Hérnia Diafragmática Congênita (Prostaglandina, Sildenafil: quando usar?) Rodrigo Coelho Moreira R4 Terapia Intensiva Pediátrica Unidade de Neonatologia do HRAS/HMIB www.paulomargotto.com.br Brasília, 14 de janeiro de 2014 Embriologia • 6° semana: formação do diafragma pela fusão de 4 componentes embrionários membranas pleuroperitoneais estendem-se para fundirem com o mesentério dorsal do esôfago e do septo transverso, separando as cavidades pleurais da peritoneal. • O fechamento das aberturas é completado pela migração dos mioblastos para dentro das membranas. • A abertura pleuroperitoneal do lado esquerdo fecha-se mais tardiamente que a direita, onde ocorre mais frequentemente o defeito de fechamento ( 85 a 90%), levando a herniação dos intestinos, estômago e baço para a cavidade torácica, deslocando os pulmões e corações. Embriologia • A hérnia diafragmática congênita (HDC) decorre do não fechamento dos canais pleuroperitoneais, resultando em uma grande abertura ( Forame de Bochdalek) na região póstero-lateral do diafragma, tornando as cavidades peritoneal e pleural contínuas. Epidemiologia • Ocorre em 1 a cada 2000 a 5000 nascimentos. • Corresponde a 8% das malformações dos neonatos. • De todas as hérnias diafragmáticas, 85 a 90% são hérnia de Bochdalek. • 80% são do lado esquerdo; 15% do lado direito e 2% bilateral. • Predominância no sexo masculino. • Frequentemente associada com anomalias cardíacas, gastrintestinal, geniturinária, esquelética e trissomias. • Mortalidade: 13 a 65% ( na ausência de malformações associadas); 90% na presença de anomalias; Sobrevida maior quando ocorre à esquerda ( 68x 63%). Definição • Caracterizada pela presença de vísceras abdominais na cavidade torácica ( causa mais comum de hipoplasia pulmonar). • O achado de HDC por volta da 25% semana de gestação, está associado com 100% de mortalidade Entendendo as complicações da HDC • Hipoplasia pulmonar ( compressão das víscera abdominais durante o desenvolvimento do pulmão ---> redução dos ramos arteriais e aumento da espessura do músculo liso das artérias pulmonares ---> alterações de complacência pulmonar, falência respiratória ao nascimento, hipoxemia ---> shunt direita-esquerda se houver HP ---> falência cardíaca. Diagnóstico pré-natal • Ecografia de abdome (mostra vísceras abdominais na cavidade torácica, levando ao desvio do mediastino e polihidrâmnio). • Marcadores de pior prognóstico: LHR ( lung head ratio) ---> relação pulmão/perímetro cefálico fetal (< 0,6= 100% mortalidade; >1,35= 100% sobrevivência). • Ressonância magnética. • Uso de corticóides pré-natal: sem benefícios (indicação: a mesma que para os pacientes sem HDC). DIAGNÓSTICO pós-natal: • RX de tórax evidencia um hemitórax preenchido com estruturas semelhantes a cistos (alças intestinais), desvio do mediastino e abdome relativamente sem gás. O diagnóstico diferencial deve ser feito com a malformação adenomatóide cística do pulmão (considerar esta possibilidade nos casos dos achados radiológicos ocorrerem no lado direito ou quando a posição do estômago está abaixo do diafragma) e pneumonia com formação de pneumotoceles. Condutas Imediatas • 1-) IOT: VPP à 100% ( asfixia piora a HP), tentar usar Pressão inspiratória máxima de 25 cmH2O, FR 30-40. Sat pré-ductal 85-95% (mão direita) e pós-ductal >70%; pCO2 45-60 mmHg • VPP sob máscara: contra-indicado / Hiperventilação: não recomendado./ Surfactante: não indicado, somente quando DMH (mortalidade maior nesse grupo). • 2-) Elevação do decúbito, colocando o paciente de preferência sobre o lado afetado. • 3-) Descompressão do estômago e alças intestinais: SOG n° 8 aberta. • 4-) Cateterismo Umbilical ( artéria e veia): PaO2 do sangue arterial reflete a oxigenação do sangue pós-ductal. • 5-) Monitorização da PA: manter PAM em níveis normais, de acordo com a IG. Ecocardiograma precoce ( avaliar HP, falência de VD e o tamanho do VE--> quanto menor o VE, pior o prognóstico). • 6-) Manuseio mínimo, manter bem sedado. Não curarizar. Condutas Imediatas • 7-) Prostaglandina: deve ser considerado o seu uso SOMENTE em casos de hipertensão pulmonar severa refratária, principalmente em situações que não se dispõe da combinação NOi e ventilação de alta frequência e após a avaliação da ecocardiografia evidenciando disfunção ventricular direita – No entanto, faltam estudos randomizados e controlados. A evidência para o seu uso provem de relatos de caso e opinião de expert. 8-) Óxido Nítrico : a resposta não é boa ( a cada 10 RN, 2 respondem). Todo RN com hérnia diafragmática merece uma tentativa de uso de óxido nítrico inalatório(NOi) ( INDICE DE OXIGENAÇÃO > 20; Diferença de saturação pré e pós-ductal > 10%). 9-) Sildenafil: em situações de hipertensão pulmonar não responsível ao NOi • 9)Estratégias ventilatórias • • • • Ao nascer, o RN deve ser prontamente entubado para ventilação e uma sonda orogástrica deve ser introduzida, para esvaziamento gástrico. Nunca usar máscara para reanimar estes RN. Ventilar o RN com pressões menos agressivas, devido ao maior risco de barotrauma. Ventilação com pressão controlada e parâmetros iniciais: PIP 20-25 cmH2O e PEEP de 2-5 cm H2O, FR 40-60/min; Para os RN com grave hipóxia e/ou hipercapnia refratária (falha da ventilação convencional) empregar ventilação de alta frequência com MAP 13-17, FR 10Hz, amplitude 30-50, em acordo com a vibração torácica, se houver necessidade de PIP > 25 na ventilação convencional. A ventilação de alta frequência por usar menor volume corrente pode ser menos deletéria aos pulmões do que uma ventilação convencional com alto volume corrente. Após estabilização, reduzir FiO2 se saturação pré-ductal >95%; DEFINIÇÃO DA SEVERIDADE E PREDICÇÃO PELA GASOMETRIA E PARÂMETROS VENTILATÓRIOS • Por ser uma doença de difícil manuseio e com alto índice de mortalidade a despeito das mais variadas abordagens, sempre houve interesse em se prever o desfecho mais provável a partir de dados clínicos precoces. Associa-se a um mau prognóstico nas primeiras 24h de vida uma PaO2 pós-ductal sempre < 100mmHg em uma FiO2 de 100%, não se conseguindo nem por um momento uma PaO2 acima de 100mmHg no RN sob ventilação mecânica convencional. • O índice Ventilatório Modificado (Butt e col) tem sido usado no prognóstico destes bebês: • IVM = FR x PIM X PaCO2 (<40: bom prognóstico e > 80: prognóstico ruim) • Outro indicador é o Índice de Oxigenação: • IO = MAP x FiO2 / paO2 OBS: Mau prognóstico: PaO2 menor que 100 mmHg com uma FiO2 de 100%. DEFINIÇÃO DA SEVERIDADE E PREDICÇÃO PELA GASOMETRIA E PARÂMETROS VENTILATÓRIOS • Um IVM > 70 e um IO > 30% prevêem 94% de mortalidade com 96% de especificidade e 82% de sensibilidade. Já um IVM < 40 e um IO < 8% prevêem chance de sobrevivência de 91%, com especificidade de 86% e um sensibilidade de 94%. (Para o cálculo do IO, consulte o capítulo de Avaliação da Severidade Clínica do RN sob Assistência Respiratória). • Na experiência de Santos e cl, os RN com HDC com prognóstico ruim foram aqueles RN que necessitaram de entubação antes de 6 horas de vida, a não obtenção de PaO2 maior que 100mmHg (100% de mortalidade) e aqueles que apresentaram Apgar menor ou igual a 6 no 50 minuto de vida. • Estudo recente de Yoder evidenciou que a maior saturação de O2<85% nas primeiras 24 horas de vida não é universalmente fatal (houve 23% de sobrevivência, sendo que a taxa aumentou para 44% quando realizou reparo cirúrgico). Quando indicar cirurgia? • É uma emergência fisiológica, e não cirúrgica. • Objetivos: • • • • Pressão arterial média igual á idade gestacional; Sat pré-ductal 85-95% com FiO2 < 50%; Lactato < 3; Débito urinário > 2 ml/kg/h. Indicações de ECMO • Inabilidade de manter a saturação pré-ductal > 85% ou pós-ductal >70%. • Aumento da PaCo2 e acidose respiratória ( com pH <7,15). • PIP > 28 ou MAP > 17 na ventilação de alta frequência para obter saturação > 85% • Acidose metabólica mantida, com lactato > 5 e pH < 7,15. • Hipotensão sistêmica resistente e débito urinário <0,5 ml/kg/h durante 12-24h. • IO > 40 persistente. Seguimento a longo prazo • Equipe multidisciplinar: pneumologia, neurologia, gastroenterologia. • Problemas: herniação, atrasos do crescimento, doença pulmonar crônica, complicações alimentares, DRGE, fraqueza, surdez e deformidade músculo-esqueléticas. • Mais de 40% dos sobreviventes apresentam deformidades da parede torácica com pectus excavatum e deformidades da coluna, incluindo escoliose. Nota do Editor do site, Dr. Paulo R. Margotto: Consultem também! Hérnia diafragmática congênita Autor(es): Paulo R. Margotto, Jefferson Guimarães Resende, Martha G. Dias, Samiro Assreuy, Evely Mirela F. França (Capítulo do Livro Assistência ao Rcém-Nascido de Risco, ESCS, Brasília, 3ª Edição, 2013) Uso da prostaglandina E-1 na hipertensão pulmonar grave e refratária na hérnia diafragmática congênita Autor(es): Buss M et al e Shiyanagi, S et al. Apresentação:Reinaldo Ferreira , Marcelo Campelo, Ricardo Oliveira, Paulo R. Margotto • No manuseio da hipertensão pulmonar severa e refratária na hérnia diafragmática, deve-se raciocinar com a disfunção ventricular, uma vez que a hipoplasia pulmonar, a resistência vascular pulmonar e a insuficiência cardíaca determinam a fisiopatologia da hérnia diafragmática congênita. • A expressiva maioria das UTIs Neonatais do país não dispõe forma de administrar óxido nítrico inalatório (NOi) combinado com a ventilação de alta frequência, com o intúito de efetiva a ação do NOi, uma combinação considerada indispensável no manuseio destes bebês. • Estes recém-nascidos apresentam relativa hipoplasia do ventrículo esquerdo (os pulmões hipoplásicos levam a uma falta de pré-carga ventricular esquerda e subseqüentemente, inibe o desenvolvimento ventricular), sendo provavelmente o maior determinante de hipertensão pulmonar (venosa) e a falta de resposta ao óxido nítrico. Esta importante disfunção do ventrículo esquerdo pode levar a dependência do ventrículo direito para a adequada perfusão sistêmica. Neste contexto, a manutenção da patência ductal com o uso da prostaglandina E-1 aumenta a contribuição do ventrículo direito para o fluxo sistêmico. • A insuficiência cardíaca pode surgir devido à excessiva pós-carga do ventrículo direito (demonstrada pelo aumento do ventrículo direito e desvio para a esquerda do septo interventricular). Esta situação pode levar a um insuficiente enchimento do ventrículo esquerdo e deficiente perfusão sistêmica. O canal arterial patente pode servir como um escape para o ventrículo direito, permitindo que o sangue ignore os pulmões particularmente nos picos de hipertensão pulmonar, à custa de desaturação sistêmica. • Assim, na presença de severa hipertensão pulmonar a insuficiência cardíaca direita frequentemente torna-se eminente no momento do fechamento do canal arterial. Sinais e sintomas de insuficiência ventricular direita, aumento da desaturação pré-ductal com ou sem estreitamento da diferença pré e pós ductal e hipotensão arterial e sinais de deficiente perfusão, podem ser indicativos que o canal arterial está se tornando restritivo e após a confirmação pela ecocardiografia justificaria o uso da prostaglandina E-1 para reabrir o canal arterial e diminuir a sobrecarga ventricular direita. Portanto, shunt ductal em uma criança com significante hipertensão pulmonar e disfunção ventricular direita, diminuiria a pós-carga ventricular direita, com melhora da geometria do septo interventricular e com melhora do enchimento do ventrículo esquerdo e função. – A prostaglandina E-1 pode levar a hipotensão sistêmica, sendo prontamente revertida com a sua suspensão, devido a sua curta vida média. – Portanto, deve ser considerado o seu uso SOMENTE em casos de hipertensão pulmonar severa refratária, principalmente em situações que não se dispõe da combinação NOi e ventilação de alta frequência e após a avaliação da ecocardiografia evidenciando disfunção ventricular direita – No entanto, faltam estudos randomizados e controlados. A evidência para o seu uso provem de relatos de caso e opinião de expert. "A ausência da evidência não significa evidência da ausência" (Carl Sagan). ProstinR (Prostaglandina E1) EV contínua 0,05 até 0,1 1mcg/kg/min; dose máxima: 0,4 mcg/kg/min. Obtendo-se aumento da PaO2 e do pH, deve-se diminuir a dose até 0,01 mcg/Kg/min para evitar efeitos colaterais como apnéia (12%) febre (14%) rubor (15%).Os efeitos colaterais menos comuns são taquicardia ou bradicardia, hipotensão arterial e parada cardíaca. Monitorizar acidose metabólica. Prostin: 1 ml=500mcg - Como usar: peso x dose x 1440 500 Uso do sildenafil na hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido Paulo R. Margotto • O estudo de Thebaud et al evidenciou a melhora da vasodilatação pulmonar em RN com HPP por hérnia diafragmática congênita não responsível ao NOi associando o NOi ao dipiridamol, embora a melhora tenha sido transitória e ambos os pacientes faleceram (estes autores relataram posteriormente que a não resposta ao NOi na hérnia diafragmática congênita se deve a uma atividade alterada da guanilil-ciclase). • Recentemente, Keller et al relataram um caso de hipertensão pulmonar crônica em uma criança com 7 semanas de idade com hérnia diafragmática congênita, a estabilização da criança e a retirada do NOi com o uso do sildenafil. Congenital diaphragmatic hernia: experience of 14 years. Rocha G, Baptista MJ, Correia-Pinto J, Guimarães H. Minerva Pediatr. 2013 Jun;65(3):271-8. • Os presentes autores relataram a experiência de 14 anos com hérnia diafragmática congênita (HDC) em 80 recém-nascidos (RN). A taxa total de sobrevivência foi de 49% (39 RN), sendo 67% nos RN adequados para a idade gestacional, sem anomalias congênitas/cromossômicas e hidropsia fetal. • Os resultados se devem as novas terapias como o uso da ventilação de alta frequência (12,5%), uso do óxido nítrico inalado - NOi (22,5%), sildenafil (18,7%) e ECMO (1%). • Os autores citam Lally KP et al quanto ao papel do sildenafil na HDC: O SILDENAFIL PODE MELHORAR O DÉBITO CARDÍACO PELA REDUÇÃO DA HIPERTENSÃO REFRATÁRIA AO NOi (agradeço ao Dr. Gustavo Rocha, Portugal por ter-nos enviado este paper) OBRIGADO!