O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO SOB UM NOVO PARADIGMA Marco Aurélio Greco 1 Problemas centrais • Eficácia da operação perante o Fisco (um terceiro em relação à operação) • Questionamento de PARTE de seus efeitos jurídicos – no mais é eficaz • Enquadramento jurídico “perante” o Fisco • Operação “oponível” ou “inoponível” ao Fisco Parâmetros iniciais • Liberdade de auto-organização • Proteção constitucional à liberdade • Vedada a inviabilização indireta da liberdade • Liberdade não absoluta – contextualizada • Jurisprudência dos valores (superação da jurisprudência dos conceitos e dos interesses) • Sociedade complexa = Constituição pluri-axiológica e diretiva = valores conflitantes • • • • • Da abordagem estática para a dinâmica Não existe geração espontânea Nada é instantâneo Tudo vem de algo e vai para algo Importância da variável “tempo” em diversas dimensões • Pensar dentro do tempo e não fora dele • Planejar a vida (inclusive econômica) faz parte dela Indicadores da existência do “plano” (9) (isolados ou em conjunto) • Encadeamento de etapas (nexo relevante ou necessário): – Posterior só existe se ocorrer a anterior e vice-versa – Anterior “constrói” o pressuposto legal ou de fato do cabimento e da realização da posterior (p.ex., lucro presumido) • Inexorabilidade da seqüência – Conjunto não pode deixar de se concluir – Mútua implicação dos atos e declarações de vontade • Não celebração com terceiros: – só interessa daquela forma e com aqueles personagens • Relevância do efeito tributário como fim do plano • Neutralização de efeitos indesejáveis: – Cláusulas de bloqueio parcial – Ou de esvaziamento da eficácia – Não assumir os efeitos próprios dos negócios • Ocorrência de “coincidências” (existem mas são raras) • Uso de institutos em hibernação • Condutas aparentemente conflitantes: entra às 10,00hs e sai às 14,00hs: – sai pois é inviável ficar ou nunca quis entrar? • Distorções em proporções, frações, participações (capital, patrimônio etc.) Como avaliar: “Teste do sorriso” e “pretensão a Houdini” Importância de identificar um “plano” (9) • Reconhecer uma unidade: floresta e não apenas árvores • Enquadramento do conjunto no tipo legal • Critérios ligados ao conjunto e não só a cada etapa: – Estáticos: existência, validade, eficácia – Dinâmicos: consistência, coerência, proporcionalidade • Justificação do conjunto e não apenas de cada etapa ou elemento • Reconhecimento de outros elementos no conjunto: – Efeitos colaterais de cada etapa ou do todo – Outros personagens: p.ex., agências reguladoras, órgãos de controle • Eficácia preclusiva de pronunciamentos materiais sobre o objeto (existência e natureza da operação) • Interpretação do conjunto e de cada etapa • Significado de cada etapa é dado pelo conjunto (p.ex., saída programada do contrato) • Confrontar o perfil objetivo do ato ou negócio com a inserção no conjunto: eventuais distorções • Plano não afasta o cumprimento minucioso de todas as demais exigências pontuais e formais que o caso requer (boa idéia versus má execução) Repercussões do “plano” (4) • Reconhecimento de um “plano” repercute: – Identificação do sujeito passivo da exigência • Pessoa física ou pessoa jurídica • Qual dentre várias – Determinação dos respectivos responsáveis • Contribuintes, participantes do negócio: diretores, sócios, assessores, terceiros etc – Parâmetro para definição do grau de culpa e outros elementos da conduta • Dolo, má-fé, boa-fé, intuito de fraude, confiança, erro etc. – Parâmetro para definição da graduação da pena • Interesse público protegido, proporcionalidade, critérios da lei do processo administrativo federal etc INCIDÊNCIA DA LEI E QUALIFICAÇÃO DOS FATOS • O que foi feito? Identidade do negócio jurídico – VISÃO CLÁSSICA • Natureza do negócio é determinada pela manifestação de vontade pura, atemporal • Vontade expressa nos documentos firmados • Negócio “É” o que se “QUER” • Qualquer vício deve estar enquadrado como vício da vontade vista de uma perspectiva pura e isolada (em si, pontual) • Se as partes “quiseram” uma cisão, “é” uma cisão 13 • Visão proposta: – Considerar a vontade • à vista de sua expressão externa e objetiva = atos materiais praticados e condutas realizadas • dentro de um contexto – Temporal = antes e depois - o que era e o que ficou sendo – questionamento da circularidade – Motivos - propósito, causa do negócio – Fins - objetivos, resultado alcançado, efeitos práticos – Considerar a execução do negócio • modo de cumprimento é critério de interpretação • comportamento concludente – se assim agiu, é porque assim é o pacto • “assumir os efeitos” 14 Conclusão • NEGÓCIO “é” o que se “faz” = relevância da conduta concreta e não apenas dos aspectos subjetivos da vontade • Perguntar: o que foi feito objetivamente e não apenas o que foi querido subjetivamente PRÓXIMA ETAPA: Como qualificar (construir o conceito de) o fato? 15 Incidência x Conflito de qualificações LEI – FATO GERADOR LEI – FATO GERADOR QUALIFICAÇÃO JURÍDICA (CISÃO x ALIENAÇÃO) FATO CONCRETO (CISÃO) FATO CONCRETO ( ? ) 16 Tipificação do evento (visão clássica) LEI = alienação Deve alcançar “Alienação” Qualificar como “alienação” = “analogia” (vedada pelo CTN) SE negócio concreto “É” Cisão 17 Tipificação do evento (visão proposta) LEI = alienação LEI = alienação QUALIFICAÇÃO = alienação QUAL o negócio concreto? SE negócio concreto não “é” cisão, mas “É” alienação 18 Conversão em “outro” negócio? • Negócio não é necessariamente aquele que as partes “quiseram”, mas sim o que “fizeram” • Mesmo nulo (simulado ou em fraude à lei) pode gerar conversão e produzir efeitos • CC/02 – – “Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.” 19 Reexame do critério de tratamento das lacunas • • • • • Lacuna “existe” ou “é vista por”? “Detectar” ou “construir”? Lacuna é falta de norma específica para o caso Recurso a uma norma geral Duas normas gerais possíveis – Norma geral exclusiva = liberdade = não há incidência – Norma geral inclusiva = capacidade contributiva = há incidência • Antinomia de valores constitucionais – solução não positiva (ponderação e subjetivismo) = “criar” a solução e não “descobri-la” 20 Ônus da prova do Fisco • DUPLO ônus da prova: – “Não é” o negócio que se apresenta – “É” outro negócio – qual? • Provar as condutas e os negócios • Bem qualificá-los à luz das suas características provadas • Bem enquadrá-los na lei pertinente • Não basta “estar convencido” de que o negócio é este ou aquele – é preciso convencer os outros disso! Através da prova 21 Ônus da prova do contribuinte? • Ônus da prova do Fisco não afasta a possibilidade de pedir que o contribuinte explique e justifique o que fez = provar que o negócio é aquele que ele diz ser • Falta de explicação abre espaço para uma “qualificação” livre = fragiliza o que foi feito • Explicação deve ser coerente, congruente com os fatos = ter “sentido” 22 • Explicação deve ser levada em conta e refutada pelo Fisco • Explicação insatisfatória não afasta o duplo ônus da prova a cargo do Fisco • Refutação insuficiente pelo Fisco fragiliza a exigência • A PROVA É FUNDAMENTAL ! 23 CRITÉRIOS TEÓRICOS PARA ANALISAR OPERAÇÕES • Desafio: como lidar com o “diferente”? • “Diferente” não é nem bom nem ruim; é apenas “diferente” • Resguardar a liberdade legitimamente exercida • Resguardar a criatividade humana – o “novo” 24 Sugestão de critérios • QUATRO CRITÉRIOS – Sucessivos (passo a passo) – Cumulativos (exigências superpostas) • DOIS DE CARÁTER NEGATIVO: – Operação feriu algum preceito ? • DOIS DE CARÁTER POSITIVO: – Operação possui determinada qualidade ? 25 Critérios negativos • CARÁTER EMINENTEMENTE ESTRUTURAL – requisitos normativos • PRIMEIRO = crivo da legalidade e da licitude – Critério clássico • “ato lícito” • Antes da ocorrência do fato gerador – depois dele é ocultação, sonegação etc. 26 Critérios negativos • SEGUNDO = o crivo das patologias dos negócios jurídicos • Simulação (nulidade) • Fraude à lei (nulidade) • Abuso de direito (ilícito) • Abuso de formas (ineficaz [pelo menos]) • Patologias podem surgir reunidas: simulou para fraudar; abusou para simular etc. 27 Critérios positivos • CARÁTER EMINENTEMENTE FUNCIONAL – JUSTIFICAÇÃO - SENTIDO • PRIMEIRO = interno ao negócio jurídico: – motivo e finalidade predominantemente de outra natureza que não a tributária, – aliados à congruência do negócio jurídico em relação a ambos – causa no negócio 28 Critérios positivos “AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO EXTRATRIBUTÁRIA - O princípio da liberdade de auto-organização, mitigado que foi pelos princípios constitucionais da isonomia tributária e da capacidade contributiva, não mais endossa a prática de atos sem motivação negocial, sob o argumento de exercício de planejamento tributário.” (Ac. nº 104-21.675, de 22/06/2006) 29 Critérios positivos SEGUNDO = externo ao negócio jurídico: - inserção da operação no âmbito do empreendimento do qual a pessoa jurídica é vestimenta; - sintonia da operação com o planejamento estratégico da empresa = atividade econômica que desempenha 30 HOJE, no Brasil: que critérios aplicar? • Implica ponderação: – do que foi vivido (tradição e experiência [liberdade absoluta]) – da proteção à boa-fé e da previsibilidade das conseqüências à época dos fatos (cautelas normais e lisura da conduta) – do que se busca construir (CF/88) • Critérios negativos = certamente aplicáveis • Critérios positivos = o primeiro, sim; • o segundo, NÃO; ainda não está consolidado na experiência brasileira – futuro vai dizer 31 PERSPECTIVAS A CONSIDERAR “NÃO SÓ” MAS lícito/legal/válido titularidade do direito “TAMBÉM” eficaz/oponível ao Fisco fundamento e modo exercício pessoa jurídica empresa/empreendimento liberdade pura função/motivo/finalidade ato isolado (foto) o que se “quis” interpretar a lei conjunto (filme) o que se “fez” qualificar o FATO 32 Conclusões gerais da análise realizada - Não há mais “modelos admissíveis” mas “casos admitidos” - Estamos na faixa intermédia do “conflito de qualificações” - Risco da “sedução” pela nova abordagem - Risco da “demonização” do “diferente” - Nem tudo é possível - Mas nem tudo está contaminado - Há espaço para planejar desde que atendidos os critérios de análise (dois negativos e um positivo) Responsabilidade de terceiros instrumentais? S.T.F.- Informativo 475, 15.08.2007 Responsabilidade de assessores jurídicos MS-24.584 – a) Parecer opinativo não tem responsabilidade solidária (MS-24.073) b) Parecer do artigo 38, único da Lei 8666 gera responsabilidade solidária “Par. único – As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.” PERGUNTA: Se o Estatuto Social ou o rol de tarefas da função disserem o mesmo, aplica-se a responsabilidade no âmbito privado? MS-24.631 Obrigatoriedade a que submetida a conduta do agente público define natureza do parecer: a) Facultativa = não vincula autoridade que pediu b) Obrigatória = vincula salvo novo parecer (?dúvida se há responsabilidade?) c) Vinculante = Só pode decidir no sentido do parecer = codecisão (há responsabilidade solidária) RESUMO Duas disciplinas relevantes: 1.- tipo de pronunciamento emitido (opinião, recomendação, codecisão) 2.- tipo de vínculo entre ato a emanar e parecer (facultativo, obrigatório, vinculante) Responsabilidade de terceiros instrumentais • Distinguir graus de manifestação – Opinião: • expressão da ciência ou técnica para a qual está habilitado – Recomendação: • sem interesse no resultado • com interesse no resultado – Co-decisão: • parecer vinculante quanto à ação, ao conteúdo e à direção • homologação ou aprovação do ato para dar-lhe eficácia (postas todas as repercussões) • Dever de informar operações: EUA, Inglaterra (já existe), França, Portugal (em estudo)