9 Introdução “Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer”: tecendo e contando histórias no diálogo com outras histórias (...) Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias (...) (...) Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer (...) (...) Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins (...) (COLASANTI, Marina. A moça tecelã, 2004) Destaco alguns trechos do livro “A moça tecelã” de Marina Colasanti, trazendoos para compor a epígrafe deste texto, narrando, em interlocução com ele, uma outra história. Uma história de muitas tessituras, ora tecendo-se o tecido com linhas claras, ora com linhas escuras, ora com pontos pequenos, ora com outros maiores, ora desfazendo o tecido, mantendo coisas, retirando outras, e construindo uma nova história a cada dia nesta ação de tecer, revelando, com essas tessituras e (des) tessituras, a minha história, em cada ponto ou desenho criado a partir de um ponto e naqueles que foram sacudidos ao contrário, desfazendo-se, dando espaço para outras criações, em um processo de interlocução entre idas e vindas, passado e presente, social e individual, histórias coletivas e história individual. Minha formação acadêmica inicial - graduação - se constitui na Licenciatura Plena em Formação de Professores para a Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental para Crianças, Jovens e Adultos e o Bacharelado em Pedagogia nas Instituições e nos Movimentos Sociais obtida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro no segundo semestre de 2010. Durante o período de graduação, procurei agregar a prática ao conhecimento adquirido na academia, atuando, desde os primeiros períodos, em estágios na área escolar. Tal atuação se deu principalmente em escolas públicas, visto que as questões pertinentes ao espaço escolar e à educação pública sempre me inquietaram. 10 Iniciei minha trajetória profissional na educação como auxiliar de professora em uma creche escola da rede particular, sendo este espaço fundamental em minha trajetória profissional e pessoal. Lá tive a oportunidade de (re) pensar, através da prática, o papel da educação infantil, as concepções de criança, as posturas do educador, as ações pedagógicas bem como as minhas próprias concepções que se tecem, criam, recriam, modificam-se e alteram-se no dia a dia e na articulação entre prática e pesquisa acadêmica, não no sentindo de receber, semelhante a uma tabula rasa, o que me foi passado ou por mim experimentado, mas como um processo de experiência, que na relação com o outro, na relação comigo mesmo, comigo ontem, comigo hoje, contribuiu para minha reflexão sobre a prática, sobre as relações das crianças naquele espaço, sobre a organização daquele espaço e das próprias práticas pedagógicas na primeira infância. Em 2011, iniciei minha trajetória profissional na Rede Municipal do Rio de Janeiro, como professora de Educação Infantil em uma creche localizada na zona sul do Rio de Janeiro. Ser aprovada neste concurso público foi um momento muito importante em minha vida. Atuar como professora de educação infantil, ainda mais na rede pública, fez parte dos meus planos desde os primeiros períodos da graduação e, exercer a profissão de professora esteve presente em meus sonhos desde a infância, revelando-se nas brincadeiras, quando, por exemplo, trazia as práticas e as relações de ensino e aprendizagem vividas no espaço escolar, organizando o mobiliário com cadeiras, ursos de pelúcia e bonecos, quadro negro, giz, apagador, folhas, canetas, canetinhas etc. O sonho de ser professora de educação infantil foi sendo mais fortemente desenhado durante o período da graduação e do estágio complementar, intensificando-se nas práticas diárias em espaços pós formação inicial – os diversos espaços escolares e os espaços de formação continuada. Durante a graduação, realizei pesquisas sobre as práticas de leitura e escrita na escola, no que tange ao processo de alfabetização, seu histórico, bem como às questões culturais e sociais que estão envolvidas, talvez, por ser este um tema que durante as disciplinas da graduação muito me inquietou, me fazendo mergulhar no passado, rever minhas experiências enquanto criança com a leitura e a escrita, meu processo de alfabetização e minhas experiências de leitor ao longo da vida. O objetivo desta primeira pesquisa monográfica era analisar, discutir e verificar as práticas de leitura e escrita em sala de aula, buscando estratégias metodológicas que considerassem a pluralidade cultural. 11 Meu interesse em pesquisar práticas de leitura e escrita na escola foi sendo remodelado e outros focos de pesquisa e recortes foram sendo definidos ao mergulhar na prática como professora de Educação Infantil, e também ao refletir sobre a prática neste processo constante de formação continuada. A Educação Infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (MEC, 1996). Portanto, cabe a nós, educadores, pensar qual a função da Educação Infantil e quais as possíveis organizações de propostas pedagógicas que podem vir a complementar a ação dos familiares e da comunidade na vida da criança. As ações a serem desenvolvidas estarão diretamente relacionadas às concepções de criança e infância. As infâncias são vivenciadas de formas diferentes. Cada criança, sob determinada condição social, histórica e cultural, vive sua infância de forma única, mas, ainda assim, apresenta em comum a capacidade de criar, imaginar, de trazer o mundo real para o mundo da imaginação e da fantasia. Em função disso, as propostas pedagógicas a serem desenvolvidas no dia a dia da Educação Infantil devem considerar a criança não como algo a vir a ser, mas como o que é agora. A criança deve ser considerada um sujeito histórico e de direitos, que tem suas percepções de mundo, suas idéias, seus questionamentos e suas formas de agir neste mundo, sendo necessária a criação de espaços que possibilitem a ela ser protagonista nas relações desenvolvidas e estabelecidas no cotidiano. É importante, no cotidiano da Educação Infantil, oferecer às crianças experiências e saberes que dialoguem também com os seus saberes, promovendo uma ampliação de experiências, aquisição e conquista de novos conhecimentos e descobertas que irão construir sua identidade pessoal e coletiva, produzindo cultura a partir das muitas interações, relações e práticas no espaço-tempo da Educação Infantil. Tendo em vista a concepção de infância apresentada e buscando pensar as práticas no cotidiano da Educação Infantil, vale a reflexão acerca do trabalho com múltiplas linguagens, dando espaço ao movimento, ao brincar, às ciências, à matemática, à arte, à literatura e à música como possibilidades de construção de conhecimentos significativos e, principalmente aqui, em diálogo com a minha história de vida e formação, trazendo para debate e constante reflexão a linguagem escrita, suas concepções, práticas e apropriações no cotidiano da Educação Infantil, reavaliando o lugar e o tempo da leitura e da escrita nesse cotidiano, e também buscando pensar 12 práticas que considerem a alfabetização, a leitura e a escrita como algo cultural, social e não somente restrito ao ambiente escolar, indo além do codificar e decodificar. Movida por estas inquietações, procurei um espaço de formação continuada, o Curso de Extensão Mediadores de Leitura, participando dos dois cursos semestrais inseridos nesse curso: (I) Linguagem e Cultura Escrita: Alfabetização, Leitura, Escrita e Oralidade na Educação Básica e (II) A promoção da leitura na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental: literatura infantil, mediações e acervos, oferecido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, como proposta de formação continuada para os professores da rede pública, buscando reflexões teóricas para pensar a prática, e realizando a prática, colocando novos questionamentos, reavaliando o lugar e o tempo da leitura, da escrita, da literatura no cotidiano da Educação Infantil. Por todo o exposto, revelado em uma tessitura de histórias profissionais, acadêmicas, pessoais, sociais e históricas, em um processo constante de formação continuada e reflexão sobre a prática, busquei participar de outros espaços de formação: do Curso de Especialização em Educação Infantil oferecido pela UFRJ e do Encontro de professores de estudos sobre letramento, leitura e escrita (EPELLE), oferecido pela mesma Universidade, contribuindo assim para minha formação pessoal, profissional e acadêmica, através da busca por um aprofundamento em minhas reflexões sobre as práticas pedagógicas na Educação Infantil. Busco, dentre outras coisas e preferencialmente, refletir, repensar e questionar o tempo e o espaço da linguagem verbal, incluindo a leitura, a escrita e a oralidade, na Educação Infantil e também as diversas formas de se potencializar as muitas experiências com a língua escrita através da vivência com os diferentes gêneros textuais, os diversos suportes, a literatura infantil e as muitas brincadeiras e jogos com palavras como enriquecedores e potencializadores de uma aprendizagem significativa. Cheguei ao EPELLE buscando mais um espaço de reflexão sobre o meu fazer pedagógico. Neste processo de formação continuada em articulação com a prática, outras inquietações foram surgindo. No meu processo de pesquisa/formação, enquanto professora pesquisadora por questionar a minha prática, refletir sobre o meu fazer, buscar interlocutores que me ajudem a compreender mais ampla e profundamente o desafiador cotidiano da escola (ZACCUR, ESTEBAN, 2002), meus questionamentos foram tomando novos/outros rumos, ao mergulhar no espaço investigado e vivido e ao me relacionar com as crianças, observando as cenas, ouvindo suas vozes e dialogando com elas. 13 A organização do EPELLE, a proposta de formação, que partia do que as professoras-alunas traziam de suas práticas, dos olhares delas para as suas práticas, dos olhares das outras professoras do grupo sobre essas práticas, em um diálogo prática/teoria/prática entre alunas - professoras-pesquisadoras e formadoras me deixou um convite, mais um tecido de idéias para compor meu tecido, um convite a ouvir, de um outro modo as crianças e o modo como se relacionavam desde pequenas com a leitura e a escrita, valorizando suas falas e trazendo-as para compor essa pesquisa monográfica. Sou Professora de Educação Infantil do Município do Rio de Janeiro desde 2011 e trago nesta pesquisa monográfica algumas reflexões tecidas a partir da observação de cenas ocorridas nos anos de 2012 e 2013 com as turmas nas quais estive como docente em uma Creche Municipal da Zona Sul do Rio de Janeiro (crianças com a faixa etária entre 3 e 4 anos). Essas reflexões foram construídas a partir da observação, questionamento e redimensionamento do cotidiano, em um permanente diálogo práticateoria-prática possibilitado a partir da minha inserção na Universidade, enquanto aluna do Curso de Especialização oferecido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e enquanto aluna/ professora pesquisadora no EPELLE - Encontro de professores de estudos sobre letramento leitura e escrita na mesma Universidade, alimentando, deste modo, o meu processo reflexivo que pressupõe que A prática sinaliza questões e a teoria ajuda a apreender estas sinalizações, a interpretá-las e a propor alternativas, que se transformam em novas práticas, portanto, ponto de partida para novas indagações, alimentando permanentemente o processo reflexivo que motiva a constante busca pela ampliação dos conhecimentos de que se dispõe. (ZACCUR e ESTEBAN, 2002, p. 20) Refletir sobre a prática em diálogo com a teoria criando novas práticas e alimentando o processo reflexivo me levou a mergulhar na minha história de formação, na minha trajetória profissional e acadêmica e nas minhas memórias de infância: nas brincadeiras de ser professora que ganharam vida nas falas, na organização do mobiliário, nos ursos de pelúcia e bonecos que se transformavam em crianças, no quadro e no giz; nas minhas memórias enquanto aluna e mais especificamente nas minhas memórias quanto às praticas escolares com a leitura e a escrita e na minha interação com a linguagem escrita desde pequena. Um mergulho no presente – enquanto 14 professora de Educação Infantil em processo de formação continuada; no passado – na minha história de vida e formação; e um olhar para o futuro, com outras perspectivas de olhares que me fizeram optar por trazer aqui uma tessitura de discussões a partir das muitas interações da criança pequena com a linguagem escrita: como a criança interage com a leitura e a escrita desde a mais tenra idade? Quais usos, significados, interpretações e ressignificações fazem da linguagem escrita revelando seu processo de autoria? Como a brincadeira, enquanto experiência de cultura (BORBA, 2012) se revela enquanto experiência de/com a linguagem escrita? E, ainda, investigando o trânsito real e simulado nas brincadeiras de faz de conta, refletindo sobre o simulado e o imaginário, e sobre o real, a realidade e a experiência presentes nas cenas: o que as cenas de brincadeira revelam das interações estabelecidas entre a criança e a linguagem escrita, especialmente com os diversos gêneros e suportes? O objetivo desta pesquisa monográfica é investigar como a linguagem escrita, os gêneros do discurso e seus suportes têm sido vivenciados no cotidiano da Educação Infantil e os sentidos atribuídos pelas crianças a essas experiências. Para atingi-lo, escolhi investigarmos momentos de brincadeira vividos pelas crianças na creche a partir da observação e registro de cenas, interpretando o que elas revelam das interações estabelecidas entre a(s) criança(s) e a linguagem escrita, especialmente, a sua relação com os diversos gêneros e suportes. Entendo que, no brincar, a criança se interroga sobre o mundo no qual ela se situa (GOUVÊA, 2007), significando a cultura e construindo experiências, revelando o que conhece do mundo e como o ressignifica. Estabelecendo um paralelo com a linguagem escrita, no brincar, a criança revela o que conhece dela, trazendo seus usos para a brincadeira, significando-a e ressignificando-a nesta ação de/com autoria, produzindo cultura e sendo produzido por ela. Compreendendo a brincadeira enquanto ação criadora vinculada também à experiência, não no sentindo de pura imitação, mas de ressignificação ao combinar elementos criando o novo, algo próprio daquela criança, faço uma discussão a partir do movimento dialógico e dialético entre brincadeira e experiências com os gêneros. Fez parte dos desdobramentos desta pesquisa investigar a linguagem escrita, seus usos e funções nas interações que se estabelecem no mundo, pensando-a como parte constituinte das relações entre os homens, que a utilizam para comunicar-se, expressar-se e construir sentidos na relação com o outro. Consequentemente busquei pensar como potencializar práticas pedagógicas no cotidiano da Educação Infantil que 15 considerassem a vivacidade e pluralidade desta linguagem repleta de sentidos e significados, apostando em um trabalho com os gêneros do discurso, em contextos reais e simulados, tecendo, deste modo, alguns fios a partir de uma reflexão sobre a /advinda da prática e deixando fios à disposição para outras discussões e tessituras sobre o espaço e práticas da linguagem escrita na educação infantil e a ação, aqui e agora, da criança pequena, em interação com a linguagem escrita. 16 Capítulo 1 Um diálogo de muitas tessituras: algumas considerações sobre linguagem e infância 1.1 (Re) pensando a linguagem: a linguagem em sua relação com a criação de significados e com a tessitura de histórias coletivas e individuais O ser humano carrega, além das marcas do biológico, características históricas, sociais e culturais. Estas características, que extrapolam o natural, se fazem presentes no ser humano por este se constituir na e pela linguagem. Todas as atividades humanas estão relacionadas com o uso da linguagem, por este motivo, é possível compreender que os modos de uso sejam tão diversos quanto as próprias atividades humanas. É através da linguagem, na interação com os muitos outros, nos diversos contextos, que o ser humano vai tendo contato com a cultura, produzindo-a e sendo produzido por ela, criando e recriando o mundo à sua volta, expressando-se, comunicando-se, pensando e agindo com a fala, os gestos, através da brincadeira, pela escrita, dentre outros modos (BAKHTIN, 2003; VYGOTSKY, 1995). É com a linguagem que vamos tendo contato com a cultura a que pertencemos, produzindo significados nas interações que estabelecemos com o outro e com os objetos culturais que nos cercam, criando e recriando o que está à nossa volta, construindo deste modo nossa história – singular e coletiva. Faz-se necessário pensar sobre a linguagem escrita em nossa sociedade e também sobre as práticas sociais de leitura e escrita que permeiam as relações entre os homens nas sociedades letradas e, ainda, sobre a relação da criança pequena com a linguagem escrita, buscando investigar como ela vivencia a leitura e a escrita mesmo antes de aprender a ler e a escrever, construindo significados e dando uso a elas, experimentando-as e recriando-as enquanto sujeito de linguagem e produtor de linguagem. Pensar nesta criança pequena em interação com a linguagem escrita implica pensar sobre quem são as crianças e como vivem a sua infância, compreendendo a brincadeira como forma central da criança ver o mundo e enxergar a realidade de outros modos, ocupando um espaço entre o simulado e o real, fazendo-nos refletir sobre que real é o vivenciado pela criança, quais são as experiências selecionadas por ela e como são ressignificadas. Neste trabalho, o foco se volta para a compreensão de como a 17 linguagem escrita e os gêneros discursivos são percebidos, vivenciados e reinterpretados pela criança na ação do brincar. A linguagem escrita está intensamente presente em nossa sociedade e dela utilizamos para dar conta de grande parte de nossas ações, permitindo-nos participar das práticas sociais de leitura e escrita que permeiam as relações entre os homens nas sociedades letradas. Dela lançamos mão para nos informar, orientar, comunicar, divertir, dentre outras funções, em diversas situações do nosso cotidiano: leitura e escrita de carta ou bilhete; anúncios de emprego; bulas de remédio; receitas; placas de sinalização; livros e uma quantidade infinita de possibilidades de situações reais de leitura e escrita alternadas conforme nossos objetivos e os vários interlocutores. A concepção de leitor e escritor/ produtor de textos presente aqui é diferente daquela que compreende o leitor/escritor como aquele que apenas domina o código escrito para decodificar e codificar palavras, frases e textos, dominando as estruturas gramaticais, lexicais e descritivas da língua. A aposta está em um leitor/ escritor imerso em práticas sociais e em atividades de linguagem letradas, que, em diferentes situações comunicativas, utiliza-se dos gêneros do discurso para construir ou reconstruir os sentidos de textos que lê ou produz, fazendo leitura crítica e cidadã desses textos. (ROJO, 2005) Neste momento, no meu lugar de professora pesquisadora (ZACCUR, ESTEBAN, 2002), olho para a prática enquanto professora de educação infantil, e vejo emergir de lá as questões, as necessidades e as possibilidades relativas à leitura e à escrita nos espaços de educação infantil e, em diálogo com Vigotski (1991), afirmo que A escrita deve ter significado para as crianças, uma necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida. Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá não como um hábito de mãos e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem (p. 133) Desde que nascem, as crianças inseridas em uma cultura letrada têm acesso à cultura escrita vivenciando diversas situações de letramento que têm início nas suas primeiras interações com a cultura letrada e que se estendem ao longo da vida conforme os sujeitos com os quais interagem, seus objetivos e intenções enunciativas. Desde cedo, eles começam a entender que as marcas impressas, das mais diferentes formas, são maneiras de registrar, de dizer e de simbolizar o que se vive; são, sobretudo, enunciados, espaços dialógicos de trocas entre sujeitos (CORSINO, 2011), o que 18 requer repensar a função educativa de creches e pré-escolas compreendendo-as como um dos espaços de ampliação de experiências e apropriação da linguagem escrita. O desafio da educação infantil está exatamente em, ao invés de se preocupar com ensinar as letras, numa pedagogia reducionista, construir as bases para que as crianças possam participar criticamente da cultura escrita, conviver com essa organização do discurso escrito e experimentar de diferentes formas os modos de pensar escrito. (BRITTO, 2012, P. 15) Acredito ser de extrema importância na Educação Infantil a criação de espaços/tempos em que se privilegiem e favoreçam as diversas interações com a leitura e a escrita, seus diversos usos e funções, tais como ouvir e recontar histórias; permitir que as crianças contem pelo que conhecem de cor; permitir que manuseiem os livros, interajam com eles, estreitando assim seus laços com este objeto; que façam tentativas de escrita, de modo que a leitura e a escrita não sejam vistas como algo externo mas como algo presente em nossa sociedade e presente na vida, na prática de cada um, atentando também para as práticas discursivas orais e escritas que façam ou possam vir a fazer parte da vida das crianças, constituindo eventos de letramento que ora surgem de contextos comunicativos reais e ora de simulação de contextos comunicativos (BATISTA, 2011) com o objetivo de que as crianças questionem e reflitam sobre a língua e/em seus usos, construindo idéias sobre o ler e o escrever, a partir das muitas vivências e experiências com os diversos gêneros do discurso. Batista (2011) tece discussões sobre o ensino da língua materna analisando-o historicamente, fazendo questionamentos em relação à prática docente e ao aprendizado da leitura e da escrita e ressalta a importância dos alunos terem uma ampla familiaridade com o mundo da escrita, buscando-a desde a Educação Infantil. Em relação às práticas, Batista (2011) sinaliza que as propostas de produção de textos que têm maior impacto sobre o aprendizado são aquelas que são realizadas em contextos comunicativos reais, em situações efetivas de uso da língua escrita, em que os alunos têm algo a dizer, têm de fato um público-leitor e têm um propósito que os leva a escrever; e como nem sempre é possível criar efetivas situações de uso da língua, abre-se espaço para a simulação de contextos comunicativos. No contexto de práticas escolares de leitura e escrita na Educação Infantil, trago a voz de Batista (2011) presente em meu discurso e, em diálogo com as idéias de Bakhtin (2003) sobre nossa fala, nossos enunciados estarem repletos de palavras dos 19 outros, desse outro que nos afeta, nos altera e diz sobre nós mesmos; como forma de repensar as práticas escolares apostando-se em contextos comunicativos reais e em simulações de contextos comunicativos dando visibilidade às práticas que dão sentido aos usos da leitura e da escrita em cada situação particular e produzem sentidos a partir da interação entre o aluno, o professor, a leitura e a escrita. Ao trazer Bakhtin (2003) para compor este diálogo, e em diálogo com meus enunciados repletos dos outros presentes em mim, aposto em práticas escolares, no que diz respeito às práticas de leitura e escrita na escola, imersas em práticas sociais (reais contextos comunicativos reais ou simuladas - simulações de contextos comunicativos) de uso e produção da linguagem escrita em diferentes situações comunicativas em que se lê ou produz textos. Bakhtin em Estética da Criação Verbal (2003) discute sobre a linguagem e sua relação com as atividades humanas que por serem múltiplas dão um caráter múltiplo à utilização da língua. Cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso (p.262). Afirmar tipos relativamente estáveis de enunciados, como o próprio nome diz, não implica descrever um padrão material de texto único e atemporal e sim apostar no estudo das situações de produção dos enunciados compreendendo que a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana (p.262). Atividade humana que se modifica e ressignifica-se historicamente, socialmente e culturalmente, pressupondo a relação entre o ouvinte o falante e implicando na criação ou recriação de novos outros gêneros do discurso: uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva, específicas de cada campo, geram determinados gêneros (p. 266). Proponho aqui então, dar continuidade ao debate sobre os gêneros do discurso elencando questões que nos ajudem a refletir inicialmente (outras discussões serão tecidas no capítulo 2 desta pesquisa monográfica) sobre os gêneros do discurso e uma determinada situação comunicativa escolar: como este gênero apareceria na cena escolar, com objetivo de investigar um modo mais regrado de funcionamento da língua ou com o objetivo de experimentar como o gênero circula nas práticas sociais vivenciando seus usos e funções em uma interligação entre leitura, escrita, oralidade, e parceiros da comunicação discursiva quer seja em contextos comunicativos reais ou em simulações de contextos comunicativos (admitindo que por se tratar de práticas 20 escolares até mesmo os contextos comunicativos reais apresentam um quê de simulação por terem sido pensadas e criadas em um contexto escolar e com um objetivo pedagógico)? Como o foco desta pesquisa não é dar visibilidade principalmente às situações organizadas pelo professor que permitam a ampliação de experiências da criança com a linguagem escrita, e sim ao modo como as crianças interagem desde pequenas com a linguagem escrita e se relacionam com a cultura escrita e com os gêneros do discurso construindo significados e produzindo linguagem, trarei, no capítulo 2, algumas cenas de brincadeiras para compor um diálogo entre a interação das crianças com a linguagem escrita e as práticas escolares. Tal foco de pesquisa potencializado pela voz, olhar, dizer e interação da criança com e sobre a leitura e a escrita trouxe uma nova proposta: observar e registrar o trânsito real e simulado presentes na brincadeira que, como uma experiência de cultura (BORBA, 2012), também pode ser compreendida como uma experiência de/com a linguagem escrita e um dos modos da criança experimentar a leitura e a escrita. Antes de mergulhar em tessituras de discussões sobre a brincadeira como modo central da criança agir sobre a realidade e de se relacionar com outros sujeitos e seu vínculo com o real e o simulado, cabe aqui pensar sobre quem é essa criança e como vive a sua infância, já que está como protagonista nesta pesquisa. 1.2 (Re) pensando a concepção de infância e criança: a brincadeira como forma privilegiada da criança experimentar o mundo e criar mundos A criança pequena está no mundo como ele é hoje, incorpora esse mundo, é influenciada por ele, mas também o influencia e constrói significados a partir dele (DAHLBERG G., MOSS P., PENCE A., 2003). As crianças são sujeitos sociais (CORSARO, 2011), histórico - culturais (WALLON, 2005; VIGOTSKI, 1991 e de direitos, que produzem cultura e são por ela produzidos, não sendo somente um vir a ser, mas um agora, vivendo suas vidas aqui e agora (DAHLBERG G., MOSS P., PENCE A., 2003), agindo nos seus processos de aprendizagem e nas suas relações. Uma análise histórica permite enxergar que nem sempre se atribuiu à infância tais características. As concepções de infância, ou melhor, infâncias no plural, que trago aqui são heranças e dizem sobre o nosso momento histórico, social e cultural. No caminhar da história, infância já foi definida como um vazio ou tábula rasa; como um 21 período inocente da vida de uma pessoa, ou então, pensado em um sentido único biológico, natural, também como fator de suprimento de mercado de trabalho e ainda com as características que destaco aqui: criança como “rica em potência, forte, poderosa, competente, e mais que tudo, conectada aos adultos e às crianças”, co construtora de conhecimento, da cultura e da sua própria identidade junto com outros co construtores, crianças e adultos (DAHLBERG G., MOSS P., PENCE A., 2003). Socialmente e culturalmente ainda observamos emergir múltiplas infâncias que vivem suas infâncias de modos mais diversos, não constituindo nenhuma comunidade isolada, mas antes fazendo parte do povo e da classe a que pertencem (BENJAMIM, 2002). Mais do que apresentar a construção das muitas concepções de infâncias e crianças que os adultos procuraram definir historicamente e socialmente até aqui, construindo idéias sobre elas e encaixando-as ou não em um padrão de infância ideal, com aquilo que pensamos, esperamos ou desejamos para ela, vendo-a como um ser incompleto e imaturo, utilizarei aqui as contribuições da sociologia da infância (CORSARO, 2011). Penso, assim, a infância como categoria social e a criança como ator social que se relaciona com a cultura e produz conhecimento na relação com outras crianças e com os adultos, dando visibilidade, nesta pesquisa monográfica, à criança como protagonista de suas ações, situada no tempo e no espaço, nem cópia nem o oposto do adulto, mas sujeito participante, ator e autor na sua relação consigo mesma, com os outros e com o mundo. Como então podemos compreender a criança nas suas formas próprias de ser, pensar e agir? Como é ver, pensar e agir no mundo do ponto de vista da criança? Borba (2007) destaca a brincadeira como uma ação social importante e nuclear para a construção das relações sociais e das formas coletivas e individuais da criança interpretar o mundo. Olhando para as cenas de brincadeira, para os enredos construídos nelas, podemos conhecer melhor quem são essas crianças, suas singularidades nas suas formas próprias de ser e de se relacionar com o mundo, pois uma parte de seus mundos e experiências revela-se nas ações e significados que constroem nas suas brincadeiras. Quando as crianças, por exemplo, brincam de ser outros (pai, mãe, professora, policial, cozinheira, motorista, bruxa, etc.), pensam sobre suas relações com esses outros e tomam consciência de si e do mundo, significando a vida nesta ação que transita entre o real e o simulado, articulando experiência, memória e imaginação. Comportam-se como outros, mas sabem que na realidade cotidiana não são esses outros, transitando deste modo entre os espaços do real e do simulado nesta ação do brincar. 22 O brincar é revelador das relações sociais, podendo evidenciar as estruturas sociais adultas que lhes servem de modelo, sendo experienciadas no mundo das crianças, entre as crianças. As crianças quando brincam trazem para as suas brincadeiras, inseridas em um contexto histórico, social e cultural definidos, elementos destes momentos, exprimindoos ou ultrapassando-os, aceitando as imagens ou subvertendo-as. A brincadeira é uma situação criada pela criança com os elementos conhecidos por ela de suas experiências anteriores, uma reelaboração criativa de impressões vivenciadas (VIGOTSKI, 2010) que dão à brincadeira um caráter para além da imitação e reprodução de situações já vivenciadas pela criança. Cristaliza-se (VIGOTSKI, 2010) a imaginação combinando o velho de novas maneiras, ressignificando-o nesta ação de ser outros em diferentes tempos, lugares e relações, selecionando este ou aquele objeto cultural. Esta é então a primeira questão que contribui para a discussão sobre a brincadeira e seu trânsito real e simulado. Vigotski (2010) afirma que toda obra da imaginação constrói-se sempre de elementos tomados da realidade e presentes na experiência anterior da pessoa, estando aí um primeiro vínculo com o real. É a partir dos elementos desta experiência anterior que a criança selecionará os elementos que trará para compor o enredo da sua brincadeira, combinando-os a partir da imaginação e criando outros elementos, construindo uma nova realidade. Real (realidade) também pelas reações que provoca na criança durante a manutenção da brincadeira: a imagem do cachorro feroz criada pela fantasia da criança é irreal, mas o medo e o susto que vivencia são verdadeiros, fazendo o coração acelerar, por exemplo, mas ainda assim, diferenciam o que é brincar de ver um cachorro feroz e o que é ver um cachorro feroz na realidade cotidiana o que permite inferir novamente que a brincadeira ocupa este espaço entre o real e o simulado. O homem, enquanto ser histórico, social e cultural e não somente biológico, desenvolve maneiras diferentes de viver e compreender a vida, construindo a realidade de modo peculiar, ou seja, construindo realidades. Compreendendo a brincadeira enquanto produto e prática cultural, como patrimônio cultural, fruto das ações humanas criadas e transmitidas em seus grupos sociais e como forma de ação que utiliza elementos da experiência anterior, combinando-os e criando uma forma própria, ressignificada, elenco mais uma questão para pensar a brincadeira e seu trânsito real e simulado. 23 A brincadeira, palavra estreitamente associada à infância e às crianças e caracterizada como um dos principais modos desta criança agir, experimentar, conhecer, ver o mundo, criar mundos, como experiência de cultura, terá aqui seu vínculo com a realidade por ser um dos modos desenvolvidos pelas crianças de criarem a sua maneira de viver, criando a sua realidade culturalmente. Em diálogo com Duarte Júnior (1991), compreendo realidade não como algo dado, que está aí se oferecendo aos olhos humanos, mas como realidade construída, forjada no encontro incessante entre os sujeitos humanos e o mundo onde vivem afirmando deste modo o homem enquanto construtor da realidade (p.12). Transitando entre os contextos real e simulado, a brincadeira, por meio da qual valores, habilidades, conhecimentos e formas de participação social são constituídos e reinventados pela ação coletiva das crianças, também pode ser uma experiência de/ com a linguagem escrita, por meio da qual conhecimentos e experiências com a linguagem escrita, enquanto objeto cultural, são constituídos e reinventados pela ação coletiva das crianças. Em diversos contextos de faz de conta, as crianças, inseridas em sua cultura de pares (CORSARO, 2011) - compreendida aqui como universos compartilhados de discurso - fazem uso da linguagem escrita, dos diversos gêneros discursivos e suportes da escrita no seu contexto enunciativo, afirmando-se, neste uso, enquanto sujeitos do direito, do desejo e do conhecimento (...), produtores de sua própria identidade, de cultura, de linguagem, de história (DE ANGELO, 2011) como, por exemplo, quando escrevem um bilhete para a mãe dizendo que foram passear e voltam mais tarde; fazendo uma lista de compras; distribuindo convites para a festa; revelando assim o que conhecem da linguagem escrita e, além disto, empreendendo esforços para compreendêla. O processo de construção da criança enquanto sujeito de linguagem e produtor de linguagem, aqui mais especificamente referindo-se à linguagem escrita, começa antes da inserção da criança na escola, no Ensino Fundamental ou na Educação Infantil e se quer se interrompe com o término da escolaridade regular. Estamos constantemente nos construindo enquanto sujeitos leitores e escritores quando experimentamos diversas situações enunciativas, interagindo com outros sujeitos em contextos e finalidades comunicativas diversas. Construir-se como sujeito de linguagem escrita e produtor de linguagem escrita seria aqui, estabelecendo um diálogo com Britto (2012), pensar em um Letramento (alfabetização), ou seja, viver no mundo da escrita, dominar os 24 discursos da escrita, ter condições de operar com os modos de pensar e produzir da cultura escrita (p.16). E um dos modos da criança pequena viver no mundo da escrita e experimentar diversas situações enunciativas é através da brincadeira de faz de conta. O brincar de fazer livros, bilhetes, cartas, tabuletas ou cartazes, fazer entrevistas e organizar portfólios ou jornais são formas de letramento e de escrita infantil (KISHIMOTO, 2012). Na brincadeira a criança faz uso da linguagem escrita, presente na sua vida e no seu contexto social, utilizando-se do seu acúmulo de experiências com a cultura escrita, selecionando qual situação e qual objeto se encaixa na regra da brincadeira, ressignificando esse material da experiência e produzindo sentidos. E é neste diálogo entre brincadeira como experiência de cultura e brincadeira como experiência de/com a linguagem escrita que finalizo este primeiro capítulo para trazer, no capítulo 2, fragmentos do cotidiano, cenas de brincadeira nas quais as crianças interagem com a linguagem escrita, com a cultura escrita, os gêneros do discurso e alguns suportes, dando visibilidade à ação da criança que revela suas vozes, seu modo de agir, pensar, sentir na brincadeira, compreendida aqui como uma ação que permite que as crianças transponham espaços e tempos e transitem entre os planos da imaginação e da fantasia, explorando suas contradições e possibilidades. O brincar contém o mundo e ao mesmo tempo contribui para expressá-lo, pensá-lo e recriá-lo (BORBA, 2007), incluindo aí o mundo da escrita. . 25 Capítulo 2 Um diálogo de muitas tessituras: a vivacidade dos gêneros e seus suportes no cotidiano da Educação Infantil 2.1 Espaço sentido, espaço vivido: o espaço que se revela como lugar de... experiências de autoria com a linguagem escrita Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade (BARROS, 2003, p.54) Tomo emprestadas as palavras de Manoel de Barros em Memórias Inventadas: a infância para dar continuidade ao diálogo sobre o brincar, compreendendo-o em seu trânsito real e simulado e propondo aqui um outro diálogo, que em diálogo com Manoel de Barros, aposta na brincadeira enquanto uma das principais formas da criança viver, sentir e se expressar no mundo, construindo relações com as pessoas e com o espaço, significando-os nesta ação. E por falar em espaço, que há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas, inicio este segundo capítulo monográfico fazendo as honras do espaço onde trabalho e realizei essa pesquisa. A Creche localiza-se no bairro de São Conrado e atende às crianças da comunidade local e de comunidades próximas. A creche foi construída atendendo às demandas locais e pouco tempo depois se tornou uma Creche Comunitária. Com o passar dos anos, a Creche passou a pertencer à Secretaria Municipal de Educação, mas ainda carrega em sua estrutura arquitetônica características reveladoras de sua história: andares subterrâneos, presentes em muitas casas da comunidade; muitas escadas, prateleiras e murais altos, revelando uma concepção de infância e educação enraizadas, remetendo-se assim à uma concepção histórica de infância/ educação e creche como sinônimo de puericultura e assistencialismo, privilegiando a visão do adulto e a não acessibilidade e movimentação da criança, por exemplo. 26 É perceptível que a estrutura material do prédio limita as propostas pedagógicas nas instituições de educação infantil, revelando que se houvesse uma inter-relação entre educadores, arquitetos e engenheiros, as escolas poderiam ter outras formas, bem mais propícias e favorecedoras das interações que ali se estabeleceriam, e das possíveis aprendizagens que ali ocorreriam, porém tratarei aqui do espaço, que mesmo com determinadas limitações arquitetônicas, foi pensado, incorporado, modificado e readaptado na relação entre crianças e educadores, transformando-se em “lugar de...” experiências, relações, criações; tornando-se ambiente de vida, a partir das experiências que nele compartilhamos (GUIMARÃES, 2012); buscando-se a constante completude e incompletude simultâneas, quando se deixa o espaço suficientemente pensado para estimular a curiosidade e a imaginação da criança, mas incompleto o bastante para que ela se aproprie e transforme esse espaço pela sua atuação (LIMA, 1989). Nesta Creche, cada grupo possui uma sala de aula fixa que ao longo de cada ano foi sendo organizada com o objetivo de oferecer às crianças um espaço de interação, que convidasse ora à ação, ora à observação, ora a atividades em grupo, pequenos grupos e individuais; ora à pesquisa e à descoberta, e ainda um espaço pensado para a criança pequena e pela criança pequena, atendendo aos seus interesses e suas necessidades. As salas nas quais ocorreram as cenas que serão aqui analisadas foram organizadas com o objetivo de atender às crianças, considerando-as enquanto seres ativos, sujeitos históricos, sociais e culturais que têm na brincadeira uma de suas ações no mundo, pensando sobre a cultura e produzindo cultura. A partir daí pensou-se a disposição dos materiais, a seleção de objetos que favorecessem a ação criadora das crianças, disponibilizando-se materiais que atendessem às brincadeiras das crianças, com elementos que trazem para a brincadeira e, ainda, outros que pudessem favorecer ações diversas. O desafio que me coube foi pensar a organização de um espaço ou de muitos espaços dentro do espaço da sala de aula que convidasse à ação, à imaginação e que instigasse, favorecendo interações, mesmo esbarrando nas limitações estruturais arquitetônicas, buscando pensar: o que poderia ser mudado? Como este novo espaço poderia ser organizado? O que disponibilizar? Quais objetos selecionar? Onde colocar? Em que quantidade? Em qual momento? Por onde circular? Aonde pesquisar, conversar, brincar, dormir e alimentar-se? Lugares fixos, lugares mutáveis? Como torná-lo “lugar 27 de...” autonomia, movimento, experiências, relações, valorizando a criança aqui considerada ativa, exploradora e criadora de sentidos? Organizei a sala em cantos com espaços para leitura e contação de histórias e outras interações com o objeto livro e fantoches, disponibilizando uma caixa com livros e fantoches pendurados ao acesso das crianças, e ainda tapete com almofadas; outro canto com objetos de cozinha; outro com tapete e jogos de encaixe; outro espaço com cadeirinhas de plástico; cavalete com tintas, pincéis, papéis; além de duas mesas com quatro cadeiras cada que, durante os momentos de brincadeira, reservados criteriosamente no planejamento, recebem diversos materiais tais como jogos, massinha, pintura ou desenho, alternando os materiais conforme movimento do grupo e/ou proposta da professora. Há ainda no chão, duas caixas, uma com brinquedos dos mais diversos: bonecas, transportes, animais etc. e outra com sucatas. Na estante, há jogos, caixa com tecidos de diferentes tamanhos, organizadores com kit unha e kit cabelo, além de jogos de construção e quebra-cabeça. Nos momentos de brincadeira, disponibilizo também fantasias, que são trazidas de outro espaço da Creche para o uso na sala da turma. Privilegio e valorizo momento(s) do brincar na organização da rotina diária, reservando e construindo espaços e tempos de modo a favorecer a brincadeira, atentando para o que as crianças trazem e outros elementos que podem favorecer outras ações criadoras. Durante o dia, muitas movimentações acontecem na creche seguindo um quadro de horário coletivo. Outras movimentações são permitidas e costumam acontecer independente da organização do quadro, conforme o “pulsar de cada grupo” e conversa com a direção. Uma estratégia utilizada pelos grupos na Creche é a de ocupar vários ambientes de uso coletivo, inclusive alternando em muitos momentos suas funções definidas a priori. Refeitório é lugar de... refeição?; Pátio é o lugar de... brincadeiras livres?; Corredor é o lugar de... passagem? Buscou-se pensar e desenhar espaços para além de dessas funções a priori, de modo que estes se tornassem ambiente para o convívio, para a aprendizagem social, para as relações de convivência, para o estudo de fenômenos (BARBOSA, 2009), dentre outros. Dentre eles, destaco um espaço denominado solário, ocupado por alguns brinquedos de escalar, balançar, escorregar, uma casa com seus utensílios em um espaço amplo, semi-aberto. Do solário é possível observar a Floresta ao redor da creche e ainda 28 um lago com alguns animais. Um lugar incrível que além de permitir um espaço de circulação maior, mais amplo, favorecendo os movimentos, permite também a observação de muitas outras coisas. Tal espaço costuma ser utilizado para brincadeiras livres. Durante o ano de 2012, a turma EI 30 (crianças entre 3- 4 anos) na qual eu estava como professora, deslocou-se em muitos momentos para o solário. Apropriamosnos do espaço em momentos de brincadeira livre; em momentos de brincadeira com outros materiais que foram trazidos para compor aquele espaço tais como tecidos; momentos de pesquisa, pesquisando os fenômenos relacionados à chuva, às plantas, por exemplo, e ainda momentos de rodas de conversa. Destaco, agora, uma cena retirada do Caderno de Registro de 2012, ocorrida neste espaço com a turma EI 30, dando início, a partir daqui, às tessituras de discussões sobre o brincar enquanto experiência de cultura e como um dos modos da criança pequena viver no mundo da escrita e experimentar diversas situações enunciativas, em um diálogo entre cenas do cotidiano e fundamentações teóricas. Cena 1: “Não tenho mais convite, acabou” A turma EI 30 estava no solário durante a tarde. Neste dia disponibilizei alguns tecidos com a intenção de deixar à disposição das crianças outros materiais para elas interagirem e criarem, observando em alguns momentos e, em outros, fazendo parte das situações criadas naquele espaço. Um grupo de crianças pegou um dos tecidos e levou para um dos brinquedos do solário (um brinquedo com dois escorregadores, espaços de escalar e vãos no meio e embaixo) tentando montar uma cabana. Fui chamada pelo grupo para ajudar a montar a cabana, esticando o tecido com eles e colocando sobre a parte lateral do brinquedo, fechando a única passagem totalmente aberta. Sara, dentro da casinha, pegou outro tecido e colocou sobre a tábua de passar roupa e começou a passar o ferro no tecido como quem passa roupa. José pegou outro tecido e colocou-o sobre as costas, semelhante à capa de um superherói e disse que era o Batman, enquanto corria pelo solário com a capa. Aproximei-me do grupo que havia montado a cabana e fiquei observando. Neste momento Denis falou: - Entra, tia! Entrei na cabana após o pedido do Denis e fiquei sentada ali junto com ele e outras duas crianças (Carlos e Renato). Logo em seguida, apareceu Jéferson e perguntou se podia entrar. Denis disse que Jéferson não poderia entrar, pois ele só tinha três convites que tinham sido dados para a “tia Natasha, Renato e Carlos”. “Não tenho mais convite, acabou!” disse Denis, tentando impedir a entrada de Jéferson. Fiquei observando as relações ali estabelecidas. Carlos fez uma pergunta, acompanhada de uma afirmação, para o Jéferson: - Você vai cuspir? Vai bater? Não pode cuspir e bater! 29 Jéferson disse que não iria cuspir e bater. Carlos logo lhe chamou para entrar dizendo ter ainda um convite. Jéferson entrou todo contente na cabana. Ficamos apertadinhos ali dentro durante um momento. Pouco tempo depois, o movimentar do escorregador acabou desmontando a cabana. Denis pegou o pano e o levou para o alto do brinquedo, esticando-o no chão. Outras crianças foram para o alto do brinquedo e se sentaram sobre o pano... (Caderno de Registro, Setembro de 2012) Esta cena, retirada do Caderno de Registro do ano de 2012, diz sobre a ação da criança que, ao selecionar para o “enredo” da sua brincadeira, um dos usos da linguagem escrita, incluindo aí um determinado gênero, revela seu conhecimento sobre ela, apropriando-se, buscando compreendê-la e deixando na linguagem escrita as suas marcas. Outras situações tais como a interação entre as crianças, as estratégias de acesso, a organização do espaço e a presença de elementos do real - quando, por exemplo, uma criança pega o tecido e finge estar passando roupa e ainda elementos da televisão, quando outra criança pega o tecido e finge ser um super-herói -, poderiam ser trazidas para discussão, mas atenho-me a sinalizar a presença de um gênero discursivo em uma brincadeira, aparecendo nesta cena tal qual poderia aparecer em uma prática social em que circula, envolvendo interações, intenções comunicativas de sujeitos numa determinada situação (CORSINO, 2011), ou seja, servindo para permitir ou não a entrada de alguém como um convite individual usado em determinadas festas, por exemplo, ou informando o dia, o horário, o local do evento em um suporte que, mesmo não sendo necessária sua apresentação para entrada no evento em questão, delimita os que saberão e poderão participar do evento por terem sido convidados. A fala de Denis revela/sinaliza o quanto a ação criadora nasce e potencializa-se a partir de experiências com o real e ainda o modo como as crianças fazem o uso da linguagem escrita, buscando compreendê-la e significá-la em suas ações, apropriando-se deste objeto cultural em suas práticas e dotando-o de autoria em suas relações. Denis trouxe o gênero convite para compor a narrativa da brincadeira, construindo o enredo a partir de elementos hauridos da realidade, seja em situações de uso e vivência deste gênero em contextos não escolares, um convite para festa, por exemplo, ou em contextos escolares no qual se utilizou o gênero convite, lendo e produzindo textos de acordo com as necessidades que surgem no cotidiano (CORSINO, 2011), como na cena abaixo: 30 Durante o mês de Julho de 2012, realizamos na Creche nossa Festa Junina. Antes da festa, trouxe vários tipos de convite para que as crianças observassem as características e os usos daquele gênero tal como ele circula socialmente. Li para o grupo o que estava escrito em cada convite: havia convite de casamento, de aniversário e de Festa Junina. Apenas uma criança reconheceu e nomeou o gênero, dizendo que era um convite. Após a fala dessa criança, outras crianças falaram sobre as situações em que vivenciaram o uso deste gênero, dizendo, por exemplo, que no seu aniversário foram distribuídos convites para os colegas. Continuamos nossa roda de conversa estabelecendo um paralelo entre as experiências das crianças e da professora com o gênero, os modos como ele circula socialmente, as características observadas e, em seguida, propondo a construção de um texto coletivo deste gênero com o objetivo de utilizá-lo para convidar outras pessoas para a nossa Festa Junina. O texto foi escrito, tendo a professora na função de escriba/ mediadora, registrando as falas das crianças e negociando com eles a construção do texto, através de questionamentos e também dando algumas opções. O texto produzido coletivamente foi lido para o grupo, para realização de alguns ajustes. Depois disso, o texto foi digitado e confeccionamos o convite em formato de bandeirinha, conforme decisão do grupo. As crianças, em outro momento, enfeitaram o convite, colando retalhos de tecido xadrez. Depois de pronto, mandamos o convite da Festa Junina para os responsáveis, através da agenda. (Caderno de Registro, Julho de 2012) Em outro momento, próximo à Festa do Dia das Crianças, aproveitei a ocasião para escrevermos um convite chamando nossos convidados para participarem junto conosco deste momento especial, vivenciando com essa experiência o modo como o gênero convite circula socialmente, apropriando-se das suas estruturas, usos e funções, dialogando com Batista (2011) ao dizer que as propostas de produção de textos que tem maior impacto sobre o aprendizado são aquelas que são realizadas em contextos comunicativos reais, em situações efetivas de uso da língua escrita. E são essas experiências no real, com o gênero convite, por exemplo, no contexto escolar e, também fora da escola que vão fornecer elementos e materiais para a criança criar o enredo da sua brincadeira já que a experiência lúdica se alimenta continuamente de elementos que vêm da cultura geral (PORTO, 2008). 31 Cena 2: “Aqui oh, a receita de leite com banana!” Mariana e Juliana brincavam no espaço da sala de atividades. Em um determinado momento, se aproximando do fogão e da pia de madeira presentes na sala, começaram a fazer comida, utilizando as panelas e a colher de pau e oferecendo a comida pronta para as crianças em torno. Mariana se aproximou do organizador com materiais de arte, na outra ponta da sala, pegou uma folha e uma canetinha e se dirigiu para a parede próxima ao fogão para escrever uma receita de leite com banana, oralizando os ingredientes necessários enquanto escrevia: “1 copo de leite, 2 copos de farinha, banana e sal”. Depois de escrita a receita, Mariana entregou para Juliana a receita dizendo: “Aqui oh, a receita de leite com banana!” Outras crianças se aproximaram pegando papéis e canetinhas e escrevendo receitas a serem compartilhadas. (Caderno de Registro Setembro de 2013) A cena em destaque aconteceu no espaço da sala de atividades da Turma EI 31 (crianças entre 3-4 anos), turma em que estive como professora no ano de 2013, durante momentos de brincadeira, desenvolvendo-se em uma área próxima a um fogão e uma pia de madeira, um conjunto de mesa e cadeiras e um organizador com materiais de arte (lápis de cor, giz de cera, canetinha, folha, cola, etc.). Essa cena é reveladora do quanto desde a mais tenra idade a linguagem escrita está presente, constituindo o sujeito e constituindo-se a partir do sujeito e das relações com outros sujeitos, sendo mais uma possibilidade das crianças se dizerem, registrarem o que vivem, pensam e imaginam, compartilhando também a partir da brincadeira o que pensam sobre a linguagem escrita, participando na vida cotidiana. Quando o grupo de pares traz um determinado gênero em uma brincadeira, compondo a narrativa desta brincadeira com um gênero discursivo, bem como seus usos, suportes, enunciados e situações discursivas, por exemplo, mesclando a outras imagens tais como a do papel social da mãe, do pai etc., está nos oferecendo mais um tecido de idéias para compor com o nosso, propondo a reflexão acerca da relação entre imaginação, criação e realidade. No senso comum costuma-se denominar como imaginação tudo o que não é real, perpassando ao largo da realidade, porém, apostando no diálogo com Vigotski (2010), compreendo que toda a atividade criadora é produto da imaginação, criando algo novo a partir da combinação e modificação de elementos 32 presentes na realidade do individuo: os elementos da experiência anterior nunca se reproduzem na brincadeira, exatamente como ocorreram na realidade (p.17). As crianças têm no brincar um dos meios de realizar e agir no mundo, não unicamente para elas se prepararem para ele, mas, usando-o como um recurso comunicativo, para participarem na vida cotidiana pelas versões da realidade que são feitas na interação social (FERREIRA, 2004). Na brincadeira podem ser mães e pais, mesmo na “realidade cotidiana” sendo filhos. Criam e registram receita de leite com banana mesmo na “realidade cotidiana” não sabendo escrever. Interagem socialmente, construindo laços afetivos em uma ação que transita entre o real e o sumulado. Se em diálogo com Vigotski (2010) acreditamos que a atividade criadora da imaginação depende diretamente da riqueza e da diversidade da experiência anterior da pessoa (p.22), podemos afirmar que, se aquele grupo de pares trouxe o gênero receita enquanto discurso em uma cena de brincadeira, é porque tal gênero discursivo faz parte da experiência daquele grupo possivelmente em diversas situações. Tal reflexão me fez lembrar momentos de prática, no cotidiano da turma, em que criei contextos sociais de uso daquele gênero em momentos pedagógicos formais quando, por exemplo, utilizamos uma receita retirada de um suporte eletrônico para preparar uma massinha de modelar caseira, ou quando utilizei o caderno de receita da família para fazer um bolo de cenoura. Relato, abaixo, uma das situações vividas pela turma com o gênero receita: Realizamos uma cozinha experimental com biscoitos amanteigados para presentear as mães ou alguém que representasse a mãe afetivamente, em comemoração ao dia das mães que foi ampliado para o dia da família. Trouxe os produtos necessários para realizar a receita e suas respectivas embalagens: fécula de batata, margarina e açúcar. Fizemos uma observação, em grupo, dos rótulos dos produtos. Convidei as crianças a observarem tais rótulos, buscando identificar quais produtos eram aqueles, pelos rótulos e se as crianças conheciam esses produtos pelos seus rótulos; em seguida, li a receita e convidei, um a um, a ir colocando os ingredientes na bacia conforme ia sendo indicado pela receita. Amassamos bem a massa, modelamos e levamos ao forno. Os biscoitos produzidos foram entregues às mães no dia da Festa da família juntamente com um papelzinho no qual constava a receita do biscoito amanteigado conforme combinado com o grupo. Ficaram deliciosos! (Caderno de Registro, Maio de 2013) 33 Interessante destacar que na cena de brincadeira, Mariana, ao escrever fazendo uso de letras, pseudoletras e zigzags, nomeou a sua escrita definindo-a enquanto receita de leite com banana, demonstrando que percebe essa forma de escrita no mundo, faz uso e a ressignifica com autoria a partir das suas experiências anteriores, propondo, por exemplo, a escrita e o compartilhamento de uma receita nunca antes vivenciada pelo grupo, trazendo elementos talvez do seu dia a dia visto que é comum na creche termos no café da manhã vitamina de banana (leite com banana). Mariana também escreveu a receita em um papel para compartilhar com uma colega, um caminho (oral - escrito) não tão explorado durante os momentos de atividades pedagógicas planejadas visto que durante o ano utilizamos mais o gênero receita, fazendo a leitura da receita em seus respectivos suportes e preparando a receita do que fazendo o compartilhamento das receitas (escrito) preparadas buscando um resgate na memória sobre o modo como preparamos a receita, talvez evidenciando uma outra experiência com o gênero receita em outros ambientes sociais ou ainda, reelaborando os usos sociais do gênero receita. 2.2 O espaço escolar e a manutenção da sua realidade: um novo olhar ao observar este espaço pela voz e olhar das crianças nas brincadeiras de faz de conta O diálogo que acontecerá a partir daqui se fará em torno de uma discussão sobre a manutenção da realidade, tendo como referência as proposições de Duarte Júnior (1991) sobre o que é realidade e de Borba (2012) sobre o brincar como forma do sujeito reconhecer-se pertencente a um grupo social e a um contexto cultural. Duarte Júnior (1991) afirma que a organização da sociedade está assentada basicamente sobre as instituições e as legitimações delas decorrentes, corporificando-se na vida cotidiana através dos papéis sociais que os indivíduos devem desempenhar para fazer parte delas. Tal papel social, mesmo não sendo o único instrumento, já é um primeiro instrumento protetor de que se valem as instituições a fim de se preservarem (p.57). Pensando na instituição escola, podemos inferir que os papéis sociais de professor e aluno são um instrumento de que se vale esta instituição a fim de se preservar e corporificar-se na vida cotidiana e que além deste, outros instrumentos contribuem também para a manutenção desta realidade escolar dentre eles, destaco a possível existência de um “gênero escolar” que diz sobre os modos de escrita que estão no mundo e que aparecem com uma essência própria, uma especificidade, na escola, afirmando a escola enquanto escola. 34 Nesta tessitura de discussões sobre a manutenção da realidade, proponho pensarmos nos modos como a escrita aparece na escola/ creche reafirmando esta manutenção da realidade escolar: modos de escrita/ gêneros do discurso se considerarmos que são múltiplas as possibilidades de atividade humana e que a diversidade dos gêneros do discurso acompanha essa multiplicidade (BAKHTIN, 2003). Não significa, porém, afirmar que os modos de escrita, gêneros e suportes selecionados para compor o diálogo abaixo apareçam somente em situações escolares, mas implica reconhecer que eles têm na escola um modo muito particular de estarem presentes. São eles: a agenda, a escrita do nome identificando de quem é a atividade e a lista. Cena 3: “Vou escrever para a sua mãe, ta?” As crianças estão na sala de atividades, cada grupo explorando um dos cantos da sala. Na sala há uma mesa com massinha, potes e tesouras; outra com materiais para desenho/ técnica de arte (folha A4, giz em diversas cores e pote com água); um canto com fogão, pia, pratos, panelas e demais acessórios de cozinha, bem como vassoura, rodo e pá de lixo; outro canto próximo com tapete, blocos de encaixe e telefone; outro espaço com cadeirinhas, fantasias e tecidos e outro espaço com tapetes, almofadas e livros. Há também na sala fantoches pendurados, acessíveis às crianças, e um cavalete com alguns potes com tinta, pincel e folha. Maria, Ana e Kauã estão brincando no espaço com fogão e pia. Fazem comidas, comem e lavam a louça. Kauã utiliza esponja e água para lavar os pratos e panelas. Enquanto isso, pede para eu cuidar do seu bebê, sua boneca, que está machucada. Seguro, então, a boneca e pergunto o que aconteceu. Kauã diz que ela machucou o dedo. Falo que irei passar água e colocar o gelo como é de costume na ação com as crianças. Maria pega uma das agendas em cima da bancada, abre-a e diz: “Vou escrever pra sua mãe, ta?” e com o movimentar dos dedos faz como quem escreve algo para alguém. (Caderno de Registro, Março de 2013) Destaco esta cena, pois se observa em mais uma brincadeira a utilização de um gênero do discurso e o seu respectivo suporte compondo a narrativa desta ação criadora. Ao trazer o objeto agenda e dotá-lo de significado e uso abrindo e fazendo movimentos de escrita e oralizando o que escrevera, Maria demonstrou conhecer a funcionalidade e o uso da agenda escolar (comunicar-se com os responsáveis); a partir, talvez, de outras cenas em que me observou escrevendo um recado ou dizendo que escreveria para a mãe 35 comunicando que a criança se machucou, informando sobre alguma proposta de atividade, por exemplo, pois as ações se deram de modo semelhante como acontecem no dia a dia do grupo, na realidade escolar, revelando também nesta situação que a criança, ao brincar, não apenas expressa e comunica suas experiências, mas as reelabora, reconhecendo-se como sujeito pertencente a um grupo social (BORBA, 2012), atuando em seus processos de aprendizagem, fazendo uso de um dos modos de escrita presentes na realidade da escola. Cena 4 : “Estou escrevendo o nome deles” Durante a atividade com a proposta de criação a partir da colagem de formas geométricas com a disponibilização de outros materiais, Marcela pegou uma canetinha e começou a escrever nas folhas dos outros colegas até que fui sinalizada sobre a ação da Marcela pela Júlia: - Marcela está rabiscando a minha folha! Outras crianças fizeram o mesmo apontamento. Perguntei para Marcela porque ela estava rabiscando as folhas dos colegas. Marcela sorriu e disse que não estava rabiscando, que estava escrevendo o nome deles na folha. (Caderno de Registro, Junho de 2013) A fala, os gestos e os movimentos de Marcela sinalizam o quanto a brincadeira pode criar uma outra realidade mesmo inserida em um dado contexto real utilizando-se de elementos deste real, combinando, construindo e imaginando. Possivelmente Marcela se colocou no papel de professora e, mesmo durante a proposta de atividade que teria seu vínculo no real cotidiano, encontrou um espaço para criar um novo real através da brincadeira. Marcela, assumindo o papel de professora, escreveu os nomes dos colegas nas suas respectivas folhas fazendo uso de zigzags tal como achou que se deveria fazer e tal como observa esse modo de escrita na escola, sendo outros, definindo outros tempos, lugares e relações, aprendendo a olhar e compreender o mundo e a si mesma de outras perspectivas (BORBA, 2012). A Imagem abaixo é a materialização deste momento. Nela podemos observar no canto direito da folha em cima, o uso de zigzags como forma de representação escrita do nome da Júlia. 36 Junho de 2013 A situação descrita a seguir aconteceu durante um dos momentos de livre opção propostos na organização da rotina diária na sala de atividades da turma enquanto cada grupo de crianças brincava e interagia com os colegas e objetos nos cantos organizados neste espaço. Ela foi selecionada com o objetivo de compor o tecido de discussões sobre a escrita do nome como um dos modos de escrita escolar juntamente com a imagem abaixo e, também, para compor o diálogo deste texto monográfico a partir da discussão sobre a relação entre as experiências vivenciadas pela criança e o enredo de suas brincadeiras. Ana desenha na mesa juntamente com outros três colegas, cada um com a sua folha. Interessante ressaltar que, enquanto as crianças desenham, tenho o costume de pedir para escrever o nome de cada criança em sua folha. Neste dia, Ana, ao terminar o desenho, me chama e o entrega para mim. Antes que eu vá para outro espaço, ela lembra que ficou faltando escrever o seu nome e pede novamente a folha dizendo: “Tia, espera, eu ainda não escrevi meu nome”, pegando a folha, um lápis e fazendo ziguezagues representando o seu nome. (Caderno de Registro, Abril de 2013) 37 Novembro de 2013 Ana (situação descrita) e Maria Gabrielle (Imagem) escrevem seus nomes, tal como acreditam que é, e esta ação de escrita espontânea nos fornece um valiosíssimo documento que necessita ser interpretado para poder ser avaliado (FERREIRO, 2001). Ana faz distinção entre os desenhos e a escrita em suas produções, sinalizando até mesmo quando questionada em outros momentos. Maria Gabrielle faz uso de letras e pseudoletras para representar o seu nome escrito, demonstrando que para ela são necessários outros elementos para compor a escrita do nome (letras). Ambas atribuem valor às suas produções, iniciando suas reflexões sobre os funcionamentos e funcionalidades da(s) escrita(s), revelando os seus processos individuais de construção de conhecimento que se dá articulado e inserido em um processo discursivo no qual adultos, outras crianças e outros objetos interagem na e a partir da linguagem, construindo assim conhecimentos e outras hipóteses. E nesse diálogo entre modos de escrita escolar e brincadeira destaco mais uma imagem para compor esta tessitura de discussões sobre como na brincadeira a criança experimenta de diferentes formas os modos de pensar escrito tal como Britto (2012, p. 15) propõe como o desafio da educação infantil. 38 Novembro de 2013 A imagem acima se refere a uma lista feita por Júlia durante momento de brincadeira. Nesta lista Júlia escreve com zigzags os animais que vimos no zoológico demarcando cada animal, cada item com um ponto, semelhante ao modo como muitas listas aparecem nas práticas sociais, como em uma lista de organização de afazeres, em uma lista de compras e em listas escolares em que planejamos um passeio ao zoológico, em que listamos os materiais necessários para a organização de uma festa, etc. Observando a cena e a imagem que dizem sobre o momento em que Júlia fez o uso de zigzags para escrever os animais que viu no zoológico podemos destacar este uso de zigzags como forma de escrita dos que ainda não dominam o código da escrita, mas fazem uso das práticas de leitura e escrita no mundo, buscando interpretá-las, compreende-las e significa-las também a partir da brincadeira. Nesta “escrita”, Júlia revela sua relação com a linguagem escrita e seu momento particular de experiência com esta forma de linguagem ao diferenciar o que é desenho e o que é escrita, ao usar zigzags, demonstrando perceber uma outra organização na escrita talvez ao observar uma escrita cursiva em práticas diversas ou ao observar a professora fazendo uma lista escrevendo coisas com letra de fôrma que mesmo ainda não sendo codificáveis e decodificáveis representa algo com uma identidade própria. As cenas e imagens em destaque neste segundo capítulo monográfico revelam que as crianças desde bem pequenas pensam sobre a escrita e empreendem esforços 39 tentando compreende-la e significa-la em suas ações, interagindo com o outro e ressignificando o mundo e a si mesmas também com e partir desta linguagem. É nas muitas interações com a cultura escrita que a criança vai elaborando seu conceito de linguagem escrita, compreendendo as diferentes funções do ler e do escrever, ampliando seu conhecimento de letras, números e desenhos e aprendendo a fazer distinções entre os diversos gêneros e os suportes de escrita, merecendo destaque a brincadeira como uma das possibilidades de interação com este objeto cultural. Na experiência da brincadeira, a criança empreende esforços físicos e criativos que lhe conferem a possibilidade para fazer aquilo que deseja, como tentativas de entendimento, extrapolando a imitação, e dotando esta ação com um toque de sua interpretação do mundo, ampliando deste modo suas experiências a partir de um “dizer sobre”. Na brincadeira, a criança “fala” sobre suas significações do mundo, especialmente aqui, sobre suas significações da/ sobre a linguagem escrita, em um dizer que não se limita ao uso objetivo do escrito (BRITTO, 2012), constituindo-se enquanto seres de linguagem e produtores de linguagem, inseridos em um contexto histórico, social e cultural específicos. 40 Considerações Finais E nessa ação de tecer e (des) tecer acrescentando novos, outros fios para compor este meu tecido de histórias, tecido feito a partir da junção de muitos fios, fios do passado, fios do presente, fios de idéias e fios de observação, trazendo-os para compor esta pesquisa monográfica, propus uma discussão a partir da investigação sobre o modo como a linguagem escrita, os gêneros do discurso e seus suportes têm sido vivenciados no cotidiano da Educação Infantil e os sentidos atribuídos pelas crianças a essas experiências olhando para o modo como se relacionam desde pequenas com a linguagem escrita mesmo ainda não sabendo codificar e decodificar, mas fazendo uso de práticas de leitura e escrita, evidenciadas, por exemplo, em cenas de brincadeira, que revelam mais do que uma imitação de momentos vivenciados, sendo ressignificações, processos autorais em que utilizam elementos da experiência anterior para criar novos enredos e novas cenas a partir dos materiais disponíveis em sua memória, estabelecendo um paralelo com a linguagem escrita, utilizam elementos da experiência anterior, escolar ou não, com a leitura e a escrita, para criar novos enredos, novas ações nas brincadeiras revelando deste modo, como se relacionam com a linguagem escrita e com a cultura escrita, buscando compreende-la, fazer uso e significa-la, produzindo linguagem e constituindo-se enquanto sujeito de linguagem nesta relação. Em diálogo com Vigotski (2010) ao destacar que a criança acumula materiais para sua criação a partir do que vê e do que ouve, proponho aqui trazer para compor esta tessitura de discussão uma reflexão a respeito de uma importante consequência pedagógica se apostarmos que a criança cria a partir de elementos presentes em sua experiência: se quisermos ampliar significativamente essa ação criadora devemos ampliar suas experiências. Os gêneros e suportes trazidos para as brincadeiras em destaque fizeram parte da narrativa das brincadeiras, pois aqueles grupos fizeram o uso destes elementos em outros contextos, escolares ou não, quando, por exemplo, criaram um convite para a Festa Junina da Creche; quando receberam um convite de aniversário de um colega; observaram a professora escrever na agenda para os responsáveis comunicando um machucado; observaram o responsável escrever na agenda escolar; escreveram coletivamente uma lista destacando os animais que viram no zoológico tendo a professora como escriba/ mediadora. A criança em sua ação criadora utiliza elementos da sua experiência extrapolando a cópia e a imitação, dotando esta ação com seus sentidos e interpretação 41 do mundo, significando a linguagem escrita, aqui compreendida como mais uma possibilidade de se dizerem, registrando o que vivem, pensando, imaginando e deixando suas marcas (CORSINO, 2011). É pensando nestas experiências que, em diálogo com Batista (2011), afirmo: É importante que o professor leve em conta que cabe a ele atuar como mediador entre as crianças e o mundo da escrita e que, quanto menor é o grau de autonomia de seus alunos na leitura e na escrita, maior será seu papel como um modelo de leitor. (BATISTA, 2011, P. 22) Torna-se importante também assegurar um espaço físico que favoreça as interações com a leitura e a escrita, com espaços convidativos para a leitura, com livros e também com a presença de textos com outros suportes e gêneros, tais como jornais, revistas, livros de pesquisa, receitas e ainda outros materiais que possam ser empregados como apoio à brincadeira, permitindo que as crianças anotem sua lista de compras; escrevam uma carta para o colega; utilizem um livro para ler uma história; consultem o jornal para verificar a previsão do tempo; escrevam receitas etc. o que não significa apostar em um espaço previamente organizado para atividades de leitura e escrita tão somente, mas sim, organizar a sala, de modo a disponibilizar materiais que favoreçam a criação de cenas compreendendo que a criança enquanto autora irá selecionar o material, o espaço e irá compor o enredo da brincadeira, no caso podendo trazer práticas e usos da linguagem escrita, a partir de práticas de leitura e escrita e, também práticas de leitura e escrita oralizadas tal como na cena “Não tenho mais convite, acabou” em que Denis fez uso do gênero convite oralmente, distribuindo o suporte convite mesmo que ele na realidade cotidiana não existisse, existindo somente na realidade da brincadeira. Nesta pesquisa monográfica, trouxe como eixo norteador de discussões, a linguagem escrita, seus usos e funções, nas interações que se estabelecem no mundo, pensando-a como parte constituinte das relações entre os homens, que a utilizam para comunicar-se, expressar-se e construir sentidos na relação com o outro, fazendo também um recorte, buscando pensar como a criança pequena vive esta linguagem escrita e busca compreendê-la, principalmente a partir da brincadeira, compreendendo-a enquanto forma privilegiada da criança agir no mundo em uma ação que transita entre o real e simulado, tecendo deste modo alguns fios, a partir de uma reflexão sobre a interação da criança pequena com a linguagem escrita em um processo de significação e, deixando espaço para outras discussões e tessituras sobre o espaço e práticas da 42 linguagem escrita na educação infantil e a ação, aqui e agora, da criança pequena, em interação com a linguagem escrita. 43 Referências Bibliográficas BAKHTIN, Mikhail. 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