Gestão Democrática do Ensino:
histórico e implicações para a
escola pública
Prof. Rubens Barbosa de Camargo
[email protected]
Feusp – 3091-8272
Apresentação
• Concepção de Estado: condensação material de uma
relação de forças em tensões permanentes como “chave
interpretativa”;
• Pressuposto político-social: do Controle do Estado sobre a
Sociedade para o Controle do Estado pela Sociedade;
• Princípios orientadores da Gestão Democrática:
Participação, Descentralização, Autonomia
• Eixos viabilizadores da Gestão Democrática do Ensino:
Representação Livre, Eleições de Dirigentes e Definições
Colegiadas
• Histórico: Conselhos Deliberativos, Conselhos de
Acompanhamento e Controle Social;
• Algumas Constatações
Uma visão mais sofisticada do
Conceito de ESTADO
• É o único que pode garantir DIREITOS!!
• Não “paira” acima das classes sociais, mas é fruto da luta de
classes;
• As classes sociais têm interesses antagônicos;
• As classes não são homogêneas, têm frações de classes com
interesses conflituosos;
• Não é o “gabinete da burguesia” nem é neutro, mas se orienta
segundo os interesses da fração de classe que conquista
hegemonia;
• Realiza suas políticas de acordo com o campo de forças que
sofre.
Alguns “Valores” de frações da
elite nacional sobre as massas
• Democracia não é um valor a ser preservado se os
seus interesses estiverem contrariados;
• Educação das massas não é entendida como um
processo amplo de formação para a cidadania, mas é
simplesmente um serviço público de formação de
mão de obra barata e sem questionamento (e que
deve custar também bem barato).
Contradições da construção
democrática em nosso país
• Portanto, a democracia em nosso país é ainda uma construção
incipiente e muito difícil, em função das ações sistemáticas de
dissuasão, desqualificação, de falta de participação, de
dispersão e de ocultamento que as elites praticaram, como
meio de realização material e simbólica de seus interesses;
• Portanto, a concretização de uma perspectiva democrática é
obra de muito esforço e de ações organizadas por
movimentos, partidos, sindicatos etc. vinculados às camadas
menos privilegiadas da população;
• Portanto, se pensar e se efetivar a educação de todos numa
perspectiva democrática é uma tarefa complexa, arriscada e
deve contar com a participação de todos interessados.
Pressuposto político-social: do Controle do
Estado sobre a Sociedade para o Controle do
Estado pela Sociedade
• O caráter autoritário e centralizador que caracterizou o
funcionamento do Estado brasileiro durante o regime militar
(1964 - 1985) passou a ser questionado por meio da defesa do
aumento de sua permeabilidade ao controle público e às
demandas sociais. A ênfase numa necessária publicização do
Estado expressava-se em reivindicações, principalmente por
parte dos movimentos populares e sindicais, pela instalação
de procedimentos mais transparentes e de instâncias de
caráter participativo as quais visavam a democratização da
gestão do próprio Estado.
RESGATANDO A HISTÓRIA DA
GESTÃO DEMOCRÁTICA
• Princípio educacional que pareceu pela primeira vez
na Constituição Federal de 1988 (outros já existiam,
ex: gratuidade, obrigatoriedade etc.);
• Clima de época: movimentos sociais e sindicais com
forte presença na cena política (CEBs, Movimentos
“Diretas já”, “Contra a Carestia”, operários,
estudantes, professores, pessoal da saúde, bancários
etc.);
• Bandeira Política do Movimento dos Docentes;
• Construção de uma perspectiva de uma Educação
Democrática.
Princípios e Eixos Norteadores da
Gestão Democrática
Princípios:
Eixos Norteadores:
• DESCENTRALIZAÇÃO
• REPRESENTAÇÃO LIVRE
DIANTE DO PODER
• PARTICIPAÇÃO
• AUTONOMIA
• PARTICIPAÇÃO E DECISÃO
COLEGIADA E
DEMOCRÁTICA
• ELEIÇÕES DE DIRIGENTES
Indefinições e aversões para a Gestão
Democrática no Processo Constituinte
• Havia indefinições no campo progressista do setor
público e dos movimentos do significado (até onde
avançava) a perspectiva da gestão democrática (por
ex: a eleição de dirigentes);
• Havia forte aversão do setor privatista estrito senso
(que no processo constituinte se aliou ao setor
filantrópico, comunitário e confessional) contra a
perspectiva da gestão democrática (por ex: contra
conselhos deliberativos);
Por isso, uma “meia vitória” mas uma
vitória...
• Configura-se na CF/88 o princípio da GD no Artigo 206:
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
Na LDB (em 1996) a GD aparece mais explicitamente nos artigos 3, 14 e 15:
Art. 3 VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação
dos sistemas de ensino;
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino
público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os
seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da
escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes.
Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de
educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e
administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito
financeiro público.
O papel dos Conselhos Escolares
• As implicações para a escola da implementação dos CEs e de
outras práticas democráticas remetem a alterações no próprio
significado do que nela se vivencia, uma vez que pressupõe
entendê-la como uma confluência de espaços cujo sentidos
se interpenetram: um espaço informativo – na medida em
que se ampliam as informações sobre os processos
educacionais e participativos; um espaço educativo – quando
oportuniza a todos os envolvidos refletirem e agirem em
torno de questões de interesse geral; um espaço organizativo
– pois além de estabelecer relações institucionais de
representação frente ao poder e à própria sociedade, pode
ter sua forma de organização expandida para outras ações
coletivas; enfim um espaço político e de construção de
cidadania.
Confira as dez metas do Governo Serra, nas palavras de sua
primeira Secretária Maria Helena Guimarães de Castro:
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1. Todos os alunos de oito anos plenamente alfabetizados;
2. Redução de 50% das taxas de reprovação da 8ª série.
3. Redução de 50% das taxas de reprovação do Ensino Médio.
4. Implantação de programas de recuperação de aprendizagem nas séries finais de todos os
ciclos (2ª, 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio).
5. Aumento de 10% nos índices de desempenho dos ensinos fundamental e médio nas
avaliações nacionais e estaduais.
6. Atendimento de 100% da demanda de jovens e adultos de Ensino Médio com oferta
diversificada de currículo profissionalizante.
7. Implantação do Ensino Fundamental de nove anos, em colaboração com os municípios,
com prioridade à municipalização das séries iniciais (1ª a 4ª séries).
8. Utilização da estrutura de tecnologia da informação e da Rede do Saber para programas de
formação continuada de professores integrados em todas as 5.300 escolas com foco nos
resultados das avaliações; estrutura de apoio à formação e ao trabalho de coordenadores
pedagógicos e supervisores para reforçar o monitoramento das escolas e apoiar o trabalho
do professor em sala de aula, em todas as DEs; e programa de capacitação dos dirigentes de
ensino e diretores de escolas com foco na eficiência da gestão administrativa e pedagógica do
sistema.
9. Descentralização e/ou municipalização do programa de alimentação escolar nos 30
municípios ainda centralizados.
10 - Programa de obras e infra-estrutura física das escolas.
Condicionantes da participação da
comunidade na gestão escolar. (Paro, 1995)
• Ideológicos;
• Institucionais;
• político-sociais e
• materiais
Condicionantes da participação da
comunidade na gestão escolar I
Condicionantes ideológicos dizem respeito às
“concepções e crenças sedimentadas historicamente,
na personalidade de cada pessoa, que movem suas
práticas e comportamentos no relacionamento com
outros.” (Paro, 1995, p.304) A amplitude e os graus
de participação, verificados nas escolas, são
influenciados pelas concepções que os profissionais
da escola possuem a respeito da comunidade, das
instâncias de decisão e da natureza do que “pode”
ou não ser decidido coletivamente.
Condicionantes da participação da
comunidade na gestão escolar II
Condicionantes institucionais entenda-se o conjunto
de fatores vinculados à existência formal da escola
que influem na qualidade e no tipo de gestão que
nela será vivenciada. Como exemplo, Vitor Paro
indica-nos: o caráter hierárquico da distribuição da
autoridade existente no interior da escola, o modelo
de provimento para o cargo ou função dirigente
adotado, a natureza e os limites de intervenção dos
mecanismos de ação coletiva, entre outros.
Problemas da Gestão Democrática na
Educação Básica
• Excesso de simples formalismo para a realização de discussão e tomada
de decisão colegiada;
• Falta de politização sobre as questões educacionais;
• Falta de recursos financeiros e de outros para a tomada de decisão
coletiva de fato;
• Pouca discussão sobre as questões pedagógicas que devem nortear o
trabalho na escola;
• Falta de compreensão sobre as formas de utilização dos recursos
financeiros descentralizados que chegam à escola, bem como excesso de
burocracia e impedimentos para os seus usos;
• “Concentração de poder” e de informação no cargo de Diretor de Escola;
• Concurso para Diretor e Supervisor (em São Paulo);
• Falta de formação para os processos de participação coletiva e
democrática nas escolas e nos demais conselhos de educação;
• Falta de instâncias articuladoras e de trocas de experiências entre as
escolas da rede estadual;
Condicionantes da participação da
comunidade na gestão escolar III
Condicionantes político-sociais internos da
participação da comunidade na gestão da escola
referem-se “aos múltiplos interesses dos grupos que
interagem na unidade escolar” (Paro, 1995, p.300).
Interesses esses que tendem a expressar
necessidades imediatas, na maior parte das vezes,
contraditórias originando conflitos e demonstrando a
impossibilidade de práticas “harmoniosas”, muitas
vezes enaltecidas como um padrão esperado para a
gestão escolar.
Condicionantes da participação da
comunidade na gestão escolar IV
Condicionantes materiais dizem respeito “às condições
objetivas em que se desenvolvem as práticas e
relações no interior da escola.” (Paro, 1995, p.301)
Para Paro, o que “parece se dar na realidade de
nossas escolas públicas é que, na medida em que
faltam recursos de toda ordem, o esforço
despendido para remediar tais insuficiências têm
competido com o esforço que se poderia empregar
para modificar as relações autoritárias que vigem
dentro da instituição escolar.”
Propostas para superação de
condicionantes ideológicos:
• estimular um ambiente escolar que favoreça a
identificação dos trabalhadores da escola com os
interesses da comunidade usuária;
• criar mecanismos que favoreçam a superação do
sentimento de desinformação e incompetência que,
por vezes, acompanha pais e funcionários
operacionais em reuniões;
• incentivar a construção da autonomia dos diferentes
segmentos para o exercício da tomada de decisão.
Propostas para superação de
condicionantes institucionais:
• divulgar sistematicamente as reuniões e seus resultados (por meio de
boletins, murais, jornais, rádio-escola, assembléias etc.);
• utilizar diferentes instrumentos e formas para chamar a comunidade a
participar da gestão da escola: promovendo discussões, manifestações
culturais, mudando o funcionamento das reuniões que já são realizadas,
acolhendo de maneira prazerosa os sujeitos envolvidos;
• organizar as reuniões, com pauta previamente definida e divulgada,
horário para começar e acabar, delegação de trabalhos por meio de
comissões etc., pois a sensação de improdutividade é um dos fatores que
gera as abstenções nos encontros;
• adotar a sistemática de rodízio para a coordenação das reuniões, dado
ser esta uma habilidade que se adquire ao exercê-la;
• assumir o caráter político da gestão da escola como não contraditório ao
exercício da direção da mesma;
Propostas para superação dos
condicionantes político-sociais
• procurar enfrentar os conflitos, não impedindo que os mesmos surjam. Tal
postura permitirá a manifestação dos diferentes interesses e percepção do
problema ou questão gerando, também, a possibilidade de que diferentes
e interessantes soluções apareçam. Além de garantir o exercício da prática
democrática no interior dos CEs;
• realizar, sempre que necessário, uma decodificação das leis, normas,
portarias e demais documentos formais, pois se nem todos dominam a
linguagem burocrática, enquanto outros se “escondem” por trás dela;
• avaliar coletiva e permanentemente as ações desenvolvidas no interior da
escola – avaliação enquanto processo contínuo de toda a instituição e não
só dos alunos – principalmente, embora não exclusivamente, daquelas
ações e projetos que emanaram das decisões coletivas;
Propostas para superação dos
condicionantes político-sociais
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estabelecer coletivamente prioridades e distribuir, também de maneira coletiva,
as responsabilidades pela sua operacionalização. Tanto a definição quanto a
execução das prioridades devem pressupor aqueles elementos das práticas
dialógicas, nas quais os consensos são necessariamente precários e resultam da
negociação possível;
definir prioridades e metas pode e deve pressupor a seleção dos recursos e prazos
para serem atingidas, caso contrário a sensação será de incapacidade;
propiciar e valorizar as discussões prévias entre representantes e representados
para subsidiar o processo de tomadas de decisão, contribuindo para a diminuição
da sensação de despreparo e falta de legitimidade que caracteriza a ação dos
representantes dos diferentes segmentos que compõem os diferentes mecanismos
de ação coletiva;
valorizar a participação organizada de todos os segmentos e de todas as formas,
considerando todos os participantes como interlocutores válidos e imprescindíveis,
principalmente quando organizados em Grêmios, Sociedades Amigos de Bairro,
Clube de Mães, Sindicatos, Partidos, outros Conselhos etc.).
Propostas para a superação dos
condicionantes materiais
• procurar destinar todos os recursos existentes na escola para
o favorecimento das práticas a serem adotadas pelo CE;
• explicitar as carências existentes e experimentar soluções,
mesmo que conjunturais, que favoreçam o maior
envolvimento dos diferentes segmentos na resolução dos
problemas;
• incorporar experiências populares e locais na resolução de
problemas, como tática para o incentivo aos encontros
coletivos, embora responsabilizando os governos pela
manutenção dos recursos adequados para o bom
funcionamento da escola, exemplos são os mutirões, as
festividades locais etc.;
Propostas para a superação dos
condicionantes materiais
• lembrar que um coletivo articulado geralmente desenvolve
instrumentos de pressão mais eficazes. Além do que, é
necessário reiterar que as soluções para a restrição dos
recursos públicos certamente não se resolverá na esfera da
unidade escolar.
• possibilitar, no caso dos usuários, a avaliação das atividades
da escola mediante a presença destes no cotidiano da escola
desenvolvendo atividades de controle e supervisão das
práticas escolares. Exemplos seriam o acompanhamento de
entrada/saída e intervalo de alunos; supervisão e
operacionalização das prioridades definidas para o período;
assistência aos professores, etc.;
Por fim... (otimista)
Nada É Impossível De Mudar (Berthold Brecht)
Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de
mudar.
Por fim... (pessimista)
A Exceção e a Regra (Berthold Brecht)
Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso
Mas não se esqueçam de que o abuso é
sempre a regra.
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Gestão Democrática do Ensino: histórico e implicações para a