AÇÃO RESCISÓRIA. PODERES DO RELATOR QUANTO À ADMISSIBILIDADE DA INICIAL. EXTENSÃO E PROFUNDIDADE DO EFEITO DEVOLUTIVO NO RECURSO ESPECIAL. COMPREENSÃO DO CONCEITO DOS OBITER DICTA EM NOSSO DIREITO Antonio Janyr Dall'Agnol Junior Ação rescisória. Indeferimento monocrático da petição inicial. Análise do mérito da causa. O indeferimento da inicial, em toda e qualquer ação, viabiliza-se por defeito processual em sentido estrito. Não compete ao Relator enunciar a solução do caso (pelo mérito), pois competente para esta análise é o órgão colegiado que integra. Acórdão em recurso especial que, examinando um de três fundamentos de defesa, ignora, por completo, os demais. Efeito devolutivo dos recursos. Interesse recursal. O conhecimento do recurso especial determina a devolução dos fundamentos da ação ou da defesa do recorrido, pois este não ostenta interesse recursal. Necessidade de análise expressa e adequada de todos os fundamentos autônomos que poderiam levar à improcedência da ação. Obiter dicta e ratio decidendi. Embargos de declaração parcialmente rejeitados. Decisão monocrática que se funda nas razões dos embargos de declaração rejeitados. Estas podem constituir a ratio decidendi do recurso, mas, quanto ao recurso especial, evidenciam-se obiter dicta. Apenas as razões que conduzam à superação do defeito (omissão, contradição ou obscuridade) passam a integrar o acórdão embargado, porquanto o desprovimento do recurso dos embargos nada agrega àquele. 1 PARECER I - DA CONSULTA Consulta-nos Braskem S.A., representada por seu ilustre advogado Dr. Eduardo Pecoraro, sobre decisão monocrática (na Ação Rescisória nº 4.688/BA, ajuizada contra Comércio e Indústria Refiate e outros), proferida pelo eminente Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, através da qual Sua Excelência, in limine, indeferiu inicial de ação rescisória, proposta junto à Segunda Seção do egrégio Superior Tribunal de Justiça, tendo por objeto julgamento proferido por essa Corte, em grau de recurso especial, pela colenda 4ª Turma. Relata que a demanda foi proposta perante a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, buscando, com fulcro no art. 485, V, do CPC, a desconstituição do acórdão proferido no REsp 267.256/BA (a que se seguiram decisões em dois embargos de declaração), pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Sustenta o intento rescisório em violação ao art. 257 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (doravante, RISTJ). Narra Braskem, à época sob a denominação Polialden Petroquímica S/A, que foi demandada por acionistas minoritários detentores de ações preferenciais "incentivadas", reclamando estes a obtenção de participação nos dividendos sobre lucros remanescentes. Segundo alegaram os autores, os acionistas preferenciais estariam sendo prejudicados (frente aos ordinaristas) na distribuição dos dividendos da empresa, em afrontadas as razão de disposições obscuridades da Lei nº no estatuto social, 6.404/1976 e assim Decreto-Lei 1.376/1974. 2 nº Com base nessa fundamentação, os demandantes requeriam, em síntese: i) anulação dos arts. 5º, §§ 3º e 4º; 7º, § 1º, item 3 e 37, §§ 3º, 4º e 5º do Estatuto Social, entre outros motivos, pela fixação de dividendos obrigatórios em 25% aos preferencialistas (a qual requeriam o aumento para 50%); ii) anulação das deliberações assembleares que determinaram a distribuição dos dividendos em suposta afronta à lei; iii) direito de voto nas Assembleias da empresa até o recebimento da totalidade de dividendos que entendiam devidos. Contestando a ação, a consulente impugnou, um a um, os fundamentos da inicial. Em síntese, suas teses de defesa fundavam-se em que: (a) há norma no Estatuto Social (§ 3º do art. 5º) que contraria a pretensão dos preferencialistas de participarem dos lucros remanescentes. A disposição está em sintonia com o § 2º do art. 17 da Lei das S/A, que admite seja estabelecida, no Estatuto, vedação à participação dos preferencialistas na participação dos lucros remanescentes. (b) Decreto-Lei nº 1.419/1975 constitui óbice ao direito dos preferencialistas (previsto no § 2º do art. 8º do Decreto-Lei nº 1.376/1974 e no § 2º do art. 17 da Lei das S/A); (c) há cláusula no Estatuto Social (art. 37, § 4º) estabelecendo que, "quando o valor do dividendo prioritário pago às ações preferenciais for igual ou superior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do 3 exercício, calculado na forma do art. 202 da Lei nº 6.404/1976, caracterizar-se-á o cumprimento integral do pagamento do dividendo obrigatório. Havendo sobra, após tal pagamento, será ela distribuída às ações ordinárias até serem atingidos os 25%". A cláusula, destarte, ao atribuir a participação apenas dos ordinaristas nos lucros remanescentes, constitui vedação à participação dos preferencialistas, o que não é vedado pelo direito brasileiro; (d) as decisões tomadas pelos órgãos deliberativos o foram respeitando-se as exigências legais. A sentença julgou procedentes os pedidos relativos aos itens "i", "ii" e "iii". Interposta apelação pela consulente, repetindo os argumentos da contestação, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia deu provimento ao recurso, acolhendo apenas o fundamento de defesa do item (a), reputando-o suficiente, e dispensando, assim, análise e pronunciamento sobre os demais temas. Recurso especial foi apresentado pelos autores da demanda, no qual atacado apenas o fundamento acolhido pelo Tribunal Estadual. O recurso restou provido, deferindo-se parte relevante do pedido inicial, reconhecendo-se aos acionistas preferenciais o direito à percepção dos lucros remanescentes em igualdade de condições com os acionistas detentores de ações ordinárias. Entretanto, o egrégio Superior Tribunal de Justiça restringiu-se, no exame e solução, ao fundamento do recurso, qual seja, e em suma, ao item (a) de defesa da consulente. Instado, entre outras questões, a decidir sobre os demais fundamentos de defesa, pela via dos embargos de declaração, com base no art. 257 do RISTJ, a Corte, no ponto, negou provimento aos aclaratórios. 4 Por entender embargos de que persistia declaração, os a omissão, quais foram foram opostos integralmente novos rejeitados, expressamente consignando-se que, acerca dos pontos, o acórdão do recurso especial restava absolutamente inalterado. Sobreveio o trânsito em julgado. A consulente narra, então, que ajuizou ação rescisória, com fundamento na violação ao art. 257 do RISTJ, pedindo a desconstituição da decisão e o exame da totalidade da defesa produzida, aplicando-se o direito à espécie. O eminente Ministro Relator, Paulo de Tarso Sanseverino, no entanto, indeferiu a liminarmente a inicial, por não vislumbrar a ocorrência de ofensa ao dispositivo regimental. Dessa decisão, foi interposto agravo regimental, ora pendente. Diante destes fatos, e com base nos documentos que nos foram encaminhados, a consulente formula-nos os seguintes quesitos (permitindo-nos a inversão da ordem dos dois últimos, para o efeito de exposição): 1. A decisão que indeferiu a petição inicial da ação rescisória adentrou no mérito da causa, ou ateve-se à análise das hipóteses contempladas pelo art. 490 do Código de Processo Civil? É possível o indeferimento monocrático de petição inicial de ação rescisória com base em fundamento que se confunde com o mérito da causa? 2. A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 267.256/BA e os dois embargos de declaração subsequentes, aplicou o direito à espécie, na forma do art. 257 do RISTJ, e examinou toda a defesa 5 da Braskem apresentada nas instâncias ordinárias, em especial os argumentos não apreciados pelo TJBA? 3. As passagens do aresto da 4ª Turma que julgou os primeiros embargos de declaração, apontadas pela decisão que indeferiu a inicial da ação rescisória, bastam para se ter como suficientemente analisados, tal como determina o art. 257 do RISTJ, os respectivos argumentos de defesa da Braskem, levando-se em consideração que: (a) os embargos de declaração foram, em relação a esses pontos, rejeitados; (b) não se apontou, em relação à aplicação do DL 1.376/1974, qual seria a "mera disposição estatutária" que tornaria "plenamente válida a participação total das ações preferenciais no resultado"; (c) não se disse também, em relação à interpretação da cláusula 37, § 4º, quais seriam "os demais dispositivos legais e estatutários pertinentes" que deveriam ser levados em consideração para infirmar a alegada interpretação "parcial e direcionada" que estaria sendo pretendida pela Braskem; e (d) essas omissões persistiram após o desprovimento dos segundos embargos de declaração, que tiveram como objetivo justamente instar a Turma a se pronunciar sobre esses dois temas. 4. As passagens do aresto da 4ª Turma, transcritas pela decisão que indeferiu a petição inicial da ação rescisória, consubstanciam-se em meros obiter dicta? Os demais integrantes da turma julgadora, ao acompanharem o voto do relator, o fazem em relação à conclusão nele contida ou também em relação aos obiter dicta? Tendo em vista os quesitos formulados, passamos a desenvolver nossa opinião, para, ao final, respondermos objetivamente questionamentos apresentados a exame. 6 os II - 1ª. A. DOS LIMITES COMPETENCIAIS DO RELATOR NA AÇÃO RESCISÓRIA Conforme consabido, é a ação rescisória meio de impugnação de pronunciamento judicial transitado em julgado, de qualquer grau de jurisdição, que objetiva a sua desconstituição, por uma das causae petendi exaustivamente arroladas no art. 485 do CPC, e, eventualmente, o rejulgamento da causa. Na espécie, a proposição se dá com fundamento no art. 485, V ("violar literal disposição de lei"), porquanto, segundo a narrativa da inicial, sustentada no pronunciamento da 4ª Turma, teria essa, ao prover recurso especial, interposto pela parte contrária à consulente, examinando apenas um de três fundamentos de defesa, ignorando, por completo, dois outros, deduzidos em contestação e reiterados nas contrarrazões apresentadas. O primeiro dos quesitos da consulta respeita à regra atinente ao procedimento da ação rescisória, e mesmo, antes, à competência que se há de reconhecer ao relator, para, de pronto, provocar a precipitação da demanda, com sua extinção pelo mérito, indeferindo a inicial. Parece não pairar dúvidas de que o procedimento próprio para o desenvolvimento da ação rescisória é - com circunstanciais adaptações - o ordinário, conforme se observa da só leitura do art. 491, in fine, do CPC, que remete ao Livro I, Título VIII, Capítulos IV e V, bem como em vista da previsão do próprio art. 490, nuclear para a interpretação do sistema adotado e para a análise da decisão monocrática, objeto já de irresignação, via agravo regimental (conforme documentos que nos foram alcançados pela consulente). 7 Isso assentado, impõe-se, de um lado, estudar a solução adotada pelo direito positivo pátrio e, de outro, averiguar em que medida a ele se submete o provimento exarado in limine litis. Dispõe o art. 490 do CPC, in verbis: "Será indeferida a petição inicial: I - nos casos previstos no art. 295; II - quando não efetuado o depósito, exigido pelo art. 488, II." O Código, portanto, mais não faz do que, às hipóteses comuns de indeferimento da petição inicial (art. 295), agregar caso específico à ação rescisória, qual seja, o da omissão na concretização do depósito de 5% do valor da causa (art. 488, II). Não há espaço, em linha de princípio, para razões outras, que não essas, para a súbita precipitação do procedimento pelo relator 1. Ora, a análise do art. 295 - que é o que, aqui, releva, porquanto problema não há com o depósito - conduz à inexorável conclusão de que exceção feita ao inciso IV (decadência ou prescrição) -, o indeferimento da inicial, em toda e qualquer ação, apenas se viabiliza por defeito processual em sentido estrito. Em outros termos, tão somente hipóteses que conduzem, segundo o prescrito pelo art. 267 do CPC, à extinção do procedimento "sem resolução de mérito". De efeito, segundo didática distinção elaborada por notório especialista no tema, 1 A hipótese nova, criada pela Lei nº 11.277/2006, introdutora do art. 285-A, não incide na espécie, como, adiante, se há de salientar. Igualmente não se há de invocar o disposto no art. 557 do CPC, que tem aplicação a espécies recursais, e não a ações. 8 "as hipóteses de indeferimento da inicial da ação rescisória, mencionadas em termos sintéticos nos dois incisos do art. 490, podem ser analiticamente distribuídas em três grupos: 1º - indeferimento fundado em razão de ordem formal, a saber: a) a inépcia da inicial (art. 295, nº I), resultante de faltar o pedido ou a indicação da causa petendi (art. 295, parágrafo único, nº I), de a conclusão não decorrer logicamente da narração dos fatos (art. 295, parágrafo único, nº II); exemplo: o fundamento invocado pelo autor não corresponde a qualquer das hipóteses legais de rescindibilidade, ou de formularem-se pedidos entre si incompatíveis (art. 295, parágrafo único, nº IV); b) escolha, pelo autor, de rito que não corresponda à natureza da causa, em sendo impossível a adaptação ao procedimento legalmente adequado (art. 295, nº V); c) inobservância de qualquer dos requisitos da petição inicial (arts. 282, 283 e 488, nº I), ou existência de defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento do mérito, desde que, num e noutro caso, o autor não emende ou complete a inicial, no prazo de 10 dias que o relator deve abrir-lhe para tal fim (art. 295, nº VI, fine, combinado com o art. 284 e seu parágrafo único); d) falta de instrumento do mandato outorgado ao advogado do autor, quando exigível (art. 254), ressalvada aqui também a possibilidade de suprir-se a omissão, como nos casos da letra c, pois a procuração se inclui entre "os documentos indispensáveis à propositura da ação" (art. 283), incidindo, portanto, a regra do art. 284, caput; e) falta de indicação do endereço em que o advogado do autor (ou o autor mesmo, quando postular em causa própria) receberá intimação, desde que a omissão não seja suprida no prazo de 48 horas que o relator, para tal fim, deve abrir-lhe (art. 295, VI, 1ª parte, combinado com o art. 39, nº I, e parágrafo único, 1ª parte); 9 2º - indeferimento fundado na inadmissibilidade da ação, por falta de requisitos do seu regular exercício, a saber: a) porque o autor, ou aquele cuja citação como réu se requer, é manifestamente parte ilegítima para a causa (art. 295, nº II); b) porque o autor não tem interesse processual (art. 295, nº II); c) porque o pedido é juridicamente impossível (v.g., o autor pleiteia a rescisão de pronunciamento estranho ao meritum causae, ou de sentença substituída por julgado do tribunal, mediante recurso ou devolução ex vi legis), hipótese que a lei considera como de inépcia da inicial (art. 295, parágrafo único, III), mas que não se confunde com as de inépcia formal (art. 295, parágrafo único, nºs I, II e IV); d) porque não está satisfeita alguma condição específica do exercício da ação rescisória, enquadrando-se aqui, justamente, a não efetivação, no quinquídio posterior à expedição da guia, do depósito a que se refere o art. 488, nº II (art. 490, nº II); 3º - indeferimento fundado em motivo de mérito, excepcionalmente previsto como razão bastante: é o caso da decadência (art. 269, nº IV), pronunciável ex officio, de imediato, pelo relator, nos termos do art. 210 do Código Civil, se já houver decorrido, antes de proposta a ação, dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença rescindenda (art. 495)." 2 Mais adiante, quando do exame do procedimento que se segue à contestação, acentua o ilustrado jurista carioca: "As atribuições deferidas ao 'juiz', nos mencionados Capítulos IV e V do Título VII do Livro I, competirão naturalmente, em princípio, ao relator da rescisória. Este, porém, não pode por si só, é claro, apreciar o pedido; logo, o julgamento antecipado da lide, quando viável, caberá com exclusividade ao órgão colegiado" 3. O núcleo da vedação está justamente no "apreciar o pedido", pois, como regra - a exceção única reside no reconhecimento da 2 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed. São Paulo: RT, v. V, 2009. p. 189/190. 3 Comentários, cit., p. 194. 10 decadência (e isso porque a inclui entre as matérias de mérito o CPC, em seu art. 269, IV) - compete ao órgão colegiado, e não ao relator, o exame e solução sobre a pretensão desconstitutiva de julgado veiculada pela ação rescisória. Não é por outra razão que monografista do tema vincula esta solução à competência constitucionalmente assentada, nestes termos: "A ação rescisória, seja ela voltada contra sentença, seja contra acórdão, é competência de órgão colegiado. Portanto, o mérito da ação rescisória deve necessariamente ser julgado pelo referido órgão, sendo inviável que o relator, sem embargo da competência que lhe é reconhecida, o faça. Entendimento diverso significaria contrariar o texto constitucional, quando estabelece que cada qual dos tribunais é competente para julgar ação rescisória contra os seus próprios acórdãos. Não se duvida de que o relator possa liminarmente indeferir a petição inicial, desde que o faça - repita-se - sem julgamento do mérito." A doutrina, com unissonância, tem-se 4 pronunciado pela inexequibilidade de solução de mérito - a "apreciação do pedido" de que fala Barbosa Moreira - pelo relator. É também nesta linha o ensinamento de destacados anotadores do Código de Processo Civil, quando da exegese do disposto pelo art. 490: "5. Poderes do relator. O relator é o juiz preparador da ação rescisória. A ele compete decidir sobre a admissibilidade da ação para julgamento pelo órgão colegiado, determinando a citação, deferindo provas, etc. É vedado 4 YARSHELL, Flávio Luiz. Ação rescisória: juízos rescidente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 283. Convém observar-se que, para este processualista, nem mesmo a hipótese de decadência, porque de mérito, pode ser examinada solitariamente pelo relator, "sob pena de usurpar a competência, que, no caso, é constitucional" (p. cit.). 11 ao relator proferir decisão sobre o mérito da rescisória. Não poderá, por exemplo, indeferir a petição inicial sob fundamento de que não houve violação a literal disposição de lei (CPC, art. 485, V) ou porque o juiz que proferiu a sentença rescindenda era competente em razão da matéria (CPC, art. 485, II). Essas matérias são o próprio mérito da ação rescisória, cuja competência para decidir é do órgão colegiado ao qual pertence o juiz preparador (relator). Excepcionalmente, o relator poderá indeferir a petição inicial pronunciando ex officio a decadência, extinguindo a rescisória com resolução do mérito (CPC, art. 269, IV), no caso de haver sido ajuizada depois de ultrapassado o biênio do CPC, art. 495 (Barbosa Moreira, Coment., n. 108, p. 189), em decisão sujeita a recurso de agravo interno (CPC, art. 557, § 1º)." 5 (realce do signatário). O jurista, de obra invocada na decisão monocrática do eminente Relator, de igual modo pronuncia-se pela possibilidade de, subindo os autos à conclusão do relator, vir este a "verificar desde logo a regularidade da petição inicial". A seguir, trabalha com conceitos próprios do campo dos vícios formais, quais sejam, o da sanabilidade ou não dos defeitos, para concluir: "Ao revés, estando em ordem a petição inicial, o relator deve determinar a citação do réu, conferindo-lhe prazo entre quinze e até trinta dias para a apresentação de resposta" 6. E nesta toada, sendo fastidioso registrar os diferentes pronunciamentos, segue a doutrina e - conforme o demonstra a autora da ação rescisória, nas razões do agravo regimental oferecido - a 7 jurisprudência, mesmo do egrégio Superior Tribunal de Justiça . 5 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil anotado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 835, n. 5. 6 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 394. 7 Nesse sentido, conforme o relembram as razões de agravo regimental: "PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AÇÃO RESCISÓRIA - INDEFERIMENTO LIMINAR FUNDADO NO MÉRITO - HIPÓTESE QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NO ART. 490 DO 12 O egrégio Supremo Tribunal Federal, de sua vez, enfrentando o tema, de há tempo também assim o tem entendido: "A petição inicial de ação rescisória somente poderá ser indeferida, liminarmente, pelo Relator, nas hipóteses dos arts. 160 e 801, § 1º, do Código de Processo Civil, combinados com os arts. 158 e 159 do mesmo Código. Recurso extraordinário conhecido e provido." 8 Mais recentemente, já sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, relembra Flávio Luiz Yarshell o julgado exarado no AgRg 1.033/MG, julgado em 28.11.1978 9. É verdade, reforma pontual no CPC introduziu hipótese nova de indeferimento da petição inicial (art. 285-A), mas, seguramente, nela não se enquadra a decisão extintiva exarada nos autos da rescisória sub exame. CPC - 1. Viola os arts. 295, V, e 490, I, do CPC a decisão que indefere liminarmente a ação rescisória - fundada na tese no sentido de que a não ocorrência de violação literal dos preceitos legais indicados na petição inicial implica não correspondência entre a natureza da causa e o procedimento escolhido pelo autor (art. 295, V, do CPC) -, tendo em vista que a verificação relativa à ocorrência ou não de violação literal de disposição de lei, na forma do art. 485, V, do CPC, constitui o próprio mérito da ação rescisória. Assim, é imperioso concluir que tal forma de indeferimento não encontra amparo no art. 490 do CPC. 2. Recurso especial provido" (REsp 888.900/PR, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 19.10.2010, DJ 28.10.2010); "PROCESSO CIVIL - AÇÃO RESCISÓRIA INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO INICIAL - MOTIVO DE MÉRITO IMPOSSIBILIDADE - A ação rescisória não pode ser liminarmente indeferida com base em fundamento que se confunde com o próprio mérito da causa. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 938.660/MG, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 25.09.2007, DJ 15.10.2007, p. 268). 8 RExt. 60.637-Guanabara, 2ª T., Rel. Min. Eloy da Rocha, em 30.05.1969. Os dispositivos invocados na ementa, posto mais sinteticamente, estabeleciam o que hoje ainda regrado quanto ao indeferimento da petição inicial, no geral e em matéria de ação rescisória. 9 Ob. cit., p. 283, nota 12. 13 Para ficarmos apenas com o pressuposto de menor controvérsia, não se surpreende no caso o da impositiva presença de igual julgamento "em outros casos idênticos". E, de resto, nem é ele, o dispositivo legal, invocado pela resolução indeferitória liminar. II - 1ª. B. CONSIDERAÇÃO PARA COM A ESPÉCIE Presentes estas coordenadas, a leitura da decisão do eminente Ministro Paulo de Tarso Sanseverino faz-nos concluir que, fugindo ao que comum nos pronunciamentos judiciais deste experimentado julgador e excelente jurista, Sua Excelência extrapolou os limites de sua competência, ao indeferir, de pronto, e pelo mérito, a inicial da rescisória que lhe foi distribuída. Com efeito, já ao início da motivação consignada na decisão, flagrase a assertiva inequívoca, subsequente ao anúncio do indeferimento "de plano": "Assim o faço por que não se vislumbra a alegada violação ao art. 257 do RISTJ no acórdão recorrido, não se prestando, ainda, a ação rescisória, à reanálise dos fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda por pretensa incorreção na sua análise". Mais adiante, depois de admitir a possibilidade da rescisória contra o aludido dispositivo regimental, na linha da jurisprudência da Corte Superior, termina por reafirmar que "no caso concreto não vislumbro afronta ao dispositivo que sustenta a presente rescisória, ou seja, ao art. 257 do RISTJ". E, depois de examinar a questão única posta na rescisória, inclusive com transcrição de excertos do acórdão prolatado nos primeiros embargos 14 de declaração, conclui, sem deixar margem à dúvida quanto ao que estava a cuidar: "Bem se vê que não houve afronta ao art. 257 do RISTJ, tendo sido as teses levantadas devidamente analisadas e afastadas pela colenda 4ª Turma desta Corte". Isso posto, conclui Sua Excelência pelo indeferimento da "petição inicial da presente ação rescisória". Ora, a causa de pedir deduzida na inicial da rescisória radicava justamente na literal violação do preceito abrigado pelo art. 257 do RISTJ, conforme, às claras, evidencia-o o pedido (p. 56 da petição inicial): o objeto é a rescisão do acórdão da colenda 4ª Turma, por infringido aquele dispositivo regimental (de indiscutida natureza legal, por força de competência constitucional, à época). Destarte, e o afirmamos com o maior dos respeitos, dado não era ao ilustre Relator, solitariamente, enunciar a solução do caso (pelo mérito), porquanto competente para esta análise é o órgão colegiado a que integrado. O parecer encaminha-se, assim, por responder positivamente à primeira parte da primeira questão e negativamente à segunda parte dela. II - 2ª/3ª. A. O EFEITO DEVOLUTIVO NO SISTEMA RECURSAL BRASILEIRO É secular o estudo do papel desempenhado pelo efeito devolutivo no sistema recursal. A despeito de estar reconhecida na vasta maioria dos sistemas ocidentais, por força da herança do direito romano, a sua formatação em cada modelo jurídico é determinada por variantes culturais 15 específicas. Cada ordenamento, mercê de sua formação histórica, viu amadurecer o efeito devolutivo com contornos próprios. Este fenômeno é absolutamente natural, pois, como bem pondera o Professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira: "Quando se pensa o direito processual, não se pode esquecer que o pensamento prático, paralelo ao fenômeno jurídico, tem por sujeito e fato de referência o eu situado e enraizado no próprio movimento da vida histórica e da cultura, tomando por objeto e campo operatório essa mesma vida e cultura históricas" 10 . Esta necessária vinculação entre processo e cultura, aliás, sempre foi nítida, como o reconhece jurista lembrado: "[...] mesmo as normas aparentemente reguladoras do modo de ser do procedimento não resultam apenas de considerações de ordem prática, constituindo no fundamental expressão das concepções sociais, éticas, econômicas, políticas, ideológicas e jurídicas, subjacentes a determinada sociedade e a ela características. Daí a ideia, substancialmente correta, de que o direito processual é o direito constitucional aplicado, a significar essencialmente que o processo não se esgota dentro dos quadros de uma mera realização do direito material, constituindo, sim, mais amplamente, a ferramenta de natureza pública indispensável para a realização da justiça e pacificação social." 11 Decorre daí o porquê variarem - especialmente no que diz respeito à função das Cortes Superiores - as respostas adotadas pelos diversos países. Apenas por ilustração, verifica-se que, em Portugal, ocorre sensível limitação quanto à devolução da matéria de fato acertada pelo Juízo a quo, 10 11 Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 73 e 75. Ob. cit., p. 75. 16 através da apelação 12 . De seu turno, em outros sistemas, como no vizinho Uruguai, o próprio Código Processual impõe que a Suprema Corte de Justiça reanalise a prova dos autos, com o objetivo de oferecer a melhor solução ao caso 13 . Esses exemplos demonstram que, muito embora o efeito devolutivo seja trabalhado nos sistemas comparados, cada qual deles oferece um regramento peculiar e que deve ser considerado pelo operador. A resposta das questões formuladas pela consulente depende, inicialmente, da fixação dos limites do efeito devolutivo no direito processual brasileiro. Nesse passo, no Brasil, é tradicional a lição de José Carlos Barbosa Moreira, a qual em muito auxilia a compreensão do efeito devolutivo no sistema recursal: "A exata configuração do efeito devolutivo é problema que se desdobra em dois: o primeiro concerne à extensão do efeito devolutivo, o segundo à sua profundidade. Delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar. A decisão apelada tem o seu objeto: pode haver julgado o mérito da causa (sentença definitiva), ou matéria preliminar ao exame do mérito (sentença terminativa). É necessário verificar se a decisão do tribunal 12 FERREIRA, Fernando Amâncio. Manual dos recursos em processo civil. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2005. p. 277/278. 13 Art. 277.3 do Código Uruguaio: "Si la casación se fundare en errónea decisión en cuanto a la admisibilidad valoración de la prueba, siempre que la misma determinare la parte dispositiva del fallo, la Suprema Corte de Justicia pronunciará sentencia en cuanto al fondo, sobre la base de la prueba que juzgare admisible o conforme con la valoración que entendiere corresponder". 17 cobrirá ou não área igual à coberta pelo juiz a quo. Encara-se aqui o problema, por assim dizer, em perspectiva horizontal. Por outro lado, a decisão apelada tem os seus fundamentos: o órgão de primeiro grau, para decidir, precisou naturalmente enfrentar e resolver questões, isto é, pontos duvidosos de fato e de direito, suscitados pelas partes ou apreciados ex officio. Cumpre averiguar se todas essas questões, ou nem todas, devem ser reexaminadas pelo tribunal, para proceder, por sua vez, ao julgamento; ou ainda se, porventura, hão de ser examinadas questões que o órgão a quo, embora pudesse ou devesse apreciar, de fato não apreciou. Focaliza-se aqui o problema em perspectiva vertical." 14 Com razão, ora o efeito devolutivo incide na limitação dos temas que devem ser apreciados pelo juízo a quem (a sua extensão), ora as possibilidades de cognição para a definição do tema devolvido (a sua profundidade). Entretanto, apontar com segurança a extensão e a profundidade do efeito devolutivo nos recursos cíveis não é tarefa singela, uma vez que não há, nos textos expressos de lei, clara resposta. Daí a valia da interpretação sistemática de nossas fontes. No Direito brasileiro, o efeito devolutivo consagrado pelo caput do art. 515 do CPC está expressamente 15 . Em que pese a norma estar inserida no capítulo dedicado ao recurso de apelação, a doutrina nunca divergiu quanto à sua aplicabilidade - em maior ou menor escala - aos 14 Comentários ao CPC. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. V, 2009. p. 430. Art. 515 do CPC: "A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. § 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. § 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. § 4º Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação". 15 18 demais recursos. Como bem pondera o Professor Araken de Assis, "as questões subordinadas à iniciativa das partes observam, assim, o tradicional aforisma tantum devolutum quantum appellatum. Embora o brocardo aluda à apelação, a diretriz se aplica a quaisquer recursos" 16 . Com apoio na norma, pode-se afirmar, em um primeiro momento, que "a extensão do efeito devolutivo determina-se pela extensão da impugnação: tantum devolutum quantum apellatum. É o que estabelece o dispositivo ora comentado, quando defere ao tribunal 'o conhecimento da matéria impugnada'. Como o apelante, à evidência, não pode impugnar senão aquilo que se decidiu (na sentença: não em qualquer outro pronunciamento do juiz, ainda que emitido pouco antes - v.g., no curso da mesma audiência), conclui-se desde logo que a apelação, em princípio, não devolve ao tribunal o conhecimento da matéria estranha ao âmbito do julgamento do órgão a quo." 17 Há, entretanto, uma série de particularidades na realização prática do efeito devolutivo. Por ilustração, como bem ponderam Sérgio Gilberto Porto e Daniel Ustárroz, uma "hipótese tradicional de alargamento do efeito devolutivo diz respeito à possibilidade de o Tribunal conhecer todos os fundamentos da demanda e da defesa, ainda que o juiz tenha acolhido parcela deles e silenciado quanto aos demais. Esta permissão tranquiliza a parte recorrida, a qual sabe que, muito embora a decisão tenha acolhido um dos fundamentos levantados no curso do processo, caso o tribunal entenda que o resultado deva ser mantido por outro fundamento, esta postura será lícita." 18 Com efeito, como sublinha o Professor José Carlos Barbosa Moreira, 16 17 18 Manual dos recursos cíveis. 3. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 233. Ob. e loc. cits., p. 431. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 147. 19 "a apelação interposta contra sentença definitiva devolve ao conhecimento do órgão ad quem o mérito de causa, em todos os seus aspectos. Dirige-se a impugnação contra o pronunciamento do juízo inferior que julgou procedente ou improcedente o pedido. Assim, em princípio, compete igualmente ao tribunal proferir decisão de procedência ou de improcedência, ainda que a sentença apelada não haja chegando a examinar todo o conteúdo da lide. Por exemplo: se o órgão a quo, após a audiência de instrução e julgamento, ou em qualquer dos casos art. 330, deu pela ocorrência de prescrição, que já é matéria do mérito (cf. o art. 269, nº IV), pode o tribunal, negando a prescrição, passar a apreciar os restantes aspectos da lide, sobre os quais o juiz não chegara a pronunciarse. Não há aqui propriamente exceção à regra, segundo a qual a extensão do efeito devolutivo se mede pela extensão da impugnação (vide, supra, o comentário nº 238). A 'matéria impugnada' é a declaração da improcedência do pedido, e sobre isso há de manifestar-se o tribunal, muito embora, para fazê-lo, tenha de examinar questões que o órgão a quo deixou intactas. É o que se infere do § 1º do dispositivo ora comentado, de acordo com o qual serão 'objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões' (inclusive a do mérito) 'suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro'." 19 Avançando nesta linha, no que toca especificamente à profundidade do efeito devolutivo, observa José Carlos Barbosa Moreira: "Para decidir, tinha o juiz de resolver questões, suscitadas pelas partes ou apreciáveis do ofício, atinentes quer ao(s) fundamento (s) do pedido, quer ao(s) da defesa. Ora, pode acontecer que a sentença haja efetivamente examinado todas essas questões, ou que se tenha omitido sobre alguma(s). Aqui, pois, o problema do efeito devolutivo consiste em determinar em que medida competirá ao tribunal a respectiva apreciação 19 Ob. e loc. cits., p. 443-444. 20 sempre, é óbvio, dentro dos limites da 'matéria impugnada'. Como resulta dos §§ 1º e 2º, é amplíssima, em profundidade, a devolução. Não se cinge às questões efetivamente resolvidas na sentença apelada: abrange também as que nela poderiam tê-lo sido (a devolução de questões anteriores à sentença é matéria do art. 516). Estão aí compreendidas: a) as questões examináveis de ofício, a cujo respeito o órgão a quo não se manifestou - v.g., a da nulidade do ato jurídico de que se teria originado o suposto direito do autor, e em geral as quaestiones iuris; b) as questões que, não sendo examináveis de ofício, deixaram de ser apreciadas, a despeito de haverem sido suscitadas e discutidas pelas partes. Se o autor invocara dois fundamentos para o pedido, e o juiz o julgou procedente apenas por um deles, silenciando sobre o outro, repelindo-o, a apelação do réu, que pleiteia a declaração da improcedência, basta para devolver ao tribunal o conhecimento de ambos os fundamentos; caso, a seu ver, o pedido mereça acolhida justamente pelo segundo fundamento, e não pelo primeiro, o tribunal deve negar provimento ao recurso, 'conformando' a sentença na respectiva conclusão, mediante correção dos motivos. Se o juiz julgou improcedente o pedido, examinando só o fundamento a, e omitindo-se quanto ao fundamento b, a apelação do autor permite ao tribunal julgar procedente o pedido, sendo o caso, quer pelo fundamento a, quer pelo fundamento b. Analogamente, se o réu opusera duas defesas, e o juiz julgou improcedente o pedido, acolhendo uma única dentre elas a apelação do autor devolve ao órgão ad quem o conhecimento de ambas: o pedido poderá ser declarado improcedente, no julgamento da apelação, com base na defesa que o órgão a quo repelira, ou sobre a qual não se manifestara. Se o juiz julgou procedente o pedido, rejeitando a defesa a e omitindo-se 21 quanto à defesa b, a apelação do réu permite ao tribunal, sendo o caso, julgar improcedente o pedido, com apoio seja em a seja em b. Em nenhuma dessas hipóteses precisa a parte vencedora interpor, por sua vez, apelação, quer independente, quer adesiva, para insistir no fundamento do pedido ou da defesa que tenha sido rejeitada, ou a cujo respeito haja silenciado a sentença. A apelação, aliás, seria inadmissível, por falta de interesse. Tampouco é necessário que a parte insista expressamente no fundamento desprezado ao arrazoar o recurso do adversário: a devolução produz-se de qualquer maneira, ex vi legis." 20 Como se observa, não é necessário que a parte insista em um fundamento desprezado "ou a cujo respeito haja silenciado a sentença". É que, na eventualidade do adversário deduzir o seu recurso, esses temas, quando suficientes para a manutenção do julgamento favorável, são automaticamente devolvidos ao órgão revisor. Essa orientação é plenamente compreensível, uma vez que o recorrido (enquanto vencedor da causa) não ostenta interesse recursal (art. 499 do CPC). Não lhe é autorizado deduzir recurso, quando a decisão lhe oferece a integral satisfação. Fixada a regra geral, passemos vista na jurisprudência dos Tribunais Superiores, para aferir como opera o efeito devolutivo no recurso extraordinário e no especial. 20 Ob. e loc. cits., p. 445-447. 22 II - 2ª/3ª. B. A APLICAÇÃO DO DIREITO À CAUSA, NA LINHA DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A análise do efeito devolutivo no âmbito dos recursos de estrito direito sempre foi um tema discutido no País. No curso do século XX, o Supremo Tribunal Federal debateu amplamente como conciliar o seu papel constitucional com o regramento do recurso extraordinário. O tema enfrentado pela mais alta Corte pode ser resumido na seguinte questão: o conhecimento do extraordinário por um determinado fundamento ("a") impediria a apreciação de outros pontos ("b" e "c"), quando estes não fossem suscitados pelo recorrente? Ou ainda, poderia o Supremo Tribunal Federal conhecer de matérias ausentes no acórdão recorrido, à luz da exigência constitucional de prequestionamento? Após amplos debates, ocorridos especialmente após a década de 1960, o Supremo Tribunal Federal firmou a sua jurisprudência no sentido de admitir a aplicação do direito à espécie, quando conhecido o recurso extraordinário. A matéria foi alvo de enunciado - o de nº 456 da súmula, o qual reza: "O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie". Os debates travados nos acórdãos que deram ensejo à elaboração do enunciado permitem compreender o amplo alcance almejado pela Corte com o mencionado verbete. Deve ser destacado que a posição formada majoritariamente pelo Supremo Tribunal Federal encontra dissidência nos votos do Ministro Marco Aurélio Mello, o qual reconhece interesse recursal à parte vencedora. Na sua visão, competiria ao interessado interpor recursos com o objetivo de instar o Poder Judiciário a apreciar outros fundamentos suficientes para a manutenção do julgado que não tenham sido abordados, 23 sob pena de preclusão. Justificando o seu entendimento, o Ministro clama pela "esperteza" do jurisdicionado: "Até mesmo o vencido, principalmente quando o passo a ser dado pela parte contrária é no sentido de ingresso em sede extraordinária, tem interesse em embargar e ver a matéria discutida e decidida pela Corte de origem, porque se não houve emissão de entendimento sobre o tema versado nas razões do extraordinário e se pudéssemos presumir alguma coisa relativamente ao ofício judicante, presumiríamos o acerto, a homenagem ao direito posto, não a contrariedade a esse direito. Por isso, Senhor Presidente, assento que não cabe, no julgamento do recurso extraordinário, considerar tema, fundamento estranho ao que decidido pela Corte de origem. Que os jurisdicionados estejam espertos! Que lancem mão dos embargos declaratórios, compelindo a Corte de origem, se a hipótese não for de incompatibilidade de enfoques, a emitir pronunciamento claro e preciso sobre o tema, para, então, trazê-lo à sede extraordinária. Se isso não ocorre, padece o recurso do indispensável prequestionamento; se isso não, não posso proceder ao cotejo necessário a que se conclua pelo enquadramento do recurso no permissivo constitucional; não posso, se a Corte não enfrentou a matéria, assentar que, enfrentando essa matéria, viria a adotar entendimento conflitante com a Constituição Federal." (Ministro Marco Aurélio) - fl. 1.324 21 21 Excerto do voto vencido proferido no RE 298.694, cuja ementa segue: "I - Recurso extraordinário: letra a: possibilidade de confirmação da decisão recorrida por fundamento constitucional diverso daquele em que se alicerçou o acórdão recorrido e em cuja inaplicabilidade ao caso se baseia o recurso extraordinário: manutenção, lastreada na garantia da irredutibilidade de vencimentos, da conclusão do acórdão recorrido, não obstante fundamentado este na violação do direito adquirido. II - Recurso extraordinário: letra a: alteração da tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do RE, a, se for para dar-lhe provimento: distinção necessária entre o juízo de admissibilidade do RE, a - para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados - e o juízo de mérito, que envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário. III - Irredutibilidade de vencimentos: garantia constitucional que é modalidade qualificada da proteção ao direito adquirido, na medida em que a sua 24 Conquanto absolutamente respeitável, dito posicionamento, no sentido de admitir-se interesse recursal à parte vencedora, não é este o adotado pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, e, tampouco, pela doutrina majoritária. Como se observará, o Direito brasileiro limita o interesse recursal à parte sucumbente, protegendo a parte recorrida através do efeito devolutivo dos fundamentos que garantem a manutenção do provimento impugnado. Como mencionado, o Supremo Tribunal Federal admite a "confirmação da decisão recorrida por fundamento constitucional diverso daquele em que se alicerçou o acórdão recorrido e em cuja inaplicabilidade ao caso se baseia o recurso extraordinário" 22 . Na linha do raciocínio do Ministro Sepúlveda Pertence (que conduziu a maioria da Corte), mereceria destaque o papel dos embargos de declaração deduzidos contra os acórdãos dos Tribunais Superiores. Segundo Sua Excelência, em julgamento paradigmático, os embargos declaratórios são admissíveis, em tese, para que o órgão julgador se pronuncie sobre a matéria que o embargante não suscitou anteriormente por falta de interesse. É o que sucede quando, da negação da tese do acórdão recorrido, não resulte necessariamente a inversão do resultado da causa, ante a existência de motivos alheios à fundamentação da decisão incidência pressupõe a licitude da aquisição do direito a determinada remuneração. IV Irredutibilidade de vencimentos: violação por lei cuja aplicação implicaria reduzir vencimentos já reajustados conforme a legislação anterior incidente na data a partir da qual se prescreveu a aplicabilidade retroativa da lei nova" (RExt 298694, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 06.08.2003, DJ 23.04.2004, p. 00009, Ement. v. 02148-06, p. 01270; RTJ v. 00192-01, p. 00292). 22 STF, RE 298694/SP, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 06.08.2003, DJ 23.04.2004, p. 00009, Ement. v. 02148-06, p. 01270; RTJ v. 00192-01, p. 00292. 25 impugnada que, não obstante rejeitada esta, induzam a manter o dispositivo do julgado. "Em tais hipóteses, não fica o STF subordinado a que o argumento capaz de justificar a manutenção do resultado favorável ao recorrido haja sido por ele suscitado. No recurso extraordinário, ao contrário do recorrente, ao recorrido - vencedor na instância a quo - não se impõe o ônus do prequestionamento, nem sequer o de aventar, nas contrarrazões, os motivos, posto que estranhos aos da decisão recorrida, de que possa resultar a manutenção desta, salvo se se trata de matéria a respeito da qual a lei exija a iniciativa da parte interessada." (excerto do voto proferido no RExt 85.944) 23 Como se observa, ao recorrido (vencedor na instância a quo) não se impõe o ônus do prequestionamento, nem sequer o de aventar, nas contrarrazões, os motivos, visto que estranhos aos da decisão recorrida, de que possa resultar a sua manutenção. É que ele (recorrido) não possui interesse recursal, na medida em que o seu pedido tenha sido integralmente atendido pela instância a quo. Apenas na eventualidade do provimento do recurso interposto pela parte sucumbente é que surgirá o 23 Íntegra da ementa: "Embargos declaratórios: admissibilidade in abstracto e rejeição in concreto. I - Embargos declaratórios são admissíveis, em tese, para que o órgão julgador se pronuncie sobre matéria que o embargante não suscitou anteriormente por falta de interesse. É o que sucede quando, da negação da tese do acórdão recorrido, não resulte necessariamente a inversão do resultado da causa, ante a existência de motivos alheios à fundamentação da decisão impugnada que, não obstante rejeitada esta, induzam a manter o dispositivo do julgado. Em tais hipóteses, não fica o STF subordinado a que o argumento capaz de justificar a manutenção do resultado favorável ao recorrido haja sido por ele suscitado. No recurso extraordinário, ao contrário do recorrente, ao recorrido - vencedor na instância a quo - não se impõe o ônus do prequestionamento, nem sequer o de aventar, nas contrarrazões, os motivos, posto que estranhos aos da decisão recorrida, de que possa resultar a manutenção desta, salvo se se trata de matéria a respeito da qual a lei exija a iniciativa da parte interessada. II - Na espécie, contudo, o acórdão embargado não se ressente da omissão apontada pelo embargante, pois examinou expressamente o problema da aplicação da Lei nº 2.437/1955 às prescrições em curso e da consideração para tanto do tempo corrido anteriormente à sua vigência" (RExt 85944-ED, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 30.09.1997, DJ 07.11.1997, p. 57250, Ement. v. 01890-03, p. 00505). 26 interesse prático (e jurídico) da análise dos demais fundamentos da ação ou da defesa, na linha do art. 515, § 1º, do CPC. Para a elucidação dessa discussão, muito contribuiu o magistério do Professor José Carlos Barbosa Moreira, a todo o momento lembrado nos votos do Plenário da Corte. A admissão de uma "causa de pedir aberta", para o recurso extraordinário, na visão da maioria dos ministros, permitiria ao Supremo Tribunal Federal melhor cumprir a sua missão constitucional, uma vez que não ficaria refém dos temas suscitados em razão do interesse privado do recorrente. Vale lembrar alguns trechos de votos que bem indicam a posição da Corte: "Ainda, porém, que se pretenda manter a praxe, o certo é que nem dela decorre que, acaso errôneo o fundamento do acórdão recorrido, atacado no RE, esteja o Supremo Tribunal jungido a dele conhecer e lhe dar provimento, ainda que entenda haver fundamento constitucional para manter-lhe o dispositivo, não obstante a errônea da motivação." (Relator Ministro Sepúlveda Pertence) - fl. 1.303 24 "Senhor Presidente, acompanho o voto do eminente Relator por entender, convictamente, que o Supremo pode decidir com inovação de fundamento. Nada na Constituição, nada na lógica jurídica autoriza a inaplicabilidade do iura novit curia às decisões da Casa, em sede de recurso extraordinário. Não é a extraordinariedade do recurso que vai forçar o Supremo Tribunal Federal a restringir o seu próprio âmbito de apreciação da matéria." (Relator Ministro Carlos Ayres Britto) - fl. 1.305 "Considero que interpretação restritiva quanto à profundidade do efeito devolutivo do extraordinário implica duas graves contradições, muito bem 24 Para este e os excertos de votos que seguem, cf. nota 23, supra. 27 percebidas por S. Exa. A primeira é a contradição imediata com a função constitucional precípua do Supremo, que é a de velar pela mesma Constituição, na sua inteireza. Não é possível, sem renúncia a tal função, admitir que esta Corte esteja impedida de reconhecer a incidência de certa norma constitucional, sob o singelo fundamento de que não teria sido invocada nas razões ou nas contrarrazões do recurso extraordinário. E a segunda, mais grave que a primeira, que já é gravíssima, parece-me ser a contradição com a ordem jurídica em si, porque não consigo conceber como o Supremo Tribunal Federal possa modificar o conteúdo de uma decisão, com base no argumento de que teria havido ofensa a determinada regra ou princípio constitucional, quando esteja claríssimo, nos autos, que esse mesmo conteúdo decisório deva subsistir pela aplicação de outra norma ou princípio constitucional, incidente sobre os fatos da causa. Noutras palavras, o Supremo Tribunal Federal estaria, em tal conjuntura, modificando o teor da decisão que reconhece estar conforme a Constituição!" (Ministro Cezar Peluso) - fls. 1309/1310 "[...] começamos a atribuir a função de vigência da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal a uma vontade da parte, ou a uma conduta dos tribunais inferiores. Se os tribunais inferiores não fundamentaram assim, acabava tendo uma solução nitidamente contrária à Constituição, mas, como não tinha sido o fundamento, etc., terminava lesando aquilo que era a vigência plena da Constituição. E, aí, estamos caminhando para aproximar o recurso extraordinário de um recurso objetivo, como disse o Ministro Gilmar Mendes. Enfim, a questão começa agora. Aqui vem o problema que deve ficar muito claro também. Na medida em que abrimos esse leque, fundamentos no sentido diversos, de darmos podermos conhecer provimento ou de recursos negarmos com provimento, teremos uma função mais efetiva do Supremo no que diz respeito à vigência da Constituição. E o Ministro Carlos Velloso me advertia da avalanche que isso determinaria, o que contra-arrazoava objetivamente, 28 aqui no canto, o nosso Ministro Decano." (Ministro Nelson Jobim) - fls. 1318/1319 Novamente, a posição majoritária soa compreensível. Afinal, caso o recurso extraordinário não viabilizasse a consideração das teses afastadas ou nem sequer enfrentadas, dada a existência de fundamento suficiente para a adoção da decisão recorrida, necessariamente deveria ser reconhecido interesse recursal à parte vitoriosa na instância ordinária. Tal conclusão, além de ir contra a inteligência do art. 499 do CPC, ocasionaria uma "avalanche" (expressão do Ministro Nelson Jobim) de processos dirigidos ao Pretório Excelso. Por tais fundamentos, o Supremo Tribunal Federal optou pela direta aplicação do direito à causa, na hipótese de conhecimento do extraordinário, na forma do enunciado de nº 456 da súmula. Como se percebe, o conhecimento do recurso extraordinário, na visão do Supremo Tribunal Federal, permite a consideração de todos os fundamentos suficientes para a manutenção do acórdão, ainda que eles apenas tenham sido levantados pelo recorrido em sede de embargos de declaração, pois é neste momento em que surge o seu interesse recursal. II - 2ª/3ª. C. A DEVOLUTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL A extensão do efeito devolutivo do recurso especial foi - e ainda é um tema muito discutido no seio do Superior Tribunal de Justiça. Em que pese a sua história recente, observa-se que, nos seus vinte anos de atuação, diversos acórdãos preocuparam-se em desatar esta questão. Ao contrário do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça ainda não editou enunciado específico sobre o tema, em sua súmula de jurisprudência dominante. Contudo, deve ser sublinhado que a 29 jurisprudência da Corte admite a aplicação analógica da Súmula nº 456 do Supremo Tribunal Federal -, o que é absolutamente saudável para o sistema jurídico, na medida em que oferece coerência aos recursos de estrito direito 25 . A principal razão para a inexistência (e mesmo a desnecessidade) de enunciado de semelhante jaez no âmbito do Superior Tribunal de Justiça é o fato de a devolutividade do recurso especial estar regulada no próprio Regimento Interno. Com efeito, reza o Regimento Interno da Corte, em seu art. 257, que: "No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie". 25 Apenas para ilustração: "TRIBUTÁRIO - PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ACÓRDÃOS CONFRONTADOS AGRAVO NÃO PROVIDO - 1. Há divergência jurisprudencial quando os acórdãos em confronto, partindo de quadro fático semelhante, ou assemelhado, adotam posicionamento dissonante quanto ao direito federal aplicável. 2. Ausência de similitude fática entre os casos em confronto. O acórdão embargado, ao conhecer do recurso especial, aplicou o direito à espécie, segundo o art. 257 do RISTJ e a Súmula nº 456/STF, e determinou a incidência de juros de mora na condenação, muito embora estes não tenham sido fixados nas instâncias ordinárias. O acórdão apontado como paradigma não conheceu da questão referente aos juros moratórios, trazida nas razões de recurso especial, porque não havia sido prequestionada. 3. Agravo regimental não provido" (AgRg-EREsp 1129256/SP, Corte Especial, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, J. 09.06.2011, DJe 01.07.2011); "TRIBUTÁRIO - PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - CRÉDITO DE IPI - DIREITO AO APROVEITAMENTO - LEI Nº 9.779/1999 - MATÉRIA PACIFICADA EM RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (RESP 860.369/PE) - SÚMULA Nº 456/STF - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA - AGRAVO NÃO PROVIDO - [...]. 3. Incidência, por analogia, do enunciado da Súmula nº 456/STF, que dispõe: 'O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à espécie'" (AgRg-REsp 1052101/MA, 1ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, J. 20.09.2011, DJe 23.09.2011); "PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE SEGURANÇA EXPLORAÇÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS ATRAVÉS DE POÇO ARTESIANO NECESSIDADE DE OUTORGA - [...]. 3. O art. 257 do RISTJ é claro ao consignar que, no julgamento do apelo nobre, esta Corte deve aplicar o direito à espécie. 4. Agravo regimental não provido" (AgRg-AgRg-REsp 1185670/RS, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 01.09.2011, DJe 06.09.2011). 30 Na interpretação da aludida norma, a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem privilegiando a interpretação sistemática, concretizando assim o justo processo. Na linha dos julgados do Supremo Tribunal Federal, também o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo e instando à aplicação do melhor direito à espécie, após a admissão do recurso especial, reconhecendo que a consideração dos fundamentos de ação e de defesa é meio extremamente efetivo para garantir aos jurisdicionados o adequado acesso à justiça. Com razão, o conhecimento do recurso especial depende da superação dos tradicionais requisitos de admissibilidade, inclusive aqueles específicos desta impugnação. Todavia, uma vez admitido, comporta o especial a devolução dos fundamentos que são suficientes para a manutenção da decisão recorrida. É plenamente viável o desprovimento do recurso, pela adoção de diversa fundamentação daquela desenvolvida na decisão recorrida. Em outros termos, para se valer das próprias palavras enunciadas pela Corte: "Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, o que implica o julgamento da causa e a aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, que procura dar efetividade à prestação jurisdicional, sem deixar de atender para o devido processo legal." 26 A adoção do art. 257 do Regimento Interno está em sintonia com os parágrafos do art. 515 do CPC, que é, em verdade, uma norma - como dito anteriormente - de sobredireito processual. Isto é, em que pese estar inserta no capítulo da apelação, aplica-se para os demais recursos, como regra. Este raciocínio vale para o recurso especial, ao viabilizar que a Corte encontre a decisão mais justa para a causa, aplicando o melhor 26 AR 4.373/SP, 1ª S., Rel. Min. Humberto Martins, J. 27.04.2011, DJe 06.05.2011. 31 direito à espécie, e não apenas considerando aquelas normas que são criteriosamente escolhidas pela parte recorrente. Por tais fundamentos mostra-se irrepreensível o raciocínio desenvolvido pelo Ministro Mauro Campbel Marques, quando consignou que "a apelação devolve em profundidade o conhecimento da matéria impugnada, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 515 do CPC. Em outras palavras, estabelecida a extensão do pedido recursal, dentro dela está o tribunal livre para apreciar, na profundidade do efeito devolutivo, a fundamentação do referido pedido. Não se trata, portanto, de julgamento extra petita, pois a análise feita pelo tribunal a quo adstringiu-se ao pedido recursal, embora tenha imergido em sua profundidade". E, a seguir, agregou: "Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, o que implica o julgamento da causa e a aplicação do direito à espécie, de acordo com o art. 257 do RISTJ e com a Súmula nº 456/STF" 27 . Inviabilizar o conhecimento de temas não suscitados pelo recorrente, quando tais temas vão de encontro a sua tese, significaria dotar o recurso especial de um papel individualista, que não é do escopo do sistema brasileiro. Ao contrário, no Brasil, serve justamente o recurso especial para estabelecer a soberania do direito federal como um todo, o que pressupõe a consideração de outros dados relevantes, oportunamente arguidos no processo judicial, ainda que estes não tenham sido considerados expressamente no acórdão recorrido. Poderia ser objetado, a este respeito, que a Constituição Federal exige o prequestionamento para o conhecimento do recurso especial, o que é absolutamente verdadeiro. Porém, como sublinhado nas linhas antecedentes, a consideração de outros fundamentos suficientes para a 27 AgRg-REsp 1065763/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 10.03.2009, DJe 14.04.2009. 32 manutenção do resultado da causa não leva ao não conhecimento do recurso, mas sim ao seu desprovimento. É no momento do julgamento de mérito que entra em cena o art. 257 do Regimento Interno, o qual pressupõe a superação do juízo de admissibilidade. Não há sentido exigirse, dentro desse contexto, o prequestionamento de matérias que apenas não foram enfrentadas expressamente, naquele determinado momento processual, pela ausência de utilidade. Com efeito, o requisito do prequestionamento, nas hipóteses em que o recorrido não possui interesse recursal, merece mitigação, sob pena de ser entusiasmado o manejo de embargos de declaração, para que o Tribunal de origem - já tendo emitido juízo favorável ao embargante - seja constrangido a enfrentar outros fundamentos que conduziriam ao mesmo resultado prático. Além de incoerente com o sistema, esta orientação seria ilegal, pela aplicação dos arts. 515 do CPC e 257 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça 28 . A permissão para o enfrentamento de outros fundamentos, que levam à manutenção do julgado recorrido, é um fato de legitimação da prestação jurisdicional. Afinal, por um lado, oferece a garantia ao recorrido de que, a despeito da inexistência - ocasional - de interesse recursal, as suas legítimas pretensões serão analisadas. Por outro, quiçá ainda mais 28 Por ilustração: "AGRAVO REGIMENTAL - FRAUDE À EXECUÇÃO - AVERIGUAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE PROVA DA INSOLVÊNCIA PELO CREDOR - TAREFA AFETA À INSTÂNCIA A QUO - RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM - NECESSIDADE - AGRAVO IMPROVIDO - 1. O Superior Tribunal de Justiça deve, em um primeiro momento, debruçar-se sobre a matéria de direito trazida no recurso especial, a fim de uniformizar a jurisprudência pátria acerca da interpretação da legislação federal. 2. Afastado o fundamento jurídico do acórdão a quo, cumpre a esta Corte Superior julgar a causa, aplicando, se necessário, o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e da Súmula nº 456/STF. 3. Ao aplicar o direito à espécie, o Superior Tribunal de Justiça poderá mitigar o requisito do prequestionamento ao valer-se de questões não apreciadas diretamente pela Instância de origem nem ventiladas no apelo nobre. 4. Quando, porém, a aplicação do direito à espécie reclamar o exame do acervo probatório dos autos, convirá o retorno dos autos à Corte de origem para a ultimação do procedimento de subsunção do fato à norma. 5. Agravo regimental improvido" (AgRgEDcl-Ag 961.528/SP, 3ª T., Rel. Min. Massami Uyeda, J. 21.10.2008, DJe 11.11.2008). 33 importante no que toca à administração da justiça, viabiliza a realização da missão constitucional do Superior Tribunal de Justiça, que não é propriamente um Tribunal de Cassação, autorizando-o a aplicar o melhor direito à espécie, o que, a todas as luzes, colabora, inclusive, com a celeridade da prestação jurisdicional 29 . Como se observa, o papel reservado pela Constituição Federal ao recurso especial impõe que, após o seu conhecimento, sejam devolvidas ao Superior Tribunal de Justiça as matérias capazes de manter a decisão recorrida, sob pena de o Tribunal passar a admitir interesse recursal à parte vitoriosa - o que se ostenta absolutamente contraprodutivo, em face do excessivo número de recursos interpostos, além de ilegal pela incidência do art. 499 do CPC. II - 2ª/3ª. D. APLICAÇÃO DAS LIÇÕES AO CASO CONCRETO À luz do que foi exposto, fica patente que o conhecimento de um recurso especial, pela superação de seus pressupostos constitucionais e legais, determina a devolução dos fundamentos da ação ou da defesa do recorrido, pois este não ostenta interesse recursal próprio. 29 Na linha da vinculação entre a celeridade e o art. 257 do Regimento: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL - APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE - ART. 257 DO RISTJ CELERIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - INEXISTÊNCIA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - PREQUESTIONAMENTO - MITIGAÇÃO - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL - HARMONIA ENTRE DECISÃO EMBARGADA E ACÓRDÃOS PARADIGMAS - NÃO CONHECIMENTO - Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, o que implica o julgamento da causa e a aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, que procura dar efetividade à prestação jurisdicional, sem deixar de atender para o devido processo legal. Na aplicação do direito à espécie o STJ poderá mitigar o requisito do prequestionamento, valendo-se de questões não apreciadas diretamente pelo 1º e 2º grau de jurisdição, tampouco ventiladas no recurso especial. Não há como limitar as funções deste Tribunal aos termos de um modelo restritivo de prestação jurisdicional, compatível apenas com uma eventual Corte de Cassação. A aplicação do direito à espécie também atende os ditames do art. 5º, LXXVIII, da CF, acelerando a outorga da tutela jurisdicional. Não há como conhecer dos embargos de divergência quando a decisão embargada encontra-se em harmonia com o entendimento contido nos acórdãos alçados a paradigma. Embargos de divergência não conhecidos" (EREsp 41.614/SP, 2ª S., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 28.10.2009, DJe 30.11.2009). 34 Observamos que a posição do Supremo Tribunal Federal, sumariada no histórico Enunciado de nº 456 de sua súmula, e a melhor interpretação do art. 257 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça conduzem à conclusão de que, admitido o recurso especial de uma das partes, todos os fundamentos suficientes à manutenção do julgado e que favorecem o recorrido, devem ser considerados. Contudo, apenas os fundamentos suficientes à manutenção do julgado e oportunamente levantados pelas partes podem ser conhecidos. O devido processo, garantido em sede constitucional e infraconstitucional, não autoriza o alargamento do efeito devolutivo para socorrer ao jurisdicionado que, no momento apropriado, silencia acerca de temas que a lei impõe a sua iniciativa. Outrossim, como observado, tão somente os fundamentos que por si só garantem o desprovimento de recursos (e a manutenção das decisões recorridas) é que são devolvidos, pela iniciativa recursal da parte sucumbente na instância ordinária. Com base nessas premissas, passamos a enfrentar objetivamente o caso concreto. Dentro desse contexto, pode-se indagar qual o comportamento que deveria ter sido adotado pela consulente. No plano hipotético, duas seriam as opções: (a) interpor recurso autônomo, para propiciar a abordagem dos outros fundamentos, ou (b) aguardar a iniciativa da parte sucumbente, confiando em que o recurso do adversário leve ao Superior Tribunal de Justiça os demais fundamentos de sua defesa, não analisados pelo Tribunal de origem. Deve ser assinalado que, no caso concreto, a consulente não poderia ter atacado o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da Bahia, quer 35 através de embargos de declaração, quer através de recurso especial e/ou extraordinário, uma vez que inexistia, naquele momento, interesse jurídico. Tudo o que fora oposto, em contestação, e, posteriormente, no apelo, fora acolhido pelo juízo de origem; por decorrência, nesta hipótese concreta, era juridicamente inviável deduzir qualquer recurso que pudesse superar o juízo de admissibilidade. Nesta medida, podemos alcançar conclusão parcial, no sentido de que o Superior Tribunal de Justiça, no caso concreto, deveria ter analisado expressa e adequadamente os três fundamentos, que levariam - por si sós, na ótica da recorrida - à improcedência da ação, quais sejam os de que: (a) há norma no Estatuto Social (§ 3º do art. 5º) que se mostra contrária à pretensão dos preferencialistas de participarem dos lucros remanescentes, estando a disposição estatutária em sintonia com a regra do § 2º do art. 17 da Lei das S/A, que admite seja estabelecida, no Estatuto, vedação à participação dos preferencialistas na participação dos lucros remanescentes; (b) o Decreto-Lei nº 1.419/1975 constitui óbice ao direito dos preferencialistas (previsto no § 2º do art. 8º do Decreto-Lei nº 1.376/1974 e no § 2º do art. 17 da Lei das S/A); e (c) há cláusula, no Estatuto Social (art. 37, § 4º), estabelecendo que, "quando o valor do dividendo prioritário pago às ações preferenciais for igual ou superior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, calculado na forma do art. 202 da Lei nº 6.404/1976, caracterizar-se-á o cumprimento integral do pagamento do dividendo obrigatório. Havendo sobra, após tal pagamento, será ela distribuída às ações ordinárias até serem atingidos os 25%." (realce do signatário) 36 A cláusula, ao atribuir a participação apenas dos ordinaristas nos lucros remanescentes, constitui vedação à participação dos preferencialistas. A leitura da decisão proferida no Recurso Especial nº 267.256, bem como das enunciadas nos embargos de declaração sucessivos, não permite visualizar o enfrentamento dos últimos dois tópicos, muito especialmente o de letra "c", acima mencionado. No caso submetido à nossa análise, verifica-se que o primeiro fundamento foi explicitamente analisado e atendido pelo Tribunal do Estado da Bahia. Sobre esta questão gravitou o debate do recurso especial, tendo esta egrégia Corte, cumprindo a sua missão constitucional, alcançado solução diversa da pretendida pela consulente. Não há, pois, como inquinar-se o acórdão de omisso quanto a este fundamento. Contudo, tendo em vista que a análise desse único fundamento da defesa fora suficiente para o julgamento de improcedência da ação, não houve deliberação do Tribunal de origem quanto aos demais (pela ausência - insista-se - de interesse jurídico). Esta a razão determinante que levou o Tribunal da Bahia a não emitir juízo quanto à procedência, ou não, dos demais fundamentos, igualmente suficientes para a adoção da conclusão, levantados pela então apelante. Com base nessas premissas, a segunda indagação formulada pela consulente pode ser respondida: A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 267.256/BA e os dois embargos de declaração subsequentes, não aplicou o direito à espécie, na forma do art. 257 do RISTJ, e, portanto, não examinou toda a defesa da Braskem apresentada nas instâncias ordinárias, e em especial os fundamentos de defesa não apreciados pelo TJBA. 37 Como consignado no próprio acórdão alvo da ação rescisória, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento mencionado, entendeu que teria havido inovação em sede dos embargos declaratórios, registrando o eminente Relator que não se sentia vinculado a emitir juízo quanto ao fundamento de defesa da previsão estatutária que vedava a percepção das sobras pelos preferencialistas, verbis: "Quanto à suposta omissão acerca da existência de cláusula estatutária que proíbe a participação dos acionistas preferenciais na distribuição dos lucros remanescentes, não haveria mesmo que haver qualquer pronunciamento desta Corte, pois a questão foi invocada somente nesta sede de embargos". Em outras palavras, do texto do acórdão proferido nos embargos de declaração, pela colenda 4ª Turma, a decisão rescindenda reputou inviável o enfrentamento dos temas que eram suficientes para a manutenção do julgado, visto que, segundo o registrado pelo acórdão, teriam sido trazidos apenas em sede de embargos. É, entretanto, justamente este o principal equívoco do acórdão - e o que motivou a ocorrência das omissões relevantes -, que merecer ser suprido no julgamento desta ação rescisória. Com base nessa linha de ideias, podemos afirmar que os trechos colacionados na decisão que indeferiu de plano a ação rescisória, de modo algum podem ser tidos como suficientes para autorizar a conclusão de que os temas "b" e "c" tenham recebido resposta jurisdicional, exatamente porque não analisados. Quando muito, terá havido o fenômeno do obter dicta, ponto analisado em resposta ao derradeiro quesito, logo a seguir. Pelo fio do exposto, consideramos que a consulente efetivamente titula direito a obter a devida tutela jurisdicional, com a explícita e motivada apreciação dos fundamentos "b" e "c" de sua defesa, inclusive porque oportunamente levantados (1) na contestação, (2) na apelação e (3) nos embargos de declaração deduzidos no Superior Tribunal de Justiça. 38 Não são bastantes, de qualquer modo, as passagens do acórdão da 4ª Turma, que vieram a ser acolhidas pela decisão monocrática indeferitória da inicial rescisória, quer por sua não conformação para com o que dos autos consta (quando busca sustentação apenas do que se extraia "das decisões proferidas nas instâncias ordinárias", e não nos documentos todos que o instruem), quer por sua natureza francamente hipotética, ao não indicar, com precisão, que norma - estatutária ou legal - daria sustento aos recorrentes (há mera alusão à necessidade de interpretação "por inteiro e em consonância"), ferindo-se, assim, a previsão do art. 257 do RISTJ. Ademais, realce que adiante se dará, os excertos respeitam a parte da motivação dos primeiros embargos de declaração em que enunciadas razões de rejeição, circunstância que inibe sejam agregados ao acórdão do recurso especial, objeto da ação rescisória. Não houve julgamento quanto aos dois últimos fundamentos de defesa, motivo por que não aplicado o direito à espécie. A omissão persistiu, mesmo após a interposição dos segundos embargos declaratórios, estes integralmente rejeitados, assinalando o eminente Relator que "restou absolutamente inalterado o acórdão do recurso especial nos demais pontos" (isto é, nos que não acolhidos nos primeiros embargos, entre os quais justamente a omissão no enfrentamento de dois dos três fundamentos de defesa). Portanto, ao terceiro quesito encaminhamos resposta negativa: as passagens do aresto da 4ª Turma, que materializa o julgamento dos primeiros embargos de declaração, registradas pela decisão que indeferiu a inicial da ação rescisória e reputadas como comprobatórias do enfrentamento dos temas, não bastam para a conclusão de que analisada, 39 tal como determina o art. 257 do RISTJ, a integralidade dos fundamentos de defesa da Braskem. II - 4ª. A. OBITER DICTUM E RATIO DECIDENDI O quarto quesito cuida de questões que têm merecido menor atenção da doutrina pátria, pois não tem, em nossos tribunais, a importância que alcançam em Cortes anglo-saxônicas, particularmente americanas, em vista do sistema do stare decisis 30 . De qualquer modo, a pertinência é inequívoca; e, no caso que nos é submetido a exame, particularmente relevante. A leitura dos acórdãos proferidos pela 4ª Turma evidencia que a distinção tem especial importância, inclusive para verificação do que foi examinado e resolvido no recurso especial, que veio a ser provido com atenção apenas a um de três fundamentos defensivos. Para efeito de distinção, impositivo ter-se presente, de saída, que (a) no acórdão pronunciamento do não recurso houve especial, quanto à isoladamente totalidade dos considerado, fundamentos defensivos, senão que apenas quanto àquele acolhido pelo tribunal de origem; e (b) que, no relativo à alegação de omissão, levada a efeito pela interposição dos primeiros embargos de declaração, foram estes, neste preciso ponto, desprovidos. Não obstante isso, a decisão monocrática enunciada pelo emérito Relator, indeferindo liminarmente a petição inicial da ação rescisória, calca-se justamente nas razões consignadas nestes embargos 30 de No Black's Law Dictionary, sub "obiter dictum", colhe-se, ao final do verbete: "Such are not binding as precedent" (St. Paul, Minn. W est Publishing Co., 1990, p. 2072). 40 declaração, os primeiros, as quais se evidenciam como ratio decidendi deste específico recurso, mas não podem ter tal natureza quanto ao recurso especial. De efeito, impositivo distinguir-se - precipuamente quando desprovidos (nos pontos específicos) os embargos de declaração - o que sejam razões de decidir dele e o que venham a ser razões de decidir que possam vir a agregar-se ao acórdão embargado. Não parece padecer dúvida de que apenas as razões que conduzam à superação do defeito (omissão, contradição ou obscuridade) passam a integrar o acórdão embargado, porquanto o desprovimento do recurso dos embargos (e, se parciais, como no caso, no ponto em que o sejam), definitivamente, nada agregam àquele. A lição do já tantas vezes recordado - e com inteira justiça! - José Carlos Barbosa Moreira é precisa: "Acórdão que, ao julgar embargos de declaração, decide algo pertinente à causa ou ao recurso anterior, integrase na decisão respectiva e é recorrível nos mesmos termos em que ela, no ponto, o seria" 31. As considerações que - algumas inclusive a latere ou em tese, na medida em que aos autos não vão -, resultaram consignadas no acórdão dos primeiros embargos de declaração tem, assim, ineludivelmente, natureza de obiter dicta (ou, o que no plano prático resulta no mesmo: em ratio decidendi não se constituem). As razões estavam dirigidas ao mérito dos embargos de declaração (ao efeito de negar o déficit que ao acórdão embargado se imputava), e não ao mérito do acórdão embargado, este forma de concretização do julgamento proferido no recurso especial. 31 Ob. e loc. cits., 15. ed., p. 563. 41 Aliás, é o próprio Relator dos segundos embargos de declaração rejeitados integralmente - que, em seu voto, assevera: "Com efeito, restou inalterado o acórdão do recurso especial nos demais pontos [...]" (Compreenda-se como "demais pontos" justamente os que objetivava ver superados a consulente, através dos primeiros embargos de declaração, no pertinente à ausência de deliberação sobre a integralidade dos seus fundamentos de defesa). Se inalterado o acórdão do recurso especial, irrecusavelmente a ele, "nos demais pontos", nada foi agregado - e o que se disse tem caráter meramente opinativo, e não jurisdicional. O conceito de obiter dictum, efetivamente, na doutrina não filiada ao sistema dos precedentes, à americana, tem amplitude maior do que o mais restrito deste 32 , e inclusive, de regra, tem seu conceito expresso negativamente (tendo em conta o conceito de ratio decidendi 33 ). É copiosa a doutrina a respeito, parecendo demasiado, neste, transcrever mais do que um par de excertos, eleitos por sua precisão: "La definizione ampia che viene usata infra nel testo, secondo cui è obiter dictum tutto ciò che nel contesto della motivazione non fa parte di una specifica argomentazione giustificativa o non costituisce un elemento dotato di funzione giustificativa autonoma, è più generica, 32 e Neste sentido, claramente, TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: Cedam, 1975. p. 312. Embora não seja demasiado registrar que, mesmo no sistema da common law, como obiter dicta se tem aqueles "statements from the court that do not have to be followed", justamente porque não se evidenciam como fundamento de resolução (SCOFIELD, Robert G. The distinction between judicial dicta and obiter dicta, em Los Angeles Lawyer/October, 2002. p. 17). 33 Cf., v.g., na doutrina brasileira, DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 5. ed. Salvador: JusPodium, v. 2, 2010. p. 383). 42 sostanzialmente diversa, dalla nozione di obiter dictum che appartiene alla dottrina angloamericana del precedente (secondo cui è obiter dictum ciò che non ha efficacia vincolante secondo i princípi dello stare decisis)." 34 "L' obiter dictum viene solitamente definito per esclusione, poiché si considera obiter tutto ciò che non rientra nella ratio decidendi." 35 "[...] obiter dictum, ossia tutte quelle affermazioni ed argomentazioni che sono contenute nella motivazione della sentenza ma che, pur potendo essere utili per la comprensione della decisione e dei suoi motivi, tuttavia non constituiscono decisione." parte integrante del fondamento giuridico della 36 Um dos excertos (do acórdão alvo da rescisória) transcritos na decisão monocrática do eminente Relator alcança, inclusive, nível meramente hipotético, a enquadrar-se, também por aí, como mero obter dictum: "Le formulazione di regole o di principi attinenti non già al caso da decidere, ma a casi ipotetici, che il giudice delinea, per ragione più o meno occasionali, nel motivare la soluzione concretamente decisa." 37 Evidenciam-no expressões iniciais de orações, como as empregadas: "ademais"; "a par disso". De qualquer sorte, ainda que se não tenha visão menos restritiva do que se compreenda como obiter dictum, parece inequívoco que ambos os 34 TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile, p. 312. TARUFFO, Michele. Dimensioni del precedente giudiziario. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, v. 48, n. 2, p. 420-421, 1994. 36 TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, a. LXI, n. 3, p. 715. 37 CHIASSONI, Pierluigi. Il precedente giudiziale: tre esercizi di disincanto. In: Analisi e dirito 2004 ricerche di giurisprudenza analítica, a cura di Paolo Comanducci e Ricardo Guastini. Torino: Giappichelli Editore, 2005. p. 85. 35 43 excertos em que calcado o pronunciamento monocrático do digno Relator não se constituem - no que respeita ao julgamento realizado no recurso especial - razões de decidir. E isso basta, devida vênia, para confortar a irresignação apresentada pela consulente, com o objetivo de obter o prosseguimento da ação rescisória que ajuizou. Afinal, em resposta à segunda parte da quarta questão formulada, registramos que, não obstante não raro que os demais integrantes de um órgão colegiado também acompanhem o voto do relator quanto à sua motivação, seguramente o que releva, ao efeito de julgamento, é a conduta de adesão à conclusão que nele se consigna. É ao que dispõe (daí, a formação do obrigatório dispositivo - art. 165 do CPC) o relator que aderem os demais membros. A mera manifestação "de acordo" - perfeitamente admissível 38 - não importa, porém, e aí seguramente, em concordância com circunstancial opinião (obiter dictum) exarada pelo relator. O compromisso com os demais integrantes, concordes com a conclusão (= dispositivo), é para com esta, porque é aí que o direito está dito (jurisdictio). Encaminhamo-nos, assim, por responder afirmativamente à primeira parte da quarta questão colocada a nosso exame, e negativamente à segunda parte dela. 38 Cf., v.g., ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. São Paulo: RT, 2007. p. 357 - com expressa remissão a julgado da 3ª Turma do STJ: REsp 176.528/MG, de 1999, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU 29.11.1999, p. 159. 44 III - CONCLUSÕES Concluindo, e com a síntese que se impõe, respondemos diretamente às questões que nos foram apresentadas pela consulente: 1ª) A decisão monocrática, liminarmente proferida pelo eminente Relator, indeferindo a inicial da ação rescisória, não se ateve às hipóteses do art. 490 do CPC, conforme se observa da só leitura de seus termos. Inegavelmente, enfrentou o mérito da causa, na exata medida em que consigna que "no caso concreto não vislumbro afronta ao dispositivo que sustenta a presente rescisória, ou seja, ao art. 257 do RISTJ", concluindo pela de inexistência de violação ao mencionado artigo regimental, este justamente o vício apontado na demanda desconstitutiva como suficiente ao sucesso da pretensão. No sistema positivo pátrio, apenas a hipótese de decadência da ação (mérito, segundo os termos do art. 269, IV, do CPC), é passível de constituir-se em fundamento para liminar rejeição de inicial pelo julgador e, ainda assim, segundo entendimento não pacífico, porque doutrina há no sentido de que nem sequer neste caso poderia o relator, solitariamente, indeferir a petição inicial de ação rescisória. 2ª) Não, a colenda 4ª Turma do STJ, nas três oportunidades que se lhe abriram (REsp e dois EDcl), não aplicou a previsão regimental do art. 257 do RISTJ, porquanto se cingiu a enfrentar apenas o primeiro de três fundamentos de defesa, que agitava a consulente desde a contestação, cujo exame se impunha pela só eficácia devolutiva do recurso especial. Em poucos termos, não julgou a causa, aplicando o direito à espécie. 3ª) Não, as aludidas passagens desservem ao efeito de conclusão de enfrentamento da totalidade dos fundamentos de defesa da Consulente, pois, quando não situadas no plano meramente hipotético (por não 45 precisarem os fundamentos jurídicos e nem buscarem nos autos a solução), constituem, quando muito, ratio decidendi dos primeiros embargos de declaração - e para o fim de rejeição deles, nestes precisos pontos. Os segundos embargos de declaração, aliás, não permitem dúvida quanto à inteireza do acórdão concretizador do julgamento do REsp, no particular, conforme, de resto, expressamente, o consigna: "Restou absolutamente inalterado o acórdão do recurso especial nos demais pontos" (compreendidos estes, sem sombra de dúvida, como os respeitantes ao enfrentamento dos demais fundamentos de defesa, sempre ignorados). 4ª) Considerando o mais amplo conceito de obiter dicta, com o qual trabalham os sistemas positivos não situados no da common law, não temos dúvida em responder afirmativamente à primeira pergunta: as passagens transcritas na decisão monocrática, extraídas do acórdão dos primeiros embargos de declaração, constituem, relativamente ao julgamento do REsp, meras obiter dicta. E a razão é singela: como tal se entendem aquelas formulações que não constituam razões de decidir. Não podem sê-lo, quanto ao REsp, dicta expressas para tão somente rejeitar os fundamentos dos embargos de declaração, tendo em consideração o objeto deste recurso. Induvidosamente, a adesão dos demais integrantes de um órgão colegiado respeita à conclusão daquele ordinariamente o relator - primeiro, quando não único, a expressar a ratio decidendi. Não raramente, a adesão se dá também quanto à motivação, mas nada conduz à conclusão de que estejam de acordo com o "perlappunto" - para repetir expressão da doutrina italiana - circunstancialmente lançado por aquele. Esta, respeitosamente, é nossa opinião. Porto Alegre, 10 de outubro de 2011. 46