arguido contidas no processo judicial podem ser lidas com o objetivo de prova no sentido de uma confissão. 2. O mesmo aplica-se quando exista uma contradição entre declarações anteriores e as prestadas em audiência e não possa a contradição ser resolvida ou eliminada sem interromper a audiência. 49 Suspensão provisória do processo Crime para o qual esteja legalmente prevista a sanção acessória do art. 69.º do CP: obrigatoriamente oponível ao arguido a injunção de proibição de conduzir veículos com motor Ratio: segurança rodoviária e evitar a “válvula de escape” que o anterior regime representava Dúvida: natureza jurídica? É uma injunção, diferente da pena acessória Donde, não está sujeita aos prazos de duração do art. 69.º do CP, no seu mínimo (pode ser menos de 3 meses); nem máximo: 2 anos – art. 282.º, n.º 1 50 Suspensão provisória do processo Esta última interpretação pode não ser unívoca Desatenção do legislador: remissão do art. 282.º, n.º 5 é para os n.ºs 7 e 8 do artigo anterior (e não 6 e 7) 51 Audiência de julgamento Art. 340.º, n.º 4, al. a) (princípios gerais) Requerimentos de prova, apresentados durante a audiência são indeferidos sempre que essas provas pudessem ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação (princípio da concentração), exceto considerações ex officio do tribunal (descoberta da verdade e boa decisão da causa) Exige-se a indispensabilidade das provas e não apenas a necessidade do n.º 1 do artigo 52 Audiência de julgamento Disciplina da audiência; ganhos de celeridade Críticas em processos particularmente complexos Direitos de defesa do arguido? 53 12. Nulidade da sentença Art. 379.º (nulidade da sentença) Mantém-se o regime de arguição ou conhecimento em sede de recurso Introduz-se a obrigatoriedade da sua supressão pelo tribunal (e não já a mera faculdade) – art. 414.º, n.º 4 (antes da remessa ao tribunal superior – sustentação ou revogação) Ganhos de eficácia processual com a distribuição, sempre que possível, ao mesmo relator do tribunal ad quem, em nova decisão (cf., ainda, art. 426.º, n.º 4), mas eventuais perdas de imparcialidade: princípio do juiz natural? 54 13. Um (novo) processo sumário Exposição de motivos da proposta de lei: Justiça célere que contribui para o sentimento de justiça e o apaziguamento social Não existem razões válidas para que o processo não possa seguir a forma sumária relativamente a quase todos os arguidos detidos em flagrante delito, já que a medida da pena aplicável não é, só por si, excludente desta forma de processo A detenção em flagrante delito [é], na generalidade, acompanhada da existência de provas que dispensam a investigação e possibilitam uma decisão imediata 55 13. Um (novo) processo sumário Art. 381.º (quando tem lugar) Detidos em flagrante delito (artigos 255.º e 256.º): em sentido estrito, quase-flagrante delito e presunção de flagrante delito Detenção por autoridade judiciária ou entidade policial ou por qualquer particular, desde que crime punível com prisão Crimes semipúblicos: exigência de queixa para manter detido Crimes particulares stricto sensu: não há detenção, apenas identificação 56 13. Um (novo) processo sumário Implicações na competência do tribunal quanto à estrutura (artigos 13.º, 14.º e 16.º): Julgamento sempre perante juiz singular (que não tem de ser juiz de círculo; comarcas de 1.º acesso) Se requerida a intervenção do tribunal do júri, há reenvio para processo comum (art. 13.º, n.º 4, conjugado com o art. 390.º, n.º 1, al b)) Mas só se o arguido tiver exercido o direito ao prazo para preparar a defesa! (cf. artigos 13.º, n.º 4, al. a) e 382.º, n.º 3) Os crimes dolosos ou agravados pelo resultado, mesmo que a morte de uma pessoa seja elemento do tipo, podem ser julgados em processo sumário 57 13. Um (novo) processo sumário Não há limites em termos de moldura abstrata Exceções: Criminalidade altamente organizada (associação criminosa, tráfico de pessoas, armas, estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio, branqueamento) Crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal (artigos 236.º a 246.º CP) Crimes contra a soberania nacional (artigos 308.º a 346.º CP) Crimes previstos na Lei Penal relativa às violações do Direito Internacional Humanitário – Lei n.º 31/2004, de 22/7 58 13. Um (novo) processo sumário Detenção: 1. Notificação verbal das testemunhas presentes (máximo de 7) e do ofendido 2. Notificação do arguido do prazo máximo de 15 dias para preparar defesa (dirigida ao MP) e de que pode apresentar um máximo de 7 testemunhas (se presentes, notificadas pessoalmente) 3. Apresentação ao MP no prazo máximo de 48 h 4. MP assegura a nomeação de defensor 5. Se o OPC entender que os prazos de apresentação ao MP e depois, eventualmente, ao JIC, não serão cumpridos, liberta o arguido com TIR e relata ao MP 59 13. Um (novo) processo sumário 6. MP considera que os prazos para o julgamento não se podem cumprir (v.g. diligências de prova) 6.1. Despacho que as ordena 6.2. Eventual interrogatório do art. 143.º 6.3. Valida detenção e liberta ou apresenta a JIC para MCP ou MGP 6.4. MP notifica arguido e testemunhas para comparecerem se julgamento ocorrer no prazo máximo de 20 dias contados da detenção 6.5. Advertência da possibilidade de processo de ausentes 60 13. Um (novo) processo sumário 7. Arguido exerce direito ao prazo de defesa 7.1. Eventual interrogatório do art. 143.º 7.2. Valida detenção e liberta ou apresenta a JIC para MCP ou MGP 7.3. MP notifica arguido e testemunhas para comparecerem se julgamento ocorrer no prazo máximo de 20 dias contados da detenção 7.4. Advertência da possibilidade de processo de ausentes 61 13. Um (novo) processo sumário 8. Arguido não exerce direito ao prazo de defesa 8.1. Eventual interrogatório sumário pelo MP 8.2. Valida detenção e liberta ou apresenta a JIC para MCP ou MGP, também se considerar que os prazos se não vão cumprir ou se houver lugar à aplicação dos artigos 280.º ou 281.º 62 13. Um (novo) processo sumário 9. MP ou a requerimento do arguido ou assistente – artigos 280.º ou 281.º 9.1. Possível interrogatório do art. 143.º 9.2. Validação da detenção e libertação com eventual TIR 9.3. JIC: prazo máximo de 48 h para concordar ou não 9.4. JIC não concorda: notificação do arguido e testemunhas para comparecerem para julgamento: A) Se arguido pretende prazo: máximo de 20 dias após detenção, com possibilidade de julgamento na ausência B) Se não pretende: máximo de 15 dias após detenção, com a mesma advertência 63 13. Um (novo) processo sumário 10. Impossibilidade de apresentar arguido em ato seguido à detenção 10.1. Crime punível com pena de limite máximo não superior a 5 anos (ou concurso) A) Arguido só continua detido nas hipóteses das als. do n.º 1, do art. 385.º B) Se libertado: sujeição a TIR e notificação para comparência perante MP para julgamento em processo sumário ou primeiro interrogatório judicial e eventual MCP ou MGP 64 13. Um (novo) processo sumário Art. 387.º (audiência) Prazos para início: Regra: 48 h após detenção Exceções: Até ao 5.º dia útil após detenção, se houver um ou mais dias não úteis de ínterim [já existia] se o crime for punível com pena de máximo não superior a 5 anos (ou concurso) Até 15 dias após detenção se o JIC não concordar com medidas dos artigos 280.º e 281.º [não é novo] Até 20 dias se arguido se prevalece do prazo para defesa ou MP entender necessárias outras diligências [era de 15 dias para parte destas factualidades] 65 13. Um (novo) processo sumário Art. 387.º (audiência) Prazos para início: Exceções: Até ao máximo de 60 dias após detenção (excecionalmente, até 90 dias): crimes puníveis com pena de máximo não superior a 5 anos (ou concurso) – toda a prova tem de estar produzida nesse prazo Até ao máximo de 90 ou 120 dias após detenção: crimes puníveis com pena de máximo superior a 5 anos (ou concurso) 66 13. Um (novo) processo sumário Art. 387.º (audiência) Prazos para início – outras prorrogações: Máximo de 10 dias: se houver aditamento à acusação, pode o arguido requerer prazo, sem prejuízo de tomada de declarações aos sujeitos e participantes processuais presentes (celeridade e contraditório) Máximo de 20 dias: comparência de testemunhas notificadas ou junção de exames, relatórios periciais ou documentos tidos por essenciais (são urgentes) 67 13. Um (novo) processo sumário Art. 387.º (audiência) Testemunhas ainda não notificadas: a apresentar e, como regra, a sua falta não determina adiamento da audiência Art. 389.º (tramitação) Não se percebe a não inclusão de norma paralela à do anterior n.º 1 (apesar do art. 330.º, n.º 1) Crimes puníveis com pena de máximo superior a 5 anos (ou concurso): obrigatória a apresentação de acusação, podendo ser complementada por despacho do MP, sujeito ao contraditório 68 13. Um (novo) processo sumário Art. 390.º (reenvio para outra forma de processo) Inadmissibilidade legal (exceções do art. 381.º, n.º 2 ou ultrapassagem dos prazos; p. ex.: pedido de apoio judiciário) Pedido de intervenção do tribunal do júri Não seja possível realizar as diligências de prova nos crimes puníveis com pena inferior ou superior a 5 anos (n.ºs 9 e 10, do art. 387.º) Se não houver reenvio: nulidade insanável (art. 119.º, al. f)) 69 13. Um (novo) processo sumário Críticas: Falta de distanciamento temporal em relação aos factos Inadequado para delitos graves: regresso às Ordenações Filipinas (1603), abandonadas, neste ponto, em 1890 Violação do princípio da igualdade: Julgamento por coletivo ou por singular, em face do mesmo crime, mas apenas dependendo de haver ou não detenção? Prazo para preparação da defesa de 15 dias, comparado com o prazo de 20 dias do art. 315.º, n.º 1, quando podem estar em causa os mesmos crimes 70 13. Um (novo) processo sumário Pode dar lugar a mais recursos extraordinários de revisão 71 do art. 449.º, n.º 1, al. d), eventualmente com fundamento ainda no art. 453.º, n.º 2 Regime complexo Probabilidade de incumprimento dos prazos legais nos crimes mais graves e reenvio para a forma comum; não é claro que aí as provas sejam evidentes Julgamento por tribunal singular, por juiz que pode estar em comarca de 1.º acesso (art. 32.º, n,º 1, CRP?) Importância dos ritualismos processuais nos crimes com maior ressonância comunitária 13. Um (novo) processo sumário A complexidade especial do processo em virtude do elevado número de ofendidos e/ou arguidos deveria ser outra razão para o reenvio para a forma comum Para além das propostas de abandono desta nova configuração do processo sumário pelo PCP e pelo BE, o CSM propôs a elevação do limite máximo de 5 para 8 anos Fará sentido manter, então, o tribunal coletivo, com a gravação da prova? Pode haver uma condenação grave com base em presunção de flagrante delito, com detenção por um particular (seguranças privados?) 72 13. Um (novo) processo sumário Sentença «abreviada» em condenação, no limite, de 25 anos de 73 prisão? Essencialidade do coletivo na determinação da espécie e medida da pena Não teria sido preferível reforçar o processo abreviado? Pode haver um seu aumento por via do art. 391.º-A, n.º 3, al. a) O número máximo de 7 testemunhas, ainda por cima, como regra, a apresentar, pode ser insuficiente Art. 383.º, n.º 2: até quando pode o arguido requerer prazo para preparar defesa? E apresenta-o ao MP? 13. Um (novo) processo sumário Pela natureza do sumário, só há recurso da decisão final (art. 391.º, n.º 1) A quem interessa este processo especial? Juízes: não parece, em especial nas comarcas de 1.º acesso Magistrados do MP: tempo necessário para a recolha de prova, nem sempre evidente, ao invés do que pensa o legislador? Arguido: justiça apressada é, em regra, má justiça Lesado/ofendido: dificuldades na constituição como assistente e até como parte civil Advogados: não Cumprimento de uma “promessa eleitoral” que vai ter muito menos efeito prático e se o tiver pode ser desastroso 74 13. Um (novo) processo sumário Direito comparado: StPO alemã: o prazo para ser presente a juiz é de 24 h (§ 128, 1) Nos “processos acelerados” (§§ 417, ss. da StPO), há limitações quanto aos crimes a julgar neste processo especial 75 Processo sumaríssimo Art. 397.º, n.º 2 (decisão): Anteriormente, o despacho judicial de aplicação da pena ou medida transitava imediatamente em julgado, o que impedia a arguição de eventuais nulidades Com a nova redação, o despacho “não admite recurso ordinário”, o que significa aplicarem-se os artigos 379.º e 380.º (nulidade e correção da sentença) 76 14. Os recursos 1.ª instância 77 Relação Recurso para o STJ? Condenação até 5 anos Acórdão absolutório NÃO Condenação superior a 5 anos Acórdão absolutório SIM Decisão absolutória Acórdão absolutório NÃO Decisão absolutória Condenação até 5 anos de prisão ou pena não privativa de liberdade NÃO 14. Os recursos 1.ª instância 78 Relação Recurso para o STJ? Condenação até 5 anos de prisão efetiva Acórdão que aplique a mesma pena ou inferior, nunca acima de 5 anos de prisão NÃO Condenação até 5 anos de prisão, mas substituída Acórdão que revogue pena de substituição e aplique pena efetiva, desde que não superior a 5 anos de prisão NÃO Condenação superior a 5 Acórdão que aplica pena anos de prisão superior a 5 anos prisão SIM 14. Os recursos Objetivo: limitar os recursos julgados pelo STJ Perda de interesse do Estado no exercício do ius puniendi: Condenação em 1.ª instância até 5 anos, seguida de acórdão absolutório na Relação Abandono da dupla conforme: Absolvição na 1.ª instância e condenação até 5 anos de prisão ou sanção não privativa Condenação na 1.ª instância, até 5 anos de prisão, mas substituída e acórdão da Relação que revogue pena de substituição e aplique pena efetiva, desde que não superior a 5 anos 79 14. Os recursos Quanto a esta última, contrariedade à regra 13 da Rec. R (92) 16, de 19/10/1992, do CM do Conselho da Europa: O arguido deve ser titular do direito a recorrer contra uma decisão que lhe aplique uma sanção ou medida comunitária [pena de substituição], ou que modifique ou revogue tal sanção ou medida. 80 14. Os recursos O problema da questão da “confirmação” não foi totalmente eliminado no art. 400.º, n.º 1, al. f) 1.ª instância 81 Relação Recurso para o STJ? Condenação em pena não superior a 8 anos Confirma NÃO Condenação em pena superior a 8 anos Confirma SIM 14. Os recursos Elevação de 20 para 30 dias para interpor recurso subordinado (art. 404.º, n.º 2) Prazo geral de interposição de recurso ordinário e de resposta: passa de 20 para 30 dias (artigos 411.º, n.º 1, e 413.º, n.º 1) – igualdade de armas Interposto o recurso e junta a motivação (ou expirado o prazo), o juiz profere logo despacho sobre a sua admissão, efeito e regime de subida e só depois notifica os demais sujeitos para responderem (artigos 411.º, n.º 6, e 414.º, n.º 1) – regime do CPP de 1929 82 14. Os recursos Ratio: evitar atos inúteis em caso de não admissão do recurso, mas perde-se o contributo dos demais sujeitos processuais no despacho judicial Nova causa de não admissibilidade do recurso: não apresentação de conclusões se o recorrente não responder ao despacho de aperfeiçoamento no prazo de 10 dias (art. 414.º, n.º 2; cf, ainda, art. 417.º, n.º 3) 83 As alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro III) CONCLUSÕES 84 Conclusões Inexistência de estudos criminológicos prévios Monitorização da reforma? Mais uma reforma parcial que fica aquém do necessário (ex. prova pericial: base de dados quanto ao tempo de demora expectável) Questões a enfrentar: Gestão processual; Poderes dos sujeitos processuais; Duração do inquérito; Reforma da instrução; 85 Conclusões Questões a enfrentar: Simplificação da sentença; Espaços de justiça negociada controlados (Absprachen, patteggiamento ou applicazione della pena su richiesta delle parti) Total falhanço da configuração do processo sumário Dúvidas constitucionais em sede da leitura de declarações do arguido Violação de preceitos constitucionais no novo regime das MCP Inconveniência de algumas das soluções em matéria de recursos, com perdas de garantias do arguido 86 Conclusões Reforço ao nível da assistência por advogado Colocação em causa do tribunal coletivo Per summa capita: Não é uma reforma cirúrgica, como se anunciou – pode não ter alterado muitos artigos, mas buliu com a ossatura do sistema processual-penal português 87 O direito só conhece (…) imperativos categóricos. Inclusivamente, as normas processuais do direito adjectivo (…) têm o mesmo carácter imperativo e não hipotético. Gustav Radbruch, Filosofia do Direito, 3.ª ed., vol. II, Arménio Amado Editor, 1953, p. 126. 88 Coimbra: As alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro Muito obrigado pela Vossa atenção! André Lamas Leite 89