CASO CLÍNICO ESCS-FEPECS-SES Hospital Regional da Asa Sul Internato em Pediatria Estudante: João Paulo Campos Antunes. Orientadora: Dra. Elisa de Carvalho. www.paulomargotto.com.br IDENTIFICAÇÃO MANS. Sexo: feminino. Idade: 3 anos. Cor: parda. Naturalidade: Brasília-DF. Procedência e residência: Planaltina-GO. Registro: 270103-2. Data: 10 / 12 / 06. QUEIXA PRINCIPAL Sangramento pelo ânus há cerca de 16 horas. HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL Mãe relata que há aproximadamente 16 horas a criança iniciou eliminação de sangue-vivo pela região anal, de início súbito, em grande quantidade. Nega associação com fezes. Nega diarréia, vômitos e traumas precedendo o quadro. Nega uso prévio de medicações e contato com substâncias tóxicas. Após o episódio evoluiu com sonolência e dor na região peri-umbilical. Foi então encaminhada do Hospital de Planaltina para este serviço. REVISÃO DE SISTEMAS Nega febre. Nega tosse e desconforto respiratório. Relata episódios de epistaxe e sangramento oral espontâneos esporádicos na última semana. Nega diarréia e relata evacuações diárias, com fezes ressecadas. Refere urina cor de “açafrão” há 2 dias. Nega edema. Nega lesões cutâneas (petéquias e equimoses). Nega alterações articulares. ANTECEDENTES NEONATAIS Nascimento por cesariana, indicado por diagnóstico pré-natal de gastrosquise. Trabalho de parto a termo (IG: 37s + 4 dias). Peso: 2200gr. Estatura: 48cm. PC: 34cm. Chorou ao nascer. Apgar: 8-9. Cirurgia de correção da gastrosquise nas primeiras horas de vida. Sem intercorrências. Internada na UTI-neo por 2 meses e fototerapia por tempo indeterminado. ANTECEDENTES PATOLÓGICOS Diagnóstico de artrogripose desde o nascimento, em acompanhamento na genética e no Sarah. Apresenta sangramento digestivo baixo (enterorragia) desde os 3 meses de vida com recorrências e internações freqüentes. Apresenta epistaxe e hematêmese desde os 5 meses de vida com recorrências e internações freqüentes. Apresenta hematúria macroscópica recorrente. ANTECEDENTES PATOLÓGICOS Realizou 1 hemotransfusão aos 3 meses. Nega traumas. Relata cirurgia no período neonatal para correção de gastrosquise e realiza acompanhamento regular com a Cirurgia Pediátrica. Hospitalizações freqüentes devido hemorragias digestivas. Refere hipersensibilidade a penicilina e diclofenaco. Não faz uso de medicações regularmente. ANTECEDENTES PATOLÓGICOS Informa duas endoscopias digestivas e uma colonoscopia com laudos normais há 1 ano. ANTECEDENTES FAMILIARES Mãe: viva, 20 anos, saudável. Nega etilismo e tabagismo. Profissão: do lar. Pai: vivo, 31 anos, saudável. Nega etilismo e tabagismo. Profissão: servente de pedreiro. Irmã: viva, 1ano e 4 meses, em investigação de hemorragia digestiva. Nega consangüinidade. Nega casos de coagulopatias na família. ANTECEDENTES ALIMENTARES Aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de vida. Desmame adequado. Introdução de leite de vaca com 1 ano e 4 meses. Dieta atual: - 8:00: mamadeira com leite de vaca e mucilon. – 10:00: frutas. – 12:00: arroz, feijão, legumes, verduras e carnes. - 15:00: biscoitos. – 18:00: idem almoço. – 21:00: mamadeira. IMUNIZAÇÕES Calendário vacinal completo. EXAME FÍSICO BEG, ativa/reativa, hidratada, normocorada, acianótica, anictérica, afebril. PA: 100x70mmHg Fc: 100 bpm Fr: 28 irpm Cabeça e pescoço: sem alterações. Linfonodos: não palpáveis nas cadeias occipital, auriculares, mandibulares, cervicais, axilares e inguinais. Ectoscopia: sem alterações. EXAME FÍSICO AR: Tórax simétrico, sem abaulamentos ou retrações, expansibilidade normal em bases e ápices, som claro pulmonar e murmúrios vesiculares fisiológicos, sem ruídos adventícios bilateralmente. ACV: Ictus visível e palpável para 1 polpa em cruzamento da linha hemiclavicular com 5º espaço intercostal esquerdo, ritmo cardíaco regular em 2 tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros. EXAME FÍSICO Abdome: Globoso, RHA +, flácido, doloroso à palpação da região peri-umbilical, sem massas ou visceromegalias. MMSS e MMII: Simétricos, com hipotonia e hipotrofia muscular, encurvamento do dorso dos pés. Rigidez articular de pequenas e grandes articulações. Sem sinais flogísticos, hematomas e hemartomas. Geno valgo. Genitália: genitália feminina. Região perineal habitual. HEMOGRAMA Hg HT Leucócitos Segmentados Bastões Linfócitos Eosinófilos Basófilos Plaquetas 10 / 12 / 06 12,1 mg/dl 35,7% 10.500 céls/mm³ 54% 00% 44% 01% 01% 279.000 céls/mm³ BIOQUÍMICA E ELETRÓLITOS Glicose Uréia Creatinina TGO TGP Na K Cl Ca 10 / 12 / 06 86 mg/dl 31 mg/dl 0,4 mg/dl 44 U/L 17 U/L 133 mEq/L 5,2 mEq/L 105 mEq/L 10,9 mMol/L EAS 10/12/06 CED Leuc. Hem. Flora Muco 3-4p/c 2-3p/c 30p/c + ++ *Obs.: Ausência de cilindros hemáticos e presença de coágulos. COAGULOGRAMA 10 / 12 / 06 Tempo de Sangramento Tempo de Coagulação Tempo de Ativação da Protrombina Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada 3 minutos e 30 segundos VR: 1-3 minutos. 2 minutos VR: 3-9 minutos. 84% VR: 70-100%. 33 segundos VR: 24-36 segundos. DIAGNÓSTICO SÍNDROME DE HEMORRAGIA DIGESTIVA X SÍNDROME DE HEMATÚRIA MACROSCÓPICA HEMORRAGIA DIGESTIVA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA E HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Causas de Hemorragia Digestiva Enterite bacteriana Doença Inflamatória Intestinal Síndrome hemolítico-urêmica Úlcera péptica Fissura anal Varizes esofágicas Pólipos colônicos Corpo estranho Intussuscepção Hiperplasia linfonodular Divertículo de Meckel Coagulopatia HEMATÚRIA MACROSCÓPICA HEMATÚRIA DISMÓRFICA X HEMATÚRIA NÃO-DISMÓRFICA HEMATÚRIA MACROSCÓPICA Dismórfica - Síndrome nefrítica; - Síndrome nefrótica. Não-dismórfica - Lesão tubular; - Lesão urológica; - Coagulopatias. DIAGNÓSTICO DISTÚRBIO HEMORRÁGICO DISTÚRBIOS HEMORRÁGICOS 1. 2. 3. 4. Mecanismos: Aumento na fragilidade dos vasos; Deficiência ou disfunção plaquetária; Distúrbios no mecanismo da coagulação (coagulopatias); Combinações de mecanismos. AUMENTO NA FRAGILIDADE DOS VASOS 1. 2. 3. 4. 5. Infecções; Reações medicamentosas; Deficiência de vitamina C; Síndrome de Ehlers-Danlos; Vasculites. INFECÇÕES Muitas infecções causam distúrbios hemorrágicos, entre elas, as mais prevalentes são: meningococcemia e outras formas de septicemia, endocardite infecciosa e riquetsioses. Fisiopatologia: o mecanismo pelo qual ocorrem os distúrbios hemorrágicos é o de lesão microbiológica (vasculite) ou coagulação vascular disseminada (CVD). INFECÇÕES Quadro clínico: inicia-se com quadro inespecífico de queda dos estado geral, instabilidade de temperatura, desconforto respiratório e taquicardia. Evolui rapidamente para sinais específicos de dispnéia, instabilidade hemodinâmica, sintomas gastrintestinais, convulsões e lesões petequiais e purpúricas, culminando com o quadro de choque. INFECÇÕES Diagnóstico: exame clínico bem feito é fundamental. O leucograma geralmente apresenta valores acima de 25.000 ou menor que 5.000 céls./mm³, com aumento de formas jovens. As provas de atividade inflamatória estarão elevadas (VHS, proteína C reativa e mucoproteína). O isolamento do agente infeccioso através de culturas é necessário. REAÇÕES MEDICAMENTOSAS As reações medicamentosas algumas vezes induzem sangramento anormal. Fisiopatologia: a lesão vascular é mediada pela formação de anticorpos induzidos pela droga e pela deposição de imunocomplexos nas paredes vasculares, com produção de vasculite por hipersensibilidade (leucocitoclástica). REAÇÕES MEDICAMENTOSAS Diagnóstico: história clínica positiva para uso de medicações com possibilidade de levar a reações imunes. Outras causas devem ser excluídas. DEFICIÊNCIA DE VITAMINA C Também chamada de escorbuto, a deficiência de ácido ascórbico (vitamina C) é uma das causas de hemorragias. Fisiopatologia: a vitamina C tem função de ativar a propil e lisil-hidroxilases a partir de precursores inativos, permitindo a hidroxilação do prócolágeno. Os precursores inadequadamente hidroxilados são incapazes de adquirir uma configuração helicoidal e não podem exibir ligação cruzada adequada. DEFICIÊNCIA DE VITAMINA C Quadro clínico: como o defeito na síntese de colágeno resulta em suporte inadequado das paredes dos capilares e das vênulas, a púrpura e as equimoses freqüentemente aparecem na pele a na mucosa gengival. Levam também à fixação frouxa do periósteo ao osso, que juntamente com os defeitos da parede vascular, resulta em extensos hematomas subperiósteos e sangramento nos espaços articulares após traumatismos mínimos. Hemorragias do SNC podem ser fatais. DEFICIÊNCIA DE VITAMINA C Diagnóstico: dosagem de ácido ascórbico abaixo dos valores de referência. SÍNDROMES DE Ehlers-Danlos Abrangem um grupo clínica e geneticamente heterogêneo de distúrbios que resultam de algum defeito na síntese ou estrutura de colágeno. A síndrome de Ehlers-Danlos do tipo IV é uma forma geneticamente heterogênea porque pelo menos três tipos distintos de mutações que atingem o gene pro α1 do colágeno tipo III podem originar esta variante. SÍNDROMES DE Ehlers-Danlos Fisiopatologia: alguns tipos de mutações afetam a taxa de síntese de cadeias pro α1 do colágeno tipo III, outros afetam a secreção de pró-colágeno tipo III e outros, ainda, levam à síntese de um colágeno tipo III estruturalmente anormal. Quadro clínico: como se sabe os vasos sanguíneos e intestinos são ricos em colágeno tipo III e uma anormalidade desse colágeno é coerente com os quadros de hemorragias e até ruptura intestinal. SÍNDROMES DE Ehlers-Danlos Diagnóstico: estudos moleculares, desde mutações de genes estruturais do colágeno a mutações envolvendo enzimas que são responsáveis por modificações funcionais do colágeno. VACULITES A vasculite na infância resulta de um espectro de causas que abrangem desde distúrbios idiopáticos com inflamação vascular primária a síndrome após a exposição a antígenos conhecidos (p. ex.: agentes infecciosos e drogas). O grau de lesão vascular varia de moderado, como na maioria das crianças com Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS), a grave, como nas crianças com poliarterite nodosa. PÚRPURA DE HENOCH-SCHÖNLEIN Também conhecida como púrpura anafilactóide é uma vasculite de pequenos vasos. É a causa de púrpura atrombocitopênica mais comum em crianças. A patogenia específica é desconhecida, e estudos demonstram correlação forte com infecção por Estreptococo β-hemolítico do grupo A. Fisiopatologia: vasculite de pequenos vasos mediada por IgA. PÚRPURA DE HENOCH-SCHÖNLEIN Quadro clínico: a púrpura palpável ocorre em 100% dos casos em algum momento, sendo mais comum nas pernas e nas nádegas. Poliartralgias acometem a maioria dos pacientes, assim como a artrite de grandes articulações (joelhos e tornozelos). Dor abdominal, náuseas, vômitos e diarréia com muco e sangue decorrem da vasculite mucosa. Em 5% dos pacientes ocorre hemorragia digestiva. A lesão renal (glomerulonefrite) por deposição de IgA é observada em 40-50% dos casos. PÚRPURA DE HENOCH-SCHÖNLEIN Diagnóstico: é feito essencialmente em bases clínicas, apoiadas na tétrade de púrpura, artralgia/artrite, dor abdominal e hematúria. TROMBOCITOPENIAS Mecanismos: 1. Aumento da destruição ou consumo periférico: - PTI idiopática, LES, LLC e HIV; - CIVD, PTT, próteses valvares. 2. Falência na produção na medula óssea: - Anemia aplásica, mielodisplasias, leucemias. 3. Trombopoiese: - Anemia megaloblástica. 4. Distribuição anormal: - Hiperesplenismo. COAGULOPATIAS 1. 2. 3. 4. Doença de von Willebrand (vWF); Deficiência do complexo fatorVIII-vWF; Hemofilia A; Hemofilia B. COAGULOPATIAS A ocorrência de deficiência de todos os fatores da coagulação são conhecidos como causa de distúrbios hemorrágicos. O aparente surgimento espontâneo de petéquias ou de púrpura é incomum. Com mais freqüência, o sangramento manifesta-se pelas grandes equimoses ou hematomas e prolongamento do sangramento após qualquer laceração ou procedimento cirúrgico. O sangramento gastrintestinal e nas vias urinárias são comuns. DOENÇA DE VON WILLEBRAND Com uma freqüência estimada de 1%, acredita-se que a doença de von Willebrand seja um dos distúrbios hemorrágicos hereditários mais comuns nos seres humanos. Foram descritas mais de 20 variantes da doença de vWF, que podem ser agrupadas em duas categorias principais: tipos 1 e 3 (associadas a uma quantidade reduzida de vWF circulante) e tipo 2 (associada a defeitos qualitativos de vWF). DOENÇA DE VON WILLEBRAND A doença de vWF do tipo 1 e 2 é um distúrbio autossômico dominante, enquanto o tipo 3 é autossômica recessiva. Fisiopatologia: o distúrbio afeta basicamente o componente primário da hemostasia, pelo prejuízo à adesão plaquetária. DOENÇA DE VON WILLEBRAND Quadro clínico: - leve: sangramento imediato após trauma ou procedimentos invasivos; - moderado: equimoses, sangramento de mucosas ou gastrintestinais; - grave: hemartroses, sangramento para cavidades, tendões e músculos e hemorragia espontânea. DOENÇA DE VON WILLEBRAND Diagnóstico: - medida da atividade do FvWB pelo teste da ristocetina; - medida do antígeno do FvWB por métodos sorológicos; - agregação plaquetária defeituosa com a ristocetina; - tempo de sangramento prolongado. DEFICIÊNCIA DO COMPLEXO FATOR VIII-vWF É caracterizada como uma coagulopatia hereditária na qual está implicada uma deficiência do complexo formado pelos fatores von Willebrand-fator VIII. Fisiopatologia: a deficiência do fator vWF, proteína transportadora do fator VIII, faz com que esta seja depurada mais rapidamente pelo organismo (proteases) levando a um distúrbio hemostático secundário. DEFICIÊNCIA DO COMPLEXO FATOR VIII-vWF Quadro clínico: - leve: sangramento imediato após trauma ou procedimentos invasivos; - moderado: equimoses, sangramento de mucosas ou gastrintestinais; - grave: hemartroses, sangramento para cavidades, tendões e músculos e hemorragia espontânea. DEFICIÊNCIA DO COMPLEXO FATOR VIII-vWF Diagnóstico: - medida da atividade do FvWB pelo teste da ristocetina; - medida do antígeno do FvWB por métodos sorológicos; - agregação plaquetária defeituosa com a ristocetina; - tempo de sangramento prolongado; - TTPA alargado (pela deficiência secundária do fator VIII). HEMOFILIAS As hemofilias são distúrbios da coagulação de caráter hereditário, com herança ligada ao sexo (cromossomo X), sendo, portanto, quase exclusivo do sexo masculino. A hemofilia A consiste numa atividade muito baixa do fator VIII, enquanto a hemofilia B o fator IX é que tem sua atividade reduzida. HEMOFILIAS Quadro clínico: - no parto muitas vezes já ocorre sangramento intracraniano; - na idade pré-escolar iniciam-se as hemartroses, hematomas musculares e retroperitoneais, sangramento gastrintestinal e geniturinário; - em procedimentos cirúrgicos surgem sangramentos de difícil controle. HEMOFILIAS Diagnóstico: - o tempo de coagulação pode se alterar; - o TTPA alargado evidência um distúrbio da via extrínseca da coagulação; - o diagnóstico é firmado por ensaios específicos para os fatores VIII e IX.