ABSTRACT: From a interactionist 'spoint of view, I will argue that what must be taken
into account for writing language acquisition by the deaf is the role of reading and
writing, the other-interaction and how interpretation shoul be viewed into clinical
treatment.
Na literatura sobre surdez congenita, estli sempre presente a discussao sobre 0
ensino e 0 possivel metodo pedag6gico mais adequado para a "aprendizagem da
linguagem". Nota-se a esse respeito urna preocupa~ao constante com a especifica~ao
dos percursos pelos quais deve passar 0 surdo congenito para chegar a linguagem. 0
fracasso ou 0 sucesso nesta tarefa estariam, portanto, vinculados a ado~ao de urn ou
outro metodo pedag6gico.
Historicamente solu~oes pedag6gicas alternam-se cic1icamente na elei~ao da
presumivel modalidade lingfiistica materna para 0 surdo: ora a lingua de sinais , ora a
lingua oral sao assim consideradas, enquanto a lingua escrita e postulada como
modalidade lingfiistica hierarquicamente posterior.
Na minha pnitica da c1inica fonoaudiol6gica tenho trabalhado com urna
variedade significativa de surdos congenitos.
Quanto a linguagem, lui aqueles que tern duas modalidades lingfiisticas, a saber,
lingua oralllingua escrita, e lui aqueles que tern tres modalidades correspondentes a
lingua de sinais/lingua oraV lingua escrita.
Em rela~ao as respectivas familias, lui alguns surdos que sao filhos de pais
surdos, enquanto a maioria e filha de pais ouvintes.
Quanto a faixa etana, posso dizer que passam pela c1inica surdos de 0;9 ate
36;0 (trinta e seis) anos.
A escolaridade e bastante diversificada. Hli surdos oriundos do sistema regular
de ensino publico ou privado, nos niveis infantil, fundamental e medio; outros inseridos
no sistema especial ou ainda no sistema integrado de ensino especial e regular e aqueles
egressos da escola.
Todos chegam a c1inica em busca de urn trabalho que lhes auxilie a enfrentar as
dificuldades inerentes a surdez. Sobretudo aquelas relacionadas com as atividades de
leitura e escrita de textos.
Tal demanda levou-me a procurar urn outro ponto de partida para 0 meu
trabalho. De fato, na c1inica, atualmente, dedico-me sobretudo ao trabalho com a lingua
escrita. Na minha pnitica como fonoaudi610ga, fui afetada por fatos c1inicos que me
levaram a urna serie de indaga~oes sobre 0 papel da intera~ao entre mim,
fonoaudi610ga, e 0 surdo, sempre permeada pela questao do estatuto da linguagem
escrita nesta intera~ao. Foram, em surna, os resultados c1inicos, caracterizados pelas
mudan~as substanciais na escrita dos surdos por mim acompanhados,
que me
motivaram para a reflexao te6rica.
Minha hip6tese inicial e que a presen~a de urn outro atribuindo sentido para a
escrita do surdo e urn fator decisivo nas mudan~as que se observam na rela~ao deste
com.a escrita.
Esse novo universo de questoes deslocou 0 pr6prio centro de minhas
indaga~oes, que sairam da preocupa~ao pedag6gica para as questoes e hip6teses do
interacionismo em aquisi~ao de linguagem conforme Lemos(1992) e Pereira de
Castro( 1997).
Inicialmente foram selecionados textos escritos por onze (11) surdos no
periodo entre 1988 e 1996. Sete dentre eles tern tres modalidades lingilisticas (lingua
escrita,lingua oral e lingua de sinais),enquanto quatro tern duas modalidades
lingilisticas(lingua escrita e lingua oral). Todos apresentam surdez congenita, severa ou
profunda, bilateral. A idade varia entre sete(7) ate vinte e cinco(25)anos.
A primeira analise destes textos apontam para mudan~as significativas na
aquisi~ao da linguagem escrita pelo surdo e mostram 0 papel do outro nestas mudan~as,
ja que na atividade clinica sempre participei da produ~ao escrita dos textos. Em certos
momentos eu atuava como participante de urna atividade conjunta, escrevendo
literalmente, sem corre~oes 0 que 0 surdo me dizia. Em outros momentos, eu intercalava
nestes textos ditados, parte da minha pr6pria escrita; em outros, mantinhamos,
paralelamente, 0 surdo e eu, urna atividade escrita. Neste caso, cada urn era responsavel
pelo seu texto, mas nao havia qualquer restri~iio aos constantes movimentos do surdo
para ler 0 que eu escrevia, copiar 0 meu texto, etc... E preciso dizer que toda essa
atividade e sempre acompanhada de leitura, comentanos, acrescimos, corre~oes etc... 0
texto produzido esta em constante movimento: urn fragmento gera urn outro fragmento
que, por sua vez, desencadeia novas interpreta~oes, novos fragmentos escritos, etc...
Toda esta produ~ao lingilistica escrita segue a estrategia de urn rascunho
compartilhado em que se ensaiam, em momento inicial do trabalho, as possibilidades
de escrita do ponto de vista da ortografia . No decorrer do trabalho, este rascunho tern
urn papel na genese do texto e vai crescendo na atividade da escrita tambem no nivel
morfossintatico e textual .
Uma vez constatada a rela~ao estreita entre a minha atividade de fonoaudi610ga
e a produ~ao escrita do surdo, metodologicamente fiz 0 registro longitudinal do
trabalho fonoaudiol6gico com urna surda congenita, de mar~o de 1997 ate dezembro de
1998. Tal registro e constituido por situa~oes de leitura e produ~ao escrita desta surdaV.- e da minha. Para essas atividades sao utilizados textos de todos os generos
existentes na biblioteca da clinica, dentro de possivel universo de interesse: poesias,
letras de musica, piadas, cronicas, contos, hist6rias em quadrinhos com e sem texto
verbal, tirinhas em quadrinhos com e sem texto verbal, livros pertencentes a literatura
infantil. Incluem-se, tambem, produ~oes escritas a partir de figuras pertencentes a jogos
ludicos como quebra-cabe~as e outros.
Quando chegou a clinica, em mar~o de 1997, V. tinha 7;6, ja estava adaptada a
dois aparelhos auditivos, frequentava a 1a serie em classe regular do ensino publico no
municipio de Diadema e tinha duas modalidades lingilisticas: lingua oral e lingua
escrita, alem de conhecer 0 alfabeto digital. Em 1998, V. estudava na 2!!serie.
Para dar visibilidade as questoes apontadas sobre as rela~oes entre a minha
atividade interpretativa e a escrita de V., apresento muito brevemente a analise de
alguns epis6dios escritos no tratamento desta Ultima.
o primeiro registro de V., em 03/03/97, e 0 momento de avalia~do que tambem
obedece as estrategias metodologicas acima descritas. Em outras palavras, mesmo 0
que comumente e chamado de "avalia~do" na clinica fonoaudiologica inclui uma
atividade conjunta: surdo(a) e fonoaudiologa escrevem seus textos, fazem suas
interpreta~oes, troeam os textos etc...A avalia~do e, portanto, parte do proprio processo
que caracteriza 0 tratamento.
No episOdio 1, que marca 0 inicio do registro, V. espontaneamente escreve
palavras - nomes de pessoas- a partir de um dialogo em tomo de fotografias ligadas a
sua experiencia de vida.
BRUNA TAIS
NATALIA
ANDREA
SUSAZA
Em
primeiro
lugar,
V.
falava
repetidamente
os
nomes
"BRUNAINATALWANDREA" enquanto os escrevia. Posteriormente fez sua leitura
oral, aparecendo os seguintes comentlirios orais: ''Bruna chochO! Bruna sabe
falar!"(apontando para Bruna e seu cabelo na foto. Nesse contexto"chochO" significa
"cortou", ja que V. acompanha sua fala com 0 gesto de tesoura). ''Natalia toto
Mo!Natlilia num sabe falar!Eu fala!Eu sabe!"(apontando para Natalia na mesma
foto)"Andea sua amiga! Andeia minha pofessora!"(fazendo 0 gesto de fono, que
corresponde a coloca~do das mdos nos ouvidos)"Andea tli la! Andea e
legal!"(apontando para Andrea na mesma foto).
Atraves da leitura oral e do dialogo comigo, os significantes -antes isoladosentram em novas rela~Oesdiscursivo-textuais, produzindo um outro efeito de sentido,
possibiIitando minha interpreta~do: Bruna, Natalia e a propria V. eram do mesmo grupo
da fonoaudiologa Andrea.
Porem, este episodio 1 MO estava concluido para V., pois ao continuar me
mostrando as fotos, fazendo breves relatos orais, pegou novamente a mesma folha,
falando ''Tei esquever Tuzana.", passando a escrever 0 nome "SUZAZU", novamente
a partir de sua propria fala.
Ao realizar a respectiva leitura oral deste nome proprio como "SUZAZU", V.
fez uma rasura, retirando a letra final "U" e escrevendo a letra "A" no respectivo
lugar.Seguiu-se 0 comentlirio oral: Tusana tli la! E legal! Sua amiga Tuzana. Tuzana
minha pofessora."(fazendo 0 gesto de fono, que corresponde a coloca~do das mdos nos
ouvidos, alem de apontli-la na foto). Em seguida, procurou especificamente uma outra
foto, dizendo ''Tei esquever.", escrevendo 0 nome proprio "TAIS".
V. leu oralmente "TAtS" e me contou:"Sabe, minha madrinha tchi,tchi,tchi ..."
(V. apontou para a sua barriga e fez uma corte imaginlirio)"Ja foil E menininha! Tais!
Que bonitinha!"(apontando para Tais na foto procurada). Posteriormente, V. escreveu
sua identifica~do, escrevendo a palavra ''NOME'' com letras impressas maiusculas,
colocando 0 sinal de pontua~do "dois pontos", assinando seu nome com letras cursivas.
Nesta produ~do escrita de V., nota-se uma repercussdo das atividades escolares, pois
apareceram etiquetas de nomes proprios a partir de estimulos visuais fotognificos.
o episodio escrito 2 de V., registrado em 14/04/97, tambem torna visiveis as
rela~Oesdaquela que escreve com seu texto :
FUI ESTA CORRE PARA MUlTO BEM QUE NAO PROF. CARRO EMBORA.
LEGAL.
E importante notar a diferen~a entre este e 0 primeiro registro da escrita de V..
Nao se tern aqui nomes isolados, mas urn fragmento "textual"- Unica produ~ao escrita
da crian~a nesta sessao - que e composto de outros fragmentos.
A justaposi~ao de tais fragmentos emerge como urn mosaico recortado de
diferentes textos, como urn efeito de linguagem, marca da f1lia~ao de V. ao
funcionamento da lingua . Porem , se nao existisse 0 movimento de volta constante de
V.e do meu ao que ja havia sido escrito(materialidade grafica), atraves da subseq"iiente
leitura oral, esta produ~ao escrita permaneceria sem sentido, na deriva, na
impossibilidade de urna interpreta~ao, principalmente pela falta de pontua~ao. A partir
da leitura de V. ha urn efeito de sentido, que ressignifica 0 que foi escrito. A isto esm
articulado 0 processo de identifica~ao e interpreta~ao:
FUI ! ESTA CORRER. PARA MUlTO BEM! TEM NAO! PROFESSORA
CARRO EMBORA. LEGAL •
o estranhamento inicial gerado pela escrita ins6lita da lugar a minha
interpreta~ao de fonoaudi610ga: V. foi correndo ver a partida do carro da professora,
para se despedir. Mas a professoraja tinha ido embora: "tern nao!"
De onde vem tais mudan~as na escrita de V.?
Procurarei responder a esta pergunta recorrendo ao episodio 3, que corresponde
a produ~ao escrita de V. em 17/11/97, a partir da leitura da letra de mUsica "0 cravo e a
rosa", e ao episOdio 4, que e a minha produ~ao escrita sobre a mesma musica.
Episodio 3:
o cravo e te amor e a rosa
o cravo brigou como a rosa. por que no chao.
o cravo doente, doente te amor voce muito Bom!!
A rosa abra~ou.de tambem 0 cravo.
A rosa falou:
- Desculpa 0 cravo voce. Para lIlelhor e muito Parabem!!
Os ficar voce a rosa e dois muito Legal
v.
Episodio 4:
Inter,pretacaoda letra da mUsica"0 cravo e a rosa"
o cravo amava a rosa, mas a rosa nao gostava dele. Ai eles brigaram e 0
cravo ficou doente, doente de amor!! Entao a rosa voltou e 0 cravo ficou 6timo! E os
dois ficaram de bem!
Esta imersao em textos tern oferecido a V. a materialidade necessaria para
mudan~as lingfiisticas, pois tanto os textos escolbidos para leitura como aqueles que eu
produzo como fonoaudi610ga sao matrizes de funcionamento da lingua, promovendo
ressignitica~oes e a emergencia de novas rela~oes lingfiistico-discursivo-textuais.
Os
efeitos dos textos orais e escritos que circularn na clinica Ido determinantes para a
aquisi~iio da linguagem escrita por V.: lui urna rela~iio constitutiva entre textos orais e
escritos de V., meus textos orais e escritos, textos escritos selecionados para leitura e a
pr6pria pratica da escrita.
Neste epis6dio, V. faz urn texto narrativo, buscando uma unidade materializada
graficamente, que, por sua vez, niio esUi relacionada ao controle de V. sobre a
linguagem, mas justamente com 0 movimento inverso: seu assujeitamento
propria
linguagem. Mas e exatamente este assujeitamento
que produz a ruptura, 0
deslocarnento, a dispersio, e, portanto, nesta tensio entre unidade e disperslo, a
subjetiva~iio de V ..
A esse respeito tomo 0 fragmento escrito "de arnor" que e incorporado por V.
com a escrita "te amor", mas que na respectiva leitura oral volta a ser "de amor".
De onde vem tal cruzamento? A meu ver a gratia "te amor" e resultado do
cruzamento de dois textos: 0 meu, copiado por V., e urn outro em que 0 fragmento "te
amo"esUi presente. E importante ainda observar que "te amor" em "0 cravo doente,
doente te amor" esti na mesma posi~iio que "de arnor" no meu texto. Mas "te amor"
esti tambCm presente no titulo do texto de V., dando aver 0 movimento do significante
em rela~iio com outros signiticantes na composi~io da narrativa.
enunciado "Os flcar voce a rosa
dots multo Legal" produz uma ruptura
na unidade narrativa do texto de V., tanto pela inusitada ordem sinUitica, quanta pela
falta de pontua~io. Este trecho e tambCm escrito a partir do enunciado com que encerro
o meu texto. Nesse sentido reproduz-se aqui a tensio entre unidade e dispersio apontada
acima. Porem, quando V. realiza a respectiva leitura oral, a saber "Os flcar voce a
rosa! dots! multo Legal!", lui circula~iio de sentido.
Termino esta comunica~io salientando que as hip6teses fonnuladas sobre a
aquisi~io da linguagem escrita pelo surdo na clinica fonoaudiol6gica, a partir de uma
teoria interacionista, certamente poderio iluminar a atividade pedag6gica na clinica e
ate no sistema de ensino para surdos, tanto regular, quanto especial. Se as questOes
pedag6gicas, como afirmei acima, niio do 0 objetivo deste trabalho, niio se excluem,
entretanto, as contribui~Oes que este Ultimo podera trazer para todos aqueles que delas
seocupam.
a
o
e
e
RESUMO: A luz das hip6teses do interacionismo em aquisi~io de linguagem, as
mudan~as na aquisi~iio daescrita por urn surdo apontam para uma rela~io constitutiva
entre textos orais e escritos pela fonoaudi610ga, textos orais e escritos produzidos pelo
surdo, textos liter8rios selecionados para leitura e a pr6pria pratica da escrita.
PALA VRAS-CHA VE: 0 surdo; aquisi~iio da linguagem;
fonoaudiol6gica.
leitura
e escrita;
clinica
LEMOS, Claudia Theresa Guimariies. Los procesos metaforicos y metonimicos como
mecanismos de cambio. Substratum, v. 1, n. 1, p. 121-135, 1992.
PEREIRA DE CASTRO, Maria Fausta. A Interpreta~iio: a fala do outro e a
heterogeneidade da fala da crian~a. L.E.T.R.A.S., v.14, p.125-138, jan.ljun., 1997.
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ABSTRACT: From a interactionist `spoint of view, I will argue