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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JATAÍ – CESUT
ASSOCIAÇÃO JATAIENSE DE EDUCAÇÃO - AJE
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAS - DCJS
FACULDADE DE DIREITO
REVISTA JURÍDICA
ANO 13 – VOLUME 1 – NÚMERO 16
JATAÍ - GO
2
2013
REVISTA JURÍDICA
CONSELHO EDITORIAL
01. Evaristo Anania de Paula
02. João Geraldo de Souza Braga
03. Patrícia Machione de Paula Maggioni
04. Sirlene Moreira Fidelis
05. Soraya de Carvalho Ferreira
06. Alessandra G.Heronville da Silva
06. Flávia Simões de Araújo
07. Juverci Felício Vieira
08. Marcos José de Jesus Porto
09. Rubens Dias de Melo
10. Tiago Setti Xavier da Cruz
SECRETÁRIA EXECUTIVA
Viviane Alves da Cunha
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - DCJS
DIRETOR
João Geraldo de Souza Braga
Esta “Revista Jurídica” é produzida pelo Departamento de Ciências
Jurídicas e Sociais – DCJS, do Centro de Ensino de Jataí – CESUT, a partir
da produção intelectual e temática de artigos, pesquisas, resenhas de livros e
comunicações produzidos pelos professores, alunos e outros colaboradores.
CONTATOS
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JATAÍ – CESUT
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – DCJS
FACULDADE DE DIREITO
Rua Santos Dummont, 1.200, Setor Samuel Grahan, CEP – 75800-000
Telefone: (064) 2102-1050. Fax (064) 2102-1069
E-mail: [email protected]
Jataí - Goiás
3
2013
ISSN – 1519-9770
REVISTA JURÍDICA, Jataí, GO, CESUT, v.1, nº 16, jan/jun, 2013
REVISTA JURÍDICA
Periodicidade: Semestral
JATAÍ
CENTRO DE ESNINO SUPERIOR DE JATAÍ – CESUT
Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais - DCJS
4
2013
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JATAÍ – CESUT – 2013
“A reprodução total ou parcial dos artigos desta Revista Jurídica é permitida
desde que citada a fonte. Ainda: as ideias e os conceitos emitidos nesta
publicação são de responsabilidade total dos autos.”
CESUT
Rua Santos Dummont, nº 1.200, Setor Samuel Grahan. Cep: 75.804-045
Jataí-GO
Tel.: (064) 2102-1050
Fax: (064) 2102 – 1069
E-mail: [email protected]
COMISSÃO EDITORIAL
Presidente = José Carlos Ribeiro
Membros = 01. Alessandra G. Heronville da Silva
02. Flávia Simões de Araújo
03. Juverci Felício Vieira
04. Marcos José de Jesus Porto.
05. Sirlene Moreira Fidelis
06. Soraya de Carvalho Ferreira
07. Rubens Dias de Melo
08. Tiago Setti Xavier Cruz
Secretária Executiva = Viviane Alves da Cunha
Dados CIP = Biblioteca Central do CESUT, Jataí – GO
____________________________________________________________
REVISTA JURÍDICA, Jataí-GO; CESUT – Departamento de Ciências
Jurídicas e Sociais, v. 1, 16, jan/jun, 2013.
Periodicidade semestral
I - CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – Periódico 1 – Título
_____________________________________________________________
Índice para catálogo sistemático = Direito
Produção, Projeto Gráfico e Editorial Eletrônico
José Carlos Ribeiro
Revisão Ortográfica
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José Carlos Ribeiro
Normatização
José Carlos Ribeiro
SUMÁRIO
01. Editorial ............................................................................................. pág. 006
02. O Imposto sobre o valor agregado (IVA) no âmbito do Mercosul.... pág. 007
03. Vedação à prova ilícita no Processo Penal e sua Relativização......... pág. 015
04. Tutelas de urgência e evidência no projeto do novo Código de Processo Penal ........................................................................................................... pág. 027
05. A Ação de Demarcação de Terras Particulares: uma revisão de literatura .....
.................................................................................................................. pág. 054
06. Regime de Bens no Direito Pátrio ..................................................... pág. 085
07. Adoção no Brasil: análise crítica da nova Lei de Adoção – Lei nº 12.010 de
03 de agosto de 2009........................................................................... pág. 109
6
EDITORIAL
O Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais – DCJS, em nome do
Centro de Ensino Superior de Jataí – CESUT, coloca à disposição da sociedade
jataiense e do estudioso da Ciência Jurídica mais uma edição da “Revista
Jurídica”, desta feita o volume nº 1, edição de nº 16, açambarcando o semestre
de janeiro a junho de 2013.
Nesta primeira edição de 2013 da “Revista Jurídica” do CESUT, já
notamos a presença de novos autores e a permanência de professores e alunos
com artigos de análises importantes, contribuindo para o avanço de novos
posicionamentos, inclusive, polemizando com aspectos bem instigantes a
realidade jurídica brasileira, o que muito a enriquece. Este importante avanço é
um estímulo importantíssimo àqueles que já estão visualizando e mentalizando
novos artigos e novo estudo para as próximas edições.
Portanto, o propósito precípuo da edição de mais uma “Revista Jurídica”
é o de propiciar ao leitor alcançar superiores condições intelectuais, pensando e
realizando, ampliando uma profícua visão de mundo e a inserir-se no mundo do
trabalho, sendo, sempre, sujeito de si mesmo.
Jataí, maio de 2013.
João Geraldo de Souza
Diretor Acadêmico do CESUT.
7
O IMPOSTO SOBRE O VALOR AGREGADO (IVA) NO ÂMBITO DO
MERCOSUL
Gerson Santana Arrais1
RESUMO: O MERCOSUL, via do Tratado de Assunción, que foi a sua certidão
de nascimento, estabeleceu como um de seus objetivos pragmáticos uma integração
legislativa com o intuito de harmonizar a política tributária dentro do bloco, a fim de
que os outros objetivos se coadunassem com este. Dos quatro membros originários Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, somente o Brasil ainda não adotou uma postura
legislativa condizente com os demais. A Argentina e Uruguai já haviam estabelecido o
IVA em seus ordenamentos jurídicos tributários em tempos bem pretéritos à criação do
MERCOSUL, já o Paraguai o fez alguns anos depois.
Palavras-chave: Imposto sobre o Valor Agregado, Mercosul, Value Added Tax
(VAT) - bloco regional.
ABSTRACT: MERCOSUL, by means of the Asuncion Treaty, that was its
birthday certificate, set up a legislative integration as a pragmatic target of its with
intention of reaching a harmony about internal tributary policy, in a way that its other
targets go with it. Among the originary members - Argentina, Brazil, Paraguay and
Uruguay, just Brazil doesn’t still adopt a legislative position that go with the other
members. Argentina and Uruguay ever had established the VAT on their tax law a
longer time ago before MERCOSUL setting up, for other hand, Paraguay did it some
years after.
Keywords: Value Added Tax - MERCOSUL - Value Added Tax (VAT) regional bloc.
1.
1
DEFINIÇÃO DE IVA
Graduado em Direito pelo CESUT, especialista em Direito do Trabalho e em Direito Penal Militar, mestre em
Direito das Relações Internacionais, doutorando em Direito Constitucional na Universidade de Buenos Aires UBA, Argentina, ex-professor de Direito Tributário da Faculdade Sete de Setembro - FASETE, de Paulo AfonsoBA, atualmente professor de Direito Penal e de Direito Financeiro no Centro de Ensino Superior de Jataí - CESUT,
tradutor e intérprete em língua inglesa, atualmente é oficial da reserva remunerada do Exército Brasileiro.
Proprietário do site jurídico www.arraisjuris.com.br. Link no CNPq / Plataforma Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3815454436957219.
8
O Imposto Sobre o Valor Agregado é comumente empregado em blocos
regionais de cunho político, a exemplo da União Europeia que é uma forma de união
política.
Este tributo incide normalmente sobre as despesas com produtos e serviços
realizados pelos contribuintes em geral. Como o próprio nome denuncia, o tributo recai
sobre o valor “agregado” ou acrescentado à despesa realizada. Na União Europeia,
recebe o nome de “Value Added Tax (VAT)”2.
A ideia corrente do Imposto Sobre o Valor Agregado é voltada para a política
antiga, aspirada por muitos países, tendente a implantar um determinado tipo de imposto
único.
É bastante difícil estabelecer propedeuticamente uma definição formal ou
material para o IVA, mas, em linhas gerais, esta definição pode ser esboçada com uma
singela explicação de sua ideia universal do campo de incidência do mesmo.
Em tese, a ideia do IVA é não incidir (não tributar) sobre o fluxo econômico da
produção ou do serviço, como ocorre na União Europeia. Isto implica dizer que o valor
final do custo e da produção do produto ou do serviço, por parte do fabricante/produtor
ou prestador de serviço, não seja tributado pelo IVA. Insta afirmar que somente o valor
econômico adicionado ou agregado ao produto ou serviço seja tributado pelo IVA,
quando este valor for agregado pelo distribuidor, vendedor, comerciante etc. Estes,
logicamente, figuram na cadeia comercial e não na cadeia produtiva. Sobre este valor
agregado ou adicionado pela prestação ou comercialização deve incidir o referido
tributo.
Carece de grande importância para o assunto em tela esclarecer que a essência
material do IVA é a sua incidência sobre o consumo, e o consequente sujeito passivo é o
consumidor.
2. O MERCOSUL E O IVA
Os Estados membros do MERCOSUL, conhecidos como Estados-partes, são a
Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, todos em gozo pleno de suas soberanias
dentro do bloco regional. Logicamente, não se levando em consideração os problemas
enfrentados pelo Paraguai, orbitando os melindres políticos no desdobramento dos
objetivos almejados pelo bloco, consideramos incluso no bloco, o referido Estadomembro neste contexto, obviamente, dada a importância da análise e investigação do
IVA como foco central deste trabalho.
2
The Value Added Tax, or VAT, in the European Union is a general, broadly based consumption tax assessed on the
value added to goods and services. It applies more or less to all goods and services that are bought and sold for use
or consumption in the Community. Thus, goods which are sold for export or services which are sold to customers
abroad are normally not subject to VAT. Conversely imports are taxed to keep the system fair for EU producers so
that they can compete on equal terms on the European market with suppliers situated outside the Union.
(http://ec.europa.eu/taxation_customs/taxation/vat/how_vat_works). Consulta em: 8 fev. 2013.
9
O MERCOSUL, atualmente, encontra-se na fase de união aduaneira, na qual foi
adotada a Tarifa Externa Comum (TEC)3, apesar dos desencontros acerca da dinâmica
em atingir os objetivos nesta área tributária. Paralelamente a essa instabilidade política e
comercial no MERCOSUL, o Brasil, membro que mais se intitula “hegemônico” no
bloco, é o único dos membros que ainda não adotou o Imposto sobre o Valor Agregado
(IVA), conforme mencionado acima, que no mesmo, este tributo ainda se encontra em
nível de projeto de emenda constitucional.
3. O IVA NA ARGENTINA
A Argentina implantou o IVA (Impuesto al Valor Agregado) através da lei nº
20.631/75, anteriormente à sua integração regional no MERCOSUL. Atualmente, há um
projeto de lei no Congresso Argentino objetivando operar modificações na Lei nº
20.631/754. Este projeto de lei, ao que nos parece, encontra-se prejudicado ou parado
naquele parlamento. O projeto tinha como objetivo estabelecer uma alíquota única de
13% (treze por cento), a partir de uma redução final de aproximadamente 8% (oito por
cento) da então alíquota. Atualmente, há diversas alíquotas definidas pela Lei do IVA
argentino, conforme se infere dos dispositivos constantes do artigo 28 da citada lei.
Na Argentina, o IVA alcança a venda e as importações de bens móveis, com
algumas poucas restrições, obras, locações e prestações de serviços, bem como algumas
prestações de serviços realizadas no exterior, nas condições esboçadas pelo artigo 1º da
lei.
Ainda em matéria de alcance ou de incidência tributárias relativas ao IVA, o
artigo 7º da Lei nº 20.631/75 estabelece algumas exceções materiais como livros,
folhetos, periódicos, revistas, selos de toda ordem, ouro cambial, moedas metálicas,
incluídas nestas as forjadas em metal precioso, água comum para consumo, leite in
natura ou em pó, pão comum, estes três últimos itens no caso se o adquirente for o
consumidor final ou ente público, conforme estabelecido pelo citado dispositivo legal,
transporte aéreo de passageiros, bem como transporte ou serviço prestado por aeronave
ou embarcação pública e outros produtos e serviços. O que é intrigante neste rol
argentino de exceções é a grande quantidade de itens que integram a lista de exceções
ao tributo.
A lista de exceções na Lei nº 20.631/75, ao que nos parece, é tão extensa que dá
a entender que o campo material de incidência do tributo é inferior às exceções,
tornando a indigitada lei pouco incidente concretamente no campo tributário interno
argentino em relação aos demais tributos. Nota-se, salvo melhor juízo, que um imposto
unificado no ordenamento jurídico argentino está longe de existir.
3
A finalidade prática da TEC (Arancel Externo Común - alínea c do art. 4 do Tratado de Assunção) é evitar a
formação de reserva de mercado dentro do bloco. A TEC foi adotada pelo MERCOSUL desde 1995, com o objetivo
de implementar a salutar competitividade comercial de seus membros. Em gênese, a TEC serve para estabelecer
uma taxa comum dentro do bloco para importações por parte de seus membros. No âmbito do MERCOSUL, com o
advento da TEC, alguns produtos ou serviços foram colocados em situação de transição pelos membros, como
exceção à incidência da TEC, até que pudessem integrar a tabela definitivamente. Infelizmente, o que ocorre
atualmente é que produtos nacionais que antes integravam a tabela da TEC vêm migrando para uma lista de
exceções conhecida informalmente como “lista de convergência”.
4
Projeto com expediente nº 0979-D-2007 que objetivava, até 2011, reduzir a alíquota do IVA ao patamar comum de
13% (treze por cento) sobre a operação adicional (valor líquido).
10
O artigo 10 da lei argentina sobre o IVA estabelece a base de cálculo do referido
tributo, como sendo de forma geral, o valor líquido da venda, da locação ou da
prestação de serviço.
Após uma análise acurada da lei do IVA argentino, percebe-se que aquele país,
diante da federalização de vários tributos regionais e locais, preocupou-se com a divisão
ou repartição do mesmo, conforme se infere da leitura do artigo 52 do referido diploma
legal, ao estabelecer que do produto do IVA arrecadado em um determinado exercício
financeiro, 11% (onze por cento) serão destinados à previdência social nacional, sendo
que desse montante, 90% (noventa por cento) serão destinados ao financiamento do
regime nacional de previdência social, que serão creditados ou depositados na conta da
Secretaria de Seguridade Social. Os outros 10% do montante serão distribuídos às
províncias argentinas (o que equivalem às unidades federativas brasileiras) e à cidade
autônoma de Buenos Aires, capital argentina.
O restante do produto arrecadado pelo IVA, 89% (oitenta e nove por cento), será
distribuído de conformidade com o que determina a Lei nº 23.548/885, que estabelece a
repartição fiscal geral, relativa à arrecadação de todos os tributos argentinos, aos demais
entes políticos daquele país (art. 2º, 3º e 4º). Essa sistemática de distribuição é melhor
visualizada na tabela abaixo:
IVA - RECEITA TRIBUTÁRIA ARRECADADA
PERCENT
DESTINAÇÃO
UAL
(REPARTIÇÃO)
11%
Previdência Social Nacional
89%
Conforme Lei nº 23.548/88
OBS.
Financiamento
regime nacional de
previdência
social
(90%).
Províncias
argentinas e Buenos
Aires (10%).
Nesta situação,
esta parcela do IVA
integra o rol comum de
repartição do montante
total de todos os tributos
argentinos.
4. AS IDEIAS DO IVA NO BRASIL
Alguns idealizadores ou defensores da adoção do IVA no Brasil se referem a tal
tributo com uma nomenclatura similar - Imposto sobre Valor Acrescentado.
5
Coparticipación Federal de Impuestos. Con las modificaciones de la Ley 25.049 (B.O.: 14/12/98).
11
Alguns diferentes projetos estão em trâmite no âmbito do Congresso Nacional.
Vale ressaltar a PEC nº 233/20086, de autoria do Executivo Federal, que objetiva a
adoção do IVA-F, de competência da União, e do IVA-E, de competência dos Estadosmembros e do Distrito Federal.
5. O IVA NO PARAGUAI
O IVA foi implantado no Paraguai7 através da Lei nº 125/91, modificada pela
Lei nº 2.421/2004, incidindo sobre a circulação de bens em geral, prestação de serviços,
exceto os serviços prestados em relação de dependência e importação de bens em geral
(art. 77), com as exceções (exonerações) trazidas pelo artigo 83 da citada lei.
Os contribuintes do IVA paraguaio são, a título de exemplo, em razão da
extensiva lista da lei, os professores universitários (privados ou públicos), pessoas
físicas prestadoras de serviços independentes (autônomos), cujas receitas brutas no
exercício fiscal anterior sejam superiores a um salário mínimo mensal, em média, as
cooperativas, na forma legal, empresas individuais ou em sociedade, incluídas as de
pequeno porte, as sucursais de empresas estrangeiras com domicílio no Paraguai,
sociedades com ou sem personalidade jurídica etc.
Segundo o artigo 91 da Lei do IVA paraguaio, a alíquota variará até um patamar
máximo de 10% (dez por cento), de acordo com o produto ou serviço.
Segundo o artigo 82 da Lei do IVA paraguaio, a base de cálculo do citado
tributo compreenderá o preço do bem ou serviço adicionado de todos os impostos,
exceto o próprio IVA.
6. O IVA NO URUGUAI
Atualmente, no Uruguai, o IVA encontra-se regulado diretamente pelo Código
Tributário local, após ter sido adotado pela Lei nº 14.100/72, com as alterações e
inovações trazidas por leis posteriores, a exemplo da Lei nº 18.083/2006.
O IVA uruguaio originou-se do antigo Imposto sobre Vendas e Serviços que
fora criado pela Lei nº 13.637, de 21 de dezembro de 1967.
6
Insta ressaltar que a PEC nº 33/2008 visa simplificar o sistema tributário federal, criando o imposto sobre o valor
adicionado federal (IVA-F), que unificará as contribuições sociais: COFINS, PIS e CIDE-combustível; extingue e
incorpora a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) ao imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ);
estabelece mecanismos para repartição da receita tributária; objetiva instituir um novo ICMS que passará a ter uma
legislação única, com alíquotas uniformes, e será cobrado no estado de destino do produto; desonerar a folha de
pagamento das empresas; acabar com a contribuição do salário-educação e parte da contribuição patronal para a
Previdência Social. Altera a Constituição Federal de 1988. Reforma Tributária. Fonte: site da Câmara dos
Deputados (http://www.camara.gov.br). Consulta em: 8 fev, 2013.
7
Apesar dos problemas políticos internos que culminaram com a suspensão do Paraguai do MERCOSUL, é de suma
importância mencionar que o referido Estado foi o único, até o presente momento, que mais cumpriu todos os
programas e metas do MERCOSUL. Vale mencionar, v.g., que foi o único membro que, até a presente data,
estabeleceu eleições populares (internas) para a escolha dos deputados do Parlamento do MERCOSUL.
12
O IVA uruguaio somente grava as operações de consumo, não alcançando a
renda, o capital e outras operações típicas de outros tributos existentes na legislação
tributária daquele país, como o IRPF8, IRNR9, IRAE10 etc. Mais claramente, incide
sobre as operações de circulação interna de bens dentro do Uruguai, a prestação de
serviços dentro do referido território, sobre a entrada de bens no país e sobre a
valorização de bens imóveis, após modificações operadas pelo proprietário.
Uma das principais características jurídicas do IVA uruguaio é ser um tributo
indireto11, pois o seu ônus recairá sobre uma terceira pessoa, além de ser plurifásico e
não-cumulativo. Com isso, ele é incidente em todas as fases das operações de consumo
de bens e serviços, e, por ser sobre “valor agregado”, e, em sendo não-cumulativo,
somente incidirá, a exemplo do ICMS brasileiro12, sobre o valor adicionado a cada
operação de consumo.
São exemplos casuísticos de contribuintes do IVA uruguaio, aqueles que
adquirem rendas empresariais, exceto aqueles produtores empresários que fizeram a
opção de serem gravados pelo IMEBA13, como uma forma uruguaia de elisão fiscal14.
Nesta opção, o empresário é tributado pelo IMEBA somente na primeira operação de
alienação de bens15elencados pela normativa uruguaia, serviços autônomos e
descentralizados, cooperativas de créditos e seguros, aqueles que realizam alterações em
seus imóveis - objetivando valorizá-los, fundos de pensões e de aposentadorias etc.
Insta ressaltar que o IVA uruguaio sobre os produtos agropecuários ficará
suspenso na fatura, vindo a incidir sobre esses mesmos produtos somente após a
primeira transformação hábil a alterar a natureza dos mesmos.
A alíquota básica16 do IVA uruguaio é da ordem de 22% (vinte e dois por cento)
sobre o valor adicionado ou agregado à operação de prestação de serviço ou alienação
do bem17.
8
Imposto de Renda da Pessoa Física e de Sociedades de Capital (Art. 28 da Lei nº 13.637/67 e Decreto 147/007).
Imposto de Renda de Não-Residentes (Decreto 149/007).
10
Imposto de Renda Anual Empresarial (Decreto 150/2007).
11
Tributo indireto é classificado em razão de sua configuração legal, ou seja, é uma espécie de tributo que, em razão
de sua característica plurifásica, permite a transferência do seu encargo econômico-financeiro para terceira pessoa
que não a que se prevê em lei como contribuinte ou responsável tributária.
12
Segundo nos informa Valter Marcos de Brito, “o ICMS brasileiro adota a estrutura de IVA tipo produto que, apesar
de ser da mesma forma não-cumulativo, somente proporciona créditos fiscais às atividades inseridas dentro do seu
campo de incidência, ficando de fora a prestação de serviço em geral, tributada pelo ISS. Isso faz com que o efeito
cumulativo seja parcialmente eliminado (Marcos de Brito, 2013, p. 49).
13
Imposto da Alienação de Bens Agropecuários (Art. 7º da Lei nº 13.637/67).
14
Elisão fiscal, ao contrário da evasão fiscal, traduz-se numa forma integrativa ou alternativa lícita de se pagar menos
tributo ou, quiçá, se eximir de pagá-lo, v.g., o caso no Direito Tributário Brasileiro, em que cônjuges fazem a
opção de declararem imposto de renda em conjunto ou em separado (opção legal pelo pagamento mais módico)
ou, em determinadas situações, pagar menos fazendo opção pela declaração simplificada.
15
Lãs e couros ovinos e bovinos; gado bovino e ovino; cereais e oleaginosos; produtos derivados da avicultura,
ranicultura e da apicultura; produtos hortifrutigranjeiros etc.
16
Após uma análise da legislação uruguaia sobre as alíquotas previstas para o IVA naquele país, conclui-se que a
chamada “alíquota básica” (tasa básica) deve ser considerada como uma alíquota residual (genérica), tendo em
vista que há uma lista com produtos taxados por alíquotas diferenciadas com relação ao IVA, como no caso do
arroz, açúcar, erva-mate, margarinas, sal e farinhas, cuja alíquota é da ordem de 14% (quatorze por cento), que é
considerada como “alíquota mínima” do IVA.
17
Art. 99 do Decreto 220/998.
9
13
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De uma análise detida do presente artigo, é notória a inércia do Brasil em
implantar um tributo aos moldes do IVA pretendido pelo MERCOSUL, como se pode
depreender de uma breve leitura do artigo 1º do Tratado de Assunção.
Mesmo diante da tentativa de implantar no Brasil o chamado IVA-F e o IVA-E,
os Estados da federação temem a perda de sua principal arrecadação. A implantação do
IVA no Brasil iria federalizar dois tributos que representam a grande monta em termos
de arrecadação para os Estados-membros e para os municípios brasileiros - o ICMS e o
ISS. Esta é, mutatis mutandi, a mesma linha de raciocínio do magistério do eminente
tributarista pernambucano Ricardo Alexandre.
Por óbvio a criação de um IVA federal, com a extinção do ICMS, do IPI e do
ISS resolveria todos esses problemas. Mas a solução tecnicamente perfeita é
politicamente impossível, pois mesmo que se garanta o integral repasse dos recursos
arrecadados com o sonhado IVA federal, os Estados e o Distrito Federal não vão
assentir na perda do poder político que o tributo representa nas negociações para atração
de investimentos para os seus territórios.18
Os problemas em que o jurista Ricardo Alexandre se refere, em seu fragmento
de texto acima, são exatamente ligados à guerra fiscal. Esta guerra fiscal teve a sua
gênese na falta de uniformidade legislativa territorial provocada pelo constituinte
originário com a distribuição, em várias vertentes legiferantes, da competência
legislativa complementar para as unidades federativas legislarem complementarmente
sobre o ICMS.
Para um Estado como o Uruguai não houve e não há esse problema de guerra
fiscal. Aquele Estado não é dividido em unidades federativas como o Brasil. Somente
existem os departamentos que são equiparados aos nossos municípios brasileiros.
Esta inércia do Brasil em adotar o esperado IVA tem provocado uma
desarmonização tributária nos propósitos e objetivos do MERCOSUL, conforme
assevera o Prof. Teodorovicz, citando Edison Carlos Fernandes.
Com base nesse dispositivo, Edison Carlos Fernandes conclui que o texto acima
demonstra que a construção do MERCOSUL implicará na ‘(...) coordenação de
políticas macroeconômicas com particular referência à área fiscal (tributária)’. Para
Fernandes, a citada coordenação visa ‘(...) assegurar o compromisso dos parceiros de
harmonizar as suas legislações nas áreas pertinentes, o que inclui a tributária’. Logo,
conclui o autor que ‘(...) o MERCOSUL deseja a harmonização das legislações
tributárias dos Estados-Membros, porém, inicialmente, buscar-se-á a sua
coordenação’19
Ainda sob o manto do destacado magistério do Prof. Teodorovicz, faz-se
necessário complementar que esse processo de integração legislativa não se daria de
forma abrupta, mas por estágios de adaptações legislativas dos integrantes do
18
Alexandre, 2011, p. 603.
19
FERNANDES, 2000, p. 199, apud TEODOROVICZ, 2009, p. 140.
14
MERCOSUL. Ainda citando o magistério de Edison Carlos Fernandes, o ilustre jurista
leciona que:
[...] a última etapa da integração legislativa, ocorreria pela superação da
aproximação legislativa, e consistiria na ‘(...) identidade de texto’. Assim, os enunciados
legislativos são redigidos pelos representantes dos diversos parceiros, e dessa forma são
adotados. Portanto, não há uma adaptação das normas comunitárias às normas nacionais
existentes, existindo, na realidade, a ‘(...) recepção do texto integral, com força,
inclusive, para revogar disposições internas incompatíveis’.20
Sem embargo de registrar, a partir desta exposição jurídica, que o processo de
integração na América Latina sempre andou a passos de tartaruga, o IVA mercosuliano
nos traz à baila um exemplo casuístico dos males que um multiculturalismo regional
pode trazer, em sede de dificuldades, em se estabelecer um cronograma político,
administrativo, econômico e fiscal no âmbito do MERCOSUL. Isto implica dizer que o
MERCOSUL, diante dessas problemáticas, que não são poucas, ainda não atingiu a fase
final de sua meta principal, a de ser, efetivamente, um mercado comum21regional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
01. ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado. 5. ed.- Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.
02. BRITO, Valteir Marcos de. A Harmonização Tributária e a Solução de
Controvérsias Tributárias no MERCOSUL. Revista do Mestrado em Direito /
UCB,
p.
279,
Brasília-DF.
http://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/
article/viewFile/2543/1547. Consulta em: 23 fev, 2013.
03. FERNANDES, Edison Carlos. Normas Tributárias no MERCOSUL. In:
MARTINS, Ives Gandra. Direito Tributário no MERCOSUL. Forense: Rio de
Janeiro, 2000.
04. TEODOROVICZ, Jeferson. Integração Econômica e Tributação sob o
Consumo sob a Perspectiva da Sustentabilidade - aspectos científicos e políticos.
2009. 549 f. (Mestrado em Direito Econômico e Socioambiental) - Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2009.
20
Ibidem.
Mercado comum em uma determinada região significa que há integração livre e total na circulação dos
fatores sociais da produção: capital e trabalho.
21
15
VEDAÇÃO À PROVA ILÍCITA NO PROCESSO PENAL E SUA
RELATIVIZAÇÃO
Cleber Alboy Monaro Inácio(1)
Simone Rodrigues de Souza(2) 22
RESUMO: Este artigo apresenta os aspectos relevantes acerca das provas
ilegais, seus subtipos e, com enfoque maior, as provas ilícitas e sua inadmissibilidade.
Aborda-se, também, uma posição que vem sendo adotada com maior robustez no direito
brasileiro, qual seja, a relativização da vedação à prova ilícita, visando-se conscientizar
o leitor para a necessidade de sopesar questões jurídicas sem perder de foco o aspecto
social, que reclama uma solução.
Palavras-chave: prova ilícita, relativização.
1.
ASPECTOS GERAIS SOBRE AS PROVAS
Uma pretensão consubstanciada em uma demanda judicial pode ser focada em
fatos ou questão jurídica. Quando foca-se em direito, o caderno processual encontra seu
fim sem muitas delongas, pois ao juiz cabe saber o direito (“iure novit curia”), porém,
caso a cognição esteja dependente da elucidação dos fatos, verifica-se a
indispensabilidade da colheita probatória.
Dá-se o nome de prova à demonstração dos fatos aduzidos por alguém ou, até
mesmo, ao conjunto de elementos que auxiliam na busca da verdade.
Fernando Capez define a prova como sendo “o conjunto de atos praticados pelas
partes, pelo juiz e por terceiros destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da
existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação.
1. Advogado Militante no Estado de Goiás,
Pós-graduado em Direito Processual lato sensu pela Faculdades Jataiense – FAJA,
2. Assistente Legislativa da Câmara dos Vereadores de Jataí,
Pós-graduada em Direito Processual lato sensu pela Faculdades Jataiense – FAJA.
16
Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a
finalidade de comprovar a verdade de uma alegação” (CAPEZ, 2009. p. 297).
O conjunto probatório é um caminho que leva à certeza dos fatos, devendo o
magistrado focar-se em informações constantes dos autos, pois “quod non est in actis
non est in mundo”.
A prova pode ser vista sob dois aspectos, o objetivo, que é o meio pelo qual se
produz a certeza, ou seja, o aspecto material que leva a uma consciência da verdade
fática. Existe também o aspecto subjetivo, que é a convicção formada por cada pessoa
acerca de um fato quando tem acesso à alegação e complexo de provas materiais.
As provas podem ser admissíveis, que são as legalmente produzidas e que não
violam disposições jurídicas, sejam de ordem formal ou material. Há também as provas
inadmissíveis, também chamadas de ilegais, expressamente vedadas pela Carta Magna
de 1988, em seu artigo 5º - LVI.
Trata-se, a prova ilegal, do conjunto de elementos que, para a busca da verdade,
viola direito material ou formal.
As provas, assim como diversos outros institutos jurídicos, devem respeitar
princípios estatuídos que sirvam como fonte de interpretação e aplicação de normas. Os
princípios gerais das provas no âmbito processual penal são:
a) contraditório - corolário do artigo 5º inciso LV da Constituição Federal de
1988, assegura que a parte adversa, seja ela o acusado ou o Ministério
Público, tenha direito a tomar conhecimento de prova produzida contra suas
pretensões;
b) comunhão da prova - a partir do momento em que uma prova integra os
autos, esta prova deixa de ser da parte que a produziu e passa a ser do
processo, mesmo porque, a prova é indivisível, não há como aceitar o que
seja conveniente para uma parte e rejeitar o que lhe seja desfavorável, vez
que se procura, com a prova, a certeza da verdade real;
c) autorresponsabilidade das partes - à parte que produziu a prova, cabe a
responsabilidade pela mesma, devendo arcar com o resultado da prova, seja
ele benéfico ou não. Agindo de má-fé, fazendo juntar aos autos documentos
inverídicos ou que, para sua obtenção, violem direito material, e a parte que
o fizer responderá nos termos da legislação penal, civil e, se aplicável,
administrativa;
d) publicidade - o processo (o que inclui as provas nele produzidas), deve
ser do acesso de todos, sejam eles interessados na causa ou não, salvo os
processos cuja lei atribua procedimento sigiloso pelos motivos de praxe;
e) oralidade - em busca de maior dinâmica, transparência e celeridade, o
processo penal prima pela prova falada, a fim de, inclusive, proporcionar
maior aproximação entre o magistrado e o caso “sub examine”;
f) concentração - resultado natural do princípio anterior, a concentração
denota que se deve executar o máximo de atos em um único momento,
incluindo a busca probatória;
g) livre convencimento motivado - o juiz presidente do feito, quando
debruçar-se sobre os autos, tem liberdade para valorar as provas de acordo
17
com sua convicção, devendo motivar seu entendimento em provas
constantes dos autos quando da prolação de uma decisão;
h) vigora também o princípio da Vedação à Prova Ilícita, cuja nomenclatura
utilizada em diversas doutrinas, a nosso ver, é equivocada, pois, o que a
Constituição Federal proíbe em seu artigo 5º - LVI, são todas as provas
obtidas por meios ilícitos, e não apenas as que violem direitos materiais.
Entendemos que o termo mais correto seria “Vedação à Prova Ilegal”, que
compreende todas as formas de provas legalmente inadmissíveis, que são a
verdadeira extensão do texto constitucional em questão.
A prova ilegal, vedada pelo ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, será adiante abordada.
1.
PROVAS ILEGAIS
A nossa lei maior veda às provas obtidas por meios ilícitos, seja tal violação de
ordem formal ou material.
Uadi Lammêgo Bulos aduz que as provas obtidas por meios ilícitos, também
chamadas de provas ilícitas “lato sensu”, são “as contrárias aos requisitos de validade
exigidos pelo ordenamento jurídico. Esses requisitos possuem a natureza formal e a
material. A ilicitude formal ocorrerá quando a prova, no seu momento introdutório, for
produzida à luz de um procedimento ilegítimo, mesmo se for lícita a sua origem. Já a
ilicitude material delineia-se através da emissão de um ato antagônico ao direito e pelo
qual se consegue um dado probatório, como nas hipóteses de invasão domiciliar,
violação do sigilo epistolar, constrangimento físico, psíquico ou moral a fim de obter
confissão ou depoimento de testemunha etc.” (BULOS, 2001. p. 244).
Depreende-se do entendimento supra e do expresso texto constitucional do
inciso LVI do artigo 5º, o qual alude que “são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos” (BRASIL, 2010), que nosso ordenamento jurídico, via de
regra, não apoia a premissa de que “os fins justificam os meios”, proibindo qualquer
tipo de prova que viole direitos e procedimentos assegurados e estabelecidos por norma
legal.
O texto constitucional supracitado possui a concordância infraconstitucional do
artigo 157 “caput” do Código de Processo Penal, que em sua redação determina que
“são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim
entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais” (BRASIL, 2010).
Trata-se, evidentemente, de um escudo a proteger o princípio da Segurança
Jurídica, assegurando que um terceiro na relação jurídica, ou até mesmo um integrante
de dita demanda, não tenha seu direito violado pela busca de provas de uma parte
interessada.
José Frederico Marques, adotando posição obstativa, esclarece que referidas
normas “de proteção e garantia da pessoa humana, impedem que, para a procura da
verdade, lance-se mão de meios condenáveis e iníquos de investigação e prova, além de
18
outros fundados em superstições, crendices ou práticas não mais consagradas pela
ciência processual” (MARQUES, 2000. p. 353/354).
A prova obtida por meio ilícito, também chamada de prova ilegal, subdivide-se
em duas espécies, quais sejam, a prova ilegítima e a prova ilícita. A citada divisão é
anuída por Damásio Evangelista de Jesus que diz serem “inadmissíveis no processo as
chamadas provas ilegais, gênero que se subdivide nas espécies: prova ilegítima e prova
ilícita. Ilegítima é a prova cuja produção é vedada por norma processual. Ilícita é aquela
cuja produção ofende norma de Direito Material” (JESUS, 2009. p. 160).
É óbvio que a definição dada pelo incólume doutrinador não pode preencher
completamente os aspectos dos institutos em mesa, motivo pelo qual passa-se a abordálos de forma mais detalhada.
2.1 PROVA ILEGÍTIMA
Espécie do gênero prova ilegal, a prova ilegítima é a que afronta norma
processual, ou seja formal. Sua localização está na forma de proceder dentro de uma
demanda.
É sabido que o Código de Processo Penal e legislações processuais penais
extravagantes elencam diversas normas procedimentais que são corolários da busca pelo
cumprimento de princípios de direito, por exemplo, o contraditório é assegurado quando
o artigo 479 do caderno processual penal aduz que “durante o julgamento não será
permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos
autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte”
(BRASIL, 2010). Através da compreensão de referido princípio, assevera-se que o
legislador, através de norma processual, buscou assegurar o princípio do contraditório,
possibilitando à parte adversa tomar conhecimento de prova que é de seu interesse, vez
que, a partir do momento em que uma prova integra os autos, passa a ser do processo, e
não apenas de quem a produziu.
Outro exemplo que auxilia na compreensão da prova ilegítima é nos casos de
crimes que deixam vestígios. O artigo 158 do Código de Processo Penal alude que
“quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito,
direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado” (BRASIL, 2010), logo,
colhida a confissão de um acusado buscando-se suprir um exame de corpo de delito que
haveria de ter sido feito, tal prova é tida como ilegítima, e não poderá ser utilizada pelo
juiz da causa como meio de motivação para uma eventual condenação.
Em caso uma prova seja declarada ilegítima, a legislação, doutrina e
jurisprudência, à unanimidade, entendem pela nulidade processual, desde que reste
provado o prejuízo à parte que não guarde nexo de causalidade com a prova. Dita
nulidade, se disser respeito a ato do qual os demais eventos processuais guardem
dependência, acarreta também a nulidade dos atos subsequentes.
1.2
PROVA ILÍCITA
19
A prova ilícita “strictu sensu” diferencia-se da ilegítima, pela espécie de direito
violado. Enquanto nesta o direito processual foi o objeto não observado, na prova ilícita,
o direito material é que não foi respeitado.
Pode-se citar como diferencial entre os dois institutos, o lugar em que ocorreu a
violação, enquanto a prova ilegítima é decorrente de uma infração dentro do processo, a
prova ilícita é uma violação fora do processo.
Fernando Capez traz que “serão ilícitas todas as provas produzidas mediante a
prática de crime ou contravenção, as que violem normas de Direito Civil, Comercial ou
Administrativo, bem como aquelas que afrontem princípios constitucionais” (CAPEZ,
2009, p. 301).
Igualmente corrobora Grinover, Scarance e Magalhães, alertando que a prova
ilícita é fruto de uma “encruzilhada entre a busca da verdade em defesa da sociedade e o
respeito a direitos fundamentais que podem ver-se afetados por esta investigação”
(GRINOVER et. al., 1996. p. 130).
Assim, conceitua-se a prova ilícita como aquela que, para sua obtenção, houve
violação de direito individual assegurado por alguma norma, seja ela legal,
constitucional ou até mesmo um princípio de direito material.
Decretada a invalidade da prova por ilicitude, esta será desentranhada dos autos,
o que proíbe que o magistrado motive sua sentença em referida prova, respondendo o
infrator pelas penas decorrentes da violação, não excluindo a responsabilidade civil e
administrativa, se houverem.
2.2.1 PROVA ILÍCITA POR DERIVAÇÃO: TEORIA DOS FRUTOS DA
ÁRVORE ENVENENADA
Fora dito que, via de regra, o Direito brasileiro repugna as provas obtidas por
meios ilícitos, a fim de assegurar diversos direitos de ordem formal ou material, porém,
aspecto que merece especial atenção são as provas que são lícitas e legítimas em si
mesmas, decorreram de outra prova que desrespeita ordenamento jurídico.
O fenômeno ao qual nos referimos tem o nome de Prova Ilícita por Derivação,
também chamada de Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (“fruits of the poisonous
tree”), que teve origem na Suprema Corte Norte-Americana, onde, no julgamento do
caso “Silverthorne Lumber Co. VS. United States”, no ano de 1920, passou-se a não se
admitir as provas que, mesmo que legais, sejam oriundas de outra que não observou
ditames legais.
Damásio de Jesus esclarece o significado do instituto em questão, inclusive, da
nomenclatura da teoria ao dizer que “para a doutrina dos frutos da árvore envenenada
(fruits of the poisonous tree), desenvolvida no âmbito da Corte Suprema dos Estados
Unidos da América, todas as provas obtidas a partir da prova ilícita (árvore) são
20
contaminadas pela ilicitude (frutos envenenados), ainda quando sejam, por si, lícitas.
Trata-se de uma metáfora jurídica em que a ‘árvore envenenada’ representa a prova
ilícita e os ‘frutos’, aquelas provas lícitas a partir dela obtidas” (JESUS, 2009. p. 161).
Igualmente à Suprema Corte Norte-Americana, o Supremo Tribunal Federal,
órgão máximo do poder judiciário brasileiro, fixou o entendimento pela
inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, consubstanciado pelas decisões no
HC 93050/RJ, HC 87654/PR dentre outros.
2.2.1.1 RESTRIÇÕES À DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE
ENVENENADA
À luz da jurisprudência Norte-Americana, a doutrina, a jurisprudência e a lei
brasileira adotaram duas exceções à Prova Ilícita por Derivação.
O artigo 157 do Código Instrumental Penal, não obstante em seu parágrafo 1º
vede a prova ilícita por derivação, ainda sim, abre margem a duas hipóteses expressas
de admissão para a mesma, quais sejam, a fonte independente e a descoberta inevitável.
1.2.1.1.1
Fonte Independente
Caso a prova obtida por origem ilícita pudesse ser obtida de modo respeitoso aos
ordenamentos legais e constitucionais, esta prova é aproveitada, pois possui uma outra
forma de obtenção legal, que é paralela à forma de fato obtida.
Nas palavras de Grinover, Scarance e Magalhães, a prova derivada de outra será
considerada como independente da ilícita que lhe originou se “a conexão entre umas e
outras for tênue, de modo a não se colocarem as primárias e secundárias numa relação
de estrita causa e efeito” (GRINOVER et. al. 2007. p. 96/97). Assim, ocorrendo o
evento da independência entre as fontes para obtenção da prova maculada, não se aplica
a regra da proibição das provas ilícitas por derivação.
1.2.1.1.2
Descoberta Inevitável
A descoberta inevitável é aquela em que, produzida ou não a prova por fonte
ilícita, a mesma seria produzida pelas diligências comuns de praxe, ou seja, caso a prova
obtida em decorrência de outra prova ilícita não tivesse sido produzida, a mesma seria
produzida legítima e licitamente pelos meios persecutórios normais de investigação. A
prova foi produzida antecipadamente, quando se o órgão interessado houvesse
aguardado, a prova seria encontrada de forma lícita.
Damásio de Jesus abordou o tema aludindo que na descoberta inevitável, “a
prova derivada da ilícita poderá ser utilizada, quando sua descoberta for, pelos meios
21
regulares de investigação, inevitável. Não se exige grau de certeza, mas de
probabilidade” (JESUS, 2009. p. 161/162).
Muito embora o texto do parágrafo 2º do artigo 157 do Código de Processo
Penal faça alusão ao termo “Fonte Independente”, a conceituação constante de referido
dispositivo guarda relação com a Descoberta Inevitável, verificando-se, “data máxima
vênia”, uma confusão por parte do legislador.
2.3 POSIÇÕES QUANTO À ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS
ILÍCITAS
Quando de seu nascedouro, o instituto da prova ilícita era inquestionavelmente
proibido e vedava-se por completo qualquer prova obtida por violação a direito
material. Ocorre que, com a evolução do direito e, principalmente, emersão dos direitos
fundamentais individuais, referido postulado começou a sofrer diversos
questionamentos.
Com o tempo, criaram-se correntes com entendimentos diversos quanto à
admissibilidade da prova ilícita, passando-se, agora, a abordá-las.
2.3.1 Teoria Obstativa ou Corrente da Inadmissibilidade Absoluta
Posicionamento adotado desde o início, entendimento inflexível que prega a não
admissão da prova ilícita independentemente do caso em concreto.
Corrente doutrinária, que possui como afiliados Ada Pellegrini Grinover e José
Frederico Marques, que defende a mesma, alertando que não é aceitável “na justiça
penal, a adoção do princípio de que os fins justificam os meios, para assim tentar
legitimar-se a procura da verdade través de qualquer fonte probatória. Por isso, a tortura,
as brutalidades e todo atentado violento à integridade corporal devem ser banidos da
investigação e da instrução. E o mesmo se diga do que se denomina, com eufemismo,
de torturas lícitas, como the third degree da polícia americana ou os interrogatórios
fatigantes, penosos e exaustivos. Igualmente condenáveis são os procedimentos
desleais, como, por exemplo, a captação clandestina de telefonemas, o emprego de
microfones dissimulados e do registro, em aparelhos telefônicos, de conversações
íntimas” (MARQUES, 2000. p. 354).
Cumpre salientar que os juristas, prestadores de assessoria aos congressistas na
elaboração do texto constitucional de 1988, pertenciam a esta corrente, principalmente
em virtude do regime autoritarista que vigorava na época.
Ocorre que a rigidez da corrente obstativa viola princípio basilar do processo
penal, qual seja da verdade real, que preza pela realidade dos fatos e não apenas pela
verdade constante dos autos que, graças à teoria obstativa, pode ser diversa da verdade.
Trata-se de um dever do Estado-Juiz a busca pela realidade fática.
22
2.3.2 Teoria Permissiva ou Corrente da Admissibilidade Absoluta
Ao revés da Teoria Obstativa e um posicionamento radical, surgiu a Teoria
Permissiva que prega a admissibilidade da prova independentemente da forma de sua
obtenção.
Doutrinadores, como Fernando de Almeida Pedroso, defendem que a finalidade
precípua do processo é auferir a realidade dos fatos, em absoluto acatamento ao
princípio da verdade real, o que tornaria qualquer prova passível de avaliação e
formação de convicção pelo juiz do feito.
Tal entendimento prega ainda que o responsável pela violação que torne a prova
ilícita seja processado pela conduta perpetrada, o que não deve contaminar a prova em
si. Porém, tendo-se em vista que a prova produzida o foi em um estado de necessidade
do acusado, em eventual processo contra este, tal tese de excludente de ilicitude poderia
ser levantada, excluindo uma responsabilidade penal do infrator e havendo sua
absolvição sumária pelo artigo 397, inciso I, do Código de Processo Penal.
Poder-se-ia pregar que o infrator que obteve a prova ilicitamente não responda
por seu ato, mas, mesmo assim, violaria um direito e caso não logre êxito na obtenção
da prova, embora agrida direito alheio, haveria um apoio a condutas antijurídicas, e
prejudica a segurança jurídica como um todo.
2.3.3 Corrente Intermediária
Com o objetivo de equilibrar o “pêndulo” entre as duas teorias anteriores, criouse a corrente intermediária, que prega a vedação à prova ilícita com ressalvas, aduzindo
que, havendo o conflito entre dois direitos, deve prevalecer o que for sopesado como de
maior valor.
Opõe-se à teoria permissiva no passo que leva como regra a proibição das provas
ilícitas. Contrapõe-se também à teoria obstativa, encarando-a como demasiadamente
inflexível, o que não se coaduna com o Estado Democrático de Direito.
Defensores da presente teoria, José Carlos Barbosa Moreira e Camargo Aranha,
apóiam que deve ser cada caso estudado com cautela, a fim de se decidir sobre a
admissibilidade ou não de uma prova de origem ilícita.
Trata-se esta corrente de um dos expoentes da Relativização da Vedação à Prova
Ilícita.
2.3.4 Teoria da Admissibilidade “pro reo”
23
Existe ainda uma teoria que vem sendo aplicada na jurisprudência e aceita na
doutrina, que reza a possibilidade de admissão da prova ilícita desde que a favor do réu.
A teoria da admissibilidade da prova ilícita “pro reo”, em atendimento ao
princípio do “favor rei”, busca equilibrar uma relação entre acusado e órgão acusador,
vez que este dispõe de meios para a busca da verdade sem precisar abrir mão de
condutas ilícitas, enquanto o réu encontra-se em posição inferior na busca por seus
direitos e verdade dos fatos.
Fernando Capez, embora adote posição parcialmente diversa, concorda que o
direito à comprovação da inocência sobrepõe-se ao poder de punir do Estado, aludindo
que “o princípio da proporcionalidade pro reo não apresenta maiores dificuldades, pois
o princípio que veda as provas obtidas por meios ilícitos não pode ser usado como um
escudo destinado a perpetuar condenações injustas. Entre aceitar uma prova vedada,
apresentada como único meio de comprovar a inocência de um acusado, e permitir que
alguém, sem nenhuma responsabilidade pelo ato imputado, seja privado injustamente de
sua liberdade, a primeira opção é, sem dúvida, a mais consentânea com o Estado
Democrático de Direito e a proteção da dignidade humana” (CAPEZ, 2009. p. 306).
Trata-se do posicionamento mais aceito no Brasil atualmente.
2.
RELATIVIZAÇÃO DA VEDAÇÃO À PROVA ILÍCITA
Embora a teoria obstativa tenha sido a primeira utilizada no instituto da vedação
à prova ilícita, e não obstante a teoria permissiva tenha tentado equilibrar a balança da
vedação, puxando uma interpretação totalmente diversa, a flexibilização da
inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos consubstanciada nas teorias da
admissibilidade “pro reo” e intermediária estão em maior voga e são até hoje matéria de
discussão.
O presente instituto pode ser subdividido nas duas últimas teorias estudadas
(admissibilidade “pro reo” e intermediária), porém, aspecto relevante, é lembrar que,
embora semelhantes, ambas correntes possuem divergências e, para a adoção de uma
posição, é mister examiná-las e, posteriormente, demonstrar nossa posição.
Nos dizeres de Antonio Scarance Fernandes, o inadmissível é uma pessoa
inocente responder por crime somente porque “a demonstração de sua inocência só pôde
ser realizada por prova obtida por meio ilícito” (FERNANDES, 2002. p. 87/88). De
fato, respeitando o princípio da ampla defesa, assegurado constitucionalmente, e
também, a premissa de que, quando o direito se puser contra a justiça deve-se optar pela
segunda, mostra-se razoável sobrepor-se à determinação expressa da lei e da
Constituição Federal (com o devido respeito aos órgãos legisladores), a fim de garantir
direito fundamental individual, desde que seja a expressão da justiça e busca pela
verdade real.
Logo, mostra-se, a nosso ver, parcialmente acertado o entendimento da
admissibilidade “pro reo” quando flexibiliza uma imposição absoluta a fim de assegurar
direito indisponível.
24
Ocorre que, diversamente do que estatui a teoria “pro reo”, entende ser
admissível a prova ilícita apenas em favor do acusado, posicionamo-nos a favor da
teoria intermediária, desde que, vale lembrar, observe rigorosamente o princípio da
proporcionalidade. De acordo com Fernando Capez, que partilha de nosso
entendimento, para o princípio da proporcionalidade, “não existe propriamente um
conflito entre as garantias fundamentais. No caso de princípios constitucionais
contrastantes, o sistema faz atuar um mecanismo de harmonização que submete o
princípio de menor relevância ao de maior valor social” (CAPEZ, 2009. p. 304).
De origem alemã, no pós-guerra, o princípio da proporcionalidade é instituto
embasador da teoria da admissibilidade “pro reo” e intermediária, reza que deve haver
um balanceamento entre direitos e valores, buscando-se o de maior relevância e
sobrepondo-o ao menos latente. Referido balanço somente poderá ser feito pelo exame
do caso concreto, tornando o trato do magistrado para com os autos mais
individualizado.
A proporcionalidade defende, acima de tudo, a comparação, para evitar a
injustiça e rigidez, sendo esta muito frequente nos textos legislativos. A fixação de uma
proibição absoluta de que o órgão acusador faça uso de meios idênticos aos do réu, vai
de encontro ao espírito do princípio em questão, mesmo porque, o que se busca,
flexibilizando a norma da vedação à prova ilícita, é adequá-la aos tempos hodiernos e
realidade social na qual vivemos.
Tendência que ganha força no meio jurídico brasileiro, é no sentido de atribuir
aos princípios o valor de norma, sendo suficiente para servir de fundamentação para
decisões judiciais. É uma nova onda que vem com força na doutrina. Porém, no direito,
vigora a premissa de que “nada é absoluto”, e os princípios podem ser flexibilizados se
violarem bem mais precioso. É o caso de antinomia jurídica, em que dois princípios se
contrapõem, necessitando-se valorá-los e atribuir preferência por um em detrimento de
outro e, para tanto, utiliza-se da proporcionalidade.
Justificando nosso apoio à corrente intermediária ou teoria da proporcionalidade,
trazemos sábia e pertinente indagação de Fernando Capez: “Suponhamos uma carta
apreendida ilicitamente, que seria dirigida ao chefe de uma poderosa rede de
narcotráfico internacional, com extensas ramificações com o crime organizado. - Seria
mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua correspondência epistolar,
do qual se serve para planejar crimes, do que desbaratar uma poderosa rede de
distribuição de drogas, que ceifa milhões de vidas de crianças e jovens?”
O princípio da proporcionalidade “pro societate”, desde que assegurado também
ao réu, é uma forma de garantir valores da coletividade, principalmente visando uma
atuação preventiva.
Insta salientar que não só o réu e o ministério público, que não é órgão
eminentemente acusador, têm interesse na persecução probatória, mas também o juiz,
vez que no processo penal, o princípio do dispositivo sobre drástica redução, justamente
para dar espaço a um princípio de maior relevância, o da verdade real.
25
Com rara propriedade, Roberto Prado de Vasconcellos aduz sobre a necessidade
de adoção do princípio da proporcionalidade também “pro societate”, aludindo que “é
um vício constante da doutrina afirmar que as provas ilícitas incriminatórias não podem
jamais ser utilizadas contra o réu. O problema de se tratar assuntos tão importantes
apenas no âmbito da abstração, sem testar suas construções doutrinárias com exemplos
hipotéticos, leva a injustiças freqüentes, bem como ao esquecimento dos problemas
crônicos que necessitam de soluções urgentes. Exemplifique-se com o caso do combate
ao tráfico. Não se pode negar que é notória a freqüência com que os meios
convencionais fracassam na resolução destes problemas” (VASCONCELLOS, 2001, p.
465).
Igualmente é o entendimento de Camargo Aranha, aduzindo que “em nome de
um exagerado dogmatismo, grandes crimes e poderosos e perigosos criminosos podem
ficar impunes. Não devemos esquecer que o crime organizado é, quanto à sua execução,
quase perfeito, porque planejado cientificamente, o que exige investigações mais
apuradas” (ARANHA, 1996, p. 60).
Colocamo-nos contra a utilização de garantias constitucionais para dar amparo e
proteção a práticas ilícitas, motivo pelo qual mostramo-nos adeptos à teoria
intermediária, que expressa a alma da proporcionalidade com observância dos aspectos
sociais hodiernos.
CONCLUSÃO
O presente trabalho abordou de forma sucinta a prova no processo penal,
trazendo seus princípios gerais de aplicabilidade mais focada ao tema em comento.
Concentrou-se, posteriormente, na prova vedada, ou seja, nas provas tidas como
ilegais, obtidas por meios ilícitos, trazendo à baila também sua subdivisão em prova
ilegítima e prova ilícita.
As provas ilegítimas, como dito, são as que foram obtidas com violação a
normas processuais, que ignoram procedimento estatuído em lei e são obtidas com
violação a normas formais.
As provas ilícitas foram conceituadas como as que foram adquiridas às custas do
sacrifício de direito material.
Trouxemos à baila a teoria dos frutos da árvore envenenada, que prega a
inadmissão de provas lícitas que são oriundas de outras provas ilícitas, tendo sua
proibição ficado como regra no entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Aludiu-se, também, sobre as duas exceções à proibição da prova ilícita por
derivação, quais sejam, a fonte independente e a descoberta inevitável.
Debateu-se sobre os diversos posicionamentos acerca da admissibilidade das
provas ilícitas no Brasil, sendo que o que é mais aceito, atualmente, é o da
26
admissibilidade da prova ilícita “pro reo”, o que diverge de nosso entendimento e de
diversos renomados doutrinadores.
Tecemos comentários sobre a relativização da proibição à prova ilícita,
reafirmando nossa posição pela Teoria Intermediária, aplicando-se a proporcionalidade
ao caso concreto, nunca perdendo de vista o aspecto social hodierno e a tutela urgente
de que a sociedade necessita.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
01. ARANHA, Adalberto Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 4.
ed. São Paulo:Saraiva, 1996.
02. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 15. ed. São
Paulo: RT, 2010.
03. BRASIL. Código Penal, Código de Processo Penal, Legislação Penal e
Processual Penal, Constituição Federal. 12. ed. São Paulo:RT, 2010.
04. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-Corpus nº. 93050/RJ, Pacte.
Luiz Felipe da Conceição Rodrigues. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Relator Min. Celso de Mello.Julgamento: 10.06.2008. DJU 01.08.2008.
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constitucional) in Revista dos Tribunais, nº. 791, set. 2001.
TUTELAS DE URGÊNCIA E EVIDÊNCIA NO PROJETO DO NOVO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (PLS 166/10)
Acadêmica ISABELA PRADO LIMA
Especialista e Professor Fernando Simões de Araújo
RESUMO: O presente trabalho versa sobre as tutelas de urgência, primeiramente
através de um apanhado geral acerca das tutelas existentes no atual Código de Processo
Civil (1973), sendo elas as medidas cautelares e as tutelas antecipadas. Posteriormente
passa-se à análise das medidas de urgência disciplinadas no projeto do novo Código de
Processo Civil (PLS-PROJETO DE LEI DO SENADO, Nº 166 de 2010), comparando
com as tutelas previstas no atual Código de Processo Civil (1973), analisando as
principais alterações feitas. Em síntese o projeto do Novo Código de Processo Civil
abrange a extinção das ações cautelares nominadas e da adoção da regra da
demonstração do fumus boni iuris e do perigo de ineficácia da prestação jurisdicional
para que a providência pleiteada deva ser deferida. O Novo CPC traz claramente a
possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela à evidência. Tanto a tutela
de urgência, quanto a de evidência tem por finalidade o cumprimento do princípio da
celeridade e eficácia jurisidicional. Ambas as tutelas estão disciplinadas na Parte Geral,
tendo desaparecido o livro das Ações Cautelares. A tutela de urgência e de evidência
pode ser requerida antes ou no curso do procedimento em que se pleiteia a providência
principal. Caso não haja resistência à liminar concedida, o juiz extinguirá o processo
depois da efetivação da medida, conservando a sua eficácia, sem que a situação fique
protegida pela coisa julgada. Impugnada a medida, o pedido principal deve ser
apresentado nos mesmos autos em que tiver sido formulado o pedido de urgência. Há
ainda a estabilização de tutela que permite a manutenção da eficácia da medida de
urgência, ou antecipatória de tutela, até que seja eventualmente impugnada pela parte
contrária.
Palavras-chave: medidas de urgência, tutela de evidência, tutela de urgência.
RESUMEN: El presente trabajo trata de las tutelas de urgencia, primero a través
de una visión general sobre las tutelas existentes en el actual Código Procesal Civil
(1973), siendo ellas las medidas cautelares y las tutelas antecipadas. Adelante se passa
la análisi de las medidas de emergencia disciplinadas en el nuevo proyecto del Código
Procesal Civil (PLS - PROYECTO DE LEY DEL SENADO, N° 166 DE 2010), en
comparación con las tutelas previstas en el actual Código Procesal Civil (1973), con
análisis de las principales diferencias de los cambios ocoridos. En resumen, el proyecto
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de nuevo Código Procesal Civil contempla la extinción de las medidas cautelares
nominadas y la adopción de la regla de demonstración del fumus boni iuris y del
peligro de inoperancia de la prestación jurisdiccional para que la providencia
buscada sea aceptada. El nuevo CPC trae claramente la posibilidad de conceder la tutela
de urgencia y la tutela de evidencia. Tanto la tutela de urgencia, cuanto la de evidencia
tiene por finalidad el cumprimiento del principio de la celeridad y la eficacia
jurisdiccional. Ambas las tutelas están disciplinadas en la Sección General, teniendo
desaparecido el libro de las Acciones Cautelares. La tutela de urgencia y de evidencia
pueden ser pedidas antes o durante el curso del procedimiento en que se busca la acción
principal. Caso no haya resistência a la liminar concedida, el juez extingue el proceso
de la efectivación desta medida, cuidando de la preservación de su eficacia, sin que
la situación se torne protegida por la cosa juzgada. Impugnada la medida, la
demanda principal debe ser presentada en el mismos autos en que ha sido formulado el
pedido de urgencia. Hay también la estabilización de tutela que permite la manutención
de la eficacia de la medida de urgencia, o de la tutela antecipada, hasta que sea
eventualmiente cuestionada por la parte contraria.
Palavras-chave: medidas de urgencia, tutela de evidencia, tutela de urgencia.
INTRODUÇÃO
O Código Processual Civil é o instrumento pelo qual se aplica o direito material,
Código Civil, ao caso concreto, visando tutelar os litígios existentes entre particulares.
Devido ao grande número de lides existente, o legislador precisou criar
mecanismos para viabilizar o atendimento de situações que demandam certa urgência.
Pensando nisto foram instituídas as tutelas de urgência.
Este trabalho visa estudar as tutelas que foram inseridas ao atual Código de
Processo Civil/1973 pela Lei 8.952/94, bem como as tutelas que serão amparadas no
projeto do Código de Processo Civil (BRASIL, Projeto de Lei do Senado n° 166 de
2010).
Inicialmente, este trabalho de pesquisa monográfico exporá as tutelas de
urgência previstas no atual Código de Processo Civil, ou seja, as medidas cautelares e as
tutelas antecipadas. Buscará expor suas particularidades, as principais diferenças e
também a possibilidade de fungibilidade entre essas tutelas. Estudará, ainda, as
principais tutelas de urgência, conforme a classificação doutrinária.
Num segundo momento, ponderará sobre as medidas de urgência que serão
abrangidas pelo projeto do novo Código de Processo Civil, tutela de urgência e tutela de
evidência, pontuando os dispositivos gerais e as principais alterações sofridas.
Já no terceiro momento, analisará as tutelas de urgência, os requisitos
necessários para sua concessão e, ainda, explorará a classificação feita pelo legislador
em tutela de urgência cautelar e satisfativa, buscando expor os pontos controvertidos em
ambas.
29
Finalmente no quarto e derradeiro momento irá abarcar acerca das tutelas de
evidência, analisando seus pressupostos para concessão, as principais inovações e
semelhanças em relação ao Código atual. Explanará ainda sobre os procedimentos que
deverão ser utilizados.
São estes os assuntos abordados no presente trabalho com o intuito de poder
esclarecer acerca das tutelas de urgência em geral.
1. DAS PRINCIPAIS TUTELAS DE URGÊNCIA NO ATUAL CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
Tendo em vista que o Estado avocou para si a tutela jurisdicional, vedando a
autotutela privada, e em virtude da elevada demanda de conflitos existentes foi
necessária a criação de mecanismos para tornar efetiva a prestação jurisdicional, não
deixando de lado a segurança jurídica. Ressalta-se que a busca pelo amparo judicial
deve ser a exceção, visando primeiramente a autocomposição.
As tutelas de urgência estão previstas no processo cautelar no livro III e a
antecipação de tutela nos artigos 273, 461, 461-A e 527, ambas do atual Código de
Processo Civil, além das tutelas nos Tribunais Superiores, e têm por fim combater
a morosidade processual.
O Código de Processo Civil de 1973, nosso código atual, por meio da alteração
feita em sua redação através da reforma realizada em 1994 pela Lei 8.952, introduziu as
tutelas de urgência quando houvesse possibilidade de ocorrer dano grave ou irreparável
ou de difícil reparação, dependendo do grau de provas e do direito violado.
Assim podemos analisar um conceito de urgência no fragmento abaixo. A
urgência é o perigo, que é uma situação fática que exige tratamento célere e
enérgico. O perigo pode decorrer da iminência ou do agravamento de um dano
irreversível ou de difícil reparação, mas pode ocorrer também – e isso é quase sempre
esquecido – da iminência ou da continuação de um ato contrário ao direito (ato ilícito),
ainda que dele não decorra instantaneamente um dano. (DIDIER, et al., 2008, p. 364)
Toda ação tem um trâmite legal a ser seguido, o que demanda certo tempo para
atingir o deslinde do litígio. Neste lapso temporal alguns direitos pereceriam, caso
tivessem que aguardar o fim do processo. Objetivando a proteção dos direitos
pleiteados, e com base no artigo 5º, inciso XXXV , da Constituição Federal de 1988
(CF/88), foi criado o instituto da tutela de urgência. (RUANOBA, Sebastian
Watenberg, 2012)
As tutelas de urgência são, em poucas palavras, medidas concedidas no decorrer
do processo tendo por base o perigo da ineficácia do direito tutelado em virtude de uma
emergência, trazendo a possibilidade de antecipação dos efeitos práticos que terá com o
pleito final, podendo ser tanto cautelar, como satisfativa, podendo ser aplicado o
princípio da fungibilidade pelo juiz, caso a parte ao intentar a medida tenha algum
problema técnico ou formal. (DIDIER, et al., 2011, p. 236)
30
Os principais princípios que embasam a tutela de urgência são: o princípio da
efetividade do processo, o princípio da celeridade (duração razoável do processo), o
princípio da verossimilhança e o princípio do livre convencimento do juiz.
A tutela cautelar, por ser considerada um instrumento, depende da ação
principal, além disso, há outros dois pressupostos para a sua concessão, quais sejam:
fumus boni iuris e periculum in mora.
Quanto à tutela antecipada Sebastian Watenberg Ruanoba assim a conceitua:
podemos definir a tutela antecipada como um instituto jurídico que autoriza, nas
hipóteses ali descritas, que o juiz conceda ao autor da demanda, ou ao réu, no caso das
ações dúplices, um provimento liminar que assegure provisoriamente o bem jurídico
a que se refere a prestação do direito material reclamada como objeto da relação
jurídica envolvida no litígio. Assim, é a antecipação de tutela um direito subjetivo
processual, por meio do qual a parte pode pretender que, desde que preenchidos os
requisitos legais, lhe sejam antecipados no todo ou em parte os prováveis futuros efeitos
da decisão final de mérito.
De acordo com o caput do artigo 273 do Código de Processo Civil (CPC) a
tutela antecipada possui dois pressupostos imprescindíveis e cumulativos para a sua
concessão, que são: prova inequívoca e a verossimilhança da alegação. Há ainda os
pressupostos alternativos que estão previstos nos incisos, quais sejam: a) receio de dano
irreparável ou de difícil reparação, representado pelo periculum in mora; ou b) o abuso
de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
As tutelas de urgência, tanto a cautelar, como a antecipada possuem algumas
semelhanças como a possibilidade de serem concedidas através de liminar e de não
serem definitivas, entretanto, Sebastian Watenberg Ruanoba sabiamente as diferenciou:
(…) a tutela antecipatória confunde-se com o próprio resultado final, o que não
acontece com a cautelar, que apenas assegura determinado direito. Enquanto a tutela
cautelar apenas assegura o direito material da parte, a tutela antecipatória realiza a
pretensão. Ainda, quando da análise da concessão ou não da tutela cautelar, devem ser
verificados o fumus boni iuris e o periculum in mora, ou seja, a cognição no plano
material realiza-se apenas para verificar a plausibilidade e o dano, enquanto quando da
análise da concessão ou não da tutela antecipada as exigências vão além da prova do
fumus boni iuris e o periculum in mora, exigindo-se a prova inequívoca para
convencimento a respeito da verossimilhança das alegações; o juízo de probabilidade é
feito desde logo com o fito de se entregar ao autor o bem da vida.
Finalmente, é oportuno lembrarmos que, em que pese a inegável fungibilidade
entre ambas as espécies de tutela em comento, deve a tutela cautelar ser requerida
mediante ação autônoma, enquanto a tutela antecipatória deve ser requerida, em
princípio, nos próprios autos.
O artigo 273, § 7º do Código de Processo Civil autoriza expressamente a
aplicação do princípio da fungibilidade. Conforme entende Theotonio Negrão e outros
autores (2010, p. 384), esta fungibilidade tem caráter dúplice, ou seja, tanto a tutela
antecipada pode ser convertida em medida cautelar, quanto o contrário. Contudo, é
necessário que os requisitos da tutela que será convertida, estejam preenchidos e
também, que não se trate de erro grosseiro.
31
Dentre as tutelas de urgência as mais importantes, doutrinariamente, são:
1) Tutela Inibitória
A tutela inibitória visa inibir, impedir um ilícito, como o próprio nome
sugestiona, seja sua prática, repetição ou continuação. Sendo de caráter preventivo, ou
seja, não há necessidade que o ilícito se concretize para suplicar amparo ao judiciário,
bastando a simples ameaça. Está embasada no artigo 5º, inciso XXXV da CF/88, onde
explicita que “a lei não excluirá lesão ou ameaça a direito da apreciação do Poder
Judiciário”.
A tutela inibitória pode ser postulada tanto sozinha, quanto em concurso com a
tutela ressarcitória, sendo isolada quando estiver presente apenas ameaça e cumulativa
quando tiver por objetivo obstar que continue ou se repita a ação, pois, o dano já
ocorreu nestes casos, conforme ensina Humberto Theodoro Júnior (2010, p. 62).
As cautelares são ações que dependem de uma ação principal, além de serem de
caráter não satisfativo. Com a inserção do artigo 461 do CPC, não há mais necessidade
de interposição de uma ação cautelar para inibir a violação de um direito, pois, caso
fossem pleiteadas ao obterem êxito estariam sendo satisfativas e não necessitariam da
ação principal.
Em virtude disto, estando presentes os requisitos da inibitória poderá ser
proposta ação de conhecimento, que será autônoma.
Para a caracterização da tutela inibitória basta a demonstração da probabilidade
da prática do ilícito, sua repetição ou continuação, sendo que o dano e a culpa não
enquadram nos pressupostos. Por ser uma tutela que visa amparar lesão ou ameaça, não
se faz necessária a ocorrência do dano em si, basta que haja a ameaça para o
deferimento da tutela inibitória. Também não é necessária a demonstração de culpa.
O artigo 461 do Código de Processo Civil prevê a tutela inibitória individual,
enquanto que a tutela dos interesses difusos e coletivos está prevista no artigo 84 do
Código de Defesa do Consumidor .
Preceituam os artigos 461, §4º do Código de Processo Civil e 84, §4º do Código
de Defesa do Consumidor (CDC), que o juiz poderá, de ofício, impor multa diária ao
réu e fixar prazo razoável, independentemente de pedido do autor, visando assegurar
o resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação, ou seja, buscando o
princípio da efetividade do processo, porém, pautado pelo princípio da
proporcionalidade (MARINONI, 2011, p. 441-442).
2) Tutela Inibitória Executiva
Também é destinada a evitar o ilícito e é puramente preventiva, entretanto,
prescinde da vontade do demandado.
Atua através de meios executivos, isto é, quando se designa alguém, pode ser
um interventor, administrador, oficial de justiça ou qualquer outra pessoa, para que faça
32
ou deixe de fazer algo no lugar do réu, independentemente de sua vontade. Mostra-se
necessária sua aplicação quando for perceptível que o réu não irá adimplir, mesmo
com a ordem e ainda quando ele não detém patrimônio, demonstrando que não se
sujeitará a multa (MARINONI, 2011, p. 444-445).
As medidas executivas estão exemplificadas no §5º do artigo 461 do Código de
Processo Civil e no artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor.
3) Tutela Inibitória do Inadimplemento
Neste tipo de tutela não há propriamente um ilícito, mas sim um inadimplemento
ou sua repetição.
4) Tutela de Remoção do Ilícito
Segundo Marinoni (2010, p. 423), esta tutela tem como fito eliminar, remover
uma situação de ilicitude ou os efeitos derivados de uma ação ilícita que já ocorreu.
Trata-se de uma tutela repressiva, sendo pressuposto a ocorrência de ilícito que deixou
efeitos concretos continuados, não levando em consideração o dano e a culpa ou
dolo (elemento subjetivo).
Com a remoção da ilicitude pretende que os efeitos causados pelo ato não
permaneçam, ou seja, é aplicada esta tutela temendo que os efeitos ilícitos continuem
a alastrar, cabendo então apenas a remoção dos efeitos em si.
5) Tutela Reintegratória
A tutela reintegratória visa remover ou eliminar o próprio ilícito, a causa do
dano.
Basta que haja a transgressão de uma norma jurídica, não importando se houve
lesão ou dano, sendo uma tutela contra o ilícito, independentemente de dolo ou culpa.
Também é considerada uma tutela repressiva, pois, o ilícito já está consumado, e
independe de comprovar o dano ou culpa. Objetiva eliminar a situação de ilicitude,
restabelecendo a situação anterior ao ato contrário ao direito.
6) Tutela Ressarcitória
É a tutela contra o dano, sendo este um dos pressupostos, além do elemento
subjetivo, culpa ou dolo, isto é a correlação entre o evento danoso ao sujeito.
Tem por finalidade gerar a reparação do dano ocasionado, voltando o patrimônio
jurídico da vítima ao estado anterior. É uma tutela repressiva, pois é aplicada quando
já houver ocorrido o dano. Independe de culpa do infrator e ainda não é necessário que
o dano seja decorrente de um ato ilícito, podendo ocorrer, por exemplo, nos casos de
legítima defesa (DIDIER, et al., 2008, p. 372).
33
Esta tutela pode ser prestada de duas formas: na forma específica, que é na
reparação do dano em si, tentando voltar ao mais próximo do estado que estava antes da
lesão e pelo equivalente ao valor da lesão, versa uma compensação em dinheiro.
7) Tutela Ressarcitória na forma específica
Para a caracterização desta o infrator deve ressarcir, portanto, eliminar o dano
mediante um fazer, reparando, ou seja, fazendo ou entregando a coisa igual a destruída,
que significa eliminar o estrago.
Esta tutela não pretende apenas restabelecer a situação anterior ao dano,
buscando atingir a situação que existiria caso o dano não tivesse ocorrido (MARINONI,
2011, p. 453).
8) Tutela pelo Equivalente Monetário
Baseado no artigo 461, §1º do Código de Processo Civil, esta tutela tem caráter
residual, devendo ser usada quando o dano ou a obrigação contratual inadimplida não
puder ser alcançada através da tutela específica ou a obtenção de resultado prático
equivalente, ou seja, através da tutela ressarcitória na forma específica ou da tutela do
adimplemento na forma específica. Em outras palavras é a tutela que visa o pagamento
equivalente ao valor do dano (MARINONI, 2011, p. 454).
9) Tutela Específica da Obrigação Inadimplida ou Cumprida de Modo
Imperfeito (T utela do Adimplemento)
Aplicada quando há inadimplemento ou cumprimento imperfeito da obrigação,
podendo ser exigida a prestação. Não tem correlação com o dano, ligando-se apenas ao
adimplemento.
É uma tutela repressiva, contempla apenas a obrigação inadimplida ou adimplida
com vícios, podendo ser prestada através de sentença mandamental ou executiva.
No caso de tutela do adimplemento o credor tem o direito de exigir a correção do
defeito, suas formas estão previstas nos artigos 18, 19 e 20 do Código de Defesa do
Consumidor (MARINONI, 2010, p. 424).
2. DAS TUTELAS PREVISTAS NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
Conforme estabelece a Constituição Federal de 1988, de acordo com o artigo 5º,
inciso XXXV, “a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de
lesão a direito”, ou seja, é uma garantia constitucional o acesso à justiça, todos têm
direito de buscar no Judiciário a solução para os seus litígios em caso de ameaça ou
violação de seus direitos.
34
E ainda, conforme o artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, é
garantido a todos “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade
de sua tramitação”.
Em virtude disso, e com a maior divulgação dos direitos, aumenta a cada dia o
número de ações ajuizadas. Entretanto, o Judiciário não está preparado para esta
elevação de demandas, além de tudo há litígios que são de caráter emergencial, não
podendo ficar a mercê da justiça aguardando ao deslinde da ação, surgindo então a
necessidade das medidas de urgência que são de enorme importância para a efetividade
do direito (DIDIER, et al., 2011, p. 232).
As medidas de urgência foram divididas em tutelas de urgência e tutelas de
evidência, estando previstas no título IX, artigo 277 ao 296, do projeto do novo Código
de Processo Civil.
As tutelas de urgência e evidência visam atenuar eventuais danos emergentes
que possam ocorrer em decorrência de circunstâncias de fato ao direito material, em
virtude da prestação tardia da tutela jurisdicional.
Ao elaborar o projeto do novo Código de Processo Civil os legisladores, visando
a efetividade do direito e a celeridade do processo, eliminaram o livro III do atual
Código de Processo Civil que tratava dos processos cautelares, trazendo apenas as
medidas de urgência, dando um tratamento em conjunto.
As disposições gerais estão evidenciadas nos artigos 277 a 282 do projeto
conforme a seguir exposto:
Art. 277. A tutela de urgência e a tutela da evidência podem ser requeridas antes
ou no curso do procedimento, sejam essas medidas de natureza cautelar ou satisfativa.
Art. 278. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas
quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide,
cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
Parágrafo único. A medida de urgência poderá ser substituída, de ofício ou a
requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia
menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a
lesão ou repará-la integralmente.
Art. 279. Na decisão que conceder ou negar a tutela de urgência e a tutela da
evidência, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
Parágrafo único. A decisão será impugnável por agravo de instrumento.
Art.280. A tutela de urgência e a tutela da evidência serão requeridas ao juiz
da causa e, quando antecedentes, ao juízo competente para conhecer do pedido
principal.
Parágrafo único. Nas ações e nos recursos pendentes no tribunal, perante este
será a medida requerida.
Art. 281. A efetivação da medida observará, no que couber, o parâmetro
operativo do cumprimento da sentença e da execução provisória.
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Art.282. Independentemente da reparação por dano processual, o requerente
responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a efetivação da medida, se:
I – a sentença no processo principal lhe for desfavorável;
II – obtida liminarmente a medida em caráter antecedente, não promover a
citação do requerido dentro de cinco dias;
III – ocorrer cessação da eficácia da medida em qualquer dos casos legais;
IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou da prescrição do direito do
autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver
sido concedida. (BRASIL, Projeto de Lei do Senado n° 166 de 2010).
Não foram mantidas as cautelares nominadas como o arresto, sequestro, busca e
apreensão, dentre outros, havendo uma generalização. Portanto, ao requerer a liminar o
autor não mencionará que é de arresto ou de outra natureza, apenas pleiteará a
concessão da medida de urgência.
Quando a tutela cautelar era antecedente havia a necessidade da propositura de
duas ações, porém, o projeto inova ao determinar que tratando de tutela antecedente
esta inaugurará o processo, e nesta mesma relação inicia-se a ação principal (FUX, et
al. 2011, p. 17). Em outras palavras, as tutelas de urgência e as tutelas de evidência
podem ser ajuizadas nos próprios autos principais, não necessitando a propositura em
autos apartados como vinha acontecendo. E ainda pode, de acordo com o artigo 277 do
projeto, ser requerida, além de antecedente, no curso do procedimento.
Assim como no atual Código de Processo Civil, as medidas de urgência devem
seguir as regras de competência. Caso a medida de urgência seja antecedente a causa
esta deverá ser requerida ao juízo competente para conhecer do pedido principal.
Tratando-se de medida incidental estas serão requeridas ao juiz da causa. A medida
deverá ser requerida perante o tribunal, se estiver pendente a este a ação ou o recurso.
Há também a possibilidade da aplicação do princípio da fungibilidade, não tendo
mais importância o nomen juris, desde que presentes os requisitos da tutela de urgência,
por ser mais abrangente (MONTENEGRO FILHO, 2011, p. 275). Caso a parte intente
com uma tutela, sendo que se encontram presentes os requisitos da outra, é
perfeitamente possível a aplicação da tutela correta pelo magistrado utilizando de tal
princípio.
O processo cautelar tinha como uma de suas principais características a
instrumentalidade, ou seja, na cautelar não discutia sobre a lide e não tinha, portanto,
caráter satisfativo. Já as tutelas de urgência do projeto podem ter tanto o caráter
satisfativo, quanto cautelar (não satisfativo). Sendo que tanto para uma, quanto para a
outra os requisitos exigidos são os mesmos. No caso de tutela de urgência satisfativa os
riscos é para o direito da parte, conforme estabelece o artigo 282 do projeto do novo
Código de Processo Civil.
Admite-se também, baseado no artigo 278 do projeto, que o juiz, de ofício,
determine as medidas adequadas, caso haja receio de que uma parte cause lesão de
grave e difícil reparação ao direito da outra antes mesmo do julgamento da lide, é o
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poder geral de cautela outorgado ao magistrado para que, no caso concreto, aplique as
medidas que julgar necessárias para a proteção do direito que se busca.
Há ainda a possibilidade de substituição da medida de urgência pela prestação de
caução ou outra garantia que seja menos gravosa para o requerido, desde que adequada
e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integramente, podendo ser de ofício ou a
requerimento das partes, conforme preceitua o parágrafo único do artigo 278 do
projeto.
Trata-se de contra-cautela ou caução substitutiva correspondente ao artigo 805
do CPC atual.
Igualmente ao atual Código de Processo Civil, as decisões judiciais devem ser
motivadas, como estabelece o princípio constitucional da motivação das decisões do
Poder Judiciário previsto no artigo 93, IX da CF/88, não sendo diferente aqui
nas medidas de urgência, cabendo ao juiz indicar as razões de seu convencimento
em ambas as tutelas, evidência e urgência, mesmo que as negue, tendo em vista a
alta periculosidade quando se concede ou nega a tutela de urgência. Estando a tutela
restrita a cognição sumária, a decisão também será restrita a esta. Agora tratando de
cognição exauriente, a motivação da decisão deverá acompanhá-la.
A decisão que nega ou concede a medida requerida tem natureza de decisão
interlocutória, e não de sentença, pois, segundo artigo 279, parágrafo único do projeto
do Novo Código de Processo Civil, o recurso viável é o de agravo de instrumento.
O legislador ao introduzir as medidas de urgência de maneira mais simplificada
e sem tantos requisitos, visando dar segurança jurídica estabelece regras para que o
requerente responda ao requerido pelos prejuízos causados a parte contrária com a
efetivação da medida, além da reparação processual no artigo 282 do projeto. Cuida-se
de responsabilidade objetiva por dano processual em razão da concessão da tutela de
urgência ou tutela de evidência (MARINONI, L. G.; MITIDIERO, Daniel, 2010, p.
110). Esta indenização será liquidada nos próprios autos em que foi concedida a
medida, de acordo com o parágrafo único do artigo 282 do projeto.
O rol do artigo 282 do projeto do novo Código de Processo Civil enumera as
situações em que o autor será responsabilizado, contudo, o rol é taxativo. O primeiro é
quando a sentença no processo principal seja desfavorável ao requerente. Em segundo
lugar, o legislador elencou a situação em que obtida liminarmente a medida em caráter
antecedente, o requerente não promova a citação do requerido no prazo de cinco
dias. Outra hipótese foi quando ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer
dos casos legais. Em último lugar, quando for acolhida a alegação de decadência ou da
prescrição do direito do autor.
É evidente que as tutelas de urgência têm caráter prioritário na tramitação,
mesmo assim o legislador não quis deixar dúvidas quanto a isto, preceituando que os
processos em que tenham sido concedidas as tutelas de evidência e de urgência
tramitarão prioritariamente, respeitando as demais preferências legais.
Pretendendo que as medidas de urgência alcancem o objetivo principal, que é a
efetividade, buscou a utilização de medidas de apoio. Neste sentido o legislador ao
37
elaborar o artigo 281 do projeto do novo Código de Processo Civil (PLS 166/10)
autorizou a utilização dos “parâmetros operativos do cumprimento de sentença e da
execução provisória, no que couber”, para fazer valer a decisão proferida nos casos de
medidas de urgência.
Quanto à audiência referida no artigo 288, § 1º do projeto do novo Código de
Processo Civil deverá ser designada apenas quando tratar de medida de urgência
requerida em caráter antecedente e caso necessite de produção de prova oral.
3. DA TUTELA DE URGÊNCIA
Sebastian Watenberg Ruanoba conceitua as tutelas de urgência da seguinte
forma: as tutelas de urgência são modalidades de tutela jurisdicional que, em razão das
especificidades da relação de direito material a que têm correspondência, ou em razão
de técnicas legislativas, podem ser caracterizadas em uma categoria única.
Destinam-se, primordialmente, a acelerar a eficácia prática da tutela
jurisdicional, evitando que o tempo acabe comprometendo a sua efetividade e
caracterizam-se, essencialmente, pela urgência e pela sumariedade da cognição exercida
pelo juiz.
O legislador disciplinou no título IX, capítulo I, seção II, artigo 283 e 284 do
projeto do Novo Código de Processo Civil conjuntamente à tutela de urgência cautelar
e a satisfativa, da seguinte forma:
Art. 283. Para a concessão de tutela de urgência, serão exigidos elementos que
evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano
irreparável ou de difícil reparação.
Parágrafo único. Na concessão liminar da tutela de urgência, o juiz poderá
exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que o requerido possa
vir a sofrer, ressalvada a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente.
Art. 284. Em casos excepcionais ou expressamente autorizados por lei, o juiz
poderá conceder medidas de urgência de ofício. (BRASIL, Projeto de Lei do Senado n°
166 de 2010)
Conforme estão dispostas na seção II, do capítulo I, do projeto do novo Código
de Processo Civil, a tutela cautelar e a tutela satisfativa são espécies do gênero tutelas de
urgência.
Quanto aos requisitos para a concessão da tutela de urgência não houve alteração
expressiva em relação ao atual Código de Processo Civil. Permaneceu o fumus boni
iuris expressado pela plausibilidade do direito, bem como o periculum in mora tratado
como o risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Sendo os requisitos comuns
tanto para a tutela cautelar, quanto a satisfativa.
É o periculum in mora que diferencia a tutela de urgência da tutela de evidência,
uma vez que na tutela de urgência demanda a comprovação do estado de risco,
38
necessitando do amparo jurisdicional rápido. Enquanto que na tutela de evidência não
há a exigência deste requisito (MONTENEGRO FILHO, 2011, p. 277).
Tendo em vista que as tutelas de urgência passaram a ser inominadas, basta que
haja o periculum in mora e o fumus boni iuris, seja a tutela de urgência cautelar ou
satisfativa, o juiz poderá deferir qualquer tipo de tutela que atenda a necessidade da
plausibilidade do direito, ou seja, o legislador ao inserir as tutelas sem especificar o
nomen juris possibilita ao juiz uma ampla discricionariedade para proteger o direito
material da parte que será definido após no pedido principal.
A estipulação dos mesmos requisitos para as tutelas de urgência cautelares e
tutelas de urgência satisfativas tem sido objeto de críticas.
Primeiro elucidam que há uma confusão entre as tutelas antecipadas, que são as
satisfativas, e as tutelas cautelares, pesando que apenas o perigo de dano com a demora
processual deveria ser comum as duas espécies, mas não a fumaça do bom direito.
Outro ponto é que para se acautelar os requisitos deveriam ser menos rigorosos do que
os que visam antecipar os efeitos práticos do pedido principal, tornando a antecipação
de tutela menos rígido ao mesmo tempo em que se exige um toque meritório para a
concessão da cautelar (DIDIER, et al., 2011, p. 245).
Em ambas, há a necessidade de demonstrar o risco de dano irreparável ou de
difícil reparação, enquanto que este requisito deveria ser exigido apenas nas tutelas
cautelares, por se tratarem de tutela temporária, ou melhor, dura por determinado tempo,
tendo uma finalidade própria, que não se confunde com o objeto que ela visa assegurar.
A proteção, neste caso, dura apenas enquanto permanecer o perigo de dano. Já a tutela
antecipatória (satisfativa) é devida quando não se pode esperar o desfecho da ação,
antecipando-a. Existe, então, um perigo na demora da prestação jurisdicional, que é
traduzida pelo periculum in mora. É, portanto, uma tutela provisória que será
substituída por outra ao final, é utilizada até que venha a definitiva para substituir
(DIDIER, et al., 2011, p. 244).
3.1 Da tutela de urgência cautelar
Como foram expostos, os trâmites processuais demandam certo lapso temporal,
o que é inevitável. Neste decurso de tempo o objeto envolvido na lide tende a se alterar,
tornando a prestação jurisdicional concedida no desfecho da ação ineficaz.
Aparece então a necessidade das medidas cautelares num todo como forma de
“prevenção ou cautela necessária para conservação das pessoas, coisas, etc.”, isto é, um
instrumento de combate à demora do processo, demora esta que é imprescindível, desde
que seja razoável (DIDIER, et al., 2011, p. 239).
A finalidade primordial das medidas cautelares é a obtenção de segurança para
tornar útil e eficaz o processo em todas as suas fases.
Alguns doutrinadores como Elpídio Donizetti, Calamandrei e Wambier chegam
a falar que a cautelar é o instrumento do instrumento, considerando que o processo é um
39
instrumento da jurisdição e a cautelar é um instrumento que visa garantir o resultado do
processo. As cautelares por serem obtidas através de liminares são mais rápidas e
eficazes, tendo em mente seu caráter emergencial.
Segundo Ovídio Batista da Silva, a tutela cautelar é uma forma de proteção
jurisdicional que, em virtude da situação de urgência, determinada por circunstâncias
especiais, deve tutelar a simples aparência do bom direito posto em estado de risco e
dano iminente (apud DIDIER, et al., 2011, p. 241)
A tutela cautelar é de natureza não satisfativa, necessitando de outro
complemento para atender os objetivos materiais da parte. Sua função principal é
garantir o resultado útil do processo, assegurando a realização do direito ao final da
demanda. Através dela não é aplicado o direito em si, apenas se prepara os meios para
que a tutela jurisdicional definitiva seja eficaz, útil e operante (DIDIER, et al., 2011, p.
241-242).
É através do poder geral de cautela que o Estado-juiz obtém a autorização para
conceder as medidas cautelares visando assegurar a eficácia processual. Poder geral de
cautela é o poder que o juiz tem de criar medidas que assegurem o direito da parte
diante de situações que não estão previstas ou reguladas expressamente em lei
(DIDIER, et al., 2011, p. 242).
Para a obtenção da tutela cautelar, com o advento do projeto do novo Código de
Processo Civil, basta que ao elaborar a inicial se comprove os requisitos e requeira a
tutela cautelar liminarmente, estando diante de uma tutela incidental.
Mas caso a parte tenha a urgência, porém, não seja possível demonstrar de plano
o seu pedido inicial com relação ao direito violado ou ameaçado, admite-se que intente
com a tutela cautelar em caráter antecipatório, desde que indique a lide, seu fundamento
e a exposição sumária do direito ameaçado e do receio de lesão, conforme artigo 286 do
projeto do novo Código de Processo Civil.
O projeto do novo Código de Processo Civil em seu artigo 287 inova ao trazer a
estabilização dos efeitos da tutela cautelar, que nada mais é do que nos casos de tutela
antecedente em que o requerido ao ser citado não contestar o pedido ou apresentar as
provas que pretende produzir, no prazo de cinco dias, constando no mandado a
advertência de que, não impugnada decisão ou medida liminar eventualmente
concedida, esta continuará a produzir os efeitos independentemente da formulação de
um pedido principal pelo autor.
Quanto à contagem do prazo acima exposto, ficou firmado que conta-se a partir
da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido ou se efetivada a
medida, quando concedida liminarmente ou após justificação prévia, da intimação do
requerido, inteligência do parágrafo 2º, do artigo 287 do projeto do novo Código de
Processo Civil.
Segundo Fredie Didier (et al., 2011, p. 246), foi acolhida a tese de que mesmo
após justificação prévia a medida continua tendo caráter liminar.
40
Havendo contestação e provas a produzir o magistrado designará desde logo
audiência de instrução e julgamento (artigo 288, §1º, PLS 166/10).
Estipula o artigo 288, parágrafo 2º do projeto do novo Código de Processo
Civil, Projeto de Lei do Senado, n° 166 de 2010 (PLS 166/10), que “concedida a
medida em caráter liminar e não havendo impugnação, após sua efetivação integral, o
juiz extinguirá o processo, conservando a sua eficácia”. Assim, não há razão para
prosseguir com o processo se não for contestado o pedido que foi deferido. Entretanto,
caso seja proposto o pleito principal a eficácia da medida persistirá até decisão em
contrário.
Ensina Fredie Didier, et al. (2011, p. 247) que a medida de urgência, só e
somente ela, conservará sua eficácia, mesmo que não tenha sido veiculado o pedido
principal, durante o período de suspensão do processo ou caso não haja impugnação ou
não tenha sido proposta ação por qualquer das partes objetivando discutir os efeitos
estabilizados, desde que não revogadas por decisão de mérito.
É claro o legislador ao estabelecer que a decisão que concede a tutela não fará
coisa julgada, podendo ser afastada a estabilidade dos respectivos efeitos pela decisão
que a revogar, proferida em ação ajuizada por uma das partes.
Para a discussão da medida estabilizada é necessário a propositura de uma nova
ação, podendo ser ajuizada por qualquer uma das partes, conforme estabelece o artigo
293 do projeto, justificando a necessidade de revogá-la ou substituí-la. Sua alteração ou
modificação deverá ser realizada através de decisão expressa de acordo com a nova
situação demonstrada.
A parte poderá também requerer o desarquivamento dos autos em que foi
concedida a medida para instruir a petição inicial desta nova ação.
Manteve-se para as decisões de tutela de urgência o agravo de instrumento como
recurso cabível caso haja discordância com a decisão proferida pelo magistrado,
possibilitando a sustentação oral.
Em poucas palavras a tutela cautelar é caracterizada por ser útil a proteção do
processo, consequentemente não deve ter qualquer relação com o direito material
propriamente dito.
3.2 Da tutela de urgência satisfativa
O projeto do novo Código de Processo Civil criou instrumentos passíveis de
trazer celeridade e efetividade ao direito tutelado, através de um procedimento único
(tutelas de urgência) que são ajustáveis caso a caso.
Segundo Luiz Fux (et al., 2011, p.18), a diferença entre a tutela satisfativa e a
cautelar está no periculum in mora, uma vez que para as cautelares este requisito incide
sobre a utilidade do processo, já nas satisfativas o risco é para o direito da parte.
41
Buscando minimizar os efeitos prejudiciais do decorrer do tempo o legislador
propôs antecipar os efeitos práticos da sentença sempre que possível, objetivando
dividir os ônus decorrentes da demora no transcurso do processo.
De acordo com Carreira Alvim (apud DIDIER, et al., 2011, p. 251) buscando a
celeridade processual houve a antecipação da prestação jurisdicional, ou seja, a
deslocou do fim para o princípio do processo. A partir de então o juiz poderá emitir um
provimento no início da demanda desde que fundado num juízo de probabilidade, que
no atual Código de Processo Civil é explicitado pelos artigos 273, 461 e 461-A que
tratam de tutela antecipada e tutela específica, similares ao instituto da antecipação dos
efeitos práticos da tutela.
Mesmo com as semelhanças, por serem as tutelas diferenciadas materializadas
via liminar objetivando satisfazer a pretensão material que está estremecida pela demora
processual, estes institutos são distintos. Os artigos 461 e 461-A do atual Código de
Processo Civil são uma antecipação de tutela específica, sendo que a primeira é
utilizada nas obrigações de fazer e não fazer e a segunda nas obrigações de entrega
de coisa certa ou incerta.
O artigo 273 do atual Código de Processo Civil é a antecipação de tutela stricto
sensu sendo de caráter eminentemente residual, ou melhor, o que não enquadrar nas
obrigações de dar coisa certa ou incerta (artigo 461-A, CPC) ou nas obrigações de fazer
e não fazer (artigo 461, CPC) será amparado pela antecipação de tutela (artigo 273,
CPC).
As tutelas específicas e as tutelas antecipadas são formas de tutelas de urgência,
podendo ser deferida uma ou outra, caso a parte tenha feito o requerimento errado de
uma e o juiz verifique estarem presentes os pressupostos necessários de outra.
Quando a parte requer uma tutela específica na forma de liminar estamos
tratando de uma espécie de tutela de urgência satisfativa.
O legislador ao elaborar o projeto optou por utilizar o termo tutela satisfativa ao
invés de tutela antecipatória. A antecipação de tutela é vista por muitos como um
prejulgamento. Entretanto, a antecipação ocorre em todas as liminares, inclusive na
cautelar.
Já com a tutela de urgência satisfativa “há uma satisfação imediata, no plano
prático dos efeitos que somente seriam atingidos com a prolação da sentença de
mérito” (DIDIER, et al., 2011, p. 254).
A referida tutela de urgência foi instituída para garantir a satisfação da parte e
objetivando proteger os resultados perseguidos no processo, ao menos no aspecto fático,
mesmo que o momento não seja o ideal, que seria o da prolação da sentença definitiva.
Assim, conforme ensina Didier: a antecipação dos efeitos práticos ou externos
da tutela jurisdicional tem por escopo concretizar, desde logo, os resultados perseguidos
no processo, garantindo a satisfação do direito da parte mesmo antes do momento que
seria próprio, a prolação da sentença definitiva, tudo como forma de homenagear os
postulados da celeridade e da efetividade do direito via processo (et al., 2011, p. 255).
42
A medida liminar é aquela que objetivando satisfazer a pretensão e assegurar o
resultado prático do processo evitando dano irreparável e de difícil reparação para a
parte autora determina a entrega da pretensão pleiteada anteriormente a prolação da
sentença. As liminares tanto na tutela antecipada, quanto na específica, têm a mesma
pretensão, entretanto os pressupostos possuem pequenas diferenças e distintas previsões
legais no atual Código de Processo Civil, que no projeto será tratado conjuntamente.
A antecipação dos efeitos práticos da tutela e o recebimento da prestação liminar
são direitos subjetivos da parte, independe da discricionariedade do magistrado, sendo,
portanto, um dever do juiz concedê-los, desde que preenchidos os pressupostos
autorizadores como prova inequívoca e verossimilhança que dizem respeito a
probabilidade, e o receio de dano irreparável e de difícil reparação.
O projeto do Código de Processo Civil, como foi dito, adotou termo tutela
satisfativa como a antecipação dos efeitos práticos da tutela, por entender que esta era
uma espécie da tutela de urgência, tendo, inclusive, os mesmos pressupostos.
Há alguns casos que é de relevante importância que se permita que a parte desde
logo comece a gozar faticamente de seu direito violado ou até mesmo ameaçado
levando em consideração a urgência, pois, em alguns casos a demora judicial pode
causar inúmeros prejuízos ao direito da parte que não tem como esperar até a sentença
para ver seu direito protegido.
Ao utilizar a expressão plausibilidade do direito no artigo 283 do projeto do
novo Código de Processo Civil o legislador envolve todas as tutelas de urgência,
cautelar e satisfativa. O rigor para a concessão das tutelas satisfativas foram então
amenizados, uma vez que no atual Código de Processo Civil exige-se prova inequívoca
que leve a verossimilhança das alegações. Contudo, para o deferimento da tutela
cautelar houve uma piora, pois, para esta não há a necessidade de uma prova mais
profunda do direito alegado. Enfim, não se pode exigir os mesmos requisitos para
satisfazer e para acautelar, mesmo que ambos tenham caráter de urgência (DIDIER, et
al., 2011, p. 257).
Tendo em vista que a tutela satisfativa exige um rigor maior do que a cautelar,
nos casos em que o magistrado entender necessário poderá até ser substituída pela
caução.
A tutela satisfativa obedece ao procedimento geral estabelecido no projeto,
assim como a tutela cautelar. Diferenciam-se apenas quando o autor pleiteia uma tutela
cautelar antecedente, sendo que, na verdade, deveria ter pleiteado tutela satisfativa,
levando em consideração o princípio da fungibilidade, deverá o juiz ao perceber o
equívoco determinar que o autor emende a inicial para acrescentar os pedidos finais
(DIDIER, et al., 2011, p. 258).
4. DA TUTELA DE EVIDÊNCIA
43
Nos dizeres de Fredie Didier (et. al., 2008, p. 365): a evidência é uma situação
processual que determinados direitos se apresentam em juízo com mais facilidade do
que outros. Há direitos que têm um substrato fático cuja prova pode ser feita facilmente.
Esses direitos, cuja prova é mais fácil, são chamados de direitos evidentes, e por serem
evidentes merecem tratamento diferenciado.
Quanto mais provas o requerente tiver mais evidente será seu direito.
A tutela de evidência, assim, como as demais medidas de urgência, tem como
objetivo primordial a busca da celeridade, levando em conta a efetividade do
direito, a economia processual e a segurança.
Didier (et al., 2011) assim conceitua a tutela de evidência como: aquela que é
dada após se constatar como o próprio nome diz a evidência do direito alegado, ou
seja, não há discussão sobre o direito que se quer ver protegido imediatamente,
logo não se fala em plausibilidade, mas em constatação de plano do direito alegado. (p.
260)
O Projeto do Novo Código Civil no título IX, capítulo I, seção III, no artigo 285
estabelece que a tutela de evidência será admitida nos seguintes casos:
Art. 285. Será dispensada a demonstração de risco de dano irreparável ou de
difícil reparação quando:
I – ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do requerido;
II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se
incontroverso, caso em que a solução será definitiva;
III – a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado
pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou
IV – a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em
julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante.
Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de
dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto
custodiado, sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova
documental adequada do depósito legal ou convencional. (BRASIL, Projeto de Lei do
Senado n° 166 de 2010).
Diferentemente da tutela de urgência, na tutela de evidência não há necessidade
de comprovação do periculum in mora, basta que se complete o requisito isolado
exposto em cada inciso do artigo acima citado. Há uma quase certeza do direito alegado,
é uma forte probabilidade ou certeza de existência do direito pleiteado.
O projeto propõe que, quando se tratar de direito evidente com prova
inequívoca, baseado no princípio da isonomia e na distribuição paritária entre as partes,
independentemente do requisito da urgência, não seria justo que a parte aguardasse o
término da ação para que se beneficiasse de seu direito, ou seja, é inadmissível que se
adie a satisfação da parte que possui o melhor direito (FUX, et al., 2011, p. 18).
Caracterizada a tutela de evidência para determinado fato será proferida
sentença, sendo considerada resolvida a questão, logo fazendo coisa julgada.
44
Esta tutela se assemelha à tutela antecipada e é empregada como tal, porém,
dispensando o risco de dano para o seu deferimento, pois se funda num direito que não
pode ser contraposto da parte ré.
Tanto as tutelas de cognição exauriente, quanto as sumárias foram disciplinadas
no mesmo artigo 285 do projeto. Os incisos I, II, III e IV tratam de cognição sumária,
ou seja, é aquela em que o juiz baseia-se na probabilidade, uma cognição superficial.
Já o inciso II cuida de cognição exauriente, quer dizer que o magistrado aprofundará
no fato, a fase de conhecimento é completa (MARINONI; MITIDIERO, Daniel.
2010, p. 108).
Na maioria das hipóteses elencadas no artigo 285 do projeto do Novo Código de
Processo Civil, há a necessidade da formação da relação processual, vez que a maior
parte dos casos de tutela de evidência se dá após a citação do réu (MONTENEGRO
FILHO, 2011, p. 277).
As situações explanadas nos inciso I e III necessitam da participação do réu para
seu deferimento, enquanto que a do inciso IV pode ser enquadrada inaudita altera parte,
em outras palavras sem a necessidade do réu, por ser perfeitamente possível a obtenção
da liminar quando se tratar de casos repetitivos ou exista súmula vinculante, desde que
a matéria seja unicamente de direito. Em ambos os casos em que é cabível a tutela de
evidência, a defesa torna-se inconsistente ou previsivelmente inconsistente
(MARINONI; MITIDIERO, Daniel, 2010, p. 109).
Não tem como caracterizar o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito
protelatório do requerido sem que este tenha sido citado. E ainda, quanto ao pedido
incontroverso só pode ser auferido após o prazo para resposta, consequentemente, após
a formação da relação processual, com a citação.
Por fim, a prova documental é irrefutável quando o réu não oponha prova
inequívoca, também após o decurso do prazo da contestação. Conclui-se que nestes
casos é necessária a formação da relação processual, consequentemente é mister a
citação do requerido.
A questão trazida no inciso I do artigo 285 do projeto se assemelha ao artigo
273, II do atual Código de Processo Civil, uma vez que ambos tratam de casos em que o
réu abus a de seu direito de defesa ou age propositadamente de forma protelatória. Este
inciso trata de uma tutela antecipada não urgente e sancionadora, por isso depende de
requerimento, não cabendo ao juiz aplicá-la de ofício.
No que pertine a tutela de evidência relativa a pedidos incontroversos que está
inserida no inciso II do artigo 285 do projeto do Novo Código de Processo Civil,
instituto que se identifica com o § 6º do artigo 273 do atual Código de Processo Civil,
como já foi dito necessita de uma decisão judicial baseada em cognição exauriente, ou
seja, o magistrado tem todos os elementos de fato e de direito que o possibilitam esgotar
a matéria posta em análise para desde logo decidir.
Como todos os elementos necessários, a decisão já está, desde o início, à sua
disposição, não há necessidade que o juiz espere o deslinde da ação, pois, a continuação
45
do processo não traria nenhum elemento capaz de alterar sua convicção a respeito
daquele assunto (FUX, et al., 2011, p. 81).
O inciso supracitado será aplicado quando um ou mais dos pedidos cumulados
ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva.
O inciso III do artigo 285 do projeto preceitua que deve haver prova inequívoca
do direito do autor, porém, esta prova por si só não é suficiente para o julgamento
procedente, abrindo então espaço para que o réu se defenda.
A intimação da parte contrária para manifestar acerca do requerimento de
aplicação da tutela de evidência no inciso acima referido se faz necessária, também,
para manter incólume o princípio da ampla defesa e do contraditório, momento este que
o requerido poderá especificar eventuais provas que demonstram o contrário do
que fora requerido pelo autor. Caso não se pronuncie acarretará a revelia e será
adiantada a tutela.
O autor deverá ter uma prova extremamente forte do fato constitutivo do seu
direito. Entretanto, cabe ao réu provar, também através de documentos idôneos, ou seja,
por meio de prova pré-constituída, tendo em vista a natureza do instituto, fatos
extintivos, impeditivos ou modificativos desse direito, sendo que neste momento, que é
o de defesa do requerido, poderá também questionar a idoneidade da prova apresentada
pelo autor. Pois, ao mesmo tempo em que se faz uma cognição exauriente quanto aos
fatos constitutivos do direito do autor chegando num juízo de certeza, faz-se uma
cognição sumária quanto aos fatos extintivos, impeditivos ou modificativos daquele
direito. Haverá um provimento provisório de condenação, reservando-se para o final a
análise profunda das provas referentes às defesas de mérito (FUX, et al., 2011, p. 82).
Com o enquadramento da medida imposta no artigo 285, inciso III do projeto do
Novo Código de Processo Civil, no curso do procedimento será deferida a utilidade
prática do requerimento, desta forma analisa apenas a satisfação momentânea, sem
declarar a existência do direito, em virtude disto, este provimento não faz coisa julgada,
porém, se mantém estável até que venha outra decisão judicial que a sobreponha.
Conclui-se, portanto, que a referida tutela tem como característica a provisoriedade,
sendo que seus efeitos antecipados serão convergidos na sentença. Consequentemente
seus efeitos são precários, porém, estáveis. Essa estabilização flui da preclusão pro
iudicato, pois o juiz perde o poder de decidir a questão por já ter resolvido
anteriormente, não se confundindo com a coisa julgada (FUX, et al., 2011, p. 83).
O artigo 293 do projeto do Novo Código de Processo Civil reforça a ideia de
estabilidade que as tutelas trazem em seu bojo, conforme a seguir exposto:
Art. 293. A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a
estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revogar, proferida
em ação ajuizada por uma das partes.
Parágrafo único. Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos
autos em que foi concedida a medida para instruir a petição inicial da ação referida no
caput. (BRASIL, Projeto de Lei do Senado n° 166 de 2010).
46
Segundo o inciso IV, do artigo 285 do projeto do Novo Código de Processo
Civil (PLS 166/2010), a tutela de evidência poderá ser concedida quando “a matéria for
unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em julgamento de casos
repetitivos ou súmula vinculante”. A razão de ser é que inexistem questões de fato a
serem resolvidas, apenas questões de direito.
A hipótese do inciso IV do já citado artigo do projeto não autoriza o julgamento
imediato da lide, porque se fosse confundiria com a questão explanada no artigo 353, I
do projeto, que disciplina o julgamento antecipado da lide. Assim, só terá sentido se
concedida liminarmente para enquadrar como tutela de evidência (MARINONI;
MITIDIERO, Daniel, 2010, p. 109).
A decisão que concede a tutela de evidência nestes casos não é definitiva, em
virtude do princípio do contraditório. Há apenas a transferência para o requerido dos
prejuízos causados pela demora processual, por já haver súmula vinculante ou
julgamento de casos repetitivos a respeito do assunto.
O inciso IV, do artigo 285 do projeto do Novo Código de Processo Civil é o
mais inovador. Tendo em vista que vivemos em um estado democrático e
consequentemente os juízes são independentes e possuem livre convencimento, este
inciso causará certo repúdio nos operadores do direito. Porém, visa uniformizar o
direito, estabelecendo teses jurídicas que os juízes aplicarão economizando o andamento
processual (DIDIER et al., 2011, p. 263).
Este inciso é o único em que a decisão é proferida inaudita altera parte, ou seja,
não há a necessidade de citação do réu para um posterior proferimento, o que se faz
necessário nos outros casos. O contraditório será postergado. Para a doutrina é clara a
existência de um conflito entre os princípios constitucionais do contraditório em relação
ao do acesso à justiça e da razoável duração do processo (FUX, et al., 2011, p. 88).
O parágrafo único do artigo 285 do projeto do Novo Código de Processo Civil
substitui a ação de depósito que está prevista nos artigos 901 a 906 do atual Código de
Processo Civil.
Segundo o artigo 902 do atual Código de Processo Civil, o autor deveria instruir
a petição inicial com a prova literal do depósito e a estimativa do valor da coisa, se não
houvesse no contrato.
Com o projeto não há mais a necessidade de estimar o valor da coisa que foi
deixado para ser apurado em fase de execução, apenas exigindo a prova documental do
depósito.
Além da desnecessidade de estimar o valor da causa, o projeto exclui a limitação
para a defesa que está estabelecida no § 2º do artigo 902 do atual Código de Processo
Civil e o prazo para contestação. E não só isto, pois, no atual Código ainda se previa a
prisão civil do depositário infiel, porém, não era aplicada em virtude do pacto de São
José da Costa Rica, que foi devidamente eliminado no projeto.
Apesar de não haver mais a prisão civil, a responsabilidade do depositário
judicial está prevista no artigo 130 do projeto do Novo Código de Processo Civil.
47
Afirma, ainda, o legislador no parágrafo único deste mesmo artigo que “o depositário
infiel responderá civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo da responsabilidade
penal” (BRASIL, Projeto de Lei do Senado n° 166 de 2010).
Quanto ao prazo para a propositura da ação principal estipulado no artigo 289 do
projeto do Novo Código de Processo Civil, este não se refere às tutelas de evidência,
apenas as tutelas de urgência requeridas em caráter prévio, conforme análise do caput
do artigo “Impugnada a medida liminar, o pedido principal deverá ser apresentado pelo
requerente no prazo de um mês ou em outro prazo que o juiz fixar.” (PLS n° 166/10)
Não há motivos para se aplicar este artigo às tutelas de evidência, vez que seria
prejudicial ao autor, em outras palavras seria um ônus a este, cabendo ao réu, portanto,
que é o maior interessado na cognição sumária do fato, caso queira, propor ação
declaratória negativa.
Então, uma vez concedida a tutela de evidência por ter o autor, em processo
autônomo, apresentado prova documental idônea do seu direito, sem que o réu oponha
prova inequívoca, tal medida deverá conservar sua eficácia até que o sucumbente
obtenha decisão favorável, ou em demanda declaratória negativa por ele proposta, ou
na ação principal iniciada pela parte ex adverso. Em qualquer caso, ambas as partes
podem ter a iniciativa de propor a demanda principal para a defesa de seus interesses
(art. 289, § 3º, do Anteprojeto). (FUX, et a., 2011, p. 86).
Logo, tratando-se de procedimento autônomo o pedido de qualquer das partes
será processado nos mesmos autos.
Levando em consideração o princípio da inércia e também pela interpretação do
artigo 284 do projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010) que diz que
“em casos excepcionais ou expressamente autorizados por lei, o juiz poderá conceder
medidas de urgência de ofício”, ou seja, trata apenas das medidas de urgência, a tutela
de evidência não poderá ser concedida de ofício, necessitando de requerimento expresso
do demandante, exceto no caso do inciso II do artigo 285 do projeto.
Não só por estes motivos, mas tendo em vista a responsabilidade objetiva
estabelecida no artigo 282 do projeto do Novo Código de Processo Civil, caso a tutela
de evidência fosse concedida de ofício não teria como responsabilizar o autor da ação.
Enuncia o artigo 290 do projeto (PLS 166/2010) que “quando um ou mais dos
pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução
será definitiva”.
Traz nitidamente a tutela de evidência, não necessitando de qualquer outra
medida, caracterizando a estabilização dos efeitos da medida concedida (DIDIER, et al.,
2011, p. 247).
A tutela de evidência em todas as hipóteses enumeradas em seus incisos não se
impõe para tutelar uma situação de urgência, e sim para amparar a celeridade processual
baseada na probabilidade, em outras palavras não é necessário o periculum in mora,
bastando a presença do fumus boni iuris. E ainda, há que se ressaltar que é um
instrumento em prol do requerente apenas.
48
Conclui-se que a tutela de evidência é um dos maiores avanços instituídos pelo
legislador neste projeto do Novo Código de Processo Civil por se tratar de uma
cognição muito segura e por ter ampliado os casos que já havia no atual Código de
Processo Civil. Até mesmo porque há maior certeza sobre o direito da parte,
possibilitando a concessão de plano da tutela definitiva, diminuindo o lapso temporal
do processo ao mesmo tempo em que garante o contraditório.
CONCLUSÃO
Como pode ser observado, as tutelas de urgência e evidência são de extrema
importância, tendo em vista que a relação processual é dinâmica, apesar da norma e dos
fatos permanecerem estáticos, podendo chegar ao deslinde da ação com a situação
jurídica posta em análise sem a existência do bem jurídico tutelado.
Apesar da possibilidade de que o decurso do tempo possa trazer prejuízos, temos
que levar em consideração a segurança jurídica que é uma conquista da sociedade,
representada, principalmente, pelos princípios da ampla defesa, contraditório, devido
processo legal, publicidade, duplo grau de jurisdição e isonomia.
Mas por outro lado, devemos prezar pela celeridade processual, demonstrada
pela efetividade e a razoável duração do processo.
Há, então, um embate entre estes princípios que deverão ser levados a balança e
equilibrados. Para isso o legislador criou institutos próprios para a medida dosadora,
que é feito hoje pelas medidas cautelares e tutela antecipada, porém, de acordo com o
projeto do Novo Código de Processo Civil passará a ser feito pelas tutelas de urgência e
tutelas de evidência.
As medidas cautelares e as tutelas antecipadas previstas no atual Código de
Processo Civil são espécies de tutela de urgência. As medidas cautelares muito se
assemelham as tutelas de urgência tratadas no projeto do novo Código de Processo
Civil, enquanto que as tutelas antecipadas assemelham as tutelas de evidência.
As tutelas de urgência no projeto foram subdivididas em cautelares e
satisfativas, contudo, possuem os mesmos requisitos para a sua concessão, mesmo que
possuem certas peculiaridades.
As tutelas de evidência que trouxe grandes novidades, vez que não trata de
situações urgentes, mas busca a celeridade baseada na probabilidade da existência do
direito.
Imprescindível, a nosso pensar, as tutelas de urgência e as tutelas de evidência
para garantia da efetividade processual combinada com a celeridade, finalizando na
eficácia da prestação jurisdicional. É plausível a manutenção destes institutos no projeto
do Novo Código de Processo Civil pelo elevado grau de utilidade ao processo e
em resposta à sociedade.
49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
01. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Lex: Vade
Mecum. 11ª ed. São Paulo: Saraiva 2011.
02. _______. Projeto de Lei do Senado n° 166 de 2010. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em
07 de abril de 2012.
03. _______. Código de Processo Civil. Lex: Vade Mecum. 11ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
04. DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso
de Direito Processual Civil: volume 2. Salvador: Juspodivm, 2008.
05. DIDIER JR., Fredie. MOUTA, José Henrique. KLIPPEL, Rodrigo.
Colaboradores: GARCIA, André Luis Bitar de Lima. BASTOS, Antonio
Adonias A.. SILVA, Beclaute Oliveira [et al.]. O projeto do novo código de
processo civil. Salvador: Juspodivm, 2011.
06. FUX, Luiz. BARBOSA, Andrea Carla. CABRAL, Antonio do Passo [et al.].
O novo processo civil brasileiro (direito em expectativa): reflexões acerca do
projeto do novo Código de Processo Civil. Coordenador: Luiz Fux. Rio de
Janeiro: Forense, 2011.
07. MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de processo
civil comentado artigo por artigo. 2ª ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010.
08. MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC:
crítica e propostas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
09. MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de conhecimento (Curso de
processo civil, v. 2). 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011.
10. MONTENEGRO FILHO, Misael. Projeto do Novo Código de Processo
Civil: confronto entre o CPC atual e o projeto do Novo CPC: com
comentários às modificações substanciais. São Paulo: Atlas, 2011.
11. NEGRÃO, Theotonio. GOUVÊA, José Roberto Ferreira. BONDIOLI, Luis
Guilherme Aidar. Colaboração: João Francisco Naves da Fonseca. Código de
Processo Civil e legislação processual em vigor. 42ª ed. São Paulo: Saraiva,
2010.
50
12. RUANOBA, Sebastian Watenberg. Fungibilidade Das Tutelas de Urgência
(Antecipatória e Cautelar) no Processo Civil Brasileiro. Disponível em:
http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Sebastian%20Watenberg%20Ruanob
a%20-%20 formatado.pdf. Acesso em 08 de maio 2012.
13. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – teoria
geral do direito processual civil e processo de conhecimento, v. 1. 2a ed. rev.
atual. e amp. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
ANEXOS
ANEXO A
Projeto de Lei do Senado n°166 de 2010
TÍTULO IX
TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Seção I
Das disposições comuns
Art. 277. A tutela de urgência e a tutela da evidência podem ser requeridas antes
ou no curso do procedimento, sejam essas medidas de natureza cautelar ou satisfativa.
Art. 278. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas
quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao
direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
Parágrafo único. A medida de urgência poderá ser substituída, de ofício ou a
requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia
menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão
ou repará-la integralmente.
Art. 279. Na decisão que conceder ou negar a tutela de urgência e a tutela da
evidência, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
Parágrafo único. A decisão será impugnável por agravo de instrumento.
Art. 280. A tutela de urgência e a tutela da evidência serão requeridas ao juiz da
causa e, quando antecedentes, ao juízo competente para conhecer do pedido principal.
Parágrafo único. Nas ações e nos recursos pendentes no tribunal, perante este
será a medida requerida.
51
Art. 281. A efetivação da medida observará, no que couber, o parâmetro
operativo do cumprimento da sentença e da execução provisória.
Art. 282. Independentemente da reparação por dano processual, o requerente
responde ao requerido pelo prejuízo que lhe causar a efetivação da medida, se:
I – a sentença no processo principal lhe for desfavorável;
II – obtida liminarmente a medida em caráter antecedente, não promover a
citação do requerido dentro de cinco dias;
III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer dos casos legais;
IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou da prescrição do direito do
autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver
sido concedida.
Seção II
Da tutela de urgência cautelar e satisfativa
Art. 283. Para a concessão de tutela de urgência, serão exigidos elementos que
evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano
irreparável ou de difícil reparação.
Parágrafo único. Na concessão liminar da tutela de urgência, o juiz poderá exigir
caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que o requerido possa vir a
sofrer, ressalvada a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente.
Art. 284. Em casos excepcionais ou expressamente autorizados por lei, o juiz
poderá conceder medidas de urgência de ofício.
Seção III
Da tutela da evidência
Art. 285. Será dispensada a demonstração de risco de dano irreparável ou de
difícil reparação quando:
I – ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do requerido;
II – um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se
incontroverso, caso em que a solução será definitiva;
III – a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado
pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca; ou
IV – a matéria for unicamente de direito e houver jurisprudência firmada em
julgamento de casos repetitivos ou súmula vinculante.
Parágrafo único. Independerá igualmente de prévia comprovação de risco de
dano a ordem liminar, sob cominação de multa diária, de entrega do objeto custodiado,
sempre que o autor fundar seu pedido reipersecutório em prova documental adequada
do depósito legal ou convencional.
CAPÍTULO II
DO PROCEDIMENTO
52
Seção I
Das medidas requeridas em caráter antecedente
Art. 286. A petição inicial da medida requerida em caráter antecedente
indicará a lide, seu fundamento e a exposição sumária do direito ameaçado e do receio
de lesão.
Art. 287. O requerido será citado para, no prazo de cinco dias, contestar o pedido
e indicar as provas que pretende produzir.
§ 1º Do mandado de citação constará a advertência de que, não impugnada
decisão ou medida liminar eventualmente concedida, esta continuará a produzir efeitos
independentemente da formulação de um pedido principal pelo autor.
§ 2º Conta-se o prazo a partir da juntada aos autos do mandado:
I – de citação devidamente cumprida;
II – de intimação do requerido de haver-se efetivado a medida, quando
concedida liminarmente ou após justificação prévia.
Art.288. Não sendo contestado o pedido, os fatos alegados pelo requerente
presumir-se-ão aceitos pelo requerido como verdadeiros, caso em que o juiz decidirá
dentro de cinco dias.
§ 1º Contestada a medida no prazo legal, o juiz designará audiência de instrução
e julgamento, caso haja prova a ser nela produzida.
§ 2º Concedida a medida em caráter liminar e não havendo impugnação, após
sua efetivação integral, o juiz extinguirá o processo, conservando a sua eficácia.
Art. 289. Impugnada a medida liminar, o pedido principal deverá ser
apresentado pelo requerente no prazo de um mês ou em outro prazo que o juiz fixar.
§ 1º O pedido principal será apresentado nos mesmos autos em que tiver sido
veiculado o requerimento de medida de urgência, não dependendo do pagamento de
novas custas processuais.
§ 2º A apresentação do pedido principal será desnecessária se o réu, citado, não
impugnar a liminar.
§ 3º Na hipótese prevista no § 2º, qualquer das partes poderá propor ação com o
intuito de discutir o direito que tenha sido acautelado ou cujos efeitos tenham sido
antecipados.
Art. 290. As medidas conservam a sua eficácia na pendência do processo em
que esteja veiculado o pedido principal, mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas
ou modificadas, em decisão fundamentada, exceto quando um ou mais dos
pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso, caso em que a solução
será definitiva.
§ 1º Salvo decisão judicial em contrário, a medida de urgência conservará a
eficácia durante o período de suspensão do processo.
§ 2º Nas hipóteses previstas no art. 289, §§ 2º e 3º, as medidas de urgência
conservarão seus efeitos enquanto não revogadas por decisão de mérito proferida
em ação ajuizada por qualquer das partes.
Art. 291. Cessa a eficácia da medida concedida em caráter antecedente, se:
53
I – tendo o requerido impugnado a medida liminar, o requerente não deduzir o
pedido principal no prazo legal;
II – não for efetivada dentro de um mês;
III – o juiz julgar improcedente o pedido apresentado pelo requerente ou
extinguir o processo em que esse pedido tenha sido veiculado sem resolução de mérito.
Parágrafo único. Se por qualquer motivo cessar a eficácia da medida, é vedado à
parte repetir o pedido, salvo sob novo fundamento.
Art.292. O indeferimento da medida não obsta a que a parte deduza o pedido
principal, nem influi no julgamento deste, salvo se o motivo do indeferimento for a
declaração de decadência ou de prescrição.
Art. 293. A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a
estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revogar,
proferida em ação ajuizada por uma das partes.
Parágrafo único. Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos
autos em que foi concedida a medida para instruir a petição inicial da ação referida no
caput.
Seção II
Das medidas requeridas em caráter incidental
Art. 294. As medidas de que trata este Título podem ser requeridas
incidentalmente no curso da causa principal, nos próprios autos, independentemente do
pagamento de novas custas.
Parágrafo único. Aplicam-se às medidas concedidas incidentalmente as
disposições relativas às requeridas em caráter antecedente, no que couber.
Art. 295. Não se aplicam à medida requerida incidentalmente as disposições
relativas à estabilização dos efeitos da medida de urgência não contestada.
Art. 296. Tramitarão prioritariamente os processos em que tenha sido concedida
tutela da evidência ou de urgência, respeitadas outras preferências legais.
54
A AÇÃO DE DEMARCAÇÃO DE TERRAS PARTICULARES: UMA
REVISÃO DE LITERATURA
Acadêmica ESTELLE COSTA SENE
Mestre e Professor Tiago Setti Xavier da Cruz.
RESUMO: Apresentamos neste trabalho uma revisão de literatura abordando
aspectos essenciais da ação de demarcação de terras particulares. Nós tentamos
abordar aspectos teóricos que vão desde o histórico deste tipo de ação passando pelos
requisitos essenciais para o pedido de ação de demarcação abrangendo os limites,
passando pelos aspectos processuais da ação de demarcação, esclarecendo quanto à
legitimidade, o litisconsórcio e a cumulação da demarcatória com outras ações e por fim
os procedimentos necessários na primeira e segunda fase. Para a realização desta
revisão uma vasta bibliografia foi consultada e estudada envolvendo 13 autores
pesquisadores nacionais, utilizando artigos científicos, capítulos de livros e
obrascompletas impressas e on-line, publicadas entre os anos de 1998 e 2011. Para a
obtenção dos resultados nos separamos as referencias bibliográficas por assunto e em
seguida analisamos as ideias dos autores a respeito de cada temática referente ao tema
estudado. Os resultados deste estudo mostram que a maioria dos autores possuem
uma visão ampla a respeito da ação demarcatória, que alguns dentre eles sugerem
modelos, fichas e outros instrumentos que favorecem a compreensão do leitor. Para
concluir sugerimos que este tema seja pesquisado com maior profundidade por outros
acadêmicos a fim de fomentar o debate a respeito desse assunto tão importante para
todos os cidadãos.
Palavras chaves: demarcação, propriedade, limite, conflito e perícia.
INTRODUÇÃO
A ação de Demarcação de Terras Particulares tem suas raízes no antigo direito
romano desta forma observa-se que há muitos anos a ideia de propriedade faz parte da
vida dos cidadãos. Data desta época os primeiros conceitos acerca de direito a
propriedade que foi evoluindo de acordo com as ideologias que iam surgindo ao longo
da história. Em um primeiro momento a propriedade foi associada a poder e
individualismo. Com o passar dos tempos ela passa a ser sinônimo de um bem coletivo
social, ou seja, para toda a sociedade. Atualmente no Brasil a lei prevê o direito a
demarcação de terras particulares já que está é um dos direitos acerca do direito a
propriedade. A ação de demarcação tem como principal objetivo definir os limites
entre duas ou mais propriedades particulares. Porém existem outros casos que cabem
esta ação como, por exemplo, duvidas a cerca dos limites já existentes ou ainda
55
apropriação indevida de território levando a conflitos no que diz respeito às linhas
demarcadas dessas propriedades. Em resumo esta ação trata de procedimentos
desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar, visando a sanar as dúvidas em um
primeiro momento de um ou mais proprietário a respeito da linha divisória que separa a
propriedade.
Em um segundo momento, as dúvidas esclarecidas saem do papel e os limites
são fixados materialmente no território. No entanto para que esta ação seja desenvolvida
é necessário que diversos passos sejam seguidos até a definição do limite definitivo
entre as propriedades.
O objetivo deste trabalho é de verificar o que diz a literatura especializada a
respeito dos procedimentos a serem adotados quando houver duvidas ou insatisfações
ao envolver o traçado de limites entre uma ou mais propriedades. Trata-se de levantar,
quando da realização de uma revisão de literatura, as diversas posturas, teorias, opiniões
e teses de diversos estudiosos a respeito dos procedimentos a serem utilizados quando
for necessário entrar com uma Ação de Demarcação de Terras Particulares. Atualmente
para entrar com uma ação de demarcação, alguns requisitos essenciais previstos nos
documentos oficiais como o Código Processual Civil devem ser observados pelo
profissional no momento da instrução do processo. Da mesma forma, esses documentos
incentivam a utilização dos meios previstos nas Leis para resolver os problemas dos
cidadãos.
Partindo da definição da temática a ser pesquisada, elaboramos uma ficha
orientadora para a leitura dos documentos selecionados. Esta ficha por um lado nos
permitira de levantar as ideias, teorias e opiniões fundamentais dos autores a respeito da
temática estudada. Por outro lado fornecera informações quanto aos dados necessários
para a organização das referencias bibliográficas do corpo do trabalho. Redigimos
igualmente um plano de trabalho a partir das referências selecionadas. Este plano de
trabalho tem a função de orientar a redação do trabalho escrito de acordo com as
referências bibliográficas levantadas e disponíveis.
A análise das diferentes fontes pesquisadas mostra que os pesquisadores
possuem uma postura coerente ao abordarem os procedimentos para a realização de uma
ação demarcatória.
Acreditamos que, estas posturas semelhantes são devido à necessidade de terem
como documento norteador o Código de Processo Civil. Quanto ao histórico desta
problemática poucos estudiosos se interessaram em mencionar em seus trabalhos a
origem da ação demarcatória. A conceituação é abordada por alguns autores de forma
mais superficial mencionando somente os artigos do Código Civil referente a
demarcação enquanto que outros autores se aprofundam explicando desde os conceitos
primordiais dos direitos reais, passando pelos de direito a propriedade para então chegar
ao de demarcação. Já quanto aos requisitos necessários para efetivar um pedido de
demarcação, todos os autores abordaram, uns com maior profundidade que outros mas
suas falas foram complementares e esclarecedoras. Todos concordam que é um direito
do proprietário recorrer a esta ação, porém alguns autores defendem o direito do terceiro
possuidor também ter direito, mas não pleno como o do proprietário. Já em relação aos
aspectos processuais da demarcação todos foram unânimes ao abordarem os
esclarecimentos de: legitimidades, litisconsórcio e cumulação da ação de demarcação
56
com outras ações. Algumas divergências acerca de conceitos são encontradas
principalmente no que diz respeito à imprescritibilidade da ação e as cumulações
possíveis com esta ação. Acerca destes conceitos os estudiosos seguem diferentes
vertentes com diferentes argumentações para defenderem seu ponto de vista. Por fim, no
que diz respeito aos procedimentos a serem seguidos, todos os autores pesquisados
detalharam bem os procedimentos que constituem a primeira e a segunda fase, tendo até
mesmo a iniciativa de elaborar modelos e fluxogramas para facilitar o entendimento e
acompanhamento desta ação.
Uma observação interessante também a cerca dos procedimentos é que alguns
autores tiveram a preocupação de apresentar conceitos com linguagem simples e
esquemas com as fases dos procedimentos e suas etapas tornando possível o
entendimento de como funciona a ação demarcatória para pessoas que não são da área
do direito.
Este trabalho esta organizado em 5 partes específicas sendo que a parte 1 foi
destinada a uma introdução, onde o leitor tem a possibilidade de conhecer o trabalho
como um todo. Já na parte 2, a abordagem está direcionada para uma fundamentação
teórica da problemática, trazendo esclarecimentos de cunho profissional e prático a
cerca de conceitos importante. Em seguida, a parte 3 trata primeiramente da
Demarcação de Terras Particulares envolvendo todas as particularidades que este
assunto exige. Depois se apresenta os aspectos processuais da ação de demarcação
contendo opiniões divergentes e convergentes dos pesquisadores. Por fim uma
abordagem dos procedimentos a serem adotados em uma ação de demarcação é
apresentada para esclarecer alguns passos a serem tomados. A conclusão do trabalho é
encontrada na parte 4, onde o autor teve a perspicácia de elaborar uma conclusão
sucinta para cada parte do trabalho. E, por fim, a parte 5 apresenta em ordem alfabética
os autores analisados e citados no corpo do trabalho.
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Um pouco de história
A origem das ações demarcatórias não é recente, de acordo com Pereira (2010,
p. 68) tudo começou com o Direito Romano no qual foram criadas as primeiras
fundamentações acerca da propriedade. Segundo ele:
A raiz histórica do nosso instituto da propriedade vai-se prender no Direito
Romano, onde foi ela individual desde os primeiros monumentos. Dotada de caráter
místico nos primeiros tempos. Somente o cidadão romano podia adquirir a propriedade;
somente o solo romano podia ser seu objeto, uma vez que a dominação nacionalizava
a terra conquistada.
O autor explica ainda que estes conceitos sofreram pequenas modificações com
o passar dos tempos, devido às transformações sofridas no cenário político, econômico
e técnico. Com outras palavras, ele afirma que “a invocação do direito Romano guarda
hoje um interesse puramente histórico, atendendo a que as transformações políticas,
57
econômicas e técnicas provocaram, necessariamente, sensível modificação nos
conceitos jurídicos” (PEREIRA 2010, p. 82). Venosa concorda com esta opinião, já que
ele também afirma que o conceito de propriedade evoluiu de acordo com os
acontecimentos da época. Segundo ele o conceito de propriedade também estava
diretamente ligado ao sistema político em vigor da época (VENOSA, 2011, p. 165).
Afirmar um exato momento para o surgimento do conceito de propriedade em
Roma parece ser impossível.A este respeito, VENOSA (2011, p. 166) afirma que
acredita ser difícil precisar já que “não é muito claro nas fontes a forma de
propriedade comum na primitiva Roma”. O autor divide o surgimento de diferentes
conceitos para propriedade em duas fases da história romana.
Nos primeiros séculos da história romana, somente se admite o dominium ex
jure quiritium, propriedade adquirida unicamente sob formas de determinadas, fora das
quais não poderia constituir-se. Apenas na época clássica do Direito Romano admite a
existência de uso abusivo do direito da propriedade e sua reprimenda. O digesto já
reconhece direitos de vizinhança, mas o elemento individual ainda é preponderante.
De acordo com o autor, o Direito Romano identificava os direitos reais junto à
propriedade, porém este sistema foi parcialmente abandonado na Idade Média
(VENOSA, 2011, p. 25). Dando continuidade aos direitos referentes à propriedade,
Coelho (2010, p. 70) divide a mesma opinião que o autor precedente no que diz respeito
à exatidão das datas que confirmem a origem do conceito de propriedade, o autor
garante que é uma definição antiga, que vem acompanhando o homem com sua
evolução e que existem duas vertentes em relação à origem do conceito de propriedade.
O conceito de que homens e mulheres são donos de coisas, a essência da
propriedade, é muitíssimo antiga. Na verdade, não há ainda elementos confiáveis que
permitam identificar o momento da pré-história da humanidade em que teria surgido, ou
se o conceito acompanha o ser humano desde sempre. Há quem enxergue a propriedade
como natural do homem, que por isso, existe desde o início e existira até o fim da
aventura da humanidade no universo; e há quem sustente que, nos primórdios da
trajetória humana não havia propriedade (Engels, 1884). Essa divergência por enquanto
não se consegue resolver por falta de dados arqueológicos ou outros elementos
científicos.
Marcato (2005, p.186) também aborda as ações que se originavam no Direito
Romano.
Ele afirma que o direito romano “previa três modalidades de ações divisórias: a
finium regundorum, a familiae erciscundae e a comunidividundu”. Segundo o autor
a ação demarcatória está representada pela primeira modalidade a (finium
regundorum), com o objetivo específico de estabelecer limites e esclarecer as dúvidas a
respeito dos mesmos.
Seguindo a evolução do conceito de propriedade, passamos agora à idade média.
Nesta época a propriedade deixa de ser exclusiva. Venosa (2011, p. 167) explica que
este fato se deu devido as diferentes culturas bárbaras, pois estas modificaram os
conceitos jurídicos, e que, neste novo cenário “o território mais do que nada, passa a ser
sinônimo de poder. A ideia de propriedade está ligada a de soberania nacional”.
58
Com o passar dos tempos aumenta a necessidade de se ter leis que definam a
propriedade mais concretamente. De acordo com Coelho (2010, p. 71) o conceito de
propriedade surge em dois marcos diferentes da história: na revolução francesa e na
origem do sistema capitalista. Segundo o autor é na revolução francesa que “o direito de
propriedade é proclamado como natural, ilimitado e individualista”. Venosa (2011,
p.167) relata que a necessidade de se definir mais concretamente a propriedade foi
percebida a partir do século XVIII principalmente na revolução francesa.
A partir do século XVIII, a escola do direito natural passa a reclamar leis que
definam propriedade. A revolução francesa recepciona a ideia romana. O código de
Napoleão, como consequência, traça a conhecida concepção extremamente
individualista do instituto no art. 544: “a propriedade é o direito de gozar e dispor das
coisas do modo mais absoluto, desde que não se faça uso proibido pelas leis ou
regulamentos”. Como sabido este Código e as ideias da revolução repercutiram em
todos os ordenamentos que se moderam no Código Civil francês, incluindo a grande
maioria dos códigos latinos americanos.
Somente no século XIX é que o individualismo da propriedade diminui e passa a
surgir um conceito mais voltado para o bem comum do grupo: o social. Segundo
Venosa (2011, p. 167) “esse exagerado individualismo perde força no século XIX com a
revolução e o desenvolvimento industrial e com as doutrinas socializantes. Passa a ser
buscado um sentido social na propriedade”.
Já para Coelho (2010, p. 71), o sistema capitalista é o responsável por uma
necessidade de mudança no direito à propriedade para tentar controlar o avanço do
socialismo. Ele afirma que seria o segundo marco mais importante da história no que
concerne à evolução do direito a propriedade “o segundo marco é a flexibilização a que
se obrigou o Estado capitalista ao longo do século XX para sobreviver ao avanço do
socialismo. Ela reclamou uma profunda alteração no direito de propriedade, cujo
exercício passou a se subordinar ao atendimento da função social”.
Uma análise do direito a propriedade pelas leis brasileiras na história também é
feita por Coelho (2010, p. 72). O autor relata que esta tem origem desde a época da
constituição do império e assim como observado no direito romano aqui também seu
conceito sofreu modificações de acordo com as ideologias da época.
Na ordem positiva brasileira, a propriedade tem sido constitucionalmente
protegida como direito fundamental desde a constituição do Império até a Carta de
1937, a única limitação constitucional disse respeito à desapropriação (transferência
compulsória da propriedade para o Estado, para atendimento do interesse público).
Na Constituição de 1946, estabeleceu-se que o uso da propriedade estava
condicionado ao bem estar social; nas de 1967 e 1969, bem como na atual, de 1988, o
constituinte empregou o conceito de função social para limitar o exercício do direito
(CF, arts. 5º, XXII e XXIII, e 170, II e III).
Nota-se que com o passar dos tempos o direito a propriedade foi adquirindo
conceitos que se adaptavam as necessidades da época. Primeiramente em 1946 observase um direito da propriedade voltado para o bem estar social. Depois em 1967 com a
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necessidade de limitar o exercício do direito nasce o conceito de função social, que
prevalece na constituição até hoje.
Nos tempos passados, para se realizar uma ação demarcatória existiam várias
etapas desnecessárias até se chegar ao início dos trabalhos técnicos para a demarcação.
Este problema foi solucionado como o novo Código. Para Theodoro Júnior (2009, p.
311) “o Código novo simplificou muito, e com razão, esse procedimento. Para início
dos trabalhos técnicos da segunda fase da demarcação não há solenidade alguma nem
depende o agrimensor de aguardar deliberação sobre o marco inicial”. Outra mudança
que ocorreu com o novo código trata-se das funções atribuídas aos peritos. Theodoro
Júnior (2009, p. 314) apresenta uma comparação do papel dos árbitros e agrimensor no
sistema atual com o do antigo.
No direito antigo, também, os arbitradores participavam de todo o trabalho
técnico da fase executiva da demarcação, inclusive na colocação de marcos. No sistema
atual, as tarefas foram delimitadas e bem distribuídas entre os peritos: ao agrimensor
compete cravar os marcos e elaborar a planta e memorial; aos arbitradores incumbe
percorrer a linha, conferir os marcos e rumos, e, finalmente, elaborar o relatório da
inspeção.
Em seguida, Theodoro Júnior (2009, p. 315) faz um paralelo a respeito da
participação do juiz nos trabalhos de campo mais precisamente para a definição da linha
demarcatória no antigo código e no atual. Ele explica que antigamente quando
dependendo do valor da causa e surgindo duvidas sobre o limite o juiz poderia ter que
acompanhar a pericia para verificar o trabalho realizado e os limites a serem definidos.
Hoje esta opção é facultativa, sendo necessária somente em casos especiais.
O Código de Processo Civil de 1939, embora não tornasse obrigatória a presença
do juiz nos trabalhos de autenticação da linha, dispunha que o magistrado poderia
determinar que a operação se realizasse em sua presença quando o valor da causa
fosse superior a Cr$ 50.000,00, e houvesse dúvidas entre os confrontantes. O juiz, em
pessoa, portanto, acompanhava os peritos no percurso da linha, examinando a exatidão
dos marcos (CPC de 1939, art. 448, § 1º). O novo código (de 1973) não contém mais
regra a respeito da presença do juiz na diligência. Continua, no entanto, como uma
faculdade sua. E as partes poderão requerê-la, quando houver razão para tanto, com base
nas normas que cuidam da inspeção judicial “in loco” (art. 440), já que esta é sempre
possível, seja ex-ofício, seja a requerimento de interessado.
Outra comparação que o autor faz no que diz respeito a mudanças do antigo
código para o novo é em relação ao prazo de 5 dias para só depois em audiência de
instrução o juiz pronunciar a homologação do processo. Theodoro Júnior (2009, p.
322) esclarece que no novo código de 1973 este prazo foi retirado e suprimido a
audiência de instrução. Uma vez assinado o auto pelo juiz e pela equipe técnica a
sentença homologatória é proferida.
O Código de Processo Civil atual esclarece que as ações de demarcação que
serão reguladas por ele são especialmente de terras particulares. A este respeito Marcato
(2005, p. 187) explica que se trata além de questão histórica também de uma questão
sistemática já que a ação demarcatória esta diretamente ligada a lei nº 6.383/76e não ao
regime do código. Duas são as circunstâncias que impõem essa ressalva: uma de
60
natureza histórica, pois o Decreto nº 720, de 1890, já dispunha que referidas ações eram
pertinentes às terras particulares; outra de natureza sistemática, visto que as terras
devolutas não se submetem ao regime do código, mas sim ao da Lei nº 6.383/76,
que instituiu a chamada ação demarcatória.
Considerando os esclarecimentos acima, percebe-se que no Brasil atualmente, a
legislação prevê em seus documentos oficiais orientações destes procedimentos há mais
de um século, favorecendo os esclarecimentos aos proprietários.
1.2 Conceito
Para compreender melhor a ação demarcatória deve-se em um primeiro
momento entender as características que envolvem os direitos reais. Muitos autores
declaram que a propriedade é um direito real. Para fim de esclarecimentos aborda-se
neste trabalho o conceito de direito real e o direito de propriedade atribuído a ele.
Segundo Coelho (2010, p. 22) “o direito de propriedade, por exemplo, é real, mas está
limitado pela função social e pelo respeito aos direitos de vizinhança”. De acordo com o
autor este limite se deve ao pensamento coletivo, no qual o que for melhor para um todo
deverá passar por cima do direito de propriedade de um indivíduo em nome de um bem
comum maior. Coelho (2010, p. 23) também afirma que a propriedade é o mais
importante dos direitos reais e esclarece, dizendo que são direitos reais sobre a coisa
própria a propriedade e os direitos reais em garantia.
A propriedade é o mais importante dos direitos reais, a qual corresponde aos
mais amplos poderes de sujeição da coisa ao ser humano – quer dizer, os mais amplos
admissíveis no atual estágio de evolução da cultura jurídica, que os limitam em atenção
aos interesses de outros proprietários e da sociedade em geral (caps. 43 a 46).
Já com uma visão mais completa, Venosa (2011, p. 5) explica que os “direitos
reais traduzem relação jurídica entre uma coisa, ou conjunto de coisas, e um ou
mais sujeitos, pessoas naturais ou jurídicas”. O autor também ressalta que o
reconhecimento do seu direito real sob a coisa é importante.
O titular reivindica a coisa. O conceito é de direito material, e o processo tão
somente considera, não a define. Basicamente nesta ação o autor pede que se reconheça
seu direito real (pretensão de declaração) juntamente com a entrega da coisa
indevidamente em poder de terceiro. Desse modo, o efeito declarativo (presente em
qualquer sentença) da ação reivindicatória julgada precedente é o reconhecimento
do direito real.
Dividindo a mesma opinião que Venosa, Tartuce e Simão (2011, p. 33) também
abordam os direitos reais para falar da relação jurídica entre pessoas e coisas de forma
direta citando como exemplo o caso da usucapião. Segundo o conceito por eles
apresentados os direitos reais tem como finalidade.
As relações jurídicas entre pessoas e coisas, relações estas que podem até ser
diretas, sem qualquer intermediação por outra pessoa, como ocorre nas formas
61
originarias de aquisição de propriedade, cujo exemplo típico é a usucapião. Portanto, o
objeto da relação jurídica é a coisa em si.
Passa-se agora ao direito a propriedade para um melhor entendimento do objeto
da ação demarcatória. A este respeito Coelho (2010, p. 78) afirma que o direito à
propriedade pode ter tanto a função de ser exclusivo como excludente já que o seu
possuidor tem direitos legais para não permitir que usufruam da coisa sem
consentimento dele. Ainda abordando o direito a propriedade, Coelho (2010, p. 82) se
preocupou em dividir os seus poderes em quatro categorias e explicá-las.
Os poderes associados ao direito de propriedade são quatro: usar (desfrutar,
aproveitar), gozar (fruir, explorar economicamente) e dispor (destruir, abandonar ou
alienar) da coisa, bem como reivindicá-la de quem injustamente a possua ou detenha
(buscar em juízo a ordem de imissão na posse do bem).
Esta mesma visão é tratada por Tartuce e Simão (2011, p. 128) já que eles
também dividem os poderes da propriedade da mesma forma que Coelho. Para fins de
melhor compreensão, os autores comparam a propriedade a uma garrafa dividida em
quatro partes.
Gozar, Reaver, Usar e Reivindicar. Segundo eles esta simbologia trata de
“quatro atributos que estão presos ou aderidos à propriedade”.
De acordo com Theodoro Júnior (2009, p. 201) quando existe confusão de
limites seja por falta de sinais no terreno ou um dos confinados se opõe ao limite que o
autor defende cabe à ação demarcatória resolver o conflito.
Existem diversos critérios de classificação de ação demarcatória. Theodoro
Júnior (2009, p. 189) afirma que são três: O primeiro é aquele que se baseia na extensão
material, o segundo é aquele que considera a existência primeira ou não de limites e por
fim o terceiro critério que considera o pedido elaborado pelo autor da ação. O autor
entra em detalhes sobre o critério que aborda a extensão demarcatória. Para ele este
critério pode ser de duas formas.
1) Total - quando se pede o levantamento de todo o perímetro do imóvel.
Na verdade, sendo vários os confrontantes, essa forma de procedimento importa cúmulo
de diversas demarcações, ou seja, uma em frente a cada confinante. Todos serão réus no
processo, mas cada um só terá participação apenas no que disser respeito à testada
do respectivo imóvel.
2) Parcial - quando se pede o estabelecimento apenas de parte das linhas
delimitativas do prédio. Tão-somente num trecho, o imóvel ficou sem fixação da linha
divisória, ou apenas nele desapareceram os limites antes estabelecidos, sem
possibilidade de se encontrar os respectivos vestígios. Réus então hão de serem
apenas os vizinhos confrontam com o prédio no mencionado trecho da linha
perimétrica.
No entanto quando não existe nenhum limite fixado anteriormente, a
demarcatória pode ser de duas formas segundo Theodoro Júnior (2009, p. 190): “1)
Ação de demarcação, propriamente dita (assinalação de limites novos); e 2) Ação
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de aviventação de limites (restauração de marcos arruinados, destruídos ou
desaparecidos)”.
Como sempre existem exceções, no caso da demarcação não é diferente, por
exemplo, quando o título não apresentar uma definição coerente da linha divisória ou
então quando o marco de identificação tenha desaparecido, não importa por qual
motivo, nestes casos Theodoro Júnior (2009, p.31) afirma que “cada proprietário
confinante tem o direito de obrigar seu vizinho a demarcar com ele os dois prédios,
cujas divisas se encontram envolvidas em confusão”.
Em sua obra Theodoro Júnior (2009, p.15) esclarece que “para ser exercitado o
poder exclusivo e, em certo sentido, absoluto, que o direito de propriedade confere ao
respectivo titular, é indispensável que o objeto do direito seja precisamente
identificado”.
2. DEMARCAÇÃO DE TERRAS PARTICULARES
2.1 Requisitos para pedido de ação demarcatória
Em seu trabalho, Santos (2007, p. 83) aborda o uso e gozo da coisa assim como
a delimitação e marcos visíveis. Para o autor, existem diversos motivos para solicitar a
demarcação, como o desaparecimento dos mesmos ou ainda a destruição destes,
tornando possível o pedido de demarcação. Segundo ele, poderá ocorrer que nas terras,
sejam urbanas ou rurais, não haja marcos visíveis que os diferenciem de outras, em
correspondência com o título dominial que as representa. Isto se dá por variadas causas.
O marcos, por exemplo, foram destruídos ou desapareceram; embora constando do
título, na verdade, nunca se apurou in loco a real extensão da propriedade, fixando-se os
marcos respectivos, como poderia acontecer na hipótese de haver referências, no título
de determinada metragem, sem a correspondente fixação demarcatória. Em casos tais,
possível é o pedido de demarcação de um dos proprietários, para obrigar o confinante
à fixação de novos limites ou aviventação dos já apagados (art. 946, I).
O pedido de uma ação demarcatória só pode ser realizado quando tratar-se de
terras particulares. Esta exigência está prevista no art. 946 do CPC aplica-se apenas às
terras particulares. Theodoro Júnior (2009, p. 35) concorda plenamente com esta
afirmação e complementando afirma que faz parte de terras particulares imóveis rurais
ou urbano: “o primeiro requisito, portanto, para exercer o direito de demarcar é a
existência de um imóvel do domínio privado, imóvel esse que tanto pode ser rural como
urbano”. Em segundo lugar o autor afirma que os prédios devem ser vizinhos o que
costuma ser chamado de contiguidade.
No entanto, torna-se imprescindível diferenciar dois termos que a priori são
parecidos, mas pode gerar confusões. Theodoro Júnior (2009, p.188) distingue o direito
de demarcar que está ligado à imprecisão de limites enquanto que a ação demarcatória
tem por objetivo esclarecer a confusão de certos limites.
63
Para o autor, o direito de demarcar nasce da imprecisão de limites entre dois
prédios, dada à falta de assinalação da linha divisória no solo. A ação demarcatória
pressupõe confusão de limites, com conflito de interesses (lide) em torno de qual deva
ser o traçado da linha de limitação dos prédios contíguos.
Gonçalves (2010, p. 296) nos explica que as terras que não são particulares
como as devolutas e as de bens públicos dominicais deverão ser tratadas pela Lei n.
6.383/76. Ao discutir o procedimento em relação às terras devolutas, Marcato (2005, p.
187) complementa as explicações oferecidas pelo autor precedente afirmando que: caso
envolvam terras devolutas, adequada será a aludida ação discriminatória, ajuizada
pelo Poder Público e processada no rito sumário, com os objetivos de (a) reconhecer o
domínio público, ainda incerto, em relação a imóvel não suficientemente extremado do
domínio particular, e (b) demarcar a área discriminada.
Para que exista a necessidade de um pedido de demarcação é necessário algumas
evidencias. Para Venosa (2011, p. 23) o proprietário tem direito a recuperar seus bens.
Segundo ele, “permite-se ao proprietário reaver seus bens do poder de quem
quer que injustamente os possua ou detenha”. De acordo com Gonçalves (2010, p. 297)
o pedido de demarcação só pode ser feito quando existir dúvidas sobre os limites ou a
confusão dos mesmos e que se trata de um direito do proprietário.
O direito de demarcação é protestativo do proprietário, e não prescreve, podendo
ser exercido enquanto existir a relação de confinância. Para que haja interesse de agir, é
indispensável que existam dúvidas a respeito dos limites que estremam os dois imóveis,
seja porque eles nunca tiveram marcos definidos, seja porque os anteriores
desapareceram ou se apagaram.
O autor também esclarece que se ambas as partes envolvidas conseguirem entrar
em acordo sobre os limites não é necessário fazer o pedido de uma ação, basta
declararem em escritura pública os limites que estipularam. Porém se um só dos
envolvidos não concordar ou se um deles “for absoluta ou relativamente incapaz” será
obrigatoriamente necessário o pedido de uma ação de demarcação (GONÇALVES,
2010, p. 298).
No entanto quando houver dúvidas a respeito da demarcação, Marcato (2005, p.
187) esclarece que os interessados poderão lançar mão da via jurisdicional para a
resolução das mesmas. Para isso eles poderão promover ação demarcatória regulada
pelo CPC. O autor continua afirmando na página 190 que a ação demarcatória “deve
ser proposta no foro da situação do imóvel, nos exatos termos do art. 95, 1ª parte, do
CPC (fórum rei sitae)”.
Acerca da ação demarcatória Tartuce e Simão (2011, p.123) afirmam que é um
direito que deve ser exercido através de uma ação petitória que se baseia na
propriedade. Segundo eles a mais comum é a ação reivindicatória. Em resumo o autor
afirma que “a proteção da propriedade é obtida por meio dessa demanda, aquela em
que se discute a propriedade visando à retomada da coisa, quando a terceira pessoa,
de forma injustificada, a tenha, dizendo-se dono”.
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Theodoro Júnior (2009, p.36) sintetiza em forma de esquema os requisitos
essenciais do direito de solicitar uma demarcação:
a) A natureza privada do imóvel demarcando;
b) a contiguidade entre os dois prédios, cujos limites se pretende fixar;
c) propriedade distinta dos dois prédios;
d) confusão de limites entre eles.
Para o autor estas características acerca do conflito devem ser analisadas para
verificar se o pedido do autor corresponde com as exigências para se entrar com uma
ação de demarcação.
2.2 Prédios contíguos
No que diz respeito a opiniões diversas quanto aos limites de prédios contíguos
Donizetti (2011, p. 1289) afirma que “Assim, se há controvérsia envolvendo o limite
de duas ou mais propriedades (terras), seja em decorrência da não fixação de rumos,
seja porque os rumos fixados já se apagaram, a ação cabível será a de
demarcação. Pressupõe, prédios contíguos”.Complementando a afirmação do autor
precedente, Theodoro Júnior (2009, p.16) ressalta que: o direito de propriedade, que
deve ser pleno mais apenas dentro dos limites do imóvel do titular do domínio,
impõe a individualização do prédio, que se é possível por meio de identificação dos
limites que o separam e o distinguem dos outros prédios contíguos.
Portanto, o autor fala da importância de delimitar de forma correta os limites
entre prédios vizinhos pois o direito a propriedade é pleno porém somente dentro dos
limites da propriedade.
2.2.1 Limites
O conceito de limite é tão antigo quanto o conceito de propriedade, este também
é percebido no direito romano. Lopes da Costa, apud Theodoro Júnior (2009, p. 20),
faz um paralelo do conceito de limite na antiguidade com os atuais. Para o autor
por um lado no direito romano o limite é considerado um espaço neutro de terra entre
duas propriedades. Por outro lado atualmente o limite é considerado como
simplesmente uma linha.
Segundo Theodoro Júnior o conceito de limites (20009, p. 21) pode apresentar
dois significados diferentes: um sobre um ponto de vista abstrato onde os limites não
existem ou estão imprecisos e no outro ponto de vista a visão é objetiva onde os limites
estão visíveis.
Segundo o autor, no sentido abstrato ou genérico, que é também o que nos
fornece a geometria, limite se confunde com intersecção, ou seja, com a linha de corte
onde duas superfícies se tocam ou se cruzam. Sob o ponto de vista objetivo ou legal,
isto é, no sentido que interessa às divisas de um imóvel, limite indica os sinais (marcos
e rumos) visíveis, que materializam no solo a linha de confinação de dois imóveis.
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Em seguida, o autor esclarece que os limites podem ser representados por
“acidentes geográficos ou por pontos assinalados por obra humana”. O autor também
atribui uma classificação para os tipos de limites de acordo com características
especificas da propriedade.
Por um lado, ele apresenta os limites artificiais e naturais e, por outro, os limites
de iure e limites de facto.
O autor esclarece que os limites artificiais são aqueles feitos pelo homem e os
naturais àqueles que a própria natureza estabelece. Em relação aos limites de iure, o
autor esclarece que se trata aqueles limites registrados em documentos da propriedade
e os de facto são aqueles que são transferidos do documento para a propriedade.
Os limites de uma propriedade devem ser claros e bem delimitados. Quando
surgem dúvidas sobre estes limites uma ação de demarcação torna-se necessária para
definir os mesmos de forma justa.Esta preconização é mencionada por Theodoro
Júnior (2009, p. 17) quando ele afirma que “o que, enfim, justifica a demarcação é
a ausência ou incerteza dos limites efetivos entre dois prédios contíguos, gerando
fenômeno que se costuma definir como confusão de limites”.O autor complementa este
esclarecimento na pagina 19 ressaltando que é necessário encontrar com exatidão os
terrenos que estejam sobre domínio de cada proprietário.
A este respeito Donizetti(2011, p. 1289 ) ressalta o inciso I do art. 946 que “cabe
à ação de demarcação ao proprietário para obrigar o seu confinante a estremar os
respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou aviventando -se os já
apagados”.
Complementando as afirmações do autor precedente, Theodoro Júnior(2010, p.
185) lança mão de outros artigos existentes na legislação brasileira. No seu trabalho ele
aponta que é graças aos limites devidamente bem marcados é que os imóveis são
identificados. Este fato justifica então o direito do proprietário a querer demarcar sua
propriedade.
Aos bens imóveis é pela exata fixação dos limites dos prédios e terrenos que se
consegue sua identificação. Daí assegurar o artigo 1297 do Código Civil de 2002 (CC
de 1916, art. 569),que todo “proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de
qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante
a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a
renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os
interessados as respectivas despesas”.
Com outras palavras, Gonçalves (2010, p. 297) afirma que a ação de demarcação
“diz respeito a dois imóveis diferentes, cujos limites não estejam esclarecidos, ou que
seja necessário aviventar”.
2.3 Demarcatória e ação reivindicatória
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Para solicitar uma demarcação, algumas características específicas são
necessárias. Em sua obra, Theodoro Júnior (2009, p.225) esclarece que “o direito de
demarcar é atributo da propriedade, de maneira que quem pode reivindicar a coisa
própria, pode também demarcá-la.”
Já para Marcato (2005, p. 188), existem dois tipos de ação demarcatória. Assim,
para o autor, a ação é simples quando o requerente solicita somente a demarcação de
áreas; já a ação qualificada se refere a uma solicitação mais complexa, envolvendo além
do pedido de demarcação há também o pedido de reintegração na posse ou
reivindicatório de domínio. O autor esclarece ainda que a demarcatória pode ser “total”,
quando abrange toda a área do prédio, ou “parcial” quando abrange somente uma
parte do mesmo. Theodoro Júnior (2009, p. 190) analisa autores que também
subdividem a demarcação como Marcato e conclui que: a importância da separação da
demarcatória simples da qualificada, para os que a defendem, estaria na circunstância
de que a primeira teria força simplesmente de definir os limites, em sua forma
material; enquanto que a demarcatória qualificada seria forma adequada não só para
a dita definição, como também para a reivindicação de áreas usurpadas pelo vizinho,
além da linha de limites.
O poder de reivindicar algo que foi possuído ilegalmente é do proprietário. A
este respeito Coelho (2010, p. 81) alega que “tem o proprietário o poder de reivindicar o
bem das mãos de quem injustamente o possui ou detém”. O autor ressalta também que a
reivindicação só pode ser feita através de processo judicial.
Venosa (2011, p. 13) também concorda que se trata de um instrumento exclusivo
do proprietário e que nesta ação “existem dois pedidos: o de reconhecimento de um
direito real e de entrega da coisa indevidamente em poder de terceiro”.
Na visão de Tartuce e Simão (2011, p. 125), “o efeito da ação reivindicatória é
de fazer com que o possuidor ou detentor restitua o bem com todos os seus acessórios”.
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Apud Tartuce e Simão (2011, p. 125)
apresentam as principais características desta ação:
1. natureza jurídica: trata-se da ação real, sendo fundamento do pedido a
propriedade e o direito de sequela a ela inerente.
2. finalidade: visa à restituição da coisa. É a ação cabível ao proprietário que
tinha a posse e injustamente a perdeu.
3. requisitos: prova da propriedade e da posse molestada. O réu pode
alegar, em defesa, a exceptio proprietatis (exceção de domínio), o que não pode ocorrer
nas ações possessórias.
4. rito: comum ordinário.
5. remissões: art. 1228 do CC (Código de Processo Civil..., 2006, p. 919).
Existem casos específicos em que a reivindicatória não pode ser possível. A
imprescritibilidade da reivindicatória é tratada por Coelho (2010, p. 81) que relata em
quais casos não há possibilidade de recorrer a ela além também de citar exemplos
atuais. A autor relata o lado do direito a propriedade que leva em conta que em nome
do bem geral da sociedade pode se passar por cima do direito a propriedade de
uma pessoa diante das seguintes possibilidades.
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O poder de reivindicar a coisa não existe quando ela consiste em área extensa na
qual possuidores de boa-fé, em número expressivo, realizaram obras ou serviços de
relevância social ou econômica, sempre que a posse deles durar mais de 5 anos (CC, art.
1228, §4º). É o caso, por exemplo, da favela erguida em imóvel particular de extensão
considerável. Se o dono não o reivindica no prazo referido de 5 anos, perde esse poder
sobre a coisa. Garante-lhe a lei, nessa hipótese, o direito a justa indenização, a ser paga,
em princípio, pelos possuidores interessados em adquirir a propriedade do bem (§5º).
Enquanto o dono não recebe o pagamento da indenização fixada pelo juiz, ainda é ele o
titular da propriedade; mas o seu direito é restrito por não ter o poder de reivindicar a
coisa.
Em relação a cumulações não possíveis com a ação reivindicatória, Venosa
(2011, p. 23) nos alerta que esta não pode cumular com pedido de perdas e danos já que
não é característica da ação de demarcação, podendo levar a punição de quem tentar
agir de má fé usando-se desta ação para tal objetivo:
Este decorre de ato ilícito e foge ao âmbito estritamente real do pedido inicial.
Essa pretensão decorrente da ilicitude é pessoal, tanto que pode ser versada
autonomamente contra o causador do dano a coisa, o qual pode não ser o terceiro contra
quem é dirigida a reivindicação.
Como analisado anteriormente, existe uma linha de autores que defendem uma
ação única para a demarcação e outra para a reivindicação. Outra linha defende que
todos os pedidos são de demarcatória, porém eles a dividem em duas: qualificada e
simples, em que a simples trataria somente de pedidos de demarcação e a qualificada
seria a cumulação de demarcação e reivindicação. Theodoro Júnior (2009, p. 206) faz
parte daqueles que acreditam que a ação demarcatória é a mais apropriada para casos
que envolvam pedido de reivindicação também e defende seu ponto de vista afirmando
que: a remessa das partes para a via da ação reivindicatória é, na maioria dos
casos, solução simplista e de menor esforço, que importa total denegação de justiça. Se
o proprietário não concorda com o muro feito arbitrariamente pelo vizinho justamente
por falta de prévia definição da linha de divisa, e se esta linha é incerta, carecendo ainda
de acero judicial, como poderá reivindicar uma porção indefinida ou imprecisa de seu
terreno usurpado pelo confrontante? Fatalmente esbarraria na carência da ação
reivindicatória por falta de certeza quanto ao objeto reivindicando. Só mesmo a
demarcatória, portanto, propiciar-lhe-á remédio para dirimir a incerteza de confins,
ainda nesse caso de cercas e tapumes já implantados entre os prédios dos litigantes.
O autor também faz uma comparação, logo em seguida na página 207, entre a
ação demarcatória e a reivindicatória. Segundo ele, as duas servem para o proprietário
recuperar parte de terreno ocupado de forma ilegal, a única diferença entre as duas é
que na reivindicatória já se conhece a linha divisória, tendo apenas que recuperar o que
foi ocupado indevidamente. Na demarcatória, primeiro define-se as linhas para depois
conseguir recuperar as terras ocupadas de forma errônea.
2.4 Acerca da prova
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Segundo Tartuce e Simão (2011, p. 124), é preciso apresentar provas de acordo
com o que se está reclamando: “O autor deve provar o seu domínio com o respectivo
registro e descrevendo o imóvel com suas confrontações. O autor da ação
reivindicatória deve, ainda, demonstrar que a coisa reivindicada esteja na posse injusta
do réu”.
2.5 Proprietário e o terceiro possuidor
O terceiro possuidor não pode impedir a ação de demarcação, mas possui
direitos que podem dificultá-la. A este respeito, Theodoro Júnior (2009, p. 216) afirma
que “embora não possa o terceiro possuidor impedir a discussão dominial entre os
verdadeiros donos, pode, todavia, opor embaraços sérios a realização dos trabalhos
técnicos da demarcação” mais não o fim da ação. Em seguida, o autor esclarece que
este fato não extingue a demarcação obrigatoriamente basta para isto que não seja
invadido o território possuído por terceiro nem que este cause impedimentos aos
trabalhos desenvolvidos pelos peritos.
No que diz respeito aos direitos do proprietário e do usufrutuário em relação a
terceiros, Venosa (2011, p. 6) é bem claro. De acordo com o autor eles “podem
reivindicar a coisa de terceiro que dela se aposse”.
Tartuce e Simão (2011, p. 126) citam um exemplo comum deste tipo de situação
que é o caso de uma ação proposta contra um caseiro que ocupa o imóvel em nome de
um invasor. Os autores também ressaltam que o projeto do novo Código de Processo
Civil facilitará questões como esta, já que ele “pretende banir do sistema a nomeação e a
autoria, como forma de intervenção de terceiros”.
Coelho (2010, p. 25) divide a mesma opinião que Venosa e nos esclarece que “o
proprietário pode ser ou não possuidor da coisa que lhe pertence”. Ele continua nos
explicando o que pode ser feito neste caso ou quando o possuidor é ou não dono da
coisa possuída:
Sendo possuidor, pode defender a posse como direito autônomo, inconfundível
com o de propriedade. Do mesmo modo, o possuidor pode ser ou não o dono da coisa
possuída; mesmo não o sendo, pode defender sua posse até mesmo contra o titular da
propriedade; pode, ademais, em certos casos, tornar-se o legítimo proprietário
(Capc. 42).
Fica claro que tanto na visão de Venosa, quanto na de Coelho, que nem sempre o
proprietário do território é quem cuida dele ou seja ele pode ser o proprietário e alugar
para alguém, arrendar e neste caso o inquilino trata-se do possuidor da propriedade. O
proprietário tem plenos poderes sobre sua propriedade mais o possuidor também tem o
direito de defender sua posse e dependendo da situação pode até conseguir passar a
ser o proprietário do território.
2.6 Imprescritibilidade da ação demarcatória
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A imprescritibilidade da ação demarcatória é analisada por Tartuce e Simão
(2011, p. 124). Os autores explicam que existem divergências acerca dos conceitos em
relação a prazos onde a duvida fica acerca de 10 anos para a primeira corrente e 15 anos
defendia pela segunda corrente para ocorrer a imprescritibilidade da ação:
A primeira corrente aponta que a ação reivindicatória está sujeita a prazo
prescricional, diante de seu caráter essencialmente patrimonial. Esse prazo de prescrição
era de 10 anos (entre presentes) e 15 anos (entre ausentes), na vigência do Código Civil
de 1916 (art. 177). Na vigência do atual Código Civil, após 11 de janeiro de 2003, o
prazo é de 10 anos, diante da unificação dos prazos gerais de prescrição que consta do
art. 205 da atual codificação. Pelo que consta do enunciado 14 do CJF/STJ, aprovado
na I Jornada de Direito Civil, o prazo prescricional deve ter início da violação do direito
subjetivo da propriedade, em regra.Mas não é essa a visão que prevalece em nossos
Tribunais, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça, havendo várias decisões
reconhecendo a imprescritibilidade da ação reivindicatória, diante do seu caráter
essencialmente declaratório.
Theodoro Júnior (2009, p. 194) levanta algumas situações em que não cabe a
ação demarcatória. Segundo ele, quando o pedido envolve prédios que não são
contíguos ou divididos por limites naturais, como por exemplos estradas e rios, a ação
de demarcação não é possível juridicamente. Outra situação por ele relatada é quando já
existem limites fixados como, por exemplo, uma cerca. Neste caso a competência é da
ação de reivindicação e não da demarcatória (THEODORO, 2009, p. 200).Mais adiante
na pagina 205 o autor ressalta que existe um caso que pode resultar na perca do
direito de demarcar: “o usucapião de forma obliqua, fará extinguir o direito de
reclamar a demarcação para o que permaneceu inerte durante o lapso de tempo
necessário a consolidação do domínio daquele que fixou as divisas, e manteve,
continuamente, posse mansa e pacífica conforme ela”. Resumidamente o autor declara a
este respeito (2009, p.228) que a usucapião não cabe pretensão de demarcar, pois ele
tornou os limites certos.
Em resumo, o conceito de imprescritibilidade da ação de demarcação não possui
um consenso. Os autores seguem diferentes correntes a cerca destes conceitos. O que
para uns seria imprescritível para outros é aceitável. Conclui-se que de acordo com a
linha de pensamento a qual o juiz é adepto no que diz respeita estes conceitos ele
julgara se a ação demarcatória é ou não imprescritível.
2.7 Objetivos da demarcação
A demarcação tem como principal objetivo definir limites apagados ou que estão
em posse errôneas. Segundo o Cód. Proc. Civil, art.946, nº 1 a ação de demarcação tem
como objetivo “obrigar o seu confinante a extremar os respectivos prédios, fixando -se
novos limites entre eles ou aviventando-se os já apagados”.
Na definição de Gonçalves (2010, p. 305), a ação demarcatória tem por fim
“Precisar os contornos e limites que separam dois imóveis lindeiros. É por meio
dela que se vai conhecer a extensão da propriedade de cada um dos vizinhos”.
70
Com uma definição mais ampla Manzo (1998, p. 10) conceitua o objetivo da
ação demarcatória afirmando que o autor almeja a definição e demarcação exata dos
limites de sua propriedade com as demais propriedades sendo assim necessário
nomear os demais confinantes afim do limite ser estabelecido:
Na ação demarcatória, ao autor compete demonstrar o “jus in re” objetivando a
demarcação ou sejam aviventados e assinalados os exatos limites das divisas de
imóvel de sua propriedade, fornecendo as características naturais e distintivos, devendo
o pedido ser instruído com os títulos da propriedade, descrevendo os limites por
constituir, renovar ou aviventar, nomear todos os confinantes da linha a ser chamada.
Para Theodoro Júnior (2009, p. 216), o objetivo desta ação possui duas
preocupações: primeiramente adaptar no terreno os limites do prédio seja “de forma
originaria, quando ainda nunca foram assinalados, quer de forma superveniente, quando
antes já haviam sido assinalados, mas os marcos desapareceram” estabelecendo
assim novos limites ou aviventando os antigos. A segunda preocupação do objetivo
da demarcação seria a providencia de restituir os terrenos que estiverem de forma
ilegal ocupado por alheios.
3. ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO DE DEMARCAÇÃO
3.1 Legitimidades
De acordo com cada situação a legitimidade possuirá uma denominação
específica.
Para Donizetti (2011, p. 1289) e Marcato (2005, p.190), a legitimidade de propor
a ação cabe ao proprietário e não ao possuidor. A este respeito, em contraponto
Hamilton de Moraes e Barros citados por Marcato (2005, p. 190) entendem que
“pode ser também legitimado o promitente comprador, estando o compromisso
registrado no Registro Imobiliário (Decreto lei nº 58/37, arts. 5º e 22, e Lei 6.766/79,
art. 25), pois ele é titular, nesse caso, de direito real de aquisição”. Já para Dias (2005,
p. 7) a legitimidade depende da distinção entre o proprietário pleno e o proprietário
limitado. O autor classifica a legitimidade em quatro categorias: legitimidade do
espólio, legitimidade do possuidor, legitimidade passiva e legitimidade ativa.
Na legitimidade ativa, Dias (2005, p. 7) afirma que existem dois tipos de
proprietário: o pleno e o limitado. Este último inclui o nu-proprietário, usufrutuário e
co-proprietário. O autor ressalta que todos eles têm legitimidade para propor uma ação
de demarcação. Theodoro Júnior (2009, p. 218) esclarece que a propriedade plena é
quando “os seus atributos ou faculdades elementares se acham reunidos em torno
de uma só pessoa, que, então, se apresenta como o proprietário pleno ou exclusivo (o
único dono)”.
Na legitimidade do espólio, Dias (2005, p. 8) defende que “espólio é a
universidade patrimonial deixada pelo “de cujos” enquanto não ultimada a partilha
71
entre os herdeiros e sucessores.” Sobre esta legitimidade o CPC em seu art. 12, IX
preconiza que a representação do espólio se da pelo inventariante.
Theodoro Júnior (2009, p. 221) concorda com esta definição e complementa
afirmando que “não é o espólio uma pessoa jurídica, mas apresenta-se como massa
necessária, dotada de representação e capacidade de agir em juízo, ativa e passivamente,
como se pessoa fosse”.
Na legitimidade do possuidor, Dias (2005, p. 8) salienta que a demarcação de
posse não é especifica para proprietários mais sim de possuidores que querem definir
suas posses.
Questões desta natureza têm resolução via judicial mais não cabe a ação
demarcatória mais sim a ação possessória. A este respeito Dias afirma que: os
possuidores têm ação de demarcação de posse. Assim, percebe-se que a disputa de
limites não é privilégio dos proprietários, pois podem perfeitamente dois possuidores
vizinhos se deparar com a necessidade de demarcar as suas posses.
Trata-se de questão possessória que deve ser solucionada em juízo como tal.
Este conceito a cerca da legitimidade do possuidor também é defendido por
Theodoro Júnior (2009, p. 222) e o autor nos esclarece que neste caso o que está sendo
demarcado é a posse, por isso o possuidor pode reivindicá-la. Se fosse uma questão de
demarcação de domínio, somente os proprietários teriam direito a solicitá-la.
Por fim temos a legitimidade passiva. De acordo com Dias (2005, p. 8),é
necessário que os proprietários sejam citados na ação para que ambos tenham obrigação
de seguir o que o juiz definir. Se somente o possuidor for citado no processo quando o
proprietário retomar os bens ele não serão brigado a seguir o que o juiz estipulou. Para
evitar este tipo de problema Dias nos previne que: sempre que o promovente de uma
ação demarcatória encontrar uma situação difícil de posse e domínio na área vizinha a
linha demarcada, propugna a doutrina que seja requerida a citação tanto do possuidor
em nome próprio como o titular do domínio que figura no registro de imóveis. Só assim
a sentença prevalecera perante todos os possíveis interessados.
Portanto, é importante, quando houver casos de posses nas propriedades
vizinhas, que sejam citados além dos possuidores também os proprietários dessas terras.
Desta forma a sentença pronunciada pelo juiz será obrigatória a todos os presentes
evitando que futuramente ocorram novos conflitos ou ações de demarcação nesses
mesmos limites.
3.2 Litisconsórcio
Na literatura jurídica, existem diversas categorias de litisconsórcio. Por um lado,
Donizetti (2011, p. 1290) nos fala sobre o litisconsórcio ativo e passivo. No primeiro
caso, ele defende o direito do comprador propor a ação, bastando para isso citar os
demais condôminos.
72
No segundo caso, o legitimado é o proprietário ou possuidor. A este respeito o
art.950 do CPC prevê que a inicial tem que mencionar todos os confinantes da área
demarcada já que todos estarão envolvidos de forma direta na ação de demarcação.
Cumulação da demarcatória com outras ações. Marcato (2005, p. 191) complementa,
afirmando que no art. 10 e §1º, I do CPC está previsto que no caso do autor da ação ser
casado o mesmo deverá obter a autorização do cônjuge, o autor esclarece que na ação
deve conter também a citação do cônjuge do réu casado.
Por outro lado, Dias (2005, p. 8) aborda dois outros tipos de litisconsórcio:
necessário e facultativo. No primeiro caso, ele explica que, quando a terra a ser
demarcada envolve mais de um legitimado, todos os possíveis deverão ser citados. Já o
facultativo é destinado para aqueles que possuem direitos secundários. O autor ressalta
que: o credor hipotecário e o promitente comprador que são titulares de direitos
secundários sobre a coisa podem intervir no processo na qualidade de litisconsórcios
facultativos ou como assistentes litisconsorciais, já que sua presença jamais será a
condição de eficácia da sentença.
A este respeito Theodoro Júnior (2009, p. 227) previne que quando se trata de
litisconsórcio passivo para uma ação de demarcação cujos proprietários são um casal “o
autor não precisa demandar em conjunto com sua mulher; basta obter sua autorização”.
No segundo caso, Dias (2005, p.8) relata o fato em que o proprietário entra com
uma ação contra vários vizinhos na intenção de demarcar seu imóvel de vários outros.
Com outras palavras, Theodoro Júnior conceitua afirmando que o proprietário “pede a
assinalação de uma linha que delimita sua propriedade de varias outras glebas”.
Gonçalves (2010, p. 301) nos traz uma nova definição de litisconsórcio: o
necessário ativo. Este diz respeito aqueles casos onde os limites a serem demarcados
envolvem vários proprietários. Neste caso, todos os confrontantes sofrerão efeitos da
sentença sendo preciso todos serem citados já que a sentença atingira a todos:
Se o imóvel estiver em condomínio, conquanto qualquer dos condôminos possa
ajuizar a ação demarcatória, todos os demais haverão de ser citados, para integrar o polo
ativo, porque todos sofrerão os efeitos da sentença. Serão todos litisconsortes
necessários ativos.
O autor também explica que na ação de demarcação a sentença deve ser a
mesma para os proprietários, ou seja,quando o imóvel possuir mais de um dono.
Por fim, Santos (2007, p.84) aborda a legitimidade do comprador, porém neste
caso é preciso que este tenha um contrato registrado e uma clausula especificando que
ele não pode se arrepender. Esta situação especifica é definida pelo autor como
litisconsorte necessário unitário: segundo Santos isso pode ocorrer quando: também tem
legitimidade para a ação o promitente-comprador quando, no contrato de promessa de
venda devidamente registrado, não existir cláusula de arrependimento, sendo certo
que, se, ao contrário, a demarcação for por pouco requerida, deverá ele também ser
citado como litisconsorte necessário unitário.
A legitimidade para propor uma ação de demarcação cabe a vários autores. Um
em especial chama a atenção: o comprador do imóvel. Este nem é proprietário ainda,
73
mas se seguir os requisitos tratados por Santos , poderá também solicitar a demarcação
de sua futura propriedade.
3.3 Cumulação da demarcatória com outras ações
A ação de demarcação pode cumular com outras ações. Dias (2005, p. 9)
enumera três tipos de cumulação possível na ação de demarcação: cumulação com a
ação de divisão, cumulação com a ação possessória e cumulação com a queixa de
esbulho. Já Gonçalves (2010, p.297) primeiro qualifica a ação demarcatória como
simples e qualificada. No primeiro caso, ele nos explica que se tratado simples pedido
de delimitação dos imóveis. Já no segundo caso a ação pode ter uma cumulação de
acordo com o pedido. O autor também relata que é comum ocorrer a cumulação quando
se exige a reintegração de posse ou reivindicação.
A ação demarcatória pode ser simples, quando formulada apenas o pedido de
delimitação dos imóveis confinantes, ou qualificada, quando se postular cumuladamente
a reintegração de posse, ou a reivindicatória. É muito comum que haja tal cumulação,
porque, em decorrência da indistinção de limites, um dos confiantes pode estar
ocupando terreno alheio.
A cumulação com a ação e divisão é frequente, já que a decisão da primeira é a
continuação da segunda. Manzo (1998, p. 9) explica que esta cumulação é possível e
totalmente legal. Segundo ele, primeiro acontece à ação de demarcação e em seguida
a de divisão. O autor ressalta que “É lícita a cumulação destas ações, devendo se
processar primeiro a demarcação total ou parcial da coisa comum, fazendo-se a citação
dos confinantes e condôminos, feito isto, os confinantes serão considerados terceiros no
processo divisório”.
Para Theodoro Júnior (2009, p. 229), a cumulação é apenas sucessiva, já que
primeiro precisa-se resolver as questões dos limites para depois passar para a ação de
divisão: “o cúmulo previsto em lei é apenas sucessivo. Primeiro resolve-se a questão da
demarcação, para depois passar-se ao trabalho divisório”.
Existe entre os autores um debate acerca da cumulação da ação demarcatória
com a ação reivindicatória. Theodoro Júnior (2009, p. 320) apresenta seu ponto de vista
em relação à cumulação destas ações, alegando que se o autor não conhece os limites do
terreno primeiramente ele precisa demarcá-lo para só depois reivindicá-lo, sendo desta
forma até mesmo lógico a cumulação dos pedidos.
Se o autor não consegue definir, de plano, os limites do terreno com a necessária
precisão, não está em condições de reivindicar, desde logo, sua restituição. Mas, se pede
primeiro a demarcação, que há de redundar na caracterização e discriminação da área a
recuperar, não há nada, de ordem lógica ou jurídica, que em tese possa impedir
esse cumulo sucessivo de pretensões conexas e consequenciais.
A ação demarcatória pode também ser cumulada com a ação possessória.
Segundo Theodoro Júnior (2009, p.233) esta cumulação não possui nenhuma vantagem
74
já que “não tem sentido pretender-se num só feito a substância do direito (domínio) e
sua mera aparência (a posse)”. O autor também expõe uma situação que torna visível
a não necessidade de cumulação das ações:
Se o autor da demarcatória pretende manter-se na posse, que já tem após a
demarcação, ou pretende recuperar a posse sobre área usurpada pelo réu, em nenhuma
das duas hipóteses terá necessidade de cumular o pedido possessório ao
demarcatório, porque é força natural do juízo de demarcação atribuir a posse a quem de
direito sobre os terrenos discriminados.
A cumulação com queixa de esbulho já foi levantada por Dias. Alguns autores
não concordam com esta possibilidade. Segundo Morato, apud Theodoro Júnior (2009,
p. 235) esta cumulação não é possível quando se trata de tentar reaver ou reivindicar
propriedades invadidas pelo vizinho. Segundo o autor, a própria ação de demarcação já
se encarrega de resolver este tipo de conflito: “por sua própria natureza, a demarcatória,
ao fixar os limites antes confusos entre os dois prédios contíguos, transmitem ao
verdadeiro dono o direito de alcançar a posse dos terrenos que, pela confusão, estavam
no poder indevido do confinante”.
Na própria ação de demarcação na hora da sentença, poderá o esbulhador ser
punido, não precisando desta forma a cumulação das ações. Segundo Theodoro Júnior
(2009, p. 238).
É na sentença, proferida na fase dita contenciosa do procedimento demarcatório
que se incluirá a solução de esbulho atribuído a um dos confinantes. Este julgado, se
reconhecer comprovada a violação da posse, além de julgar procedente o pedido de
demarcação e define a linha de limites, condenará o esbulhador aos consectários de sua
posse de má-fé, ou seja, impor-lhe à, conforme o pedido, restituição de frutos e
rendimentos, e o ressarcimento de danos, ocorridos desde a época do esbulho ou
turbação.
Nas ações onde ocorrera a cumulação da ação de demarcação com a ação de
queixa de esbulho quando for pronunciada a sentença da primeira fase será incluída
a solução para o pedido de queixa de esbulho também. Se for comprovada a posse
indevida, o juiz determinará os limites solicitados pela ação de demarcação e condenara
o esbulhador a restituir todos os danos conforme previsto nas ações desta natureza.
3.4 Primeira fase
A primeira fase da ação demarcatória de terras particulares está prevista nos arts
950 a 958 do CPC. Segundo Donizetti (2011, p. 291) A primeira fase do procedimento
inicia-se com o ajuizamento da ação, com os requisitos dos arts. 282 e 950. Esta fase é
denominada por Dias (2005, p.10) de fase contenciosa.
O procedimento começa pela elaboração da petição inicial. Esta etapa é muito
importante, pois o início do processo começa nela. A este respeito Theodoro Júnior
(2009, p. 262) afirma que a “petição inicial, como é da sistemática de nosso direito
processual, assume posição de peça fundamental e mestra de todo o processo. Sem ela a
75
relação processual não se inicia e é nos limites por ela definidos que a função
jurisdicional, de ordinário, será exercida”.
Já Donizetti (2011, p. 1290) nos orienta sobre as informações que deve conter na
petição inicial ou simplesmente a inicial como por ele é definida esta etapa: “a inicial
deverá ser instruída com os títulos da propriedade e designará o imóvel pela situação e
denominação.
Deve-se descrever, ainda, os limites por constituir, aviventar ou renovar, bem
como a que se nomear todos os confinantes da linha demarcada. ”Algumas exceções em
relação à entrega de algumas dessas informações. Segundo Dias (2005, p.10): quando se
tratar de posse, o Juiz não deve exigir que o promovente exiba qualquer título de
domínio, pois o fundamento da ação é a posse, e, não, a propriedade. Há casos, também,
em que o proprietário já detém do domínio, mais ainda não dispõe do título para instruir
a petição, como é o caso da usucapião.
O autor também levanta cinco informações fundamentais que devem constar na
petição inicial. São elas: títulos de propriedade, descrição do imóvel a demarcar,
descrição dos limites a demarcar, nomeação dos confrontantes e o valor da causa
(DIAS, 2005, p. 11).
Completando o conceito de Dias, Theodoro Júnior (2009, p. 263) afirma que
dentro dessas informações devem estar o objeto do pedido, o porque de pedir e a
pessoa obrigada a submeter-se ao pedido. O autor também explica que o objeto é
“aquilo que se espera da prestação jurisdicional: o traçado da linha de divisa entre os
prédios limítrofes, que o autor apontará ao juiz para discuti-la com o réu”. Mais
adiante na página 265 Theodoro Júnior ressalta que é importante o imóvel está bem
definido através de denominação e numeração.
Uma observação importante é feita por Gonçalves (2010, p.304) em relação à
descrição do imóvel a ser demarcado: “é preciso que o autor esclareça, na inicial, a
razão pela qual a demarcação se faz necessária, se para fixar os limites, renová-los ou
aviventá-los”.
Theodoro (2009, p.265) também concorda com esta observação e divide a
mesma opinião transmitida através de um conceito mais simples: “realmente, sendo fim
do processo a assinação material de uma linha de divisa entre dois prédios, é necessário
que o autor indique qual é alinha que pretende seja traçada materialmente”.
No que diz respeito ao pedido de nomeação dos confrontantes, vários fatores
devem ser levados em conta. Theodoro Júnior (2009, p. 268) ressalta que todos os
confrontantes devem ser nomeados ainda na petição inicial já que segundo ele, eles são
os sujeitos passivos da ação. O autor esclarece que deverão ser citados somente os
confrontantes que fazem fronteira com a linha que está como pedido de demarcação e
deverá conter também nomes, além de “dados necessários a sua qualificação e
identificação, como a profissão, o estado civil e o endereço”. Somente com essas
informações é que a citação se tornará possível segundo Theodoro. Mais adiante na
página 272,o autor fala da importância do pedido de citação, já que, de acordo com ele,
é através dela que o réu passa a fazer parte da ação cabendo lhe a partir deste momento
o ônus e deveres em relação a coisa julgada.
76
No que diz respeito á citação dos confrontantes, Dias (2005, p. 11) ressalta que
seu principal objetivo é “acompanhar a operação de assinalação da linha demarcada e
suportar proporcionalmente os gastos do processo”.
Em relação á ação que consta também queixa de esbulho, Donizetti (2011, p.
1290) sublinha que “O autor pode requerer a demarcação de queixa com esbulho
ou turbação, formulando também o pedido de restituição do terreno invadido com os
rendimentos que deu ou a indenização dos danos pela usurpação verificada (art. 951)”.
Já Theodoro Júnior (2209, p. 270) afirma que quando ocorrer esta cumulação
deverá constar na petição que o condenado deverá devolver a propriedade usurpada
seguidos de indenização ou rendimentos. O autor também especifica quais outras
informações a petição deverá conter: “a) em que consistiu o esbulho; b) qual a área
invadida e sua localização; c) a época do esbulho; d) quais os frutos ou rendimentos a
repor; ou quais os danos a ressarcir”.
No que diz respeito ao prazo para a contestação do réu, Donizetti (2011, p.
1290) e Theodoro Júnior(2010, p. 196) preconizam da mesma forma: os réus têm um
prazo de 20 dias para apresentarem resposta. Gonçalves (2010, p. 307) também
concorda com este prazo mais ressalta que ele é válido para todos os réus e que.
O prazo de vinte dias vale não apenas para a apresentação da contestação , mas
de todas as formas de respostas possíveis na ação demarcatória, como as exceções de
incompetência, impedimento e suspeição (a reconvenção não cabe por força da
natureza dúplice da ação).
Entendemos que o réu da demarcatória tem a possibilidade de contestar ou
excepcionar no prazo estabelecido pelo art. 954, onde lemos: “feitas as citações, terão os
réus o prazo comum de 20 dias para contestar”.
De acordo com Theodoro Júnior (2009, p. 279), entende-se por contestação “a
forma processual de se opor ao pedido do autor, tanto no mérito, como em matéria
preliminar”. Os contestantes possuem o direito de se defenderem alegando o que
consideram ser o verdadeiro.
De acordo com Marcato (2005, p. 197), podem se defender apresentando como
argumentação ilegitimidade da ação por já existirem limites demarcados, que os
imóveis não possuem limites em comum ou ainda que os limites alegados pelo
réu não estão de acordo com a realidade.
Em sua defesa, poderão os réus, além de arguirem qualquer das matérias
indicadas no art. 301 (v. g, carência de ação por ilegitimidade de parte ativa, já que
o autor não é proprietário do imóvel), também alegarem que os imóveis não são
contíguos, ou que os limites descritos na petição inicial não correspondem à realidade.
Theodoro Júnior (2010, p. 187) aponta também os diretos que o contestante tem
de alegação. Além dos argumentos afirmados por Marcato, Theodoro complementa
explicando que o contestante pode se defender alegando a seu favor o usucapião,
inexistência de comunhão ou indivisibilidade do imóvel.
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Incluir, na matéria a decidir, questões como inexistência do domínio do autor,
inocorrência de contiguidade entre os prédios, ilegitimidade da linha perimétrica
pretendida pelo autor, desnecessidade da demarcação por já existirem limites certos
entre os prédios, usucapião em seu favor, inexistência de comunhão, indivisibilidade do
imóvel.
Caso o réu não apresente contestação no prazo legal ocorre a revelia. Segundo
Theodoro Júnior (2009, p. 278), a revelia faz-se entender que os fatos são verdadeiros,
porém não quer dizer que o juiz deva decidir e estipular a demarcação sem antes
verificar as linhas demarcadas pretendidas.
A inércia do demandado, que deixa de contestar a ação de demarcação, não
conduz o juiz a aceitar, necessariamente, como verdadeira a linha indicada na petição
inicial para estabelecer a divisa entre os dois prédios contíguos. Mesmo quando
inexiste contestação, o magistrado ordenará que se realize a prova pericial para
levantar o traçado da linha demarcada (CPC, art. 956).
Para a apresentação da sentença em favor da demarcação é necessário, antes que
haja a realização de uma perícia. Segundo Donizetti (2011, p.1291), o juiz deverá exigir
uma perícia para levantamento da linha a ser demarcada antes de proferir a
sentença da primeira fase.
Quanto aos profissionais responsáveis pela perícia, Dias (2005, p. 12) explica
que o juiz nomeará um agrimensor e dois arbitradores para fazerem a mesma, de acordo
com o art. 956.
Ainda, segundo ele, as partes envolvidas no processo têm direito a “formular
quesitos e apresentar assistentes técnicos”.
De acordo com Theodoro Júnior (2009, p.289), o agrimensor deverá ser
“legalmente habilitado para o exercício da profissão, conforme registro no Conselho
Regional de Engenharia e arquitetura”.
Quanto ao trabalho a ser efetuado pelos arbitradores e pelo agrimensor, Marcato
(2005, p. 197 ) e Gonçalves (2010, p. 308) apresentam a real finalidade dos
mesmos. Eles afirmam que caberá a esses profissionais levantarem e apresentarem o
traçado da linha, que deverá estar definido para que o juiz possa proferir sua sentença.
Em relação aos trabalhos técnicos feitos pelo agrimensor Theodoro Júnior (2009, p.
294) explica como este profissional chega a uma conclusão sobre os traçados:
O trabalho pericial do agrimensor será traduzido na planta e no memorial
descritivo.
Para chegar a esse estágio, o agrimensor terá de levar em consideração o que
deliberaram ou sugeriram os arbitradores, pois a sua tarefa consiste em transformar em
dados concretos palpáveis os elementos definidores do traçado da linha
demarcada, que lhe foram transmitidos pelos outros expertos.
78
Em resumo, primeiramente o agrimensor vai a campo para colher as
informações necessárias como medidas, por exemplo, a fim de desenhar as divisas
litigiosas. De acordo com Theodoro Júnior (2009, p. 296) todo o trabalho do
agrimensor “fica registrado em três tipos de documentos: a planta, o memorial
descritivo e as cadernetas de campo”. Portanto na primeira fase o trabalho do
agrimensor fica somente no papel. A parte física onde se coloca o marcos no território
fica para a segunda fase. É preciso então um trabalho em equipe do agrimensor com os
árbitros para que o resultado final seja satisfatório e justo. Marcato(2005, p. 197)
detalha a importância dos procedimentos a serem adotados para a realização da
perícia, afirmando que esta é indispensável e que os profissionais devem ser
basear nos documentos fornecidos das propriedades assim como depoimentos de
vizinhos.
Indispensável a perícia visando ao levantamento da área demarcada (art. 956);
concluídos os estudos, os arbitradores apresentarão minucioso laudo sobre o traçado da
linha demarcanda, tendo sempre em conta os títulos, marcos, rumos, a fama da
vizinhança, as informações de antigos moradores do lugar e demais elementos
pertinentes (art. 957).
Somente após a entrega dos laudos dos arbitradores é que o juiz poderá tomar
sua decisão final. Segundo Theodoro Júnior (2009, p. 293) é neste documento que os
arbitradores “darão resposta aos quesitos das partes e do juiz, se houver, e emitirão seu
parecer sobre o traçado da linha demarcada segundo o estudo feito sobre os
elementos de convicção que puderam coligir e manusear”.
Theodoro Júnior (2010, p. 188) ressalta que na ação demarcatória “a revelia é de
pequena consequência, porque, mesmo sem contestação, o juiz terá de promover a
prova pericial”.
Em relação à prova, Dias (2005, p. 12) acredita que esta é “indispensável,
cuja inobservância acarreta a nulidade da sentença”. Gonçalves (2010, p. 308) é da
mesma opinião quando se trata da importância da perícia. Ele afirma que “sem a
colaboração deles o juiz não terá condições de estabelecer, com precisão, os limites
dos imóveis. Mesmo que não tenha havido contestação eles são indispensáveis”.
Segundo Theodoro Júnior (2009, p. 286), a perícia é extremamente importante,
já que segundo ele o “juiz não pode ordenar atos inúteis nem satisfazer a meros
caprichos da parte”.
Porém, existe uma exceção na qual pode ser dispensada a perícia e proferir uma
sentença. De acordo com Theodoro Júnior (2009, p. 288), este fato ocorre quando a
petição inicial já tenha apresentado um trabalho técnico de descrição do traçado da
linha, segundo os padrões da agrimensura, com especificação em planta e memorial. É
que aí diante de acordo dos interessados, o juiz já terá elementos para proferir a
sentença nos termos exigidos pelo art. 958 do Código de Processo Civil.
Antes do juiz proferir a sentença, as partes serão intimidas para conhecerem
a conclusão da perícia. Theodoro (2009, p. 300) esclarece que nesta fase as partes
podem “apresentar alegações e impugnações ou pedidos de esclarecimento”. Não
havendo impugnação, o juiz pode proferir a sentença. Quando há impugnação,
79
Theodoro Júnior explica que o juiz primeiro julga ser razoável ou não a impugnação.
Caso o juiz ache razoável os arbitradores são convocados a prestar esclarecimentos. O
autor ressalta que: depois dos esclarecimentos técnicos, abrirá prazo para os demais
litigantes também se pronunciem sobre a possível retificação. A decisão autorizativa da
mudança nos trabalhos técnicos só virá, portanto, após observância do contraditório.
Se a impugnação for sem maior fundamentação, o juiz a rejeitará de plano. Não
havendo impugnação, o juiz poderá de imediato julgar o pedido, nos termos do art. 958
do Código de Processo Civil.
Theodoro Júnior (2009, p. 303) ressalta que “a sentença favorável é a que
acolhe o pedido do promovente, quer com base na perícia, quer com apoio em acordo
havido entre os interessados a respeito do traçado da linha de
demarcação”.Complementando Marcato (2005, p. 197) relata os passos a serem
tomados pelo juiz para o pronunciamento da sentença.
Verificando ele, com base nas provas produzidas, especialmente a pericial,
inexistirem limites para constituir, aviventar ou renovar, rejeitará totalmente o pedido
demarcatório.
Todavia, sendo acolhida a pretensão deduzida pelo autor, a sentença de
procedência determinará o traçado da linha demarcada (art.958) e decidirá a respeito da
restituição do terreno invadido, mais os rendimentos dele colhidos pelo réu, ou da
indenização dos danos ocasionados pela usurpação (v , supra, nº102).
De acordo com Theodoro Júnior (2009, p. 287), uma vez pronto o laudo dos
peritos e que todos concordam com o que foi estabelecido, o juiz já estará liberado
para proferir a sentença de encerramento da primeira fase do procedimento
demarcatório.
Donizetti (2011, p. 1289) explica que uma vez “esgotada a fase instrutória, o juiz
profere sentença, pondo fim a primeira fase, se procedente; e encerrando o processo
se improcedente a pretensão de demarcar”. O autor também nos esclarece que pode
haver apelação da sentença previsto no art. 520 caput. Dias (2005, p. 13) ressalta que: a
primeira sentença (a do art.958), deve solucionar todas as dúvidas sobre o traçado da
linha demarcada, tornando-se impossível discutir-se sobre ele após o trânsito em
julgado da decisão. O que sobra para a fase executiva é apenas a marcação material da
linha sobre o terreno, ou seja, a efetiva colocação dos marcos sobre o solo, situação
essa regulada por uma sentença de natureza eminentemente homologatória (CPC,
art.960.).
No caso da sentença ser negativa, Theodoro Júnior (2009, p. 303) considera a
extinção do processo, para ele isto ocorre “quando faltam pressupostos ou condições
da ação, ou quando o pedido, no mérito, é improcedente”.
Por fim no que diz respeito à coisa julgada, Theodoro (2009, p. 305) esclarece
que alinha que foi estabelecida pela sentença da primeira fase não pode mais ser
alterada quando na segunda fase ela for implantada no solo e muito menos ser motivo
de conflito novamente em outra ação de demarcação.
80
As linhas de demarcação, no entanto, uma vez transitada em julgado a decisão
que encerrou a primeira fase do procedimento, tornando-se imutáveis e indiscutíveis, de
sorte que os trabalhos técnicos da segunda fase não poderão afetar o seu traçado,
nem se tolerará que em outro processo venha a ser ele objeto de nova polêmica
judicial.
Concluindo quanto à sentença Gonçalves (2010, p.308), informa que se esta “for
de procedência, terá início a segunda fase, no qual o juiz determinará, com a
participação de técnicos, as operações essenciais para efetivá-las”.
3.5 Segunda fase
A segunda fase, também denominada fase executiva, divide opiniões de alguns
autores. Para alguns, como Donizetti (2011, p. 1291), esta fase chama-se executiva. Já
para Theodoro Júnior (2010, p. 188) esta denominação é inadequada já que a primeira
fase não condenou ninguém só se definiu os limites corretos no papel através de pericia
e que agora nesta fase serão demarcados do território pela mesma equipe que fez a
pericia da primeira fase.
Na verdade não se trata de executar a sentença da primeira, que nem sequer tem
a natureza condenatória, mas apenas a declaratória, positiva ou negativa, conforme
reconheça ou não, o direito de demarcar.
Com outras palavras, em uma explicação mais simples Dias (2005, p. 13)
explica que esta fase não pode ser chamada de executiva, já que “a segunda fase do
procedimento demarcatório não configura outro processo que executa a sentença da
primeira etapa da demarcação”. O autor conclui afirmando que não se pode
primeiramente ter uma condenação e em seguida uma execução. Donizetti (2011, p.
1289) também concorda que esta fase é uma continuação da primeira, caso não ocorra
nova citação. Adotando o mesmo ponto de vista Lopes (1963) apud Theodoro Júnior
(2010, p. 187) ressalta que: embora dividido em duas fases, tal como se dá nas ações de
prestações de contas é uno, pois o pedido que o provoca “é um só”, o de assinalar no
terreno os limites ou de fixar materialmente os quinhões certos de cada condômino. Há,
então, “um só processo”, com duas sentenças, ambas de mérito: a) a primeira sobre o
fundamento do pedido; b) a segunda, da mesma natureza; julgando a demarcação.
Donizetti (2011, p. 1291) ainda nos esclarece que “na segunda fase procede-se a
execução material da demarcação, com a colocação dos marcos necessários (art.
959), realização de trabalho de campo (art. 960), elaboração de plantas (art. 961)
e memorial descritivo (art. 962)”. Gonçalves (2010, p. 309) nos explica com mais
detalhes sobre os procedimentos que se seguem na execução material da demarcação:
Colocados os marcos, a linha demarcatória será percorrida pelos arbitradores,
que farão um relatório escrito, do qual consta a exatidão do memorial e da planta
apresentados pelo agrimensor, ou as divergências encontradas. Apresentado o
relatório, o juiz determinará que as partes se manifestem no prazo de dez dias. Se
houver correções ou retificações a fazer, ele as determinará. Em seguida, lavrar-se-á um
auto de demarcação em que os limites demarcados serão minuciosamente descritos de
81
acordo com o memorial e a planta (CPC, art. 965). Esse auto será assinado pelo juiz,
arbitradores e agrimensor.
Quanto ao trabalho do agrimensor nesta segunda fase do procedimento,
normalmente se encerra com a entrega das ferramentas utilizadas em juízo. Para
Theodoro Júnior (2009, p. 314) o agrimensor “não está isento, porém, de ter de voltar a
sua atividade se, por exemplo, o juiz acolher reclamação de interessado ou sugestão de
arbitrador, no sentido de modificar marcos irregularmente colocados”.
Uma vez terminada a demarcação, o juiz dará a sentença homologatória final
dando fim a segunda fase da ação. Dias (2005, p. 14) esclarece que esta sentença é
homologatória, porque“ seu conteúdo principal não é ditado pelo juiz no ato de decidir,
mas é tomado de empréstimo ao trabalho dos peritos sintetizado no auto de
demarcação.” Em relação a este procedimento Donizetti(2011, p. 1291) afirma que:
concluída a demarcação, lavra-se o respectivo auto (art. 965), proferindo o juiz
sentença homologatória da demarcação (art. 966), que põe fim a segunda fase do
procedimento. Contra essa sentença cabe o recurso de apelação, cujo recebimento se dá
no efeito apenas devolutivo (art. 520, I).
O autor ainda nos esclarece que desta sentença homologatória o único recurso
possível é o de apelação. De maneira resumida, Theodoro (2009, p. 324), apresenta uma
síntese da natureza e conteúdo da sentença, afirmando que uma vez esta pronunciada
fica decidido os limites corretos do território não cabendo mais conflitos acerca dos
mesmos.
O traçado da linha já foi definido pela primitiva sentença, proferida na fase dita
“contenciosa” do procedimento de demarcação. Na segunda fase (fase executiva),
apenas se procedeu a materialização da linha no solo. E a sentença que encerra esta fase
e, com ela, todo o procedimento demarcatório, tem a força de declarar, judicialmente,
que a linha assentada no terreno é a que, efetivamente, corresponde aos limites dos
imóveis contíguos.
Conclui-se que uma vez a sentença pronunciada não pode mais esses limites
serem discutidos ou alvos de nova ação de demarcação. A segunda fase é denominada
executiva por ter esse caráter de mandar fixar os limites no território e dar a questão por
encerrada. Não há mais conflitos acerca desses limites.
CONCLUSÃO
A demarcação de terras é um assunto que faz parte do cotidiano do profissional,
pois todo cidadão em um momento determinado de sua vida planeja adquirir uma
propriedade seja ela, urbana ou rural, e com muita frequência gera dúvidas em relação à
linha divisória da mesma surgem, situação que para ser resolvida é necessária a
realização de ação de demarcação. Suas utilizações para resolver dúvidas dos
proprietários é a única solução para esclarecer as desconfianças entre os mesmos. No
entanto, para que uma ação demarcatória seja concluída com sucesso, é necessário que o
profissional responsável pela mesma esteja bem fundamentado teoricamente.
82
Neste trabalho, analisamos documentos de 13 (treze) autores estudiosos desta
temática.
Esses documentos são encontrados em forma impressa e digital e foram
publicados entre os anos de 1988 a 2011. A limitação do corpus a este espaço de tempo
foi devida a atualização das obras com as leis vigentes, no entanto algum retrocesso a
datas anteriores foi necessário apenas para melhor compreensão do assunto. No final
deste trabalho, apontamos as seguintes conclusões para cada parte abordada.
A origem histórica dos conceitos acerca da propriedade é um tema pouco
abordado entre os autores, pois como alguns mesmo explicaram não se tem uma
data definida de quando o homem passou a ter noções de propriedade no seu
cotidiano. A evolução dos conceitos de direito a propriedade possui uma opinião em
total acordo entre a maior parte dos estudiosos analisados: esta em constante evolução
de acordo com as necessidades e mudanças que a sociedade exige. Ao fazer um estudo
histórico no Brasil conclui-se que estas afirmações fazem sentidos, pois desde a época
do império o direito a propriedade é previsto no país e vem passando por mudanças
e adequações a fim de se adaptar as necessidades e transformações dos passar do
ano. A última atualização feita acerca deste conceito foi na constituição de 1988.
O conceito da ação demarcatória é defendido com diferentes visões,sendo umas
mais primárias, tendo como preocupação somente conceituar a ação em si, já
outras visões se aprofundam mais,procurando explicar a origem da ação de demarcação
tomando como ponto inicial conceitos primordiais do direito que justificam esta ação.
Conclui-se que as abordagens que se aprofundam no tema partindo dos conceitos
ligados aos direitos reais até chegar a uma ligação com a ação de demarcação facilitam
a compreensão acerca deste assunto além de proporcionar bases mais sólidas de
conceitos básicos do direito em geral.
Os requisitos para a Ação de Demarcação de Terras Particulares são abordados
igualmente de forma unânime por quase todos os autores no que se referem aos
requisitos, conceitos de limites, a prova e o proprietário. Já em relação à ação de
demarcação e ação de reivindicatória observam-se duas vertentes de pensamentos:
aqueles que defendem a cumulação destas ações e aqueles que defendem que se trata
de procedimentos individuais e, portanto sendo necessárias duas ações diferentes. A
este respeito conclui-se que a cumulação seria possível já que para reivindicar
primeiramente precisam-se estabelecer os limites corretos para só depois reivindicá-los.
Poderia ambos os pedidos correrem uma única ação até mesmo por questões de
agilidade nos trâmites processuais. Em relação ao proprietário e terceiro possuidor
encontramos também divergências de opiniões acerca dos direitos sobre a propriedade.
Uma parte acredita que o único com direito a entrar com ação de demarcação é o
proprietário. Já outra parte defende que o terceiro possuidor tem também direito acerca
da propriedade, porém com certas restrições. A conclusão que se chega nesta questão
é que o terceiro possuidor só terá direito de pedido de ação de demarcação sobre
a propriedade segundo o tipo de conflito existente a cerca da propriedade. Por fim
outra divergência observada foi em relação à imprescritibilidade da ação. O tema é
pouco abordado entre os autores e as opiniões são bem divergentes. Para uma
conclusão acerca desta questão seria necessária uma leitura de mais autores que
abordam este tema no intuito de formar uma opinião concreta acerca deste assunto.
83
Os aspectos processuais abordam em um primeiro momento conceitos
necessários para compreensão do funcionamento da ação. Em relação à legitimidade os
conceitos possuem a mesma essência ocorrendo somente algumas diferentes visões
acerca dos direitos do terceiro possuidor como já foi abordado antes. No litisconsórcio
observamos uma preocupação dos estudiosos em classificá-lo de acordo com
características especificas para cada tipo de conflito. Os direitos do comprador do
imóvel que possui mais de um proprietário a cerca da ação de demarcação é a principal
preocupação dos estudiosos. Aqui se defende que ambos possuem o direito igualmente
o proprietário, porém as obrigações, punições e decisões devem ter o mesmo peso que a
dos proprietários perante o juiz? Em relação à cumulação da ação demarcatória com
outras ações a conclusão permanece a mesma que para a cumulação com reivindicatória
quando se trata de cumulação com ação de divisão e queixa de esbulho já que ambas
precisam inicialmente definir os limites reais e legais. Já em relação à cumulação com
ação possessória entendemos que não há necessidade da mesma já que a demarcação
por si só já determina a posse do proprietário. Por fim o andamento da ação é
apresentado pelos autores. Todos eles fazem a divisão da primeira e segunda fase
do processo. As diferenças encontradas de forma geral é que alguns autores
apresentaram superficialmente as fases enquanto outros não deixaram para traz
nenhum detalhe proporcionando um estudo completo e aprofundado de todas as
fases dos procedimentos um após o outro. Os esquemas e fluxogramas também
foram fundamentais para facilitar a compreensão e ordem que se segue cada
procedimento.
Podemos afirmar, de forma resumida acerca da ação de demarcação, que esta
se caracteriza por duas ações: a primeira ocupa-se da definição da linha divisória e a
segunda a construção de limites na propriedade através de marcos. A primeira fase
aborda inicialmente a postulação que vai da petição inicial passando pela citação dos
confrontantes, a contestação em um prazo de 20 dias e finalizando com a possibilidade
de reconvenção, exceções e ação declaratória incidental. Em seguida vem o julgamento
onde ha duas possibilidades a extinção prematura do processo e o julgamento
antecipado do mérito. Logo após, vem o saneamento, com ou sem contestação o juiz
ordena a realização da prova pericial. Em penúltimo lugar vem à instalação processual
com a participação e um agrimensor e dois arbitradores para produzirem a prova
pericial e por fim vem decisão, haverá audiência e a sentença do juiz solucionara
as questões propostas e a determinação do traçado d alinha conforme a perícia. A
segunda fase também chamada de executiva, onde se iniciam os trabalhos de campo
com a participação do agrimensor e de dois arbitradores. O agrimensor coloca os
marcos no solo, elabora a planta e o memorial descritivo junta a estes documentos
a caderneta de campo e passa aos arbitradores para a confecção do relatório e a fase
termina com a sentença do juiz encerrando a ação de demarcação.
Após o estudo de todos esses autores que abordam diferentes visões acerca
dos conceitos que envolvem as etapas da ação de demarcação, conclui-se que é
fundamental por um lado conhecer bem as questões e problemáticas acerca de
cada conceito afim de poder protocolar uma ação fundamentada conforme as leis
brasileiras e interpretada com visões defendidas por autores renomados. Por outro
lado, um estudo minucioso do conflito apresentado pelo autor se faz necessário para
identificar se cabe ou não a ação de demarcação ou ainda a cumulação com outras ações
resolvendo de forma mais ágil o conflito em questão.
84
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
01. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869 de 11 de Janeiro e 1073.
Institui o Código de Processo Civil.
02. COELHO, Fábio, Ulhoa. Curso de direito civil, volume 4: direito das coisas,
direito autoral. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
03. DIAS, R. D. Demarcação e divisão de terras particulares. Disponível
em URL http://tex.pro.br/tex/listagem-de-artigos/229-artigos/jul-2005/5092demarcação-e-divisao-deter-. Acesso em 13.fev. 2012.
04. DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 15 ed.
São Paulo: Atlas, 2011.
05. GONÇALVES, Marcos.Vinicius.Rios. Novo curso de direito processual
civil, volume 2: processo de conhecimento e procedimentos especiais.6. Ed.
São Paulo: Saraiva, 2010.
06. MANZO, Airosa, Forestie. Divisão, demarcação e tapumes – teoria,
legislação, jurisprudência e pratica. São Paulo: Agá Juris, 1998.
07. MARCATO, Antônio. Carlos. Procedimentos especiais.11 ed. São Paulo:
Atlas, 2005.
08. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil, volume IV:
direitos reais. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
09. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil, volume 3:
procedimentos especiais codificados e da legislação esparsa, jurisdição
contenciosa e jurisdição voluntária. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
10. TARTUCE, Flavio, SIMÃO, José, Fernando. Direito civil, v.4: Direito das
coisas. 3 ed. São Paulo: Método, 2011.
11. THEODORO, Junior. Humberto. Curso De Direito Processual Civil –
Procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
12. THEODORO, Junior. Humberto. Terras particulares: demarcação, divisão,
tapumes. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
13. VENOSA, Silvio, de Salvo. Direito civil: direitos reais. 11. Ed. São Paulo:
Atlas, 2011.
85
REGIME DE BENS NO DIREITO PÁTRIO
Acadêmico Edson Antelo Nogueira
Especialista e Professora Alessandra Gonçalves Heronville da Silva
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo estabelecer um estudo acerca dos
regimes de bens que vigoram no casamento entre os cônjuges. Abordar-se-á conceitos
como família e casamento para que sejam entendidos o porquê do regime de bens
no direito brasileiro, a evolução no direito brasileiro e seus efeitos. O casamento não
poderá subsistir sem um regime de bens que regule as relações patrimoniais dos
cônjuges entre si e com relação a terceiros. Logo, os cônjuges ou contraentes estarão
livres para fazer sua escolha inicial ou até mesmo modificar regime de bens que
vigorará ou já vigora durante o seu casamento, respectivamente; desde que não
sejam obrigados a adotar o regime de separação legal de bens. Todos estes regimes
estão previstos por disposição legal no Novo Código Civil.
Palavras-chave: regimes de bens, cônjuges; família, casamento, pacto
antenupcial.
INTRODUÇÃO
No presente trabalho monográfico de pesquisa bordará o regime de bens no
direito pátrio. A partir de estudo dos autores mais renomados no Direito de Família, fazse um breve histórico a respeito do casamento na humanidade e a influência do direito
romano no Brasil; analisa-se juridicamente os regimes matrimonias de bens, assim
como seus efeitos patrimoniais, e também conceitua-se os requisitos necessários para a
mudança de regime, e quais efeitos dessa alteração. Para o cumprimento desse objetivo,
a presente pesquisa adota método dedutivo, por ser mais adequado quanto à
compreensão gradativa do leitor para concluir o assunto em comento, iniciando a
apresentação com um breve comentário a cerca da primeira união estável ocorrida
na humanidade, assim como a evolução do regime de bens a partir do Direito Romano,
em seguida discorre-se sobre a natureza jurídica do casamento e os princípios
fundamentais que regem o regime de bens.
Logo depois, conceitua-se o regime de bens no Código Civil de 1.916, assim
como as importantes mudanças ocorridas no atual código. Conclui-se com a definição
de cada regime adotado no atual código.
1. NOÇÕES GERAIS SOBRE REGIME DE BENS NO CASAMENTO
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1.1 Breve histórico
1.1.2 Evolução histórica a partir do direito romano
A primeira união originou-se nos primórdios da civilização com a captura da
mulher pelo homem através da força, em que o macho pegava a fêmea pela qual sentia
desejo.
O casamento no direito romano quando não seguia a conuentio in manum, os
patrimônios de cada cônjuge eram tratado de forma diferente, havendo independência
entre os cônjuges. Porém neste regime de separação absoluta de bens foi, desde cedo,
amenizado pela instituição dote (ALVES, 1997, p. 304).
Porém vigorava o princípio da absorção, segundo o qual o patrimônio da mulher
incorporava-se, ao casar-se, ao patrimônio do pater famílias, porque seus bens e a
mulher estavam subordinados a ele. Esse tipo de matrimônio, denominado de
matrimonia cum manu, a esposa ingressa na família do seu marido com seu
patrimônio sendo equiparada à filha.(NADER, 2006).
Havia o dote, que era uma massa patrimonial oferecida pelos pais ou familiares
destinados a cobrir os gastos ordinários da vida conjugal, além dos bens particulares
da mulher que eram levados ao casamento. Este dote no início tinha caráter
definitivo, porém com a evolução da sociedade romana, quando havia a dissolução do
casamento, o marido era obrigado a restituí-lo parcial ou totalmente.
No casamento sine manu, os bens que eram trazidos pela mulher continuavam
sob o domínio e administrados por ela, porém exercidos pelo marido ou por terceiros
(NADER, 2006).
O professor Washington de Barros Monteiro (2004, p. 28) nos explica sobre
o casamento no início em Roma, tais como suas espécies.
Historicamente, o casamento começa a interessar em Roma, onde se achava
perfeitamente organizado. Inicialmente, havia a confarreatio, a coemptio e o usus. A
primeira era o casamento da classe patrícia, correspondendo ao casamento religioso.
Dentre outros traços, caracterizava-se pela oferta aos Deuses de um pão de
trigo, costume que, estilizado, sobreviveu até os nossos dias, com o tradicional bolo
da noiva. Esta primeira forma não tardou, todavia, a cair em desuso, e já se tornara rara
ao tempo de Augusto. A coemptio era o matrimônio da plebe, constituindo o casamento
civil e descrito por GAIO como uma à imaginária venditio. Finalmente, o usus era a
aquisição da mulher pela posse, equivalendo assim a uma espécie de usucapião.
A professora Giselda Maria F. Novaes Hironaka (2000, p, 23) relata acerca do
casamento em Roma.
87
Entre os ancestrais romanos, encontraremos tipos bastante curiosos neste
modelo que se pode denominar casamento por compra ou por troca, como por exemplo,
a coemptio, que consistia na venda simbólica da noiva ao noivo, de forma ritual, ou a
confarreatio, que consistia numa celebração solene, de natureza religiosa, na qual se
ofertavam aos noivos o panis farreus, na presença de dez testemunhas. Ou ainda,
como a antiga modalidade romana, o casamento cum manus, espécie de casamento pelo
usus, que se consolidava pelo usucapião, salvo se a convivência fosse
interrompida pela usurpatio trinoctti, isto é, se a mulher passasse três noites fora de
casa, provocando assim, o divórcio, pois seria repudiada pelo marido.
Sílvio de Salvo Venosa (2011, p.324) discorre ainda sobre a evolução no regime
de bens: no Direito Romano vigorava o princípio da absorção: o patrimônio da mulher
era absorvido pelo marido, que se tornava único proprietário e administrador. Tratava-se
de consequência do casamento cum manu, ao qual já nos referimos. Como a mulher
ficava sujeita ao poder do pater família, assim também ficavam seus bens. O antigo
direito saxão também estabelecera uma unidade patrimonial entre os esposos e foi
aplicado igualmente nos Estados Unidos até meados do século XIX, sendo substituído
pelo regime de separação, como consequência da emancipação da mulher. A
legislação comparada toma os mais diversos rumos nessa matéria, não se divisando
tendência de uniformidade, como ocorre em inúmeros outros institutos jurídicos.
Cada país apresenta matiz próprio, porque o regime de bens conjugais depende dos
costumes e das necessidades sociais locais.
No Brasil, inicialmente o casamento era realizado pela comunhão universal de
bens. A Ordenação Lusitana influenciou a elaboração do Código Civil de 1916.
Permitia-se, ainda, nesta época, aos nubentes a livre estipulação do regime de bens,
sendo o da comunhão total usado subsidiariamente no silêncio deles.
Este Código estabelecia quatro tipos de regime de bens: comunhão universal,
comunhão parcial, separação total e regime dotal, todos vigentes a partir da data da
celebração do casamento. No regime dotal, porém apresentavam-se sobre tal tema
notórias discriminações em relação à mulher.
O regime era irrevogável, extinguindo-se somente com a dissolução da
sociedade conjugal, que se dava mediante erro essencial sobre a pessoa, previsto no
art. 219, III do Código Civil de 1916.
O atual Código Civil de 2002 equiparou homens e mulheres em direitos e
deveres, retirou do ordenamento jurídico o regime dotal, e manteve o regime da
comunhão universal, comunhão parcial, separação, inovando com a participação final
nos aquestos.
O regime legal de bens no país foi modificado, com a Lei do Divórcio
(Lei n˚ 6.515/77), para o regime de comunhão parcial de bens, possibilitando ainda a
dissolução do matrimônio pelo Divórcio, previsto no art. 2˚ da Lei 6.515/77 e art. 1.571
CC/02.
Explica Sílvio Rodrigues (2002, p. 196): nos casamentos mais antigos, ou seja,
nos realizados antes de 1978, o regime mais frequente era o da comunhão universal,
enquanto nos realizados posteriormente o regime prevalecente é o da comunhão
88
parcial. Isso decorre do fato de a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) ter alterado o
regime legal, dispondo que, não havendo pacto antenupcial, o regime é o da
comunhão parcial, quando, anteriormente, no silêncio dos contraentes, prevalecia o
regime de comunhão universal.
1.2 Natureza jurídica do casamento
O casamento está previsto no artigo 226 da Constituição Federal de 1988,
bem como no artigo 1.511 do Código Civil, o qual dispõe: “O casamento estabelece
comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.
Sílvio Rodrigues (2004, p. 19), ensina que: “casamento é o contrato de direito
de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher de conformidade
com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e
se prestarem mútua assistência”.
Para Sílvio de Salvo Venosa, em seu livro “Os ensinamentos de Guillermo
Borba” (1993, p.45): “é a união do homem e da mulher para o estabelecimento
de uma plena comunidade de vida”.
Etimologicamente a palavra casamento provém de casamentum, que é formada
por casa, ae – casa, casebre e pelo sufixo mentum- intenção. O qual significa a vontade
de duas pessoas, de diferente sexo, unirem-se, constituindo um lar comum (MARTINS,
2001, p. 05).
No que concerne à natureza jurídica, o casamento possui três diferentes
correntes doutrinárias, quais sejam:
a) Teoria Contratualista.
O casamento é um contrato civil, regido pelas normas comuns a todos os
contratos, aperfeiçoando-se apenas pelo simples consentimento dos nubentes, ou
seja, um acordo de vontades, livremente manifestado, regido por contrato civil. Essa
teoria é fundada no Direito Canônico tendo sido adotada por jusnaturalistas.
Para Sílvio Rodrigues, o casamento é um contrato que obedece a vontade
dos contraentes desde que tal vontade não seja contrária à lei. Ainda, segundo ele, essa
natureza jurídica de contrato, argumenta que o casamento pode ser dissolvido
pelos contraentes por mero distrato, afastando a ideia do legislador em manter o
casamento como uma instituição que gera efeitos, independente da vontade dos
cônjuges. Nesse sentido a Constituição Federal expressa em seu artigo 226, § 6˚ que “o
casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
b) Teoria Institucionalista.
Essa corrente adota que o casamento é uma instituição social, organizada na
forma da lei, que estabelece como momento maior a vontade individual dos contraentes,
no sentido de entrar para uma instituição. Dentre os defensores dessa corrente está
Washington Monteiro de Barros, que afirma que o casamento constitui “uma grande
instituição social, que de fato, nasce da vontade dos contraentes, mas que da imutável
autoridade da lei, recebe sua forma, suas normas e seus efeitos. A vontade individual é
89
livre para fazer surgir a relação, mas não pode alterar a disciplina estatuída pela lei”
(BARROS, 2004, p.13).
c) Teoria Mista ou Eclética.
Para esta corrente o casamento é um ato complexo que uniu o elemento
contratual e o institucional. Ao haver a manifestação da vontade existe neste momento
a celebração do contrato, e por sua vez quando o Estado outorga a situação de
casados, surge a instituição.
Defende essa corrente Maria Helena Diniz que afirma O casamento é um
contrato que se constitui pelo consentimento livre dos esposos, os quais, por efeito de
sua vontade, estabelecem uma sociedade conjugal que, além de determinar o estado
civil das pessoas, dá origem às relações de família, regulados, nos pontos essenciais, por
normas de ordem pública (2003, p. 50).
1.3 Princípios fundamentais
1.3.1 Princípio da autonomia da vontade ou da livre estipulação
O atual Código Civil em seu artigo 1.639 estabelece que “é lícito aos nubentes,
antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”.
Logo é deixado ao casal a escolha sobre qual regime de bens elencado no Código
Civil, como a possibilidade de combinar as regras, formando regimes mistos, diversos
daqueles imaginados pelo legislador.
No entanto, o legislador coloca algumas restrições na aplicação deste princípio
em nome da segurança de terceiro e dos próprios cônjuges. É o que se observa no artigo
1.641 do Código Civil em que impõe aos contraentes o regime da separação de
bens para certas pessoas. Desta forma se protege determinadas pessoas ou se aplica
uma sanção àqueles que se casarem, desrespeitando as causas suspensivas da celebração
do casamento.
1.3.2 Princípio da vigência imediata
Tal princípio decorre do artigo 1.639 do Código Civil que dispõe: “o regime
de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento”. Percebe-se
que a lei impõe o início da vigência do casamento quando da celebração deste.
1.3.3 Princípio da variedade de regimes
O Código Civil de 2002 oferece quatro variedades de regimes em que os
nubentes podem escolher, quais sejam: comunhão universal, comunhão parcial,
separação total e participação nos aquestos. De tal modo que os contraentes pode m
90
escolher qualquer um dos regimes adotados por lei sem fazer qualquer tipo de
modificação em suas cláusulas. Ainda assim a lei possibilita a adoção por parte
dos nubentes de regime misto, bem como a elaboração de regime próprio por meio
de pacto antenupcial. É o que dispõe no artigo 1.640 do Código Civil : “poderão os
nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este
código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão
parcial,fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.
1.3.4 Princípio da mutabilidade motivada ou imutabilidade
O Código Civil de 2002 possibilita a mudança de regime de bens pelo
casal, mediante autorização judicial em ação de alteração do regime de bens.
Desde que haja consenso entre os cônjuges e não prejudique a terceiros. O artigo 1.639
do código civil dispõe que: “é admissível alteração do regime de bens, mediante
autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a
procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.
1.3.4.1 Requisitos para alteração do regime
Para que aconteça a alteração do regime durante a vigência do matrimônio é
necessário que se cumpram quatro requisitos que estão dispostos na lei, com o
objetivo de garantir a segurança a terceiros e dos próprios cônjuges entre si, que
são: a) exigência de processo judicial; b) consensualidade na postulação c) motivação;
d) ressalva do direito de terceiros. Logo, pode-se afirmar que o novo Código Civil
adotou o princípio da mutabilidade controlada dos regimes matrimoniais de bens.
2. DOS REGIMES MATRIMONIAIS
2.1 Conceito de regimes matrimoniais de bens
É o conjunto de normas aplicáveis às relações e interesses econômicos que
resultam do casamento. É o estatuto matrimonial dos consortes.
A partir da realização do matrimônio estabelecem-se as consequências jurídicas
de cunho pessoal e patrimonial. É com relação a este último que se encaixa a discussão
sobre o regime de bens. Os efeitos patrimoniais são aqueles decorrentes do Regime de
bens adotado no casamento, do direito sucessório e das do ações recíprocas (PEREIRA,
2004).
Quando celebrado o casamento, os bens trazidos por cada um dos cônjuges e os
que futuramente adquirir-se-ão, deverão submeter-se ao regime matrimonial de
bens. Tal regime pode ser pactuado antes do casamento, ou quando omisso, será
submetido ao regime de bens que a lei estabelecer. Podendo, ainda, ser adotado o de
91
separação legal ou obrigatória de bens, dependendo do caso em questão (ARTS. 1.687 e
1.688 CC/02).
2.2 Regimes do código civil de 1916
Na época do Código de Civil de 1916, a constituição familiar operava-se
somente pelo matrimônio. O regime de bens no casamento era imutável. Esta lei previa
o regime da comunhão universal de bens, fazendo surgir o que se chama mancomunhão,
gerando um estado condominial de todos os bens, de forma igualitária para os nubentes,
não importando a origem de tal patrimônio. Ainda existia o regime dotal que consistia
nos bens da mulher serem entregues ao homem para administrá-lo.
Com o surgimento da Lei do Divórcio (Lei n˚ 6.515/1977), o regime legal
passou a ser o da comunhão parcial de bens. Neste regime as heranças, legados e
doações percebidos por um dos cônjuges, a qualquer tempo, antes ou durante a vigência
do matrimônio, não se comunicam e nem tampouco os bens adquiridos antes do
casamento.
Eram quatro os regimes dispostos nesta lei, quais sejam: comunhão universal,
comunhão parcial, separação e dotal. No silêncio das partes, o casamento seria
regido pelo regime de comunhão universal, porém com o advento da lei do divórcio
(Lei n˚ 6.515/1977) modificou tal orientação, estabelecendo que o regime de
comunhão parcial regeria a vida patrimonial dos contraentes na ausência do pacto
antenupcial.
O princípio da irrevogabilidade do regime de bens no matrimônio foi tomado
pelo Código Civil de 1916, quando prescreveu no seu artigo 230 que “o regime
de bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento e é irrevogável”.
2.3 Regimes do Código Civil de 2002
O atual código manteve a liberdade que há entre os cônjuges de expressarem a
sua autonomia privada no que se refere ao regime de bens que desejarem escolher, o
qual regerá seus interesses econômicos e patrimoniais; e o farão por meio do pacto
antenupcial previsto no artigo 1639, 1640,§ único e 1655 do código civil de 2002.
Porém, esse princípio de autonomia da vontade não é absoluto, devido não
ter aplicação aos que contraírem casamento com inobservância das causas
suspensivas da celebração do casamento, aos maiores de setenta anos, como também a
todos que dependerem para casar-se de suprimento judicial, as quais devem sujeitar-se,
obrigatoriamente, ao regime separação de bens, como consta no artigo 1641 do Código
Civil.
Contudo o atual Código Civil inovou ao inserir no ordenamento jurídico a
possibilidade da mutabilidade do regime de bens na constância do casamento. O
Código de 1916 proibia a mudança de regime de bens acordado entre os cônjuges.
92
Porém, tal mudança só era permitida na hipótese de estrangeiro que se naturalizasse
brasileiro, para o qual a Lei de introdução ao Código Civil (LICC), no seu art. 7˚, §5˚, já
guardava regra especial.
Outra inovação é que a atual legislação retirou do ordenamento jurídico o
regime dotal e elencou quatro regimes de bens: o da comunhão universal, o da
comunhão parcial, a participação final nos aquestos e a separação de bens.
Ante o silêncio dos cônjuges ou da ineficácia do pacto antenupcial o regime de
bens que vigorará será o da comunhão parcial de bens e não o da comunhão universal
como o era no Código Civil de 1916.
O atual Código Civil inovou ainda com a possibilidade da dispensa de
consentimento, ou seja, da outorga uxória, do cônjuge que não é proprietário, para a
alienação do bem do outro cônjuge, com a ressalva de que os cônjuges devem
estar enquadrados no regime de separação absoluta de bens.
Por tanto, ao Código Civil foram introduzidas várias modificações, quando
disciplinou o direito patrimonial no casamento, as quais o legislador alterou certas
regras.
Dentre as principais estão:
1) a possibilidade da mutabilidade do regime de bens no curso do casamento, o
qual permite a modificação do regime de bens por meio de um pedido judicial
consensual e fundamentado;
2) o Código adaptou-se ao dar preferência à Lei de divórcio ( Lei 6.515/77) no
que se refere ao regime da comunhão parcial como legal ou supletivo, colocando
estas regras como genéricas;
3) introduziu o regime de participação final nos aquestos;
4) a revogação do regime dotal, o qual também não fora recepcionado
pela Constituição Federal de 1988 aos direitos do homem e da mulher, assim
como entre os cônjuges;
5) Permitiu a alienação e a oneração de bens imóveis, no regime da
separação absoluta, assinada pelo proprietário, sem necessidade de outorga conjugal;
6) inclusão dos direitos e deveres relativos aos bens e interesses
patrimoniais, adaptando os antigos direitos e deveres de cada cônjuge à igualdade
constitucional;
Cabe aqui destacar a importante mudança introduzida pelo art. § 2˚ do art. 1.639
do novo Código Civil, ao permitir a alteração do regime de bens.
Declara Venosa (2007, p.305): como vimos e como claramente expressava a lei,
a escolha do regime de bens devia necessariamente anteceder ao casamento, pois o
Código de 1916 estabelecia a imutabilidade do regime de bens, ou melhor, sua
irrevogabilidade ( art. 230). A imutabilidade, como explanado, constava na lei como
garantia aos próprios cônjuges e para resguardo ao direito de terceiros[.....] Neste
sentido, nosso sistema de 1916 não permitia, pois, que o regime escolhido fosse alterado
no curso da vida conjugal, em sentido contrário ao observado em outras legislações.
93
Tomando o exemplo do direito comparado, o Código de 2002 passou a
admitir a alteração do regime de bens. “mediante autorização judicial em pedido
motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões convocadas e
ressalvados os direitos de terceiros” (ART. 1.639, § 2˚).
1. MUDANÇAS NO REGIME MATRIMONIAL DE BENS
Como mencionado anteriormente por Sílvio de Salvo Venoso, havia a proibição
de qualquer modificação do regime matrimonial, após a celebração do pacto nupcial,
com o objetivo de dar segurança aos consortes e terceiros.
O Novo Código Civil não traz mais vedação, sendo livre aos consortes, desde
que preenchidos os requisitos legais, optar pela mudança de regime. Requisitos estes
previstos no artigo 1.639, § 3˚:
a) vontade de ambas as partes – não se admitindo a alteração unilateral do
regime de bens;
b) pedido motivado e formalizado ao juiz – o qual devem as partes submeteremse ao crivo do Poder Judiciário que decidirá por sentença devidamente fundamentada
considerando a conveniência da mudança e restringindo a possibilidade de fraudes;
c) sentença favorável do juiz;
d) ressalvados os direitos de terceiros.
Sob a ótica da nova ordem jurídica, o qual permite a alteração de regime de bens
celebrados pelos consortes, representa uma ideia oposta ao princípio da inalterabilidade.
O legislador, preocupado em ampliar a liberdade dos cônjuges, não permitiu que a
mudança do regime fosse realizada de forma indiscriminada, porém buscou manter o
princípio da segurança. Nesse ponto, o legislador passou a responsabilidade ao
judiciário para a autorização do pedido de mudança.
À luz da Constituição Federal no que concerne a igualdade entre os sexos, no
tocante ao matrimônio foi preciso admitir o sistema de modificação do regime de bens
depois de celebrado o casamento, ainda que os cônjuges nada tenham pactuado antes
das núpcias.
Desde que as alterações não afetem direitos de terceiros, os contraentes podem
mudar de regimes ou modificar algumas de suas cláusulas contratadas.
3.1 Causas que legitimam a modificação do regime
A mudança de regime não se restringe a tão somente mudar de um regime para o
outro ou fazer combinações entre tais modalidades de regimes, mas amplia também
a liberdade para introduzirem as modificações que quiserem durante o matrimônio.
Dentre as mais importantes causas que legitimam estão:
94
3.1.1 Separação obrigatória de bens
O pedido de alteração só será permitido se formulado quando os noivos, na data
do casamento, tiverem a liberdade de escolher o regime de bens. Para aqueles cônjuges
em que forem obrigados a adotar o regime da separação de bens (CC 1.641), não será
autorizada a mudança durante a vigência da sociedade conjugal. “I- pessoas que
contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II –
da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos que dependerem, para casar, de
suprimento judicial.
3.1.2 As obrigações estranhas ao interesse da sociedade e terceiros de boa-fé
Aqueles que forem atingidos pelas obrigações não realizadas por um ou ambos
os consortes são denominados terceiros de boa-fé. Para que haja oposição aos interesses
de terceiros, num regime especial de matrimônio, é necessário que o matrimônio seja
precedido de pacto antenupcial, elaborado por escritura pública, como previsto no art.
1.640 CC/2002, parágrafo único, devidamente registrado em Cartório de Registro de
Imóveis da Circunscrição de cada domicílio firmado pelos cônjuges, como estabelece o
art. 1.657 CC/2002 e 167, I, 1 a 12 da lei n˚ 6.015/73, e averbado, ainda, junto à
matrícula de cada bem imóvel, art. 167, I e II desta lei de registro.
Há vários interesses envolvidos na mudança de regime patrimonial da sociedade
conjugal. Porém o maior destes interesses será a proteção dos credores.
Para tal situação o Código Civil adotou o critério para que o juiz possa, através
de pedidos motivados e relevantes, autorizar a alteração do regime de bens. Para isso é
de suma importância o controle jurisdicional, até mesmo para que não haja prejuízo a
terceiros de boa fé.
Logo se ocorrem alterações no regime de bens que resultem prejuízos a
terceiros, este poderão promover medidas cautelares que assegurem seus direitos,
principalmente quando esta alteração resultar fraude a credores. (Caio Mário da Silva
Pereira, 2011, p. 199)
O §2˚ do art. 1.629 do Código Civil refere-se a pedido motivado de ambos os
cônjuges.
Paulo Nader admite a prerrogativa do Juiz de certificar-se da espontaneidade das
declarações, ou seja, da ausência de constrangimento entre os interessados, como
também, eventual prejuízo potencial ou concreto de terceiros. Afastando a necessidade
de apresentação de razões relevantes pelo casal. O mesmo autor considera que “tal
exigência não se encontra no espírito da lei, bastando a ausência de qualquer prejuízo
para terceiros e a convicção da voluntariedade do pedido”. Sem tais óbices, os
motivos que inspiram a liberdade de escolha do regime e a sua alteração, antes do
casamento, continuam a existir após a celebração.
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Portanto, caberá ao magistrado analisar o pedido de alteração de regime quando
estiver devidamente motivado. O juiz analisará as questões relevantes e fundamentos
arguidos pelas partes que justifiquem a mudança do regime. Analisará também se
tais motivos não prejudicarão terceiros envolvidos, principalmente credores da
sociedade conjugal, os quais poderão impugnar o pedido dos autores.
3.1.3 Participação do cônjuge na sociedade empresarial
O Código de 2002 inovou quando estabeleceu no art. 977 “faculta-se aos
cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham
casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória”.
Portanto, será lícita a contratação de sociedade fora destas hipóteses.
Este artigo estabelece a importância, na sociedade conjugal, uma visão
acentuada de direito de família, com o objeto de evitar fraudes ao regime de bens. No
regime universal, os direitos e obrigações são comunicados, presentes e futuros; os
bens permanecem indivisíveis na propriedade unificada dos cônjuges, porém no regime
de separação, não há essa comunicabilidade, pois cada cônjuge ficará com seus bens
particulares.
Nery Júnior e Neri (2006, p. 315) afirmam: a norma não proíbe a contratação de
sociedade entre marido e mulher, que podem criar sociedade comercial, desde que
casados sob o regime de bens que não seja o da comunhão universal (CC 1667) nem
o da separação obrigatória (CC 1.641). Em outras palavras, marido e mulher
podem contratar a formação da sociedade comercial, se casados sob os seguintes
bens: a) comunhão parcial (CC 1658); b) participação final nos aquestos (CC
1.672); c) separação convencional ( CC 1687).
Como o regime subsidiário de bens no casamento – no caso de não haverem
os cônjuges estabelecido previamente o regime a ser adotado ou, havendo pacto
antenupcial, este for nulo ou ineficaz – é da comunhão parcial (CC 1.640), isto
significa, na prática que a norma ora comentada não constitui obstáculo invencível à
criação de sociedade comercial entre marido e mulher. Frisa-se, ainda, que o regime de
bens não é mais imutável como o sistema revogado (CC/1916 256), pois é possível
alterá-lo judicialmente, depois de celebrado o casamento (CC 1.639 § 2˚), mediante
procedimento de jurisdição voluntária (CPC 1103). [...] O ponto mais importante da
regra sob comentários é a separação entre o patrimônio familiar e o da sociedade
comercial. O regime da comunhão universal faz com que haja confusão entre os
patrimônios do marido e mulher. Como no sistema anterior não havia norma expressa
vedando a sociedade entre casados sob o regime da comunhão universal, elas eram
formadas com bastante frequência, gerando problemas de ordem patrimonial para
os sócios e para os que contratavam com a sociedade comercial. A proibição é coerente
com o sistema de regime de bens do CC, muito embora constitua ruptura na
organização societária que vinha funcionando razoavelmente, principalmente quanto
às sociedades por quotas de responsabilidade limitada. A regra é coerente com o
sistema patrimonial do CC que, para o que nos interessa no caso, envolve o direito de
empresa e o direito de família.
96
Há ainda a dúvida de que os cônjuges casados sob o regime discriminado no art.
977 do novo código civil, não possam contratar sociedade entre si, ou ambos com
terceiros.
Segundo entendimento do Departamento Nacional de Registro do Comércio
(DNRC), a restrição do art. 977 do CC está restrita a sociedades formadas por apenas
os cônjuges nos regimes específicos citados entre si e por ambos com terceiros em uma
mesma sociedade. É o que se estabelece no Parecer Jurídico DNRC n˚ 50/03, transcrito
logo abaixo:
EMENTA: Impedimento constante do art. 977 do Código Civil, restringe-se
aos cônjuges entre si ou de ambos com terceiros em uma mesma sociedade.
(...) entendemos, por ser no mínimo razoável em face do princípio da autonomia
da vontade vigente no direito brasileiro, que a restrição da norma ali inserta, limita tão
somente a constituição de sociedade entre os cônjuges casados no regime da comunhão
universal de bens ou no da separação obrigatória ou desses conjuntamente com
terceiros, não indo tão longe ao ponto de proibir que pessoas bastando serem
casadas nesses regimes de bens, estariam impedidas de individualmente
contratarem sociedade, ainda que sem qualquer vínculo entre si.
Há que se ressaltar que as sociedades comerciais já existentes deverão adaptar-se
ao novo código, mediante alteração contratual com a simples saída de um dos cônjuges.
Se houver divergência entre os sócios cônjuges, a alteração dar-se-á do regime
de comunhão universal para o regime de comunhão parcial de bens. O art. 1.639 prevê
para este caso, a alteração do regime mediante autorização judicial em pedido
motivado de ambos os consortes.
No caso de mudança de regime o destacado art. 977 CC/02, ampara a alteração,
visto que é vedado aos consortes, sob o regime universal, constituir sociedade
comercial, e confere aos cônjuges motivos que justifiquem o pedido de alteração do
regime.
Portanto, no exercício de uma atividade econômica, sem que tal fato se confunda
com a sociedade conjugal, percebe-se que pode haver sociedade simples ou empresária
entre cônjuges se o regime for o de separação convencional de bens, comunhão
parcial ou de participação final nos aquestos.
4. REGIME DE BENS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
A livre escolha do regime pelos nubentes é a regra pelo qual o casamento será
celebrado. Porém na falta da escolha de um regime, por força de lei, será o da
comunhão parcial, este é considerado o regime oficial ou legal. Adota-se este regime na
ausência de pacto antenupcial. Portanto, para que os noivos possam escolher regime
diferente ao da comunhão parcial, torna-se necessário a realização do pacto
antenupcial. Tal pacto é um acordo entre os nubentes, com vistas a regular o regime de
bens no futuro da união conjugal.
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É nele que se escolherá um dos quatro regimes de bens previstos no atual
Código Civil, além de se estabelecerem outras regras que complementarão o pacto.
4.1 Regime da comunhão parcial de bens
Nem todos os sistemas jurídicos admitem a Comunhão Universal. O Código
Italiano de 1865 admite este regime em caráter facultativo. No Direito Francês
previa-se como legal o communion d’acquêts, em que se comunicavam os bens móveis
e os adquiridos na constância do casamento, e se excluíam de toda comunicação os
imóveis que os nubentes já tinham antes do casamento e os que forem adquiridos
posteriormente de forma gratuita. Já o Direito Alemão adota a comunhão
administrativa, no qual os bens da mulher ficam subordinados à administração
usufrutuária do marido, excluídos os bens reservados, ou seja, os bens de uso pessoal
como jóias, roupas e instrumentos de trabalho, assim como os que ela adquire por sua
própria atividade e pela exploração independente de empresa lucrativa.
No Brasil, também conhecido como Regime da Comunhão de Aquestos ou
Separação Parcial, o regime da comunhão parcial de bens compreende três patrimônios
diferentes: um só do marido, outro só da mulher e um terceiro de ambos.
Neste regime os bens adquiridos após o casamento, os aquestos, formarão a
comunhão de bens do casal. Cada cônjuge guardará para si, em seu patrimônio próprio,
os bens que trouxera antes do casamento. Este é o regime legal que vigora desde
a lei introdutória e regulamentadora do divórcio (Lei n˚ 6.515/77), sem o pacto nupcial
ou cujos pactos sejam nulos. Quando não houver convenção do pacto antenupcial
ou se for nulo, o regime da comunhão parcial será o que vigorará entre os cônjuges.
A essência desse regime é que os bens adquiridos antes do casamento
permaneçam com cada cônjuge como de sua propriedade exclusiva. Aqueles bens que
forem adquiridos na constância do casamento, constituem bens comuns, isto é, formam
patrimônio pertencente ao marido e à mulher, indistintamente.
4.1.1 Bens que integram à comunhão
São os denominados bens comunicáveis, que estão no art. 1.660 do Código Civil
de 2002.
a) Bens adquiridos durante o casamento por título oneroso, mesmo que seja em
nome de um só dos cônjuges.
A lei presume que os bens adquiridos na constância do casamento far-se-á
por esforço mútuo dos dois cônjuges, para que integre o patrimônio de ambos, seja na
atividade profissional ou na atividade doméstica.
No que se refere aos bens móveis há presunção, juris tantum, de que os
bens adquiridos foram durante o matrimônio, se tais bens não puderem ser
comprovados por documento autêntico, ou por qualquer outro meio permitido em
direito , desde que para isso, seja com data anterior ao ato nupcial. Porém, se houver
98
pacto nupcial relacionando os bens móveis de cada cônjuge, estes bens serão
incomunicáveis.
b) Bens adquiridos por fato eventual, por exemplo: jogo, aposta, loteria etc., tais
fatos integrarão ao patrimônio do casal, ainda que adquirido por um dos cônjuges, com
ou sem o concurso de trabalho entre os cônjuges.
c) Bens adquiridos por doação, herança ou legado: estes atos terão que ser feito
em favor de ambos os cônjuges. Cabe ressaltar que se na doação conjuntiva, na qual os
donatários são marido e mulher, haverá para o cônjuge sobrevivo, o direito de
acrescentar ao seu patrimônio a porcentagem do bem que pertencia ao cônjuge falecido,
é o que dispõe no parágrafo único do art. 551 do Novo Código.
d) Também são comunicáveis as benfeitorias feitas em bens particulares de cada
cônjuge, desde que sejam realizados com esforço comum dos dois. Isto para que não
haja enriquecimento indevido por um dos cônjuges.
e) Os frutos, tanto civis ou naturais, dos bens comuns ou dos particulares de cada
cônjuge, percebidos durante o casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Portanto, verifica-se que tais bens foram adquiridos após o casamento, fazendo parte do
patrimônio de ambos.
4.1.2 Bens excluídos da comunhão
A comunhão se dá somente com relação aos bens adquiridos na constância do
casamento a título oneroso. São excluídos aqueles levados por qualquer dos cônjuges
para o casamento e os adquiridos a título gratuito, além de certas obrigações.
Logo, excluem-se:
a) Bens que cada cônjuge possuía ao casar-se, e os que lhe sobrevierem, durante
o casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar.
Há uma presunção de cooperação entre os cônjuges durante o casamento, por
isso tal disposição se dá em face do princípio de que são comuns os bens adquiridos na
vigência do regime a título oneroso.
Nas doações e na sucessão testamentária, para que os bens sejam comunicáveis,
é necessário que contenha cláusula expressa contemplando os cônjuges como
donatários ou legatários.
b) Bens adquiridos através de valores exclusivamente de um dos cônjuges
em sub-rogação dos bens particulares.
São bens que ficarão excluídos produtos da venda daqueles existentes adquiridos
a título gratuito durante a constância do casamento ou já de propriedade do cônjuge
antes do matrimônio. Perdura aqui a manutenção do patrimônio próprio, embora se
altere a espécie de bens, em face do princípio da pessoalidade.
Portanto, a individualidade do patrimônio será conservada quando houver
valores resultantes de créditos ou direitos nascidos das causas anteriores ao casamento.
Conclui-se que não se comunicam as indenizações por danos, os pagamentos de
99
seguros, as importâncias advindas de desapropriação, desde que visem satisfazer danos
ou o valor dos bens que eram somente de um cônjuge antes da celebração do casamento.
É o que estabelece o art. 1.660, V do Código Civil.
c) As obrigações anteriores ao casamento.
As obrigações contraídas em data anterior ao casamento não revertem em
proveito comum. Obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo se houver em proveito
do casal.
d) Somente responderá pelos danos causados por atos ilícitos o cônjuge que lhe
der causa, não importando se ocorreu antes ou depois do matrimônio. Porém, se deste
ato ilícito ambos os cônjuges tirarem proveito, responderão conjuntamente, no qual a
indenização recairá sobre bens comuns.
Segundo Súmula do STJ n˚ 251 : “a meação só responde pelo ato ilícito quando
o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante aproveitou
ao casal”.
e) Bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão.
São bens de uso pessoal em que a pessoa necessita e faz uso, como jo ias, roupas
e até móveis. São os utilizados na vida quotidiana, na rotina de cada cônjuge, de uso
restrito a cada um. Porém, segundo Arnaldo Rizzardo, nestes bens não se incluem
aqueles que se prestam ao proveito comum dos outros membros da família ou de
terceiro, como os veículos e máquinas.
f) Proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.
Opera-se à incomunicabilidade com relação aos proventos, salários,
vencimentos, ou rendimentos de atividade pessoal. Os valores do FGTS se incluem
nos proventos não ingressando na partilha quando houver separação do casal.
Porém, essa incomunicabilidade dos proventos dar-se-á somente quando da
percepção dos mesmos, que uma vez percebidos integrarão o patrimônio do casal,
contribuindo de forma proporcional para a manutenção da família. Logo, existe
comunicabilidade dos bens adquiridos onerosamente com os frutos civis do trabalho,
segundo art. 1.660, V do novo Código Civil , e com os proventos, mesmo que em
nome de um deles.
Ressalta-se então, que o art. 1.659, VI, deve ser interpretado em consonância
com o art. 1.660, V.
g) Pensões, meios-soldos, montepios e rendas semelhantes.
Estes bens são considerados de direito personalíssimos, por isso são
incomunicáveis.
A pensão é o quantum pago periodicamente por força de lei, sentença judicial,
ato inter vivos ou causa mortis a uma pessoa para a subsistência desta. O meio -soldo,
por sua vez, é a metade do soldo pago pelo Estado a militar reformado ( DEC. LEI N.
9.698/46, art. 108).
Montepio é a pensão que o Estado paga aos herdeiros do funcionário falecido.
Não se comunicam também os direitos patrimoniais de autor, excetuados os
rendimentos de sua exploração, salvo pacto nupcial em contrário.
Deve-se ressaltar que o art. 499, do novo Código Civil, estabelece que é licita a
compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão.
100
4.1.3 Administração dos bens da comunhão parcial
A administração dos bens particulares cabe ao respectivo cônjuge proprietário e
com relação aos bens comuns, o art. 1.663 do Novo Código estabelece que a
administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges.
Neste regime, o patrimônio comum arca com as obrigações que ambos
contraírem. Se este patrimônio for insuficiente, os bens de cada cônjuge respondem
na proporção necessária para a satisfazer em partes iguais o débito. Ocorre
também este procedimento quando um cônjuge contrai obrigações sem a participação
do outro, desde que tal obrigação seja destinada em proveito da família (art. 1.663, § 1˚
Código Civil).
Porém, se a obrigação serviu para interesse particular do devedor, somente os
bens próprios e a meação do devedor respondem pela dívida.
É importante reforçar o que estabelece os parágrafos 2˚ e 3˚ do art. 1.663 do
Novo Código, de que é necessária a anuência de ambos os cônjuges para os atos
que, a título gratuito, impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns, o que se
verifica, por exemplo, no comodato. O juiz atribuirá a administração a apenas um dos
cônjuges quando verificar a malversação dos bens. Toma-se como exemplo os gastos
extravagantes, o desperdício inconsequente de um dos cônjuges com o patrimônio
comum.
4.1.4 Dissolução da comunhão parcial
A comunhão parcial termina pela morte, separação, divórcio ou anulação do
casamento, como estabelece o art. 1.571 do Novo Código Civil. Cabe destacar que a
sociedade finda pela morte, nulidade ou anulação do casamento, divórcio e pela
separação, porém só se dissolve pelo divórcio ou pela morte. Ao término da comunhão,
todos os bens comuns serão divididos e os bens particulares serão retirados por cada
cônjuge.
Venosa firma (2011, p. 343): a dissolução da comunhão de bens, parcial ou total,
traz inúmeros efeitos. Segundo o art. 267 do antigo Código texto não repetido na lei
atual, mas certamente aplicável, dissolve-se a comunhão: I- pela morte de um dos
cônjuges; II- pela sentença que anula o casamento; III- pela separação judicial; IV
– pelo divórcio. A mesma compreensão persiste. Entenda-se que a separação judicial
deixa de existir no ordenamento brasileiro com a Emenda Constitucional n˚ 66/2010.
Observa-se que a ocorrência de qualquer desses eventos não põe fim imediata à
comunhão, o que somente ocorrerá com a partilha.... Se o desfazimento da sociedade
conjugal decorrer de separação ou divórcio, a partilha pode decorrer de mútuo acordo.
Extinta a comunhão com a partilha, isto é, a divisão do ativo e do passivo, como
decorrência lógica cessará a responsabilidade de cada cônjuge para com os credores
do outro. (art. 1.671).
101
Referência especial aos arts. 1.829 e 1.831 ao fixarem regras específicas
concernentes aos direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo, o s quais corroborarão
para a exposição acima.
4.2 Comunhão universal
No antigo Código de 1.916, seguindo a tradição do direito lusitano, o regime
legal adotado era o da comunhão universal. Acreditava-se existir comunhão espiritual
entre homem e mulher no casamento e desta união resultava também a junção de
patrimônios. Esse romantismo não tem mais relevância em nossa realidade.
É um regime convencional, que deverá ser estipulado por meio de pacto
antenupcial.
Todos os bens do casal, em princípio, comunicam-se, tanto os presentes como os
futuros, salvo algumas exceções previstas no art. 1.667 do Código Civil. Em regra,
todos os bens que o cônjuge leva para o matrimônio se fundem com os trazidos pelo
outro cônjuge, formando uma única massa, e não voltando à propriedade originária
quando do desfazimento do casamento.
O que caracteriza o regime da comunhão universal é a comunicação de todos os
valores, móveis ou imóveis, de que cada um dos cônjuges é titular ao tempo das
núpcias, e bem assim os que forem adquiridos durante o matrimônio, mesmo que
adquiridos por um só deles. De igual forma são comunicadas as dívidas, tanto as
anteriores como as posteriores.
4.2.1 Bens excluídos da comunhão
Apesar de este regime impor a comunicabilidade de todos os bens presentes
(art.1.667 do Código Civil), admite, excepcionalmente, a exclusão de alguns bens
devido sua própria natureza, além de possuírem efeitos personalíssimos.
Segundo o que estabelece o art. 1.668 do Código Civil em que se opera a
exclusão da comunhão.
I) Bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade e os
subrogados em seu lugar.
O Novo Código Civil autoriza a inserção dessa cláusula, por via da qual os bens
assim adquiridos constituem um acervo particular do donatário ou herdeiro, não se
comunicando ao seu cônjuge, independentemente de ser a transmissão feita antes das
núpcias ou na constância do casamento.
Maria Helena Diniz acrescenta ainda duas hipóteses de incomunicabilidade: os
bens doados com cláusula de reversão, ou seja, com a morte do donatário o bem doado
retorna ao patrimônio do doador que lhe sobrevive não comunicando ao cônjuge do
falecido (art. 547, CC/2002); também, os bens doados, legados ou herdados com
cláusula de inalienabilidade, pois, “comunicação é alienação.
102
II) Bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes
de realizada a condição suspensiva.
Ao impor essa condição cessa a resolubilidade, e só daí opera-se a entrada do
bem na comunhão; logo esses bens não podem comunicar-se antes da condição
suspensiva implementada.
O fideicomisso refere-se à situação em que o testador (fideicomitente) dispõe
que o fiduciário deve, após sua morte ou a certo tempo ou condição, transmitir o
bem ao fideicomissário.
O direito do fideicomissário não se comunica enquanto não se realizar a
condição suspensiva, devido ser um direito apenas eventual, e só adquirirá o domínio
quando houver a condição.
III) Dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus
aprestos, ou reverterem em proveito comum.
Obrigações passivas de cada cônjuge que forem adquiridas antes do casamento
não integram a comunhão universal. O credor não pode executar tais obrigações nos
bens do cônjuge, contudo somente naqueles que o devedor trouxe para o patrimônio
comum.
Porém, há exceções, que são aquelas provenientes das despesas com a
preparação do casamento e demais que revertam em proveito comum.
IV) Doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de
incomunicabilidade.
Neste caso, o bem que for doado por um cônjuge ao outro será considerado bem
próprio do donatário, não entrando na comunhão. Importante, ressaltar que tal doação
não constitui fraude à execução, conforme o que estabelece no art. 593 do Código Civil,
nem mesmo fraude a credores com regras que estão nos artigos 158 e 159 do Novo
Código. Se o doador tornar-se insolvente pela liberalidade, esta poderá ser
desconstituída pela ação pauliana, ou ser considerada ineficaz, se já existente algum
processo que requeira o reconhecimento da dívida.
V) Os Bens referidos nos incs. V e VII, do art. 1.659 do Novo Código.
4.2.2 Administração dos bens
Neste regime, por disposição legal, cabe a ambos os cônjuges a administração
dos bens.
A comunhão universal atinge todos os bens que não são incomunicáveis e
as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges na vigência do matrimônio.
É importante dispor o que se refere à administração dos bens na comunhão
universal, prevista no art. 1.670 CC/2002 o qual remete ao art. 1.663.
O § 2˚ do art. 1.663 do Novo Código, traz consigo regra totalmente nova: “a
anuência de ambos os cônjuges é necessária para os atos, a título gratuito que
103
impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns”. Nestes casos não são abrangidos
os contratos de locação, arrendamento e parceria, posto estar aí presente a remuneração.
Já o §3˚ abre caminho para o juiz atribuir a um único cônjuge a administração,
com o intuito de evitar que um cônjuge arruíne a situação familiar, contraindo
obrigações que não trazem proveito à família.
4.2.3 Extinção da comunhão universal
O art. 1.671 refere-se à extinção da comunhão, quando cessará a
responsabilidade de cada um dos cônjuges com os credores.
A comunhão de bens termina, em princípio com a sociedade conjugal, quando se
dá a partilha do acervo. Prevê o art. 1.571 cc/2002:
I) pela morte de um dos cônjuges;
II) pela anulação ou nulidade do casamento;
III) pela separação judicial;
IV) pelo divórcio;
É importante mencionar os arts. 1.829 e 1.831 do Novo Código, os quais fixam
regras específicas no que diz respeito aos direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo.
4.3 Participação final nos aquestos
É uma inovação do novo Código ao instituir o regime de participação final nos
aquestos.
Trata-se da participação final de ambos os cônjuges no patrimônio formado
durante a sociedade conjugal a título oneroso.
É através do pacto antenupcial que os cônjuges manifestam a opção por tal
regime.
Neste regime não há a partilha automática dos bens, como acontece com o
regime parcial e o universal. A característica deste regime é que durante o casamento,
os cônjuges vivem sob o domínio da separação de bens, cada um deles com o seu
patrimônio separado.
Porém, ao ocorrer a dissolução do vínculo conjugal (pela morte de um dos
cônjuges, pela separação judicial ou pelo divórcio), far-se-á a divisão do acervo
constituído a título oneroso durante o casamento.
Logo, verificam-se, segundo o art. 1.672 do Código Civil, dois tipos de
patrimônios: aquele dos bens próprios que cada cônjuge possuía antes de casar;
e os adquiridos, a qualquer título, durante o casamento.
104
Distingue-se este regime do regime da comunhão parcial, porque neste a
comunicação dos bens se dá de forma imediata, na constância do matrimônio, e
no regime final a comunicação acontece somente após o fim do casamento.
É através do pacto antenupcial que se discriminam minuciosamente os haveres
de cada um dos cônjuges, os quais constituem os bens particulares d e cada um deles.
Os bens que cada cônjuge possuía antes de casar e mais os bens que eles vierem
a adquirir na constância do casamento, a título oneroso ou gratuito, integrarão ao
patrimônio do casal. Ou seja, há os bens particulares oriundos de cada cônjuge antes do
casamento, dos adquiridos por sub-rogação e daqueles recebidos por herança ou
liberalidade. E existem também os bens comuns, que são aqueles adquiridos pelo casal
durante o casamento.
Com relação a administração dos bens, o art. 1.673, parágrafo único, estabelece
que “a administração destes bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá
livremente alienar, se forem móveis”. Ou seja, cada cônjuge tem a disponibilidade dos
bens móveis, assim como a administração de seus bens particulares.
Para apuração dos valores líquidos, faz-se necessário a realização de um balanço
contábil e financeiro. O valor dos bens alienados deverá ser incorporado ao monte
(art. 1.676), onde será possível a compensação dos débitos que tenham sido pagos pelo
outro (art. 1.678). No que se refere às dividas contraídas posteriores ao casamento,
deve-se averiguar se forem em beneficio do casal, constituirão passivo comum, e
em negativo responderá cada cônjuge pela obrigação que contraiu.
O art. 1.675 diz que se computa no montante dos aquestos o valor das doações
feitas por um dos cônjuges sem que seja necessária autorização do outro. Aos seus
herdeiros, ou aqueles prejudicados, é garantido o direito de reivindicar o bem, ou
imputá-lo ao monte partilhável, pelo valor equivalente ao da época da dissolução.
Logo após, o art. 1.676 afirma “incorpora-se ao monte o valor dos bens alienados, em
detrimento da meação, se não houver preferência, do cônjuge lesado, ou de seus
herdeiros, de reivindicá-los”. Diante do exposto, considera-se que se o cônjuge aliena
bens com a finalidade de defasar a meação, ao cônjuge lesado, ou aos seus herdeiros, é
permitido tomar as providências legais cabíveis, com a competente ação para
desconstituir tal situação. Essa reivindicação, às vezes não é possível, principalmente se
a alienação operou-se por meio de venda; tendo em vista que ao adquirir tenha agido de
boa-fé. Além disso, o direito do cônjuge lesado atinge apenas a metade do bem, já que
existe a propriedade da meação em favor do alienante. Uma forma eficaz, nessa
situação, seria a anulação do negócio jurídico viciado (TEIXEIRA, 2008).
Durante o casamento não é possível ceder, renunciar ou indicar a pena, a
pessoas adio direito à meação (art. 1.682). A meação dos bens só ocorrerá quando do
término da união, pela separação de fato ou pela morte de um dos cônjuges.
Porém, sobre determinado bem comum é possível a penhora da meação do devedor. Ao
ocorrer a penhora sobre a totalidade do bem, o cônjuge poderá, por meio de embargos
de terceiros, resguardar sua meação.
Ao dissolver a sociedade conjugal por meio da morte de um dos cônjuges, e se
houver bens, a meação será transmitida aos seus herdeiros, que serão convocados pela
105
ordem de vocação hereditária (art. 1.685). Se houver dívidas superiores à meação, não
responderão por estas os herdeiros nem o viúvo (ART. 1.683).
4.4 Separação de bens
É um regime atualmente pouco adotado.
Aqui ocorre a incomunicabilidade total dos bens, em que os cônjuges conservam
para si aqueles bens que possuíam antes do matrimonio e os bens que irão adquirem
durante o casamento. A opção por este regime faz-se por meio de pacto antenupcial.
Cada cônjuge possui a propriedade ativa e passiva do capital que existia antes do
casamento, como também aquele que se formará durante o matrimônio, no qual que a
administração e a posse desse capital compete a cada um dos cônjuges em separado.
Não se faz necessária a presença do companheiro para as ações imobiliárias, o qual não
se exigirá a lei processual como condição legítima para estar em juízo (CPC 10 § 1˚ I).
Salvo estipulação em pacto antenupcial, ambos os cônjuges deverão concorrer
para a manutenção da família, na proporção de seus bens ( art. 1.688 CC), por
tanto comunicam-se as dívidas ou empréstimos contraídos para o sustento da
economia familiar (art. 1.643 e 1.644).
Logo, tendo em vista que existem obrigações recíprocas em que os cônjuges são
responsáveis pela subsistência familiar, a jurisprudência passou a adotar a presunção da
comunicabilidade, admitindo a divisão do acervo adquirido durante o casamento.
Atualmente há divergências quanto à aplicabilidade da Súmula 377 do STF no Código
Civil de 2002, onde tal súmula dispõe que: “No regime de separação legal de bens,
comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento”.
A justificativa da aplicação da súmula é a tentativa de evitar o enriquecimento
sem causa de um dos pares.
4.4.1 Separação obrigatória de bens
Por disposição legal são três as hipóteses de adoção do regime de separação de
bens de forma obrigatória:
I) ao casamento feito não obstante a cláusula suspensiva para celebração do
casamento;
II) à pessoa maior de 70 ( setenta) anos;
III) àqueles que dependerem de suprimento judicial para casarem.
Por força de lei, subsistirão tais imposições mesmo que não sejam
convencionadas tais restrições no ato da celebração. Por tanto, não há a aplicabilidade
prevista no art. 1.640.
Ou seja, não vigorará o regime de comunhão parcial, mesmo não havendo
convenção entre os cônjuges.
106
Os cônjuges casados sob este regime de separação obrigatória não podem
contratar sociedade entre si ou com terceiros (art. 977 CC). Ainda que para a venda de
bens de ascendentes a descendentes não é necessária a autorização do cônjuge ( art. 496,
parágrafo único). Ou seja, cada cônjuge de forma independente pode alienar, gravar de
ônus real, prestar fiança e aval.
Uma situação que gera polêmica neste regime é o da obrigatoriedade de maiores
que 70 anos casaram-se apenas no regime de separação obrigatória. Em 2010, nova
redação é dada ao dispositivo, acrescentado pela Lei 12.344/10, em que não mais se
considera pessoas maiores de 60 anos e sim pessoas maiores que 70 anos. Entendeuse, pela maioria dos doutrinadores, que não era necessária a intervenção do Estado para
a escolha do regime para pessoas maiores que 60 anos, o qual limitava a
autonomia da vontade, ferindo princípios constitucionais de igualdade e igualdade.
Porém, esse aumento na idade contribuiu para sanar esse efeito de inconstitucionalidade
em tal dispositivo?
4.5 Pacto Antenupcial
O pacto antenupcial é a manifestação da vontade dos cônjuges, no qual eles
podem escolher livremente qual regime de bens pretendem adotar para a comunhão. O
pacto antenupcial é necessário para escolha de qualquer regime de bens previsto na
legislação, exceto o regime de comunhão parcial de bens.
Esse pacto tornar-se-á nulo se não houver a escritura pública, condição de
validade do pacto (ART. 1.653 CC).
Alguns doutrinadores o consideram um contrato, e outros o conceituam como
um negócio jurídico, por isso é chamado também de contrato matrimonial.
A eficácia do pacto antenupcial vigora a partir da data do casamento, o qual está
sujeita a condição suspensiva (ART. 1.639 CC/02).
Com relação às doações recíprocas é possível serem feitas no pacto antenupcial.
Porém, para que tenha efeito no regime de comunhão universal, faz-se
necessária cláusula de incomunicabilidade, a qual se consigna de forma expressa que o
bem doado ficará exclusivamente para o donatário, já que se não o fizer o bem recebido
passará também para o doador (ART. 1.668 IV).
O pacto nupcial pode ser realizado por menor, porém é necessário de aprovação
de representante legal, o qual deverá constar sua autorização na escritura. Para o
matrimonio é necessária a autorização de ambos os cônjuges ou dos representantes
legais (art. 1.517).
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo geral identificar o regime de bens no
direito pátrio, sua aplicabilidade e efeitos no matrimônio, diante do ordenamento
jurídico brasileiro.
O trabalho foi divido em quatro etapas, sendo que: a primeira abordou temas
sobre a evolução histórica, natureza jurídica do casamento e princípios fundamentais.
Verificou-se a importância do direito romano para o regime de bens no Brasil, a partir
do antigo Código de 1916; o surgimento de três correntes doutrinarias a respeito da
natureza jurídica do casamento: contratualista, institucional e a mista ou eclética.
Onde revelam uma união formal, em que são compostas por duas pessoas, com a
finalidade de constituírem uma família. E os princípios em que conceituam a vontade
dos nubentes, a liberdade para a mudança de regime, assim como a vigência do
matrimônio.
Na segunda etapa, abordaram-se temas sobre os regimes matrimoniais,
conceituando os regimes do código civil de 1.916 assim como o regime atual de 2002.
A terceira etapa estabelece a opção que se dá aos nubentes para a mudança de
regime matrimonial, quais as causas que legítimas a modificação do regime.
Por fim, na quarta etapa deste trabalho, estudou-se o regime de bens previstos no
atual Código Civil, quais sejam: comunhão parcial de bens, comunhão universal de
bens, participação final nos aquestos, separação de bens e separação obrigatória de bens.
Pode-se ter uma visão geral do regime de bens adotados no Código Civil de
2002, quais bens serão comuns a ambos os cônjuges, quais pertencerão a cada um
deles de forma independente, e como ficará a administração de tais bens.
Verificou-se também os bens excluídos no casamento assim os que se incluem neste.
Definiu-se a importância do pacto antenupcial para escolha do regime de
bens, excetuando-se o regime de comunhão parcial, que não se faz necessário.
Logo, conceituou-se a importância do Regime de bens para a constituição
familiar, já esta escolhe determinará os rumos econômicos, e até mesmo
emocionais, dos nubentes durante o casamento.
Homem e mulher se apaixonam, namoram e se casam ( inclui a união estável)
e não pretendem se separar, porém é nessa separação, ou até mesmo durante o
matrimônio, que percebem o quão é importante a escolha de um regime de bens.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Revista dos Tribunais, 2009.
108
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09. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade Nery. Código de
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16. VENOSA, Sílvio de Salvo, op. Cit., p. , “apud”, BORDA, Guillermo A.
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17. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 11.ed. São Paulo:
Atlas, 2011.
109
ADOÇÃO NO BRASIL: ANÁLISE CRÍTICA DA NOVA LEI DE ADOÇÃO –
LEI Nº 12.010 DE 03 DE AGOSTO DE 2009
Acadêmica Débora Carneiro de Brito
Especialista e Professora Alessandra Gonçalves Heronville da Silva
RESUMO: Existem no Brasil milhares de crianças e adolescentes abandonados
em acolhimentos institucionais esperando pela chance de serem adotados. Foi
constatado que a imensa maioria desses menores tem família e não possui as
características condizentes àquelas desejadas pelos pretendentes à adoção, ao menos por
pessoas ou casais nacionais, seja porque tem idade superior a três anos, seja porque
pertencem a grupos de irmãos ou porque apresentam alguma insuficiência orgânica ou
mental que requer cuidados especiais. Para maioria dessas crianças e adolescentes de
nada adianta simples alterações das normas legais relativas à adoção, tornando-se
necessário uma revisão profunda das políticas públicas adotadas no Brasil destinadas a
garantir o efetivo exercício do direito a convivência familiar, nas suas mais variadas
formas. Nesse sentido é que a Lei nº 12.010 de 03 de agosto de 2009, denominada Nova
Lei de Adoção ou Lei Nacional de Adoção, inseriu diversas alterações em vários
dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/90, que dizem
respeito ao direito referido. No estudo da nova lei, observou-se que a mesma busca
aprimorar a sistemática do instituto da adoção já existente no Brasil, prevendo a
garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, e
assegurando à intervenção do Estado prioritariamente para a orientação, apoio e
promoção social da família natural. Verificou-se que somente depois de comprovada
absoluta impossibilidade de manutenção da criança ou do adolescente na sua família, e
por decisão judicial fundamentada, haverá colocação em família substitutiva, sob a
forma de adoção, tutela ou guarda. Procurando dar maior celeridade ao processo de
adoção, e evitar que crianças e adolescente fiquem “eternamente” esperando por uma
família, o legislador fixou em no máximo dois anos a permanência desses menores
em programas de acolhimento institucional. A questão foi tratada sob o prisma da
Constituição Federal de 1988 que consolidou, mediante exposição de extenso rol de
garantias, a teoria da proteção integral, sintetizada em seu artigo 227, e da Lei nº
8.069/90 (ECA). Referidos diplomas normativos certificam absoluta prioridade ao
melhor interesse da criança e do adolescente, reconhecendo-os como sujeitos de direito
e destacando uma condição especial de pessoa em desenvolvimento. Dessa forma,
partindo da lei em exame, foram investigadas suas consequências sociais e jurídicas
após a aplicação prática da mesma, traçando uma análise crítica a seu respeito,
verificando-se, assim, a efetividade destas mudanças no incremento do número de
adoções no Brasil.
Palavras-chave: adoção, crianças, adolescentes, convivência familiar, proteção
integral, prioridade absoluta, família natural, família extensa, família substitutiva,
intervenção estatal.
110
INTRODUÇÃO
No Brasil, a lei de adoção sempre foi conhecida por ser extremamente
burocrática, o que impede crianças e adolescentes de realizarem o sonho de serem
adotados e encontrarem uma família mais rapidamente. Objetivando a mudança dessa
realidade, a Lei nº 12.010/2009 - Nova Lei de Adoção busca em princípio, sua agilidade
e eficácia. Traz significativas alterações na Lei nº 8.069/90 (ECA), principalmente no
que diz respeito ao direito à convivência familiar e comunitária, idealizada como
algo primordial para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Fixa em no
máximo dois anos a permanência destes em acolhimentos institucionais e exige que
o processo seja revisto pela autoridade judiciária de seis em seis meses.
Sob a visão legislativa pertinente, considerando as opiniões de vários
doutrinadores que comentam e ressaltam as vantagens e desvantagens da nova lei, nesse
trabalho far-se-á uma análise, atentando para sua aplicabilidade perante a realidade do
nosso país.
Inicialmente serão destacadas noções gerais acerca do instituto da adoção, seu
conceito e finalidade atual, sua natureza jurídica, e sua evolução histórica no mundo
e no Brasil.
O Instituto da Adoção passou por diversas transformações no decorrer do tempo,
conforme a sociedade e o momento histórico em que estava inserido. Assim, será
examinado a partir da antiguidade, passando pelo Código de Hamurabi, pelas Leis de
Manu, adentrando no Direito Romano e chegando à Idade Moderna. Em seguida serão
dispostas as alterações legislativas no direito brasileiro a partir do Código Civil de 1916
até a atualidade.
A concepção inicial da adoção era a de dar filhos a quem não podia tê-los,
atendendo especialmente aos interesses dos adultos. Posteriormente, os adotados é que
passaram a ganhar cada vez mais importância neste processo. A legislação foi
avançando no sentido de proteger os interesses dos menores, o que culminou na
proteção integral introduzida na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da criança e
do adolescente de 1990 e, por fim, na Nova Lei de Adoção - Lei nº 12.010, de 03 de
agosto de 2009.
A segunda etapa, deste trabalho de pesquisa, tratará da nova regulamentação
sobre a adoção introduzida no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Serão
expostos, de forma abreviada e descritiva, os requisitos pessoais quanto aos adotantes e
quanto aos adotandos; os requisitos formais para o processo de adoção; e os efeitos
pessoais e patrimoniais após concretização da medida. Em alguns aspectos, far-se-á uma
comparação entre as regras originárias do Estatuto naquilo que se refere à adoção,
verificando-se como era antes da nova lei e como ficou após.
Em matéria de requisitos pessoais, o ECA segue alguns parâmetros da trajetória
histórica da adoção, como a idade mínima para poder adotar, a diferença de idade entre
adotante e adotado, e uma série de proibições e algumas restrições. Estes
parâmetros se repetem, porém com muita atualidade e seguindo os vários princípios
constitucionais.
111
Serão descritos os vários procedimentos exigidos para o deferimento da adoção.
Como um pré-requisito formal, a lei exige a habilitação (cadastramento) dos
interessados à adoção. A constituição do vínculo adotivo se inicia com a apreciação
judicial dos cadastros.
Em seguida, segue-se a fase judicial propriamente dita, assinalada,
especialmente, pela apreciação da conveniência da adoção. Culmina com a sentença
constitutiva da adoção. A lei determina que o Ministério Público deva intervir,
obrigatoriamente, em todos os atos do processo.
Na terceira etapa, serão explorados os princípios consagrados pela Nova Lei da
Adoção, princípios estes que surgiram com o propósito de orientar a intervenção estatal
na aplicação das medidas de proteção da criança e adolescente e de suas famílias.
A nova lei prioriza a convivência familiar e comunitária e a manutenção da
criança e do adolescente na família de origem. Sua colocação em família substituta deve
ser a última hipótese. Buscando preservar o convívio da criança dentro de sua família
natural, a lei apresenta o conceito de família extensa ou ampliada, a qual tem
preferência na adoção, devendo ser inserida em programa de orientação e auxílio. Na
colocação de menor em família substituta, a preferência será dada primeiramente aos
adotantes brasileiros, em seguida aos brasileiros residentes fora do país, e somente
em casos excepcionais aos estrangeiros.
A nova lei traz expressa previsão da necessidade de cautelas adicionais quanto à
destituição do poder familiar, que é considerada medida extrema a ser tomada
antes da colocação em família substituta.
Faltando a família biológica com seus deveres, uma das medidas previstas no
Estatuto da Criança e do Adolescente é o abrigamento (que segundo a nova lei passa a
chamar acolhimento institucional). O acolhimento institucional é uma medida
excepcional e provisória que tem a finalidade de assegurar a preservação dos vínculos
familiares ou a integração em família substituta se frustrados os recursos de
manutenção na família de origem.
Na última etapa desse trabalho, será apresentada uma análise crítica da Nova Lei
da adoção. A questão principal será investigar se os objetivos do legislador foram
alcançados, ampliando o número de adoções no Brasil e impedindo que milhares de
crianças e adolescentes permaneçam esquecidos em acolhimentos institucionais ou, se
na tentativa de acelerar e solucionar essa questão a lei acabou criando mais obstáculos
para sua concessão, tornando a adoção num processo ainda mais burocrático, ficando
cada vez mais distantes as chances de transformar o sonho de tantos menores em
realidade.
112
1 NOÇÕES GERAIS ACERCA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO
1.1 CONCEITO E FINALIDADE DA ADOÇÃO.
O termo adoção é empregado constantemente no direito, porém não possui
uma interpretação unívoca. Sugere, no direito de família, a idéia de aceitação de uma
pessoa como filho.
No Brasil o conceito de adoção apresentado pelos nossos doutrinadores vem
sendo modificado no tempo.
Clóvis Beviláqua (apud Rodrigues, 2004, p. 340) define a adoção como
ato jurídico pelo qual alguém aceita um estranho, na qualidade de filho.
Sílvio Rodrigues (2004, p. 340) prefere definir a adoção como ato do adotante
pelo qual traz para sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha.
Para Caio Mário de Silva Pereira (2011, p. 407) é ato jurídico pelo qual uma
pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer
parentesco consangüíneo ou afim.
Maria Helena Diniz (2010, p. 522) conceitua a adoção com base em definições
formuladas por diversos autores: a adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo
qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de
qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação,
trazendo para sua família na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.
Nessa linha de raciocínio, a adoção é ato ou negócio jurídico que cria um
liame de paternidade e filiação civil, em que uma pessoa passa a gozar da
condição de filho de outra pessoa, independentemente de qualquer laço de
consanguinidade. Por ser parentesco constituído em lei, gera uma nova situação
jurídica, uma nova relação de filiação, que é amparada sobre a presunção de uma
ligação não biológica, mas afetiva (Venoza, 2011) .
O que se deve ressaltar é que a ideia central da adoção tratada inicialmente
no Código Civil de 1916 tinha em vista especialmente a figura do casal que não podia
ter filhos, e suas regras foram estabelecidas principalmente em seu benefício.
Entretanto, a perspectiva da legislação atual, sobretudo do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) – Lei nº 8.069/1990 e da Nova Lei de Adoção – Lei nº
12.010/2009, é claramente inversa, pois o legislador preferiu proteger os interesses do
menor.
Como consequência, o conceito da adoção na atualidade se tornou mais
abrangente, pois o Instituto passou a exigir que seja priorizado o princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente (inciso IV, § único, art. 100, ECA).
Assim, a adoção passou a ter como principal finalidade a inserção integral e
definitiva da criança e do adolescente em um novo ambiente familiar. Na atualidade não
113
são os pais que têm direito ao filho, mas sim, e principalmente, o menor que tem
direito a uma estrutura familiar que lhe certifique estabilidade e todos os elementos
necessários a um crescimento equilibrado (Ferreira, 2009) .
A esse respeito, cumpre transcrever a precisa observação de Rolf Madaleno
(2009, p. 465): desde o advento da Constituição Federal e depois com a promulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente, o instituto da adoção sofreu profundas e
consistentes alterações na legislação brasileira, passando a proteger integralmente o
menor e, finalmente, inserindo-o no ventre de uma família, fazendo desaparecer
definitivamente as variações adotivas que cuidavam de discriminar o menor, com sua
adoção simples, e não integral, como se o afeto pudesse merecer gradação protegida da
lei.
Assim, a criança e o adolescente passam a ser consideradas como prioridade na
relação adotiva. O adotado deixa de ser visto como aquele que traz para uma família
a satisfação da convivência e da presença infantil, porém cheia de ressalvas e de
cuidados por se tratar de uma pessoa estranha, que não possui o sangue da família
adotiva. Ao contrário, cabe a entidade familiar, na qual o menor foi acolhido, como
sendo filho afetivo, o dever de construir um ambiente capaz de proporcionar um pleno
desenvolvimento de sua personalidade e a efetiva realização de seus direitos
fundamentais.
Conforme palavras de César Fiuza (2011, p. 1073), se a adoção antes tinha o
objetivo precípuo de dar um filho a quem não tinha, hoje, seu objetivo é acima de
qualquer outro, dar um lar a quem não tem.
Maria Berenice Dias (2009, p. 434) escreve sobre o tema da seguinte maneira: a
doutrina da proteção integral e a vedação de referências discriminatórias na filiação
(CF, 227 § 6º) alteraram profundamente a perspectiva da adoção. Inverteu-se o enfoque
dado à infância e à adolescência, rompendo-se a ideologia do assistencialismo e da
institucionalização, que privilegiava o interesse e a vontade dos adultos. Agora a adoção
significa muito mais a busca de uma família para uma criança. Foi abandonada a
concepção tradicional, em que prevalecia sua natureza contratual e que significava a
busca de uma criança para uma família [...]
Enfim, o Instituto da Adoção passou a cumprir um papel de inegável
importância humanitária, valorizando o afeto como elo de união natural, social e legal
da entidade familiar.
1.2 NATUREZA JURÍDICA
A natureza jurídica da adoção é matéria que envolveu e ainda envolve grande
divergência por parte dos doutrinadores. Alguns autores a julgam um contrato,
alguns a qualificam simplesmente como ato solene, ou então como filiação criada
pela lei. Outros entendem se tratar de instituto de ordem pública. Por fim, existem
aqueles que defendem a linha de pensamento que a trata como figura híbrida, um
combinado de contrato e de instituição de ordem pública.
114
Sílvio de Salvo Venoza (2011) justifica que essa dificuldade existe em
decorrência da natureza e origem do ato, uma vez que as categorias gerais da teoria
geral nem sempre são aplicadas no campo dos institutos do direito de família,
especialmente porque este se encontra repleto de matérias jurídicas de interesse público.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2010), no sistema do Código Civil de
1916 era certa a natureza contratual da adoção. Tratava-se de negócio jurídico bilateral
e solene, pois se realizava por escritura pública, sendo exigido apenas o consentimento
das duas partes. Portanto, a adoção naquela época sujeitava-se apenas a um ato de
vontade, não havendo a interferência do Estado através do Poder Judiciário.
Seguindo o entendimento do citado doutrinador, a partir da Constituição Federal
de 1988, porém, a adoção passou a constituir-se por ato complexo e impor a existência
de sentença judicial, prevista expressamente no art. 47 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, e no art. 1.619, do Código Civil de 2002, com nova redação dada pela lei
nº 12.010/2009.
E ainda, o fato do §5º do art. 227 da Constituição Federal fixar que a adoção
será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de
sua efetivação por parte de estrangeiros, deixa claro que o tema não se encontra mais
limitado a simples análise e julgamento dos cientistas do direito civil, uma vez
que passa a ser tratado como assunto de interesse geral, de ordem pública.
Rolf Madaleno (2009) entende que referida disposição constitucional realça a
natureza eminentemente institucional da adoção, concordando com a manifestação de
Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 364),
A adoção não mais estampa o caráter contratualista de outrora, como ato
praticado entre adotante e adotado, pois em consonância com o preceito constitucional
mencionado, o legislador ordinário ditará as regras segundo as quais o Poder Público
dará assistência aos atos de adoção. Desse modo, como também sucede no casamento,
podem ser observados dois aspectos na adoção: o de sua formação, representado pelo
ato de vontade submetido aos requisitos peculiares, e o de status que gera,
preponderantemente natureza institucional.
Dessa forma, e conforme a adoção do Estatuto da criança e do adolescente,
se pode mais levar em conta apenas a existência da simples bilateralidade
manifestação de vontade, visto que exige a participação ativa do Estado para
efetivação e validade, com a imposição de uma sentença judicial, sem a qual
ocorrerá adoção.
não
na
sua
não
Nota-se assim, que qualificar o instituto da adoção simplesmente como contrato,
ato solene, ficção legal ou instituição restringe a natureza jurídica do mesmo,
desviando-o da realidade a que deve servir e o distanciando de seus objetivos.
Caio Mário da Silva Pereira (2011) considera que, embora a adoção tenha
adquirido a natureza de instituto de ordem pública, não afastou o consenso de sua
estrutura jurídica. A lei 12.010/2009 não revogou a regra do art.45 do ECA, declarando
que a adoção depende do consentimento dos pais ou representante legal do adotando.
115
Dessa forma, no entendimento do mencionado autor, bem como no de outros
grandes juristas, a interpretação da natureza jurídica da adoção que mais se ajusta aos
tempos modernos é aquela classificada como híbrida, que possui fundamento tanto
contratual, quanto institucional, apresentando elementos de direito privado e
elementos de direito público, no qual ambos são responsáveis por sua formação,
pois ainda que ocorra a manifestação de vontade das partes, estas não têm autonomia
para regularizar seus efeitos, permanecendo estes pré- determinados pela lei.
Esse último posicionamento é o adotado neste trabalho, uma vez que, percebe-se
que a adoção requer o acordo de vontades e o cumprimento a certas formalidades legais,
e sua análise por parte do magistrado.
1.3 ORIGEM E EVOLUÇÃO NO MUNDO
A adoção é um dos mais antigos institutos do Direito, e tem sua origem
fundada na religião. A procriação, na antiguidade, era de fundamental importância
não só para dar continuidade à espécie humana, mas também para lhes trazer a
salvação, pois os homens acreditavam que os filhos eram responsáveis pelas
cerimônias fúnebres dos seus antepassados (Magalhães, 2000).
Como sustenta Fustel de Coulanges, na sua obra "Cidade Antiga", a origem
da adoção repousa no dever de perpetuar o culto familiar. Baseada no sentimento
religioso era o último recurso utilizado para impedir que a família escapasse da desgraça
da extinção, assegurando posteridade a quem não a tinha por consanguinidade e
permitindo a perpetuação do nome e a continuidade do culto (apud, Rodrigues, 2004).
Assim, quando das ligações matrimoniais não sobrevinha descendência era
admitido ao marido adquiri-la de outra mulher, sendo esse filho, acolhido no seio da
família e adotado pela mulher estéril, que o considerava como se seu filho fosse.
Até mesmo na Bíblia temos exemplos dessa natureza. Conforme relata Rui
Ribeiro de Magalhães (2000, p.267), na passagem de Gêneses 16, Sara, esposa de
Abraão, vendo que não podia dar filhos ao marido, acaba por entregar a escrava Agar,
dizendo-lhe: visto que o Senhor fez de mim uma estéril, peço-te que vás com a minha
escrava. Talvez, por ela, eu consiga ter Filhos. Também na passagem de Gêneses 30, foi
Raquel que, não podendo gerar, cede ao marido Jacob a escrava Bilha, dizendo-lhe: aqui
tens a minha serva Bilha, vai ter com ela. Que dê a luz sobre os meus joelhos; assim por
ela eu também terei filhos.
Conforme observa o mencionado autor, nos dois exemplos já ocorria o princípio
da adoção quando ambas afirmaram: por ela também terei filhos, referindo-se à
concepção da escrava pelo marido.
Portanto, a adoção apenas era admitida para aqueles que ainda não possuíssem
filhos, pois os que já os tivessem traziam consigo a segurança de perpetuar o culto
familiar e dar continuidade à família.
116
O instituto surge legislado com o Código de Hamurabi, por volta do ano 1700
a.C. na Babilônia, que também traz disposições no mesmo sentido. Além disso, esse
código já fazia alusão expressa à relação adotiva da forma como a conhecemos.
Estabelecia, por exemplo, no art. 185: se um homem adotou uma criança desde seu
nascimento e a criou, essa criança adotada não poderá ser reclamada (Magalhães,
2000).
Nota-se que já naqueles tempos remotos a preocupação do legislador já era
saber, acima de tudo, quando os pais biológicos podiam reclamá-lo do pai adotivo.
Além de tratar dessa questão, o Código de Hamurabi previa, ainda, a solução da
sucessão hereditária, que segundo Magalhães, funcionava da seguinte forma: se um pai
após a adoção tivesse filhos naturais e por esse motivo decidisse rejeitar o adotivo,
poderia assim agir, porém dos seus bens móveis deveria dar a terça parte a título de
herança a esse filho.
Do mesmo modo que a sociedade babilônica, a hindu também tratava em sua
legislação, do instituto da adoção. Conforme as leis de Manu, IX, 10, aquele a
quem a natureza não deu filhos, pode adotar um para que as cerimônias fúnebres não
cessem.
O Código de Manu, redigido entre os séculos II a.C. e II d.C., vem novamente
enaltecer a maternidade, chegando mesmo a declarar que o papel da mulher na terra era
o de dar à luz, o que possibilitava ao marido a sua substituição se casados fossem por
mais de 08 (oito) anos sem que a esposa procriasse. No caso de esterilidade do
homem, o filho primogênito poderia ser gerado pela coabitação da mulher,
expressamente autorizada pelo marido, com o irmão deste ou outra pessoa ligada a ele
(Magalhães, 2000).
Contudo, ainda anota Magalhães, que é na parte que cuida da questão sucessória,
que se percebe que já havia a prática da adoção naquela época. Determinava, por
exemplo, o art. 558: um filho dado a uma pessoa não faz mais parte da família de seu
pai natural e não deve herdar de seu patrimônio. O bolo fúnebre segue a família e o
patrimônio; para aquele que deu filho não há mais oblação fúnebre feita por esse filho.
Certo é que ambas as legislações eram leis escritas que já traziam prescrições
expressas reconhecendo a adoção.
Na Grécia Antiga, somente os homens possuíam o direito de adotar e serem
adotados. A adoção era vista como um ato solene, requerendo a intervenção do
magistrado, salvo quando realizada por testamento. Se não houvesse outro filho na
família adotiva, o filho adotivo era impedido de voltar à sua família natural. E, no
caso de ingratidão, a adoção poderia ser revogada. Em síntese, o instituto também
tinha inspiração de cunho religioso, no qual a principal preocupação era com a
perpetuidade do culto doméstico (Gomes apud Chaves, 1988).
Foi no Direito Romano onde a adoção mais se desenvolveu, e encontrou
disciplina e ordenamento sistematizado. A forma em que foi apresentada nesse sistema
é que fundamenta o incremento da adoção em nosso direito, não obstante tenha deixado
117
de existir àquela inspiração religiosa, substituída pelo desejo de satisfazer a afetividade
paternal, assim como o sentimento de solidariedade humana (Pereira, 2011).
Sobre o assunto, Artur Marques da Silva Filho (2011, p. 23) faz importante
anotação: em Roma o sentido da adoção é diverso do empregado nos dias modernos e
foge do campo afetivo. Estando vinculado a um conceito próprio de hierarquia
decorrente em grande parte da religião, todos os descendentes estavam ligados ao
pater, até o seu falecimento. A religião tinha influência preponderante e cada família
possuía seu culto doméstico, sendo sacerdote o pater, a quem cumpria prestar honras e
seguir as tradições de seus antepassados. Estes eram reverenciados e havia grande
preocupação com a perpetuação da família, visto que ao descendente competia
substituir o pater, inclusive quanto ao culto a ele devido.
O Direito Romano conheceu dois tipos de adoção: a ad-rogatio que era
uma adoção mais complexa e a adoptio, a adoção propriamente dita.
A ad-rogatio, modalidade mais antiga, pertencente ao Direito Público, consistia
na adoção de uma pessoa capaz (sui iuris), muitas vezes um pater famílias, que
transmutava à posição de incapaz (alieni iuris), e se submetia juntamente com sua
família à autoridade de outro pater famílias. Nessa modalidade de adoção a família
inteira do adotado se extinguia, passando ao pátrio poder do adotante com todos os
seus descendentes e bens (Magalhães, 2000).
Como se pode ver, a ad-rogação era medida de extrema gravidade e
importantíssimas consequências, tornando cidadãos sui iuris em alieni iuris, somente
sendo concretizada após ser processada solenemente com a participação sucessiva da
Religião e do Estado (Chaves, 1988).
A adoptio, ou adoção propriamente dita, era instituto mais recente do Direito
Privado reservado aos (alieni iuris), ou seja, aqueles que estivessem sob o pátrio
poder.
Consistia, portanto, no ato pelo qual um filho incapaz ingressava na família do
adotante como filho. Considerado de menor gravidade por não requerer a intervenção
do povo nem da igreja, pois sendo o adotado um incapaz, não ocasionaria a extinção
da sua família e de seu respectivo culto. Diversamente da ad-rogatio, era preciso
à concordância dos dois pater famílias, mas não do adotado. Esse instituto não
produzia o efeito de modificação da capacidade, pois o adotado continuava a ser
alieni iuris, também não alterava a situação de seus filhos que permaneciam na família
de origem (Venoza, 2011).
Nos dois tipos de adoção se exigia idade mínima do adotante de 60 anos,
bem como não ter filhos naturais, devendo o adotante ter 18 anos mais que o adotado.
Também por contrato, perante confirmação da autoridade e por testamento,
era praticada a adoção. Como declaração de última vontade, a adoptio per testamentum,
tinha o propósito de produzir efeito post mortem do testador (Pereira, 2011).
A princípio a mulher não podia adotar, cabendo esse direito somente ao varão.
Todavia, à medida que se enfraquecia o fundamento religioso, foi-se abalando essa
118
restrição, até que, já no século VI, o direito Justiniano autorizou a adoção à mulher que
tivesse perdido seus filhos, como uma forma de consolação.
Em época mais atual do Direito Romano, com Justiniano, passaram a existir
duas modalidades de adoção: adoptio plena, que ocorria entre parentes. A adoptio minus
plena era modalidade nova, realizada sempre que o filho era dado em adoção a
uma pessoa que não fosse seu ascendente, ou seja, a um estranho. Nos dois casos, o
adotado preservava os direitos sucessórios da família originária (Venoza, 2011).
Na Idade Média, sob influência do Direito Canônico, o instituto da adoção
foi perdendo forças até cair em desuso. Foi totalmente ignorado pela igreja, tendo em
vista que se valorizava apenas a filiação proveniente do matrimônio religioso. Além
disso, o instituto da adoção ia contra os interesses econômicos que predominavam
naquele período, pois impedia as doações pós-óbito, deixadas pelos ricos senhores
feudais quando morriam sem descendentes. (Madaleno, 2009)
O instituto da adoção foi retirado do esquecimento no Direito Moderno, com as
reformas sociais da Revolução Francesa, sendo posteriormente incluído no Código
de Napoleão de 1804, e deste para quase todas as demais legislações que nele se
inspiraram.
A adoção passou a ter configuração mais consciente com o surgimento da
primeira guerra mundial, diante do inesperado e alto índice de orfandade
instaurado pelas baixas parentais suscitadas pelas batalhas.
Descentrou-se dos
interesses da pessoa do adotante, virando-se para a proteção da criança adotada
(Madaleno, 2009).
Enfim, o direito experimentou avanços no campo da adoção, que foi estruturado
de acordo com a realidade de cada época. Com maior ou menor dimensão, a adoção
passou a ser recepcionada por quase todas as legislações modernas, valorizando-se
na atualidade o bem-estar do menor e o sentimento humanitário como preocupações
preponderantes.
1.4. ORIGEM E EVOLUÇÃO NO BRASIL
No direito brasileiro pré-codificado, o instituto da adoção não se encontrava
sistematizado. No entanto, existiam especialmente nas Ordenações Filipinas,
inúmeras referências, admitindo-se, assim, a sua utilização. A carência de
regulamentação levava os juízes a suprir a omissão com o direito romano, interpretado
e modificado pelo costume atual.
1.4.1 Código Civil de 1916
Somente com o advento do Código Civil de 1916 a adoção ganha
sistematização no Brasil. Entretanto, com fortes censuras, não faltou quem defendesse a
sua eliminação por entender ser uma instituição retrógrada e inútil, que não
119
condizia com curso natural das coisas. Alegavam que a adoção favorecia o celibato,
que poderia ser introduzido na família filhos incestuosos e adulterinos, seria causa
de muitas ingratidões e arrependimentos, favoreceria a fraude fiscal nas sucessões, e
permitiria a venda de crianças pobres pelos pais em favor dos adotantes ricos (Chaves,
1988).
A existência dessa oposição refletiu claramente no caráter rígido e fechado
do instituto, que exigia do adotante a idade mínima de cinqüenta anos de idade, e
impossibilitava a adoção para quem já tivesse prole legítima ou legitimada.
Clóvis Bevilaqua, ilustre civilista pátrio, defendeu o instituto, e dentro da visão
da época, de que a adoção tinha por finalidade proporcionar filhos a quem não
os tinha pela natureza, se mostrou entusiasmado com seu surgimento, por compreender
exercer função de grande valor para sociedade em que viviam.
Assim argumentou o mencionado doutrinador (apud Magalhães, 2000, p. 276):
[...]o Código fez bem em reerguê-lo, e dar-lhe feição acentuada, porque na
sociedade moderna ele é chamado a desempenhar uma função valiosíssima. Não se
trata, simplesmente, de encontrar um continuador da família; nem, por outro lado, nós
devemos recear de que pela adoção se possam perfilhar adulterinos e incestuosos. Se
somente para esse fim servisse a adoção, já seria de alta valia o seu préstimo. O que é
preciso, porém, salientar é a ação benéfica, social e individualmente falando, que a
adoção pode exercer na sua fase atual.
A adoção civil era regulada na versão original do Código Civil de 1916 nos
artigos 368 a 378. Somente era permitida a adoção aos maiores de cinquenta anos de
idade, sem prole legítima ou legitimada; a diferença de idade entre adotante e adotado
deveria ser de, no mínimo, dezoito anos; somente sendo marido e mulher poderia
duas pessoas adotar em conjunto; não se permitia a adoção sem a concordância da
pessoa, sob cuja guarda estivesse o adotando, menor ou interdito; o adotando, quando
menor ou interdito, poderia desvincular-se da adoção no ano seguinte em que cessasse a
interdição ou menoridade; o vínculo da adoção poderia ser desfeito se adotante e
adotado anuíssem ou se o adotado praticasse ato de ingratidão contra o adotante.
A adoção tinha natureza contratual, se realizando por escritura pública. O
parentesco proveniente da adoção era restrito ao adotante e adotado, salvo quanto
a impedimentos matrimoniais. E, os direitos e deveres que resultavam do parentesco de
origem não se extinguiam pela adoção, salvo o pátrio poder, transferido aos pais
adotivos.
Apesar do progresso considerável assinalado pela regulamentação do instituto da
adoção no Código de 1916, este se mostrava pouco satisfatório, quase impossível
de se praticar. Logo ficou evidente que da forma como estava sendo posto não
conseguiriam incrementar, como se esperava, o uso da adoção, especialmente em
função das exigências apresentadas no que diz respeito à idade do adotante.
Diante dessa situação surgiram movimentos para iniciar alterações na lei, procurando
estimular a prática da adoção.
120
1.4.2 Lei nº 3.133 de 08 de maio de 1957
A partir da lei nº 3.133/1957 ocorreu a primeira grande inovação produzida
pelo legislador, no campo da adoção, que reformulou as bases estruturais do
instituto, trazendo transformações bastante significativas à matéria. Mudou-se o
enfoque dado ao instituto, pois enquanto, dentro do antigo regime, o objetivo da adoção
era de satisfazer apenas o interesse do adotante, trazendo para seu lar e na condição
de filho uma pessoa estranha, nesse novo sistema a adoção passou a ter uma
finalidade assistencial, que buscava, primeiramente, dar uma melhor condição de vida
ao adotado (Rodrigues, 2004).
Para Sílvio de Salvo Venoza (2011), essa lei simboliza um divisor de águas
na legislação e na filosofia da adoção no Direito brasileiro. Esse diploma suprimiu o
requisito da inexistência de filiação para realização da adoção, e reduziu de cinquenta
para trinta anos a idade mínima do adotante. Ainda, reduziu para dezesseis anos a idade
mínima entre adotante e adotado.
Mas apesar da referida lei avançar, eliminando o requisito da inexistência de
prole para adoção, continuou fazendo distinções na questão patrimonial. Determinou
expressamente no seu artigo 377 que, quando o adotante tivesse filhos legítimos,
legitimados ou reconhecidos, o vínculo de adoção não envolveria a sucessão
hereditária. Para Rui Ribeiro Magalhães (2000), esta foi uma posição mesquinha do
legislador, um retrocesso para o instituto, pois o adotado seria filho apenas no que se
referisse à afetividade, ficando excluído da sucessão patrimonial em função dos filhos
naturais.
1.4.3 Legitimação adotiva – Lei nº 4.655 de 02 de junho de 1965
Como na adoção disciplinada no Código de 1916, o adotado não fazia parte,
completamente, da nova família, continuando ligado aos parentes consanguíneos,
criou-se uma situação de insegurança, especialmente porque os adotantes se viam
constantemente na possibilidade de dividir o filho adotivo com a família de origem. Isso
servia de pretexto para a prática ilegal da adoção, em que os casais passaram a
registrar filho alheio como natural, fazendo parecer uma adoção, chamada pela
jurisprudência como adoção simulada ou adoção à brasileira (Gonçalves, 2010).
Por isso, manifestando plena consciência de que a questão precisava ser
enfrentada de forma a proteger principalmente o adotado, a lei nº 4.655/1965 criou
a Legitimação adotiva. Tratava-se de uma norma que trazia o benefício de se
estabelecer um vínculo de parentesco de primeiro grau, em linha reta, entre adotante e
adotado, como na adoção; e de gerar um parentesco semelhante ao que vincula um
pai a um filho natural, como na legitimação.
Foi também determinada à irrevogabilidade da legitimação adotiva em seu art.
7º, que dizia: a legitimação adotiva é irrevogável, ainda que aos adotantes venham
a nascer filhos legítimos, aos quais estão equiparados aos legitimados adotivos,
com os mesmo direitos e deveres estabelecidos em lei.
121
Criou-se então, a igualdade de direitos entre filho legítimo e legitimado ou
superveniente, salvo no caso de sucessão, pois seria excluído da mesma, caso
concorresse com filho legítimo superveniente à adoção.
1.4.4 Código de menores – Lei nº 6.697 de 10 de outubro de1979
O Código de Menores – lei nº 6.697/1979, revogou a legitimação adotiva,
substituindo-a pela adoção plena, praticamente com as mesmas características da
constante lei, e também buscou proporcionar a integração da criança e do
adolescente adotado na família adotiva.
A partir dessa lei teve-se a divisão do instituto em três espécies de
adoção, a saber: a do Código Civil, direcionada à adoção de pessoas de qualquer
idade; a adoção simples, destinada aos menores em situação irregular; a adoção plena,
mais abrangente, que atribuía o status de filho legítimo ao adotado, procurando
proporcionar a integração da criança e do adolescente adotado na família adotiva
(Magalhães, 2000).
A adoção simples criava um parentesco civil abrangendo somente adotante
e adotado, era revogável pela vontade das partes e não extinguia os direitos e
deveres do parentesco de origem. De acordo com seus artigos 2º e 27 era destinada
aos menores de 18 anos que se encontrassem em situação irregular.
A adoção plena, ao contrário, apagava todos os sinais do parentesco natural
do adotado. Conforme determinava o art. 30 da referida lei, era cabível apenas aos
menores em situação irregular de até 07 anos, por meio de procedimento judicial,
podendo ser deferida em favor de menores que tivessem com idade superior a esta,
desde que já estivessem sob a guarda dos adotantes.
Foi então, a partir desta lei que as crianças e adolescentes passaram a receber um
tratamento mais condizente com a sua fragilidade, muito embora não tivessem como
fundamento o princípio da maior proteção da criança e do adolescente, que
somente foi plenamente empregada na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), legislações
posteriormente editadas.
1.4.5 Constituição Federal de 1988
A promulgação da Constituição Federal de 1988 foi um grande marco
histórico para o Direito da Criança e do Adolescente no Brasil, alterando
consideravelmente a situação jurídica da adoção e da família, de forma a prestigiar a
dignidade da pessoa humana.
A criança e o adolescente passaram a ter o direito fundamental de alcançar à fase
adulta sob as melhores garantias morais e materiais, da forma como prevê o artigo
122
227 da Constituição Federal de 1988 que introduziu em nosso direito o que chamamos
de Doutrina da Proteção Integral, ou seja:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A concepção de família evoluiu de forma a prestigiar a dignidade humana,
personalizando-se as relações entre seus integrantes e distanciando-se do modelo
patriarcal que vigorou por muito tempo.
A família em nosso direito passou a ter como base primordialmente o afeto
mútuo, impondo-se a observância de direitos e deveres recíprocos, com igualdade
entre os seus componentes, administração conjunta dos bens e transformação do
pátrio poder, que nesse novo contexto assume a forma de poder familiar.
Deixou de existir a diferenciação entre os filhos biológicos (legítimos) e os
filhos adotivos (ilegítimos). Ambos passaram a serem portadores dos mesmos direitos
e deveres.
Como consta no§ 6º do art. 227, os filhos, havidos ou não da relação do
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Contudo, a grande alteração referente à matéria em estudo adveio da redação do
§5º, do art. 227, ao exigir que a adoção deva ser assistida pelo Poder Público, na forma
que a lei estabelecer, não podendo mais ser constituída por escritura pública, revogando
assim, a adoção prevista no Código Civil de 1916.
1.4.6 Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990
Posteriormente, surgiu a Legislação que trouxe a sistematização dos direitos e da
proteção às crianças e aos adolescentes, a Lei nº 8.069/1990, mais conhecida como o
Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Com o advento dessa lei, o instituto da
adoção passou por nova regulamentação, trazendo como principal inovação a regra
de que a adoção seria sempre plena para os menores de 18 anos. A adoção simples,
regulada pelo Código Civil, por outro lado, subsistiria para aqueles que já tivessem
alcançado essa idade (Gonçalves, 2012).
A partir deste momento, os direitos e deveres das crianças e adolescentes
do Brasil passaram a ser tratados de forma a garantir, além dos direitos básicos
próprios de qualquer ser humano, o direito de ser criado e educado na sua
família de origem, e excepcionalmente, em família substituta, garantida à convivência
familiar e comunitária num ambiente sadio e livre de qualquer situação que
prejudique seu desenvolvimento (art. 19, ECA), proibindo-se quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação (art. 20, ECA).
123
Eliminou-se a situação anterior de proteção ao menor em situação irregular,
para abranger toda e qualquer criança e adolescente que se ache em situação de
desamparo.
Artur Marques da Silva Filho (2011) ressalta que por meio do Dec. 99.710,
foi aprovada pelo Congresso Nacional, em 14 de setembro de 1990, a Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, proclamada pela Assembléia Geral das
Nações
Unidas em 20/11/1989. Assim, o Brasil passou a respeitar toda a
regulamentação ali exposta.
Nessa direção Leila Dutra de Paiva (apud Silva Filho, 2011, p. 39) coloca que: o
sentido fundamental de todo esse processo, respaldado nos princípios de proteção à
infância das Nações Unidas, é que, na atualidade muito mais frequentemente que
no passado, a criança e o adolescente são reconhecidos como sujeito de direito.
Isso significa a consagração dos direitos fundamentais da pessoa na legislação
referente à infância, ou seja, a ênfase das políticas sociais deixa de centrar-se nas
crianças ditas em situação irregular e passa a assegurar a todas as crianças e
adolescentes os direitos pertinentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à proteção, à convivência familiar e comunitária.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que com a instituição do Estatuto da Criança e
do Adolescente, a adoção passou a ter nova fisionomia, em tudo idêntica à filiação
natural, conferindo legitimidade aos seus requerentes de maneira ampla e responsável, e
tornando-os habilitados para exercer completamente a paternidade.
1.4.7 Código Civil de 2002 – Lei 10.406/2002
Como visto antes da entrada em vigor do atual Código Civil - Lei 10.406 de
10/01/2002 - estavam previstas no nosso ordenamento duas formas de adoção: adoção
plena ou estatutária, para crianças e adolescentes regulada pelo ECA; e a adoção
simples, civil ou restrita para os maiores, regulada pelo Código Civil de 1916.
Conforme anotam Flávio Taturce e José Fernando Simão (2011), o Código Civil
de 2002 havia consolidado a matéria, não mais existindo a divisão supramencionada,
pois o Código Civil de 1916, que cuidava da adoção simples, foi inteiramente revogado.
O Código Civil de 2002 passou a servir tanto para adoção de maiores quanto para
menores de 18 anos.
Entretanto, o Código Civil por conter normas de caráter geral contemplava
disposições sobre a adoção não inteiramente compatíveis com as do Estatuto da Criança
e do Adolescente, lei especial para a infância e adolescência, dando ensejo a
dúvidas sobre a vigência desse Estatuto.
Com a Nova Lei da Adoção eliminou-se todas as dúvidas, pois não existem mais
dispositivos no Código Civil regulamentando a adoção. Neste diploma foram
expressamente revogados 10 artigos referentes ao instituto (arts. 1.620 a 1.629).
Permaneceram apenas dois (arts. 1.618 e 1.619), mas com redação alterada, para dispor,
124
respectivamente, que a adoção de menores passa a ser disciplinada pelo ECA e que a
adoção de maiores de 18 anos depende da assistência do poder público e de sentença
constitutiva, conformando-se, no que for aplicável, pelas regras gerais do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Portanto, com a Nova Lei, alterando e revogando os dispositivos do Código
Civil, a adoção tanto de menores quanto de maiores passou a ser determinada no
Estatuto da Criança e do Adolescente, que também teve significativas alterações em
vários de seus dispositivos, as quais serão oportunamente comentadas no decorrer deste
trabalho.
Constata-se, após o exposto, que a evolução histórica das legislações que
cuidaram e cuidam do instituto da adoção passou por transformações relevantes ao
longo dos anos, pois inicialmente o foco incidia sobre os adotantes, e, posteriormente,
os adotados é que passaram a ganhar cada vez mais importância neste processo,
culminando na proteção integral introduzida na Constituição Federal de 1988, no
Estatuto da criança e do adolescente de1990 e, por fim, na Nova Lei de Adoção (Lei nº
12.010, de 03 de agosto de 2009), fonte de estudo desse trabalho e que será analisada
com detalhes a partir do capítulo seguinte.
2 ADOÇÃO NO DIREITO ATUAL. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES
INTRODUZIDAS PELA NOVA LEI DA ADOÇÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA
E DO ADOLESCENTE.
Especialmente após edição da Lei nº 12.010/2009 - Nova Lei da Adoção, em
03 de agosto de 2009, o legislador atribuiu unicidade ao instituto da adoção,
regulando expressamente, no ECA - Lei nº 8.069/ 1990, sobre a proteção integral da
criança (até 12 anos de idade) e do adolescente (entre 12 e 18 anos de idade).
O objetivo desse capítulo é tratar das novas regras introduzidas no ECA. Serão
expostos, de forma abreviada e descritiva, os requisitos pessoais, os requisitos formais e
os efeitos da adoção no nosso país.
2.1 REQUISITOS PESSOAIS PARA A ADOÇÃO
Buscando ordenar o estudo dos componentes pessoais da relação jurídica
da adoção, serão apresentados os requisitos quanto ao adotante e adotando, nas
adoções singulares e conjuntas.
2.1.1 Em relação ao adotante
A adoção é um ato jurídico e como tal requer-se a capacidade para a sua
realização. Quando da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em
1990, vigorava o anterior Código Civil de 1916, que instituía o fim da menoridade aos
125
21 anos, e por essa razão também o ECA reconheceu essa idade mínima como
primeiro requisito de capacidade para aqueles que pretendiam adotar (art. 42). Com o
advento do Código Civil de 2002, porém, a maioridade foi reduzida para 18 anos
(art. 5º, caput), e em seu art. 1.618 prescrevia, da mesma forma, a idade mínima para
o adotante em 18 anos (Silva Filho, 2011).
A Nova Lei da Adoção - Lei nº 12.010/10, em conformidade com a capacidade
civil estabelecida pelo Código Civil de 2002, assim também instituiu o limite de
idade em 18 anos para o adotante. Portanto, como prevê o art. 42 do ECA somente
podem adotar os maiores de dezoito anos, independentemente do seu estado civil.
Importante ressaltar que além da prática do ato jurídico, o adotante passa a
exercer todos os direitos e deveres relativos ao poder familiar, detendo, conforme o
caso, os poderes de representar (art. 3º, CC/2002) e assistir (art. 4º, CC/2002) o adotado.
Assim, não podem adotar os maiores de 18 anos que sejam absoluta ou
relativamente incapazes. Nesse sentido, ensina Artur Marques da Silva Filho (2011, p.
71): aqueles que sofrem restrições em relação a sua capacidade, como por
exemplo, os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem o necessário
discernimento para a prática de certos atos, os que, mesmo por causa transitória, não
puderem exprimir sua vontade (art. 3º, II e III, CC/2002) e os relativamente
incapazes para certos atos – estão impedidos de adotar.
A idade de 18 anos é, no entanto, requisito objetivo para o adotante. Como a
adoção depende de um processo judicial, questões subjetivas, como maturidade para a
adoção, devem ser levadas ao Poder Judiciário e examinadas conforme a oportunidade e
conveniência de cada caso concreto.
O Código Civil de 2002 não fazia qualquer menção ao estado civil do adotante,
admitindo-se apenas a adoção por ambos os cônjuges ou companheiros, que poderia
ser consumada desde que um deles já houvesse completado 18 anos.
A nova lei desvinculou a adoção do estado civil do adotante (art. 42, ECA), e
ampliou significativamente as possibilidades de expansão do instituto. De acordo com a
nova regulamentação, tanto o estado civil, como o sexo e a nacionalidade não
interferem na capacidade ativa para adoção.
Poderão adotar individualmente as pessoas solteiras, viúvas, separadas
juridicamente e divorciadas. O art. 41, § 1º, ECA permite ainda, fazê-lo, de forma
unilateral, os cônjuges e companheiros. Nesses casos, conservam-se os vínculos
de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante e seus
respectivos parentes. Portanto, a substituição da filiação só ocorre na linha materna
ou paterna, não perdendo o cônjuge ou companheiro do adotante o seu poder
familiar, que será exercido conjuntamente.
Caso ocorra a adoção por apenas uma pessoa solteira ou que não possua
companheiro, incorre no exemplo de família monoparental, previsto no art. 226, §
4º, da Constituição Federal de 1988, que também teve reconhecimento no ECA
(art. 25), e que prescreve: entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
126
A lei prevê ainda que a adoção pode ser efetivada conjuntamente pelos cônjuges
ou companheiros. O art. 42, § 2º do ECA, dispõe, para adoção conjunta, é
indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união
estável, comprovada a estabilidade da família.
Rolf Madaleno (2009, p. 469) faz a seguinte observação quanto à
estabilidade familiar: embora a duração do relacionamento seja um forte indicador
de estabilidade da união estável, por si só e de modo isolado nada representa,
assim como o tempo de casamento também não é indicativo de um casamento
estável, devendo a investigação ir muito além do requisito temporal, para
descobrir os motivos que demovem o casal conjugal ou convivente a buscar os
vínculos da adoção, pois é desta resposta e daquelas que vão surgindo da história
de seu relacionamento que irão aparecer as verdadeiras informações acerca da
estabilidade da entidade familiar, o que poderá ser melhor identificado com o
auxílio de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais.
De acordo com a nova regulamentação o adotante pode adotar quantos filhos
quiser, simultânea ou sucessivamente.
Não existe qualquer dispositivo na lei que vede a possibilidade de os cônjuges
ou companheiros adotarem separadamente. Nestes casos, o adotante casado não
depende do consentimento do outro cônjuge para realizar a adoção, pois referida
exigência não faz parte do art. 1.647 do Código Civil, que descreve os atos que um
cônjuge não pode praticar sem o outro.
Em relação aos divorciados, ao juridicamente separados e aos ex-companheiros,
a nova lei deu nova redação ao art. 42, § 4º do ECA ao prescrever a possibilidade de
adoção conjunta, desde que o estágio de convivência tenha se iniciado na constância do
período de convivência do casal e que seja ajustado entre os mesmos a situação da
guarda do adotado e o regime de visitas, ressaltando que a excepcionalidade desta
concessão deve ter como base, a comprovação da afinidade e afetividade do adotado
com o não detentor da guarda.
Vale frisar, ainda, a inovação trazida ao § 5º do art. 42, que passa a permitir, nas
hipóteses de separação do casal, a concessão inclusive de guarda compartilhada, se
ficar comprovado verdadeiro benefício para o adotando.
Se no curso do procedimento da adoção o adotante vier a falecer antes da
prolatação da sentença, porém confirmando-se que o mesmo demonstrou em vida de
forma inequívoca a sua vontade em adotar a criança ou o adolescente, a adoção poderá
ser deferida, como se tivesse sido adotado em vida pelo de cujus, configurando-se a
denominada adoção póstuma (§ 6º, art. 42, ECA).
Muito se tem discutido, nos últimos anos, sobre a possibilidade de se
deferir a adoção de crianças e adolescentes a pessoas homossexuais. A Nova Lei da
Adoção não faz qualquer restrição à orientação sexual do adotante. Nem poderia ser
diferente, pois se assim o fizesse estaria contrariando frontalmente a Constituição
Federal que veda preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação (art. 3º, inciso IV).
127
Posto que, também o art. 5º, caput, expressamente determina que todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Todavia, a adoção por homossexual somente é admitida de forma individual, ou
seja, apenas um dos indivíduos pode ser o adotante.
Conforme posicionamento doutrinário considerado por anos majoritário, mas
que vem sofrendo mudanças, como não se trata de uma entidade familiar, não
seria possível a adoção por um casal de homossexuais. Embora a nova lei não tenha
mencionado a adoção homoafetiva, já existem julgados em diversos Estados
apontando para seu definitivo reconhecimento (Taturce e Simão, 2011).
Situação comum da realidade brasileira e que passou a ser disciplinada com
maior atenção pela nova lei é a adoção intuitu personae, forma de adoção na qual os
genitores, mais precisamente, a mãe do adotando expressa sua vontade e anuência
em relação à pessoa do adotante.
Mesmo com a indicação expressa daquele que vem a ser o adotante, a lei exige
que este apresente os mesmos requisitos objetivos, e todas as condições básicas
impostas aos que pretendem adotar. Apenas o prévio cadastramento dos interessados
na adoção pode ser dispensado nestes casos.
Acrescentando o parágrafo 13 ao art. 50 do ECA que trata dessa matéria, o
legislador diminui consideravelmente a possibilidade da adoção intuitu personae.
Tal dispositivo prevê como hipóteses para este tipo de adoção e, consequentemente,
como exceções à regra do cadastro prévio, as seguintes possibilidades: quando se tratar
de adoção unilateral, ou seja, quando se tratar da adoção do filho do cônjuge ou
companheiro; quando for formulada por parente com o qual a criança ou
adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; ou no caso de quem detém
tutela ou guarda legal de criança maior de três anos ou adolescentes, desde que o lapso
de convivência demonstre que se estabeleceu um laço de afinidade e afetividade entre
adotante e adotado, e não seja constatada a existência de má-fé no ato, nem tampouco
as situações previstas nos arts. 237 e 238 do ECA, que dizem respeito,
respectivamente à subtração da criança ou adolescente para colocação em um lar
substituto e a promessa de entrega de filho a terceiro, mediante pagamento ou
recompensa.
Outra prática comum utilizada no Brasil é a denominada adoção à brasileira. A
adoção à brasileira trata-se daquela em que uma pessoa ou casal registra, como sendo
seu, o filho de outrem, sem passar pelos trâmites adotivos legais. Esse tipo de
adoção, além de representar crime de falsidade ideológica punível por lei, também
expõe os adotantes à ausência de proteção legal na eventualidade de os pais
biológicos desejarem ter seu filho de volta.
Como estes “adotantes” atuam às margens da lei, não seguindo os processos de
avaliação e preparação exigidos pelo ECA, muitos, mesmo sem condições emocionais
de adotar, acabam o fazendo, trazendo prejuízos diversos aos direitos dos adotados.
128
Superados referidos pontos, como outro requisito da adoção temos presente
no parágrafo 3º do art. 42 do ECA que o adotante há de ser pelo menos 16 anos mais
velho do que o adotando. O Código civil estabeleceu, originalmente, uma
diferença mínima de 18 anos. Essa diferença foi reduzida para 16 anos na lei
3.133/1957, a qual foi mantida pelo ECA, e de igual forma pela Nova Lei da
Adoção.
Destaca a doutrina que entre adotante e adotando deve existir uma suficiente
diferença de idade como na filiação biológica, seguindo o princípio clássico que
fundamentou a adoção, ou seja, de que a adoção busca imitar a natureza (adoptio
imitatur naturam).
Washington de Barros Monteiro (apud Gonçalves, 2010, p. 383-384) argumenta:
exigindo a aludida diferença, quer a lei no lar instituir ambiente de respeito e
austeridade, resultado da natural ascendência de pessoa idosa sob re outra mais jovem,
como acontece na família natural, entre pais e filhos. Com forte razão, não se admite
que o adotado seja mais velho que o adotante. Semelhante adoção contraria a
própria natureza (adoptio naturam imitatur et pro monstro est, ut major sit filius quam
pater).
A nova lei não fixou limite máximo de idade, admitindo-se assim, que pessoas
de idade avançada também adotem. Nesses casos, a adoção somente pode ser
indeferida, pelo juiz, se manifestar-se inconveniente aos interesses do menor.
Visando evitar fraudes e a proteger as pessoas envolvidas no processo, ou ainda
por outras razões, o instituto da adoção sempre impôs certas restrições para que se
pudesse estabelecer o vínculo adotivo.
Nessa linha de raciocínio, o legislador manteve a disposição do art. 42, § 1º do
ECA, quanto a proibição de adoção entre ascendentes ou entre irmãos do adotando.
Dessa forma, por absoluta incompatibilidade com o instituto da adoção, não é permitido
ao avô adotar o neto, nem a pessoa solteira, ou um casal sem filhos adotar um
irmão de um dos cônjuges. No sistema anterior, era permitida a adoção por avós,
entendendo a jurisprudência que não existia impedimento para tal, embora houvesse
divergência. Atualmente, a lei permite que o avô seja detentor da guarda do neto,
seja seu tutor, mas não permite a sua adoção (Gonçalves, 2010).
Silva Filho (2011) observa que a perspectiva da adoção é a de se criar um
verdadeiro direito parental entre adotante a adotando, e, por isso, já havendo um
vínculo natural de parentesco, não teria significado algum se admitir outro. No
caso de irmãos, causaria uma confusão de parentesco tão próximo, pois o adotado
seria irmão e filho ao mesmo tempo.
Quanto à adoção dos próprios filhos, vale lembrar que nossa legislação não mais
faz distinção entre filhos legítimos e ilegítimos (art. 227, § 6º, CF/1988). E por essa
razão, não é dado o direito aos pais de adotar quem já é filho por natureza.
Uma vez que, não há impedimento nem na lei, nem na natureza da adoção
atingindo os parentes colaterais de terceiro grau, assim como os parentes por
129
afinidade, é possível à adoção dos sobrinhos pelos tios, e da nora ou do genro pelos
sogros, logicamente após o falecimento do filho ou da filha (Gonçalves, 2010).
Visando uma maior proximidade entre as pessoas envolvidas na relação adotiva,
e por ser a adoção ato pessoal do adotante, a lei proíbe que o adotante busque efetivar a
adoção através de procuração.
Esse tipo de adoção era constantemente utilizado nas adoções por estrangeiros.
A procuração, em regra, outorgava poderes ao mandatário para tomar todas as medidas
necessárias para efetivação da adoção. Geralmente o adotante não tinha nenhum contato
com o adotando. A inovação estatutária, impedindo a adoção por procuração,
demonstrou a predisposição do legislador de converter o ato em exercício de
direito personalíssimo, conferindo maior responsabilidade a todos, inclusive ao
julgador.
Em se tratando de adoção efetuada por tutor ou curador, o art. 44 do ECA segue
a mesma linha do Código Civil revogado (art. 371) e do Código Civil de 2002
(art. 1.620, revogado pela Lei 12.010/2009), estabelecendo restrição temporária
para tal, qual seja, enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance,
não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado. A origem dessa
restrição é muito antiga e tende evitar que, com a adoção, o administrador de bens
alheios se enriqueça indevidamente.
Maria Berenice Dias (2009, p. 439) entende ser essa disposição de fundamental
importância, e faz o seguinte apontamento: como o tutor e curador têm a obrigação de
prestar contas (obrigação que inexiste em se tratando dos pais), não exigir o
adimplemento de tal encargo poderia dar margem à busca da adoção como subterfúgio
para simplesmente serem dispensados do encargo: bastaria adotar o tutelado ou
curatelado.
Vale frisar, que a curatela de maiores é permitida no ECA, excepcionalmente,
tratando-se de interditos, na restrita hipótese do art. 40, ou seja, quando o adotando, com
mais de 18 anos já estiver sob guarda ou tutela dos adotantes.
Deve-se deixar claro, ainda, que a tutela faz parte do procedimento jurídico
de proteção e amparo à criança e ao adolescente. É instituto complementar do Direito de
família.
Busca, em última análise, inserir a criança e o adolescente em família
substitutiva, iniciando-se com a guarda, que, na maioria das vezes, culmina com a
adoção. Não se pode assegurar que a tutela tenha o mesmo propósito da adoção,
pela extensão desta última, mas pode-se dizer que é também uma forma de inserção
de criança ou adolescente em família substitutiva.
A tutela e a adoção precisam ser antecedidas de guarda, salvo no caso de
estrangeiro (Silva Filho, 2011).
130
2.1.2 Requisitos quanto ao adotando
Em relação à capacidade para ser adotado, nem o ECA, nem o Código Civil
fixou um limite mínimo de idade. A Lei 12.010/2009 igualmente manteve-se em
silêncio quanto ao referido limite, reabrindo, desta forma, o debate sobre a possibilidade
de adoção do nascituro.
A polêmica, a propósito, diz respeito à questão da condição jurídica do
nascituro.
O tema proporciona muitos questionamentos, e estes repercutem na adoção.
Há quem sustente que esta possibilidade persiste. A doutrina, contudo, inclina-se
em repeli-la, concordando com a manifestação do ilustre doutrinador Antônio
Chaves (apud Gonçalves, 2010, p. 382) que a chama de:
[...] um contra senso, do ponto de vista humano e do ponto de vista legal.
Do humano, porque a ninguém deveria ser facultado adotar uma criatura que
ainda não nasceu, que não se sabe se vai ou não nascer com vida, qual seu
sexo, seu aspecto, sua viabilidade, sua saúde, etc. Do ponto de vista jurídico,
porque a dependência em que fica essa adoção, de um acontecimento futuro e incerto,
importa numa verdadeira condição, que o art. 375 (do CC/1916) não admite.
Apesar de existir exceções à idéia de que só haverá direito quando houver
sujeito, o ECA, mesmo após as alterações introduzidas pela Lei nº 12.010/2009
não veda expressamente a adoção do nascituro, nem sequer faz qualquer tipo de
menção ao termo inicial da vida.
Apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente não estabelecer idade mínima
para ser adotado, limitou para no máximo 18 anos à data do pedido. Ressalva-se,
portanto, que pode ocorrer a adoção de maior de dezoito anos, quando este já estiver
sob a guarda ou tutela dos adotantes, como já previa o art. 40 do ECA.
Sobre o consentimento do adotando, o legislador estatutário em três dispositivos,
regulou expressamente a respeito, prevendo duas hipóteses facultativas (arts. 28, §1º, e
168) e outra obrigatória (arts. 28. § 2º, e 45, § 2º). Nas primeiras determina que, sempre
que possível a criança ou o adolescente será previamente ouvido, respeitado seu
estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e
terá sua opinião devidamente considerada. Na segunda hipótese, se referindo a
casos em que o adotando contar com mais de doze anos, prevê o ECA, que será
necessário seu consentimento, colhido em audiência para que a adoção se
aperfeiçoe. O termo “colhido em audiência” é uma inovação, que impõe a execução
do ato formal de oitiva do adotando pelo magistrado, com a presença do representante
do Ministério Público.
O consentimento do menor deve ter uma importância relativa no exame a ser
feito pelo juiz na sentença. A sua concordância ou não concordância, por si só, não irão
impedir o deferimento da adoção.
131
Dentro desse contexto, Silva Filho (2011, p. 156) faz a seguinte ressalva: ainda
que a lei exija o consentimento do maior de 12 anos, deve- se entender que, por tratarse de menor absolutamente incapaz, o juiz pode contrariar a sua vontade, se isso
importar em benefício. Se a colocação em família substitutiva for a medida que
melhor preserva os superiores interesses do adotando, deverá ser decretada.
Quanto à diferença de idade e proibições relativas ao adotando, aplica-se o que
já foi exposto nos requisitos quanto ao adotante, dada a reciprocidade que as
comunicam.
2.2 REQUISITOS FORMAIS DA ADOÇÃO
Dentro da orientação da Nova Lei da Adoção, a constituição do vínculo adotivo
contempla uma complexidade de procedimentos a serem seguidos, que se inicia
com a apreciação judicial do registro das crianças ou adolescentes em condições de
serem adotados e das pessoas interessadas na adoção (art. 50, caput, ECA).
Assim, quem desejar adotar deve se cadastrar previamente na comarca de
sua residência, devendo ter o nome incluído no cadastro de pessoas nacionais
habilitadas em sua Comarca. Da mesma forma será elaborado um registro das
crianças e adolescentes em condições de serem adotadas. Tais cadastros devem
distinguir pessoas ou casais residentes dentro e fora do país, dando-se preferência, ao
deferir a adoção, aos postulantes que residam no país (§ 6º, art. 50, ECA). A inscrição
nesses cadastros depende de prévia consulta aos órgãos técnicos do juizado da
Infância e Juventude e ao Ministério Público (§ 1º, art. 50, ECA). A inscrição não
será deferida se a pessoa interessada não satisfizer os requisitos legais, ou se verificada
incompatibilidade com a natureza da adoção, ou ainda não oferecer ambiente familiar
adequado (§ 2º, art. 50, ECA).
Antes da nova lei, o processo só tinha validade na localidade onde a pessoa ou o
casal residisse, impondo uma nova habilitação para encontrar uma criança em outra
comarca.
No entanto, foi criado o chamado Cadastro Nacional, onde estando o requerente
habilitado, estará apto para adotar em qualquer lugar do Brasil.
O Cadastro Nacional de Adoção é considerado por muitos, instrumento de
fundamental importância para dinamizar o processo de adoção no país. Foi criado
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da Resolução 54/08.
Acerca deste cadastro, Pereira (2011, p. 430) dispõe que o mesmo tem como
objetivo: implantar um sistema informatizado que permite ao Sistema de Justiça o
acesso aos pretendentes à adoção e suas preferências em relação às características das
crianças que pretendem adotar, unificando os dados no âmbito nacional. Em
relação às crianças e aos adolescentes em condição de adoção, aumentam-se as
possibilidades de encontro de famílias substitutivas, pois, se antes a pesquisa era
realizada apenas entre os pretendentes habilitados na Comarca de sua residência,
132
agora a consulta pode ser ampliada para cerca de três mil Varas da Infância e
Juventude do país.
A inscrição dos candidatos à adoção deverá ser precedida de um período
de preparação psicossocial e jurídica, a fim de esclarecer possíveis dúvidas
relacionadas à adoção, ampliar as concepções a respeito do perfil da criança desejada e
instaurar uma relação de proximidade com a equipe técnica encarregada pelo
acompanhamento do processo.
Sempre que possível e recomendável, esse período de preparação incluirá o
contato dos candidatos com crianças e adolescentes que se encontram
institucionalizados e em condições de serem adotados (§ 4º, art. 50, ECA).
Terão acesso integral aos cadastros, as autoridades Estaduais e Federais em
matéria de adoção, ficando responsáveis pela troca de informações e a
cooperação mútua, para melhoria do sistema (§7º, art. 50, ECA).
A autoridade judiciária deve realizar no prazo de 48 horas, a inscrição das
crianças e adolescentes que já se encontram em condições de serem adotados e que não
foram colocadas em famílias na comarca de origem; bem como das pessoas ou casais
que tiveram aprovadas sua habilitação à adoção nos cadastros Estadual e Nacional,
sob pena de responsabilidade.
Posteriormente ao cadastramento, segue-se a fase judicial propriamente dita,
marcada, especialmente, pela apreciação da conveniência da adoção, com a prática
de uma sequência conjugada de atos, abrangendo os componentes diretos da
constituição da adoção, quais sejam: os pais naturais ou responsáveis pelo adotando, os
interessados em adotar e o próprio adotando.
Vale relembrar que na intervenção judicial deve prevalecer, acima de tudo, o
interesse público, no propósito de proteger integralmente a criança e o
adolescente, verificando-se as reais vantagens da adoção e a legitimidade de seus
motivos (art. 43, ECA), um dos requisitos mais importantes no processo de
adoção. Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho (2011, p.181-182) sustenta que: a criança
ou adolescente deve experimentar, com a adoção, uma mudança substancial de vida e
para melhor. A mudança pode não ser econômica e patrimonial, mas desde que seja
palpável, justifica-se a medida. Se o menor continuar desamparado ou piorar sua
condição material, a adoção não poderá ser concedida. É legítimo casais sem filhos
procurarem os serviços de adoção para preencher essa grave lacuna em suas vidas.
Entretanto, não há legitimidade, por exemplo, se o objeto é simplesmente contar com
alguém que ajude nas tarefas domésticas e venha a contribuir com parte dos
ganhos de seu trabalho para a manutenção dos adotantes.
Enfim, tanto a adoção de menor, como a de maior de idade, deve ser
sempre submetida a processo judicial, com a intervenção obrigatória do Ministério
Público em todos os atos procedimentais. O Estatuto prevê procedimentos próprios
para a adoção de menores de 18 anos sob a competência da Vara da Infância e
Juventude. Sendo o adotando maior, a competência para apreciação e deferimento da
medida será da Vara da Família.
133
No procedimento adotivo, o consentimento dos pais ou responsáveis legais
é condição fundamental à concessão da medida (art. 45, ECA). Silva Filho (2011)
explica que, ainda que o poder familiar seja irrenunciável, pois se trata de direito
personalíssimo, admite a lei que os pais consintam com a adoção.
Nesse caso, o juiz deve tomar por temo as suas declarações (art. 166, § 1º, ECA).
Dispensa-se tal intervenção em duas hipóteses somente: se os pais forem
desconhecidos ou tiverem sido destituídos do poder familiar (art. 45, § 1º). Deve-se
destacar que, tal destituição só pode ser feita com rigorosa observância de procedimento
contraditório.
A destituição do poder familiar deverá seguir os procedimentos previstos nos
arts. 155 a 163 do ECA. Além disso, deve atender o art.1.638 do Código Civil. Dessa
forma, se a mãe castigar imoderadamente o filho, deixá-lo em total abandono, praticar
atos contrários à moral e aos bons costumes, ou faltar, reiteradamente com os deveres
inerentes a sua condição, e o pai for desconhecido, o processo de adoção deve ser
antecedido, obrigatoriamente, da destituição.
Não sendo os titulares do poder familiar localizados, devem ser citados por
edital.
Preenchidas todas as formalidades legais e decretada a destituição por sentença
passada em julgado, a autoridade judiciária, ao conceder a adoção, suprirá o
consentimento dos pais.
A adoção de menores requer ainda, o preenchimento obrigatório do estágio
de convivência entre adotante e adotado, que segundo Gonçalves (2010, p. 385) tem a
finalidade de comprovar a compatibilidade entre as partes e a probabilidade de sucesso
na adoção.
Nesse estágio, o juiz e seus auxiliares terão condições de verificar a
conveniência da adoção. O estágio de convivência só poderá ser dispensado se o
adotando já se encontrar sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo
bastante para que seja possível determinar a conveniência da constituição do vínculo
afetivo (§ 1º, art. 46, ECA). Na antiga redação, os menores de um ano de idade
poderiam ser dispensados do estágio, se isso lhes fosse vantajoso. Alerta, no entanto,
que simples guarda de fato não outorga, por si só, a dispensa da efetivação do
estágio de convivência (§2º, art. 46, ECA).
A nova lei exige que o estágio de convivência seja acompanhado pela
equipe interprofissional, formada por assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, a
serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos
técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência
familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento
da medida. (§ 4º, art. 46, ECA).
Para Edgard Moura Bittencourt (apud Pereira, 2011, p. 427) esse estágio trata-se
de um tempo razoável, nem muito extenso, de modo a desanimar os candidatos à
adoção plena do propósito de tomar a criança como filho, nem muito curto, de forma a
não satisfazer sua finalidade sentimental e psicológica.
134
Não há prazo determinado na lei. O juiz fixará este período de convivência pelo
tempo que julgar conveniente, considerando as circunstâncias e peculiaridades de cada
caso (art. 46, ECA). Ao deferir o estágio de convivência, o juiz estará, na realidade,
concedendo, a guarda do menor ao interessado na adoção.
Ressalta-se que a prova do estágio de convivência é indispensável na adoção por
pessoa estrangeira, sendo de: no mínimo trinta dias, independentemente da idade do
adotando, e cumprido no território nacional (§ 3º, art. 46, ECA). Antes da nova
lei, o prazo era diferenciado (no mínimo quinze dias para menores de dois anos de
idade, e no mínimo trinta dias para crianças acima desta idade).
Com o relatório do estágio de convivência em mãos, ouvindo as testemunhas
arroladas e resguardando a ampla defesa, colhendo as manifestações das partes e
comprovada a legitimidade dos motivos do requerente, o juiz estando convicto de
que a adoção será benéfica para o menor, profere a sentença constitutiva do
vínculo de filiação. A adoção só produzirá seus efeitos após o trânsito em julgado da
sentença judicial (art. 47, § 7º, ECA).
A sentença judicial deverá ser inscrita no Cartório de Registro Civil, por meio
de mandado do qual não se fornecerá certidão (art. 47, ECA), e consignará na sua
inscrição os nomes dos novos pais, assim como de seus ascendentes (art. 47, § 1º).
Assim, o parentesco entre adotante e adotado será igual ao biológico. Dessa forma, o
registro original do adotado deverá ser cancelado (art. 47, § 2º).
Nas certidões do registro não poderá constar nenhum tipo de observação acerca
da origem da adoção (§ 4º, art. 47). O objetivo do legislador é fazer com que seja
esquecida a paternidade original, ficando o adotado totalmente integralizado ao novo
ambiente familiar do adotante.
A adoção só se completa com o registro da sentença constitutiva, e sua
averbação à margem da certidão de nascimento do adotado (Lei nº 6.015/73, arts.
29, § 1º, e, 105), realizada mediante petição acompanhada da decisão judicial.
Contudo, os dados referentes aos processos de adoção bem como outros
que tenham com ele alguma ligação serão mantidos em arquivo (§ 8º do art. 47 do
ECA) e permanecerão disponíveis somente para eventual requisição em que a
autoridade judiciária achar necessário.
Antes da nova lei havia uma grande dúvida no sentido de se permitir ou
não o filho adotivo ingressar com ação de investigação de paternidade para
descobrir quem eram seus pais biológicos. A nova redação do art. 48 do ECA
tornou a matéria superada, determinando que após os 18 anos o adotado terá esse
direito, com acesso irrestrito ao seu processo de adoção. Entretanto, no caso de
menor deverá ser assegurada orientação e assistência judiciária e psicológica (§ 1º,
art. 48, ECA).
As novas disposições relativas à adoção, na verdade, surgem num contexto mais
amplo, que visa realçar a excepcionalidade da medida, devendo se revestir de caráter
135
irrevogável (art. 39, § 1º), considerando a importância deste ato, principalmente para
os adotados, que entram de forma definitiva na família do adotante.
2.3 EFEITOS DA ADOÇÃO
2.3.1 Efeitos de ordem pessoal
Os efeitos de natureza pessoal estão relacionados com o parentesco, poder
familiar e nome.
Em consonância com o Princípio constitucional do art. 227, § 6º da Constituição
Federal de 1988, a nova lei atribui a condição de filho ao adotado com os mesmos
direitos e deveres, inclusive sucessórios, apagando qualquer vínculo com pais e
parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.
No que concerne aos impedimentos matrimoniais Venoza (2011, p.298) analisa:
embora a lei iguale todos os direitos do adotado e insira-os integralmente na família do
adotante, ressalva os impedimentos matrimoniais. O impedimento matrimonial, por
força do parentesco biológico, é irremovível na esteira de razões morais, éticas e
genéticas. Nesse diapasão, os impedimentos atingem o adotado com relação a ambas as
famílias, a adotante e a biológica.
Haverá ainda, transferência definitiva e de pleno direito do poder familiar dos
pais biológicos para o adotante com todos os direitos e deveres que lhe são próprios.
Em caso de morte do adotante, deve o adotado quando menor, ser colocado sob
tutela, já que o poder familiar não é passível de ser restabelecido aos pais naturais
(art. 49, ECA).
A sentença certificará ao adotado o nome do adotante e, a pedido de
qualquer deles, poderá decidir pela modificação do prenome (§5°, art. 47, ECA).
Dessa forma, haverá uma liberdade considerável no tocante à formação do nome
patronímico do adotado. Quando a alteração do prenome for solicitada pelo adotante,
será indispensável à oitiva do adotado (§6º, art. 47, ECA), observado o disposto nos §§
1º e 2º do art. 28 do ECA.
Essa alteração é uma exceção à regra sobre imutabilidade de prenome regulada
pela lei sobre registros públicos (lei nº 6.015/73, art. 58). Em geral é requerida
quando o adotado é de pouca idade e até então não atende pelo prenome de origem.
Com respeito ao sobrenome é direito do adotado, maior ou menor, ter o mesmo
do adotante, que será incluso em seu registro para que não venha a haver discriminações
injustas e constrangimentos ao adotado, excepcionalmente quando se tratar de adotantes
que já tenham filhos, biológicos ou adotados. Esse sobrenome será transmitido aos
descendentes do adotado.
136
No tocante a adoção feita por mulher casada, seu nome pessoal, e não o do
esposo, é que será empregado pelo adotado (Diniz, 2010).
2.3.2 Efeitos de ordem patrimonial
Os efeitos de ordem patrimonial estão relacionados com: alimentos e direito
sucessório.
São devidos alimentos, tanto para o adotante quanto para o adotado, pelo fato de
ambos tornarem-se parentes, e em decorrência desse parentesco terem assumido
direitos e deveres recíprocos. O direito de receber alimentos perdurará enquanto
filhos menores, e enquanto maiores se impossibilitados de providenciar o próprio
sustento. De igual forma, é dever do adotado, quando capaz economicamente,
prestar alimentos aos pais adotantes quando estes necessitarem.
Enquanto o adotante estiver no exercício do poder familiar, será usufrutuário
e administrador dos bens do adotado (art. 1689, I e II), como um meio de
compensar as despesas necessárias que tiver com a educação e manutenção do adotado,
em substituição ao pai natural, que como exposto perde total domínio dos bens do
adotado.
Visto que hoje o filho biológico e o filho adotado estão em pé de igualdade,
herdará, em concorrência com o cônjuge sobrevivente do falecido, na condição de
descendente do autor da herança (arts. 1.829, I, e 1.790, I e II, Código Civil/2002),
sendo afastados da sucessão todos aqueles herdeiros do adotante que não possuam a
qualidade de filho.
Ensina Gonçalves (2010) que o adotado será colocado na relação de
componentes da família, passando a ter também os direitos hereditários que abrangem a
sucessão dos avós e dos colaterais, tudo exatamente igual ao que ocorre na filiação
natural. Na linha colateral, não havendo parentes mais próximos, o filho adotivo, da
mesma forma que o biológico, herda até o quarto grau. Isso significa que pode até ser
incluído no inventário por morte dos tios (art.1839, CC).
Nessa linha de raciocínio manifesta-se ainda, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, quanto aos direitos hereditários, em seu artigo 41, § 2°: É recíproco o
direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes,
descendentes e colaterais até o 4° grau, observada a ordem de vocação hereditária.
Portanto, havendo reciprocidade nos efeitos sucessórios, o adotado passa a
ter direito quanto aos bens do adotante. E, se ocorrer do adotado falecer sem deixar
descendentes com o adotante ainda vivo, caberá a este receber toda a herança, na
falta de cônjuge ou convivente do de cujus (artigo 1.829, II, e 1729, III , do Código
Civil) .
Por fim, Diniz (2010) explica que os efeitos da adoção possuem caráter ex nunc,
já que, começam a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto, como já
exposto, na casualidade do adotante vir a morrer no decorrer do processo, situação em
que terá efeito ex tunc (art. 42, § 6º e art. 47, §7º do ECA), permitindo que a sentença
137
judicial retroaja à data do óbito do de cujus e seja assim, o adotado considerado
herdeiro, com todos seus direitos legais quanto à sucessão.
3 PRINCIPIOS CONSAGRADAS PELA NOVA LEI DA ADOÇÃO – LEI
12.010/2009.
3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A Nova Lei da Adoção - Lei nº 12.010/2009, busca regular o instituto da
adoção, aperfeiçoando a sistemática prevista na Lei nº 8.069/90 (ECA) para
assegurar o direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, em suas
mais diferentes formas.
Além de revogar e alterar o regulamento existente no Estatuto da Criança e
do Adolescente, a nova lei procurou inserir a ele mecanismos com capacidade de
garantir sua efetiva concretização, prescrevendo regras destinadas, antes e acima
de tudo, a incentivar, fortalecer e preservar a integridade da família de origem.
Se conformando ao pensamento de Rui Barbosa Marinho Ferreira (2009, p. 09),
a proposta da Nova Lei da Adoção é a de aprimorar o instituto da adoção já existente no
nosso país. Segundo informação presente na obra do mencionado autor, o texto da lei
foi criado com base em três pilares: prevenir o afastamento do convívio familiar e
comunitário, esgotando esta possibilidade antes da adoção. Desburocratizar o processo
de adoção, mantendo os cuidados necessários para a garantia da proteção integral à
criança e ao adolescente e ainda evitar o prolongamento de sua permanência em
abrigos. (Disponível em: <http://Mercadante.com.br/notícias/ultimas/proposta inovaçãoconceito-de-familia-extensa-e-fortalece-a-adoçao-legal>. Acesso em: 11 set.
2009)
As novas regras foram inseridas ao ECA sem alterar suas características
essenciais, ressaltando a importância e tornando mais claros os princípios que
norteiam a matéria (§ único, incisos de I a XII, art. 100, ECA), assim como os
deveres dos órgãos e autoridades públicas responsáveis por garantir a realização
do exercício do direito à convivência familiar e comunitária para todas as crianças e
adolescentes.
O Poder Judiciário, dentre outros (Ministério Público e Conselho Tutelar) passa
a ficar encarregado de manter uma rigorosa fiscalização e controle sobre o
acolhimento institucional de crianças e adolescentes, e de reavaliar periodicamente
a condição que se encontra cada criança ou adolescente afastada do convívio
familiar. Isto tudo na perspectiva de promover a reintegração destes à família de
origem ou, caso tal solução se mostre totalmente inviável, sua colocação em
família substituta, em qualquer de suas modalidades (guarda, tutela ou adoção),
ou ainda, no último caso, seu encaminhamento a programas de acolhimento
institucional (Ferreira, 2009).
138
Nesse sentido, a nova lei consagrou alguns princípios com o objetivo de orientar
a intervenção Estatal na aplicação das medidas de proteção a crianças e adolescentes
e de suas famílias. É de fundamental importância que se desenvolva um estudo
sobre cada um deles para assim compreendermos melhor os objetivos do legislador na
criação da lei.
3.2 DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA.
Um ambiente familiar onde exista afeto e que satisfaça às necessidades da
criança e do adolescente constitui a base para o seu bom desenvolvimento
psicossocial. A fixação de limite, o exercício do poder parental, a atenção e a
afetividade são essenciais para a formação de sua personalidade e para o
desenvolvimento das habilidades exigidas na vida comunitária.
A convivência familiar progressivamente torna a criança e o adolescente
capazes de se sentirem amados e seguros para que, no futuro, quando lançados à
sociedade e ao universo se sintam responsáveis pelos seus próprios atos e sentimentos.
A Constituição Federal declara expressamente, no caput do artigo 226, que
a família é a base da sociedade, certificando-lhe especial proteção por parte do
Estado, deixando evidente o seu valor como primeira unidade social com a qual
crianças e adolescentes têm proximidade ao nascer.
O direito à convivência familiar é reconhecido como um dos direitos
fundamentais garantidos a todas as crianças e adolescentes, conforme prevê o art. 227
da Constituição Federal, já mencionado. É assegurado também pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente nos seus arts. 4º e 19, que expressam ser essa convivência
tão essencial a uma criança ou adolescente como são a educação, a saúde, o lazer ou os
demais direitos básicos.
Esses dispositivos dispõem:
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio
da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência
familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de
substâncias entorpecentes.
O direito à convivência familiar deve ser tratado não apenas visualizando a
família de origem, mas, principalmente, a proteção das crianças e dos adolescentes que
se encontram com relações afetivas ameaçadas ou rompidas, conferindo-lhes a
condição de sujeitos de direitos em desenvolvimento.
139
Apenas excepcionalmente, quando a família não cumprir efetivamente com
seu papel, e diante de situações de risco, a lei admite o rompimento dos
vínculos familiares.
Nesses casos caberá ao Estado, ao município e a sociedade a proteção
dessas crianças e adolescentes, através do desenvolvimento de programas, projetos
e estratégias que possam levar à formação de novos vínculos familiares e
comunitários, não deixando de se considerar a necessidade de um compromisso de
todos com as mudanças culturais que envolvem as relações familiares,
reconhecendo, compreendendo e, principalmente, respeitando as diferenças
existentes na sociedade atual.
3.3 MANUTENÇÃO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE NA SUA
FAMÍLIA NATURAL OU EXTENSA.
Não se mostrando viável a manutenção das crianças e dos adolescentes no seio
da família natural, deve-se priorizar a integração à família extensa ou ampliada. Nos
termos do art. 25 do ECA, entende-se por família natural a comunidade formada pelos
pais ou qualquer deles e seus descendentes. Já a família extensa ou ampliada,
conforme descrito no parágrafo 1º desse artigo (incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) é
aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal,
formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e
mantém vínculos de afinidade e afetividade.
A nova lei ao prever a família extensa ou ampliada tem o manifesto propósito
de garantir sua primazia em relação à colocação da criança ou do adolescente em
família substituta. Assim, somente depois de comprovada a inviabilidade da inserção
da criança e do adolescente numa família extensa, pode ser concedida a sua
adoção por uma família substitutiva.
Nessa direção, temos que o afastamento da criança ou do adolescente de
sua família é medida extrema e excepcional. Ocorrerá apenas quando totalmente
comprovado pelas circunstâncias, sendo exigida a indicação, na ação judicial a ser
submetida, e também na decisão que a determina, dos fundamentos jurídicos
correspondentes, assegurando aos pais ou responsáveis o exercício do contraditório e da
ampla defesa (Silva Filho, 2011).
Advirta-se que o art. 23 do ECA é claro no sentido de afirmar que a falta ou a
carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a
suspensão do poder familiar. Logo, o estado de pobreza, por si só, não pode ser
considerado elemento decisivo para impossibilitar a adoção.
Não havendo qualquer motivo que autorize a decretação da perda ou a
suspensão do poder familiar, a criança ou o adolescente deve permanecer em sua
família de origem, que será obrigatoriamente incluída em programas oficiais de auxílio
(§ único, art. 23, ECA).
140
A lei, priorizando que a criança permaneça em sua família original,
pretende evitar situações nas quais o simples fato de uma família se encontrar
desestruturada e em dificuldades possa ser motivo para o Estado enviar crianças e
adolescentes a acolhimentos institucionais, não se preocupando com os traumas e
possíveis prejuízos acarretados a estes menores.
Assim, buscando a preservação do direito a convivência familiar, o artigo 101 do
Estatuto estabelece oito medidas de proteção, sendo em última instância o
acolhimento institucional, cabendo primeiramente à reintegração familiar e na
impossibilidade desta é proposta a colocação da criança e do adolescente em família
substituta.
3.4 COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTIVA
Conforme disposto anteriormente, o princípio que norteia a Nova Lei da Adoção
é o da máxima preservação dos vínculos familiares naturais, o que significa que a
colocação em família substituta será realizada apenas quando for fundamental para o
desenvolvimento e o bem-estar integral da criança e do adolescente.
O artigo 28 do ECA dispõe que: a colocação em família substituta far-seá mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da
criança ou adolescente, nos termos desta Lei.
Família substituta é aquela que se propõe trazer para dentro dos umbrais do
próprio lar uma criança ou um adolescente que por qualquer circunstância foi
desprovido da família natural, para que faça parte integrante desta, e que nela se
desenvolva e seja servido da estabilidade emocional proporcionada por um lar
estável. Estas famílias, por ato de generosidade, demonstração de desprendimento e
capacidade de se doar, entendem a necessidade da prioridade em dar uma família a estas
crianças e adolescentes. Muitas vezes abdicando de seus próprios afazeres, em prol da
compaixão. (Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/colocacaodecriancas-ou-adolescente-em-familia-substituta/2555/#ixzz29KEAQB3U>.
Acesso
em:12 out. 2012)
Vale lembrar que a adoção, tutela e guarda, corresponde, nos dias atuais, a
medidas de proteção à criança e ao adolescente (art. 98, ECA), empregadas sempre
que os direitos reconhecidos na lei forem ameaçados ou violados por ação ou omissão
da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
e em razão de sua conduta.
Estas medidas pretendem evitar que a criança ou o adolescente seja visto
com indiferença, sendo deslocado ou transferido o tempo todo por conveniência dos
adultos, sem que se permita restabelecer a segurança, a estabilidade e os vínculos que
já foram quebrados com sua família natural, e que são os principais objetivos para que
haja colocação em família substituta. Estas rupturas se mostram sempre muito
traumáticas e dolorosas, e sua reincidência pode prejudicar demasiadamente o
desenvolvimento da pessoa humana.
141
A nova lei regulando sobre o tema alterou os parágrafos 1º e 2º do art. 28 do
ECA, e acrescentou a este dispositivo mais 4 parágrafos. Essas modificações tiverem a
finalidade de fortalecer os mecanismos para que a família da criança ou
adolescente tenha o direito ao contraditório, de dar sua opinião, de encontrar uma
solução que assegure a permanência no seio familiar, não obrigatoriamente com os pais
biológicos.
Conforme dispõe o parágrafo 1º do mencionado dispositivo, sempre que
possível, a criança ou adolescente irá manifestar-se a respeito do ato. Será ouvido
por equipe interprofissional, não mais pela autoridade judiciária, respeitando seu
estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as consequências da medida,
sendo sua opinião considerada pelo julgador nos procedimentos de colocação em
família substituta.
Para a colocação em família substitutiva em qualquer de suas formas, e
não apenas para a adoção, será necessário o consentimento do maior de 12 anos,
a ser colhido pelo juiz em audiência, com obrigatória participação do Ministério
Público (§ 2º, art. 28, ECA). O Estatuto adota essa idade para a determinação de quem é
criança e adolescente, e define este último como a pessoa em desenvolvimento, que ao
completar 12 anos tem, por conseguinte, o seu comportamento como elemento
fundamental no que se refere ao seu futuro no seio de uma família substituta (Silva
Filho, 2011).
É de fundamental importância que se considere o grau de parentesco, a relação
de afinidade ou de afetividade no exame do pedido, com o propósito de diminuir ou
mesmo impedir as consequências advindas da medida. (§3º, art. 28, ECA)
A nova lei prevê ainda, a necessidade de manter unidos os irmãos sujeitos
a adoção. Nessa direção, determina a nova redação do art. 28, § 4º do ECA que os
irmãos sejam colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta,
ressalvada motivação muito forte em contrário, como por exemplo, quando algum dos
irmãos representar um risco para os demais. De todas as formas, procura-se evitar o
rompimento definitivo dos vínculos fraternais com a adoção.
Deve-se ressaltar que, a inserção da criança ou adolescente em família
substitutiva deve ser precedida de sua preparação gradativa, assegurando, da
mesma forma, o acompanhamento posterior, realizado pela equipe interprofissional,
que como serviço auxiliar do juizado da Infância e Juventude, deve existir e atuar
em todas as comarcas, sob responsabilidade do Poder Judiciário, com apoio de
técnicos encarregados pela execução da política municipal de garantia do direito à
convivência familiar (§5º art. 28, ECA).
Pela primeira vez, o ECA trouxe expressa previsão da necessidade de cuidados
adicionais no que se refere à destituição do poder familiar e a colocação em
família substitutiva de crianças e adolescentes provenientes de comunidades
indígenas e remanescentes de quilombos, tornando nesses casos, dentre outras,
obrigatória a intermediação do órgão federal responsável pela política indígena ou
de antropólogos, conforme o caso (art. 28, § 6º, inc. III, ECA).
142
Importante destacar que, a nova lei não permite que seja deferida a colocação
em família substitutiva a pessoa que revele por qualquer modo, incompatibilidade
com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado (art. 29, ECA).
Nesses casos a lei não autoriza nem mesmo que seja consentida a inscrição como
interessada na adoção.
A lei não admite ainda, nos casos de colocação em família substituta, a
transferência da criança ou adolescente a terceiros ou a entidades governamentais
ou não governamentais sem autorização judicial (art. 30, ECA).
Por ser considerada medida excepcional, a colocação em família substitutiva
estrangeira somente é admitida na modalidade de adoção (art.31, ECA).
Por fim, cumpre registrar que ao aceitar a posição de substituta, a família
que receber a criança ou adolescente em seu lar assumirá todos os deveres e
direitos inerentes àquela família original. Esses poderes sobre a vida da criança ou
adolescente serão maiores ou menores a depender da modalidade de colocação em
família substituta. Nos casos de adoção, que possui caráter irrevogável, a família
substituta assumirá a totalidade do poder familiar.
3.5 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E FAMILIAR
Visando sempre a prioridade absoluta da criança e do adolescente, a lei
indica com clareza que todos são responsáveis pela política de atendimento a
esses menores.
Conforme a regra do art. 86 do ECA: a política de atendimento dos direitos da
criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações
governamentais e não -governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios.
Como o assunto em pauta é Acolhimento Institucional e Familiar, termos
incluídos no Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei 12.010/2009, e que
substituem o antigo abrigo, é importante destacar o art. 88, inc. VI do ECA que
estabelece:
Art. 88. São diretrizes da política de atendimento [...]
VI - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público,
Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais
básicas e de assistência social, para efeito de agilização do atendimento de
crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou
institucional, com vista na sua rápida reintegração à família de origem ou, se tal
solução se mostrar comprovadamente inviável, sua colocação em família substituta,
em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei.
Deve-se distinguir, a princípio,
institucional.
acolhimento familiar de
acolhimento
143
O primeiro consiste na inserção de crianças e adolescentes em residências
de famílias acolhedoras cadastradas, selecionadas, habilitadas e assistidas pela
equipe profissional do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora. Já o
acolhimento institucional ocorre em diferentes unidades para pequenos grupos e casalar (unidade residencial onde uma pessoa ou casal trabalha prestando cuidados a um
grupo
de
crianças
e
adolescentes).
(Disponível
em:
<http://elviocesar.blogspot.com/2011/03/acolhimento-institucional-e-acolhimento>.
Acesso em: 19 set. 2012).
Importante ressaltar que ambos são considerados como medidas protetivas
provisórias e excepcionais (§ 1º, art. 101, ECA), empregadas como forma de transição
para reintegração familiar às crianças e adolescentes em situação de risco, buscando
assegurar seus direitos, restabelecer vínculos e referências familiares e comunitários,
assim como promover a sua inclusão social. Tanto o acolhimento familiar quanto o
institucional não implicam em privação de liberdade.
Várias razões podem motivar o acolhimento: os pais podem estar hospitalizados,
cumprindo pena, ou serem autores de violência doméstica. Esta última situação é a
mais comum no Brasil. Neste caso, busca-se interromper o processo de violência pelo
qual crianças e adolescentes vivem dentro de casa.
Enquanto não localizada pessoa ou casal interessado em sua adoção, a criança ou
adolescente, sempre que possível e recomendável, será colocado sob guarda de
família cadastrada em programa de acolhimento familiar (§ 11, art. 50, ECA).
O acolhimento familiar na nova legislação prioriza a família natural, convocando
também a família extensa e ampliada. A convocação da família extensa reconhece a
importância dos parentes próximos na criação e contrapõe-se à cultura dos acolhimentos
institucionais, que devem ser utilizados apenas como última alternativa (Pereira, 2011).
Priorizando o princípio do melhor interesse da criança, o acolhimento familiar
pela família extensa deve ser marcado por uma relação sólida e afetiva com a
criança ou adolescente. Tais elementos devem sobrepor-se a ligação unicamente
biológica, onde não há compromisso nem responsabilidade com crianças e adolescentes.
Daí a importância dessa modalidade, que passa a ser incluída pela Nova Lei
da Adoção como uma alternativa a institucionalização no Brasil. Ao invés de
encaminhar crianças e adolescentes para o acolhimento institucional, onde serão
tratados de forma coletiva, a família acolhedora será capaz de respeitar a
individualidade dessas crianças e adolescentes, oferecendo um cuidado especial para o
desfecho de cada situação em particular.
O fato de uma família acolher em sua casa, uma criança ou adolescente que por
algum motivo precisou ser afastados de sua família de origem não significa que a
criança vai passar a ser filho da família acolhedora, mas sim, que vai receber afeto e
cuidados desta, até que possa ser reintegrado à sua família de origem ou, em alguns
casos, ser encaminhado para a adoção.
Há de se considerar que a institucionalização por tempo indeterminado reduz,
dia a dia, a possibilidade de a criança ou adolescente encontrar uma nova família. Nesse
144
sentido, buscando evitar que tantos menores carentes de família continuem esperando
eternamente em abrigos, a nova lei fixou que o prazo máximo para a permanência de
crianças e adolescentes em programas de acolhimento institucional não poderá
ultrapassar dois anos (§ 2º do art. 19 do ECA), salvo comprovada necessidade que
atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.
A referida lei alteradora também estabeleceu a obrigatoriedade de reavaliação
periódica da situação jurídica e psicossocial de toda a criança e adolescente que
estiver inserido em programas de acolhimento familiar ou institucional no prazo
máximo de seis meses (§1º do art. 19 do ECA).
Esta reavaliação será feita por equipe interprofissional, integrantes dos
serviços auxiliares da Vara da Infância e da Juventude, que desenvolverão
trabalho de aconselhamento, orientação, encaminhamento e prevenção, fornecendo ao
juiz subsídios para a tomada de decisão fundamentada acerca da possibilidade de
reintegração familiar, inclusive com a obrigatória inclusão da família, para esse fim, em
programa de auxílio, se necessário, ou colocação em família substituta.
Ferreira (2009) lembra que, pelo sistema anterior, o magistrado argumentava e
fundamentava apenas a entrada e a saída do abrigo, não havendo uma estrutura de
fiscalização periódica daqueles que estavam institucionalizados. Segundo a nova
regra deve haver uma constante revisão para cada caso, analisando sempre a
necessidade daquela criança ou adolescente continuar na instituição.
O afastamento da criança e do adolescente do convívio familiar é de
competência exclusiva da autoridade judiciária, isto é, do Juiz da Vara da Infância
e Juventude, e será necessária a provocação do Ministério Público ou de quem
tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual seja assegurado
aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa (§ 2º,
art. 101, ECA).
Antes de se enviar a criança ou adolescente para um acolhimento institucional, é
preciso analisar se entre os parentes existam pessoas que lhe tenham afeto e
queiram se responsabilizar pelos seus cuidados e proteção.
Nos casos de maus tratos, opressão e abuso sexual dentro da família, a
medida cautelar prevista no art. 130 do ECA, afastamento do agressor da
moradia comum, deve sempre ser considerada antes de se recorrer ao encaminhamento
para serviço de acolhimento.
Somente em caráter excepcional e de urgência, poderão as entidades que
mantêm programa de acolhimento institucional acolher crianças e adolescentes
sem prévia determinação da autoridade competente (art. 93, ECA).
O acolhimento familiar ou institucional deverá ser o mais próximo possível
à residência dos pais ou do responsável e, seguindo a ordem do processo de
reintegração familiar, sempre que reconhecida a necessidade, a família de origem
deverá participar de programas oficiais de orientação, de apoio e promoção social,
auxiliando e incentivando a proximidade da criança ou do adolescente acolhido.
145
Comprovada a possibilidade de reintegração familiar, o responsável pelo
programa de acolhimento familiar ou institucional deverá comunicar imediatamente
à autoridade judiciária, que dará vista ao Ministério Público, pelo prazo de 5 (cinco)
dias, que deverá decidir em igual prazo (§ 8º, art. 101, ECA).
Uma vez constatada a absoluta inviabilidade de reintegração do menor à família
de origem, depois de esgotados todos os esforços de reestruturação e reintegração
familiar, será expedido relatório fundamentado ao Ministério Público, constando a
descrição detalhada das providências tomadas e a precisa recomendação, assinada pelos
técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da política municipal de
garantia do direito à convivência familiar, para destituição do poder familiar, ou
destituição de tutela e guarda (art. 9º, art. 101, ECA).
Com o relatório em mãos, o Ministério Público terá o prazo de 30 (trinta)
dias para entrar com a ação de destituição do poder familiar, a não ser que entenda ser
preciso a realização de análises complementares ou outras providencias indispensáveis
ao ajuizamento da ação (§10º, art. 101, ECA).
Após a destituição do poder familiar a criança ou adolescente será considerada
em condições de ser adotada (não deixando de se cogitar a possibilidade de sua
colocação sob tutela ou guarda, inclusive em programa de acolhimento familiar).
3.6 PROGRAMAS DE AUXILIO ÀS GESTANTES OU MÃES QUE
PRETENDEM ENTREGAR SEUS FILHOS A ADOÇÃO.
O artigo 226, caput e o §§ 7º e 8º da Constituição Federal de 1988 determinam
ser dever do Poder Público dar proteção especial à família, assegurando assistência a
cada um dos seus integrantes, através da criação de mecanismos que impeçam a
violência no âmbito de suas relações. Tal proteção abrange a assistência médica e
jurídica, a orientação psicológica e o apoio emocional à gestante, assim como a
orientação destinada ao planejamento familiar, conscientizando pais e mães quanto as
suas responsabilidades.
Nessa direção, a nova lei também prevê que o poder público deve dar
atenção especial às grávidas e as mães que desejam entregar seus filhos à adoção (§
5º, art. 8º, ECA).
Busca-se assim, evitar que bebês e crianças sejam abandonados em qualquer
lugar ou entregues a pessoas incapazes ou que não estejam inscritas no Cadastro
Nacional da Adoção.
A gestante ou mãe deverá ser obrigatoriamente encaminhada ao Juizado da
Infância e da Juventude (§ único, art. 13, ECA) para que os candidatos já
habilitados tenham acesso ao perfil desejado.
Para a aplicação da referida norma, o Poder Público municipal, por intermédio
dos setores competentes, deve fornecer programas ou serviços de assistência
psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós natal, até mesmo como forma de
146
prevenir ou reduzir as consequências do estado puerperal (§4º, art. 8º, ECA). Deve
ainda dar assistência jurídica acerca das possibilidades de pleitear alimentos
gravídicos, nos moldes do previsto na Lei 11.804/2008, e do ingresso com ação de
investigação de paternidade, conforme prevê a Lei 8.560/1990, sem prejuízo de sua
inserção em programas de apoio, proteção e promoção social, conforme previsto
nos arts. 90, inc. I, 101, inc. IV e 129, inc. I, do ECA.
Inicialmente, as gestantes e a mães farão um relato dos motivos que as levaram
a entrega dos filhos à adoção. A partir daí o juiz avaliará a possibilidade ou não de
que estes permaneçam junto à família biológica. A gestante deve ser encaminhada ao
posto de saúde ou ao hospital mais próximo de sua residência para que realize o
pré-natal e informe a data provável do parto.
Após o nascimento da criança, se a genitora sustentar perante o juiz, o
promotor de justiça e o defensor público a sua intenção de entregar o filho, o bebê será
colocado para adoção e o juiz autorizará desde já apresentá-lo a uma das famílias
previamente cadastradas.
O consentimento da mãe ainda é retratável até a data da publicação da sentença
constitutiva da adoção (§ 5º, art. 166, ECA).
Caso a mãe decida permanecer com a criança, o juiz pode encaminhá-la
para atendimento em programas sociais que deverão lhe dar apoio para criar o
filho, como o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e o Conselho Tutelar,
entre outros.
3.7 PROGRAMAS DE ORIENTAÇÃO ÀS FAMÍLIAS QUE PRETENDEM
ADOTAR
Para adotar uma criança ou um adolescente é preciso estar consciente e sentir
um desejo profundo de ter filhos. Não se pode confundir com a vontade de
simplesmente ajudar uma criança ou suprir uma carência da vida.
A nova lei estabeleceu, em relação à adoção, a obrigatoriedade da
participação dos candidatos à adoção em programas de orientação, direcionados ao
estímulo à adoção tardia (crianças acima de três anos), inter-racial, de grupos de
irmãos, de deficientes físicos ou mentais ou de criança e adolescentes portadores de
alguma doença. Busca-se, por meio destes, colaborar para a redução dos preconceitos,
paradigmas e barreiras psicológicas à adoção daqueles que mais precisam, assim
como das complicações decorrentes dos seus encaminhamentos a candidatos que não
estão preparados para assumi-los.
4 ANÁLISE CRÍTICA DA NOVA LEI DA ADOÇÃO - LEI N°12.010/09
A Lei nº 12.010/09 - Nova Lei da Adoção foi sancionada cheia de
promessas inovadoras, visando solucionar o problema de milhares de crianças e
147
adolescentes que vivem em acolhimentos institucionais à espera de um lar. Nesse
sentido, faz-se uma análise da referida lei buscando destacar as alterações que
beneficiaram e dificultaram o processo de adoção no país, com o objetivo de se
determinar a efetividade destas mudanças no incremento do número de adoções no
Brasil.
4.1 ALTERAÇÕES QUE BENEFICIARAM O PROCESSO DE ADOÇÃO
A princípio cumpre destacar algumas das alterações introduzidas pela referida
lei que pensa-se terem facilitado e beneficiado o processo de adoção no nosso país.
A nova lei não discriminando o estado civil dos adotantes,
destes e a diferença de idade com o adotado trouxe avanços que,
permitiram a ampliação das chances de adoção. Mais pessoas
isso com certeza aumenta as possibilidades de encontrar novos
menores carentes de cuidado e afeto.
reduzindo a idade
indiscutivelmente,
podem adotar, é
pais para tantos
A não fixação do limite máximo de idade para o adotante também deve ser
considerada como positiva, pois dá oportunidade de pessoas mais velhas
adotarem. O magistrado certamente deverá agir com cautela, somente deferindo a
adoção, se manifestar-se conveniente ao melhor interesse da criança e do adolescente.
A fixação de prazos de, no máximo, dois anos para que crianças e adolescentes
permaneçam institucionalizadas e de seis em seis meses para que a situação seja
reavaliada judicialmente deve da mesma forma ser vista como uma inovação
significativa. Essa nova regra possibilita que as crianças sejam adotadas ainda
novas, facilitando o processo de adaptação, e impedindo até certo ponto o
sentimento de rejeição tão freqüente nesses menores.
Outro avanço diz respeito à nova regra que assegura ao adotado o direito
de conhecer sua origem biológica e o acesso ao processo de adoção. O legislador,
respeitando a individualidade de cada um abriu a possibilidade para que a pessoa
conheça, caso se interesse, a sua história de vida.
Muito benéfica e importante é a ampliação da participação das equipes
multidisciplinares em todas as fases do processo de adoção, inclusive no estágio
de convivência. O acompanhamento por profissionais de várias áreas como assistentes
sociais, psicólogos e pedagogos, técnicos responsáveis pela execução da política de
garantia do direito à convivência família, traz maior segurança aos adotandos, aos
candidatos à adoção e às decisões do magistrado.
Entende-se que o legislador acertou ao criar a regra que determina a
obrigatoriedade da participação dos candidatos à adoção em programas de
orientação, direcionados ao estímulo à adoção tardia, inter-racial, de grupos de
irmãos, de deficientes físicos ou mentais ou de criança e adolescentes portadores
de alguma doença. É de fundamental importância que se elimine tantos preconceitos
no momento da escolha do perfil da criança ou do adolescente, pois muitas pessoas só
aceitam adotar uma criança “perfeita” e acabam não dando chance a tantas outras de
148
ter uma família, de ter uma vida digna, alegre e feliz, conforme garante nossa
Constituição.
4.2 ALTERAÇÕES QUE DIFICULTARAM O PROCESSO DE ADOÇÃO
Considerando as opiniões de alguns doutrinadores, como Maria Berenice Dias,
Eunice Ferreira Rodrigues Granato, Rolf Madaleno, Artur Marques da Silva Filho,
que comentam e ressaltam os obstáculos criados pela nova lei, passa-se a fazer
uma análise, atentando para os propósitos e praticidade da mesma diante da realidade
brasileira.
Apesar da intenção do legislador ter sido a de facilitar e aprimorar o sistema de
adoções no país, acelerando o processo e reduzindo o tempo de crianças e
adolescentes institucionalizados, acabou criando muitos obstáculos para sua
concessão, tornando quase insignificantes as chances de transformar o sonho da
adoção em realidade.
Ao impor o cadastro nacional a lei busca ampliar e agilizar o encontro
entre adotantes e adotados. No entanto, na prática, esse objetivo não é alcançado,
como declara Eunice Ferreira Rodrigues Granato (2010, p. 83-84):
[...] apesar do grande número de crianças abrigadas, é muito pequeno o número
daquelas que já estão disponíveis para a adoção [...] Além do mais, como o cadastro não
é e nem pode ser público, a ele tendo acesso somente as autoridades estaduais e federais
em matéria de adoção, como diz o § 7º do art. 50 do ECA, sua eficácia se
torna consideravelmente reduzida.
Nesse contexto, a referida doutrinadora afirma ainda, que a burocracia do
cadastro de adoção acaba produzindo um efeito contrário ao que o legislador teve em
vista, pois impõe exigências excessivas. A pessoa, passando a integrar o cadastro, deve
aguardar, uma vez que há várias outras na sua frente, e isso, muitas vezes pode demorar
anos, quando, então, as condições do candidato já mudaram, ficando aquele cadastro
sem nenhuma utilidade. Além disso, a lei somente admite que constem no cadastro
crianças e adolescentes órfãos, que já não tem ninguém da família que as
queiram, ou cujo processo de destituição do poder familiar já tenha finalizado.
Ao exigir o cadastramento, o legislador não se atentou para a possibilidade de se
gerar algumas injustiças irremediáveis, pois mesmo que a entrega tenha sido feita pela
mãe, que deu o filho a quem confia e tem certa afetividade, crianças e adolescentes são
retiradas das únicas pessoas com as quais conviveram e se sentem seguras e amadas,
para entregar ao primeiro casal da lista, sem considerar que lhes estão submetendo a
uma nova perda. Isso tudo porque a lei determina que quem não estiver cadastrado
simplesmente não pode adotar. Estes cadastros deveriam servir para acelerar a
adoção, e não para dificultar, uma vez que é o melhor interesse das crianças e
adolescentes que está em jogo.
Outro aspecto sobre o qual a Nova Lei da Adoção poderia ter dado mais
atenção, diz respeito aos casos em que o cadastro não é necessário, ou seja, na
adoção unilateral, quando houver parentesco entre adotando e adotante ou quando se
149
tratar de criança maior de três anos ou adolescente. Como ficam as crianças menores
de três anos de idade, que convivem e consideram pessoas como pais por tempo
suficiente para que se criem vínculos de afinidade e afetividade? Deveria o legislador
ter respeitado o direito de essas crianças permanecerem com quem já lhes
proporcionam atenção e carinho, e não entregá-las a primeira pessoa da lista como
exige a lei, priorizando os adultos, e não as crianças, apenas pelo fato de estarem
cadastrados.
Outro grande obstáculo da lei trata-se das regras criadas para a gestante ou a
mãe que deseja entregar os filhos à adoção. A intenção do legislador foi boa, uma vez
que busca proteger a vida da criança que pode ser abandonada em qualquer lugar
ou com qualquer pessoa em um momento de desespero da genitora. Entretanto, a
lei impõe uma série de exigências que só dificultam o processo de adoção,
transformando-o num caminho cada vez mais longo e demorado, e impedindo que a
criança seja desde logo acolhida por família que esteja disponível e decidida para dele
cuidar e dar afeto. Pode ocorrer que essa criança fique anos nas mãos de familiares que
nem sempre estão dispostos e preparados para criá-los. Além disso, diante de tantos
obstáculos, a lei acaba provocando e incentivando a adoção ilegal, quando a mãe
escolhe entregar seu filho a um casal específico sem passar pelos trâmites legais.
O acolhimento familiar que a princípio parece ser importante alternativa para se
preservar o melhor interesse de crianças e adolescentes acaba se tornando outra forma
de se criar maiores perdas, pois a família que acolhe a criança ou adolescente no seu
lar não pode ser candidata à adoção. Assim, mesmo que se estabeleça um profundo
vínculo de afeto com a criança, a lei não permite que ocorra a adoção nessas
circunstâncias. Exige-se novamente que a pessoa ou casal esteja inscrita no Cadastro
Nacional de Adoção.
Quanto à manutenção da criança e do adolescente na família biológica,
inicialmente, deve-se considerar que a determinação legal é correta, uma vez que
crianças e adolescentes têm o direito constitucional de serem criados juntos de sua
família num ambiente onde encontrem afeto e felicidade. O objetivo da nova lei
foi certamente de preservar o adotado dos problemas causados pela quebra dos
vínculos familiares e pela adoção por pessoas que não possuem o preparado
necessário. Todavia, assim determinando, o legislador se esqueceu que em
determinados casos esta pode ser a pior solução.
Não se pode assegurar que a convivência com os parentes próximos seja mais
benéfica do que a busca por uma nova família. Vários são os elementos que podem
exercer influência nesta decisão. Deve-se questionar, por exemplo, se crianças ou
adolescentes vítimas de maus tratos, rejeitados por pais alcoólatras poderão viver
melhor com avós ou tios, igualmente agressivos e alcoólatras, ou com uma família
nova, que esteja bem preparada para acolhê-los; ou ainda, se os filhos que
perderam seus pais, viverão melhor com um parente próximo que nunca viram ou
com uma família nova que lhe tenha afeto. Não se justifica da mesma forma, manter
dois irmãos juntos aos genitores que comprovadamente os abusaram sexualmente.
Logo, não existe uma garantia neste sentido. Ainda que esta postura pareça
correta e necessária, em grande parte dos casos, demora muito e acaba dando
oportunidade a novas situações de abusos e maus-tratos. Deve-se analisar ainda, o
150
quanto as diversas tentativas de convivência da criança e do adolescente com a
família natural ou extensa poderá causar maiores sofrimentos para esses menores,
e ainda deixá-los marcados como filhos de uma família que não os quis. E nestas
idas e vindas às possibilidades de sucesso da adoção vão só diminuindo.
Nesse sentido, Maria Berenice Dias em seu artigo “Adoção e o direito
constitucional à convivência familiar”, declara: é absolutamente equivocado o prestígio
que se empresta à família natural, quando se busca manter, a qualquer preço, o vínculo
biológico, na vã tentativa de manter os filhos sob a guarda dos pais ou dos parentes que
constituem a chamada família estendida.
Essas infrutíferas tentativas fazem com que as crianças, ao serem rejeitados por
seus pais e parentes, acumulem sucessivas perdas e terrível sentimento de abandono que
trazem severas sequelas psicológicas. (Disponível em: <http://www.mariaberenice.
com.br/pt/adocao-sem-preconceito.cont.> Acesso em: 20 out. 2012)
Vale lembrar, que de acordo com a nova regulamentação, somente depois
de vencida a tentativa de reintegração familiar é que se dará a ação de
destituição do poder familiar, que geralmente transita em julgado depois de meses
ou anos, e finalmente a inscrição no cadastro da adoção. Neste percurso a criança
cresce e perde a possibilidade de ser logo adotada. Além dos prejuízos provenientes da
privação do convívio familiar, a diminuição das chances de colocação em adoção
com o passar da idade é uma realidade no contexto brasileiro.
A nova lei dificulta ainda mais o processo de adoção quando passa a não admitir
a dispensa do estágio de convivência, a não ser que o adotando esteja sob a tutela ou
guarda legal do adotante. Nem mesmo a guarda de fato autoriza a dispensa. O deveria se
considerar é se já existem vínculos de afetividade suficientes para que seja deferida a
adoção.
Outras questões também ocasionam controvérsias, como a adoção por casais
homoafetivos e a adoção internacional.
O legislador sendo omisso no que se refere à possibilidade de casais
homossexuais adotarem, limitou de modo injustificado o instituto da adoção. Esta
redução de chances de se viver em um ambiente familiar afronta os deveres de cuidado
e de proteção que a Constituição impõe ao Estado e a sociedade. Alega-se preocupação
em proteger a criança como desculpa para, em prejuízo dela mesma, fazer predominar
mais uma das manifestações conservadoras e preconceituosas existentes na sociedade
brasileira.
Na verdade, deve-se perceber que essa forma de adoção precisa ser considerada
como alternativa as situações de desamparo e abandono dos menores. Aqui entra em
cena o melhor interesse para o adotando e os motivos legítimos dos adotantes. O
que deve ser apreciado não é o fato de ser um casal homossexual, mas sim um casal
que deseja ter um filho e que tem afeto suficiente para proporcionar ao adotado um
novo lar, tirando-o do abandono ou da orfandade.
Maria Berenice Dias, em seu artigo “Adoção sem preconceito”, também
demonstra sua insatisfação diante da não tipificação da adoção homoafetiva. Expressa
151
que A Lei 12.010/09, chamada Lei Nacional da Adoção assume viés conservador
ao deixar de admitir expressamente a adoção por famílias homoafetivas.
Ainda que venham a doutrina e a jurisprudência de vanguarda reconhecendo a
união estável homossexual e admitindo a adoção homoparental, vã é a tentativa de
impedir que duas pessoas do mesmo sexo constituam uma família com prole.
A postura, além de equivocada, é preconceituosa e discriminatória. Ao depois,
comete duas ordens de inconstitucionalidade: cerceia aos parceiros do mesmo sexo o
direito constitucional à família (art. 226) e não garante a crianças e adolescentes o
direito à convivência familiar (art. 227). (Disponível em: <http://www.
mariaberenice.com.br/pt/adocao-sem-preconceito.cont.> Acesso em: 20 out. 2012)
A excepcionalidade da adoção internacional também gera divergência. Mas,
é importante verificar que lhe poderia ter sido conferido tratamento igual ao do
brasileiro, naquilo que se refere ao superior interesse da criança e do adolescente. Há de
se concordar com Rolf Madaleno (2009, p. 481) que assim se manifesta a respeito:
Não existem razões para o preconceito da adoção internacional, quando
prevalece o princípio dos melhores interesses da criança e do adolescente, e no
confronto desses interesses deve ter maior peso a possibilidade de inseri-los em lar
substitutivo, convivendo com família nacional ou estrangeira, porque o amor é
universal, e usufruindo o adotado de afeto e de carinho parental, com acesso às
oportunidades ímpares de integral formação e educação.
Fundamenta-se a excepcionalidade da medida como forma de garantir à criança
o direito à nacionalidade.
A regra seria apreciável se os candidatos brasileiros à adoção não fossem
tão exigentes e preconceituosos no que se refere às características do menor. De acordo
com o Cadastro Nacional de Adoção, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça
em outubro de 2012 (em anexo), existem atualmente no Brasil 28.362 pessoas
dispostas a adotar e 5.426 crianças e adolescentes disponíveis para adoção. Mesmo
diante dessa diferença, a demora na adoção persiste e a maioria desses menores
permanece fora de um convívio familiar, passando mais tempo do que a lei determina
em abrigos. Essa disparidade de números está mais ligada à seleção dos candidatos
brasileiros sobre o tipo de crianças que eles querem adotar. A maioria quer apenas
uma criança, branca, do sexo feminino, até três anos de idade e saudável.
No entanto, esse não é o perfil da maior parte daqueles que estão disponíveis
para adoção.
Enquanto isso a maioria dos estrangeiros interessados na adoção de brasileiros se
abstém de tanta exigência, e como dispõem, muitas vezes, de condições financeiras
favoráveis, de maior acesso à saúde e à educação podem oferecer aos adotados uma
formação privilegiada e integral. Assim, é do melhor interesse de crianças e
adolescentes que não haja discriminação entre adotantes brasileiros e estrangeiros.
Diante dessa realidade e de tantas exigências impostas pelo legislador, percebese a nova lei não tem alcançado seus objetivos, uma vez que a adoção se
152
transformou num grande processo, ainda mais burocrático. Adotar uma criança no
Brasil se tornou extremamente desgastante, o que faz com que muitos
interessados desistam no meio do processo ou, simplesmente, nem tentem ao se
verificar as exigências do ordenamento. Outros, na tentativa de fugir do processo legal,
se colocam numa situação de ilegalidade e risco, ou porque têm medo de esperar por
muito tempo na fila da adoção, ou porque temem ser barrados por alguma exigência
judicial.
Para finalizar este estudo, apresenta-se uma pesquisa feita no município de Jataí
-Goiás, a fim de se verificar se a Nova Lei da Adoção ajudou ou não a solucionar o
problema das crianças e adolescentes ali institucionalizados, aumentando o número de
adoções a partir da entrada em vigor da referida lei.
De acordo com Ana Gabriela da Rocha Ramos, assistente administrativa do
Doutor Sérgio Brito Teixeira e Silva, Juiz que responde pela Vara da Infância e
Juventude do município, desde a edição da nova lei o número de adoções diminuiu
consideravelmente.
Apenas 01 (uma) criança no município foi adotada pelo novo sistema de
cadastro. No entanto, no ano anterior a essa lei houve mais de 20 adoções.
Esclarece ainda que, como a lei exige, quando crianças e adolescentes são
encaminhadas por alguma denúncia para o Lar Transitório (acolhimento institucional
da cidade), cerca de 97% vão para a reintegração familiar. Entretanto, uma média de
40% desses menores volta para instituição, ou porque continuam sendo vítima de
maus tratos ou até mesmo porque são devolvidas pelos parentes que haviam ficado
responsáveis por elas.
Dessa forma, nota-se que a nova regra que prioriza a manutenção de crianças e
adolescentes na família natural trouxe benefícios para alguns, mas para aqueles que
não conseguem ser reintegrados se torna um grande obstáculo, pois muitas vezes,
as tentativas exaustivas de reintegração familiar acabam prejudicando a escolha e a
aproximação da família substituta, além de fazer com que sejam acumuladas
sucessivas perdas e um terrível sentimento de rejeição que certamente acarretará
em muitos e graves traumas psicológicos futuros.
Assim, torna-se imprescindível que se analise cada caso concreto com muita
cautela, de maneira que a legalidade formal não exceda os limites do bom senso. É
preciso facilitar o processo de adoção, priorizando o bem estar da criança e do
adolescente. Nada justifica tantos obstáculos, e tanta burocracia quando o assunto é o
direito constitucional à convivência familiar e a felicidade, o que equivale a dizer,
o direito de receber cuidado, atenção e amor. Se não for possível assegurar o
bem-estar desses menores junto à família biológica, o melhor é colocá-los o quanto
antes em uma família que lhe deseje e lhe tenha afeto.
153
CONCLUSÃO
No decorrer desse trabalho pode-se perceber que as modificações advindas
com a nova lei tiveram importantes propósitos. Buscou-se dar maior celeridade ao
processo de adoção no país, bem como possibilitar o retorno mais rápido de crianças e
adolescentes que estão em acolhimentos institucionais e familiares, priorizando a
reintegração destes à família biológica, ou no caso de impossibilidade desta, a
colocação em família substituta, sob as formas de adoção, tutela ou guarda.
Como importante modificação, foram implantados princípios com a finalidade
de orientar a intervenção estatal para aplicação de medidas protetivas a todas as
crianças e adolescentes. Com base nesses princípios, notou-se que a nova lei
pretendeu garantir a proteção integral da criança e do adolescente, demonstrando que
há possibilidades de medidas diversas antes da adoção. Constatou-se que a adoção
somente será aplicada quando vencidos todos os esforços para a manutenção da
criança ou adolescente com sua família biológica.
Essa foi a questão que mais provocou reflexão. Não se questionou que o ideal é
que crianças e adolescentes cresçam e se desenvolvam junto a sua família de origem.
No entanto, analisou-se que muitas vezes essa convivência pode se revelar muito mais
prejudicial do que benéfica ao menor, melhor atendendo ao interesse da criança e do
adolescente quando entregues aos cuidados de quem está preparado e sonha reconhecêlos como filhos.
Criou-se o Cadastro Nacional de Adoção, com vistas a potencializar as
possibilidades entre adotante e adotando. Entretanto, na prática ficou demonstrado que
esse objetivo não é sempre alcançado, e que muitas vezes acaba produzindo um efeito
contrário ao que o legislador esperava, pois impõe exigências excessivas, podendo
gerar injustiças irremediáveis.
O legislador sendo omisso em relação à adoção por casais homossexuais,
impediu que grande parcela da sociedade que mantém vínculos afetivos estéreis
realize o sonho da filiação. Revela assim uma atitude conservadora e preconceituosa,
e coloca mais um obstáculo no processo de adoção, retirando o direito de milhares de
crianças e adolescentes de serem criados por quem lhes tenha afeto.
Ao criar tantas exigências para a adoção por pessoas estrangeiras, a nova
lei também diminuiu consideravelmente as chances de crianças e adolescentes
saírem do abandono e realizarem o sonho de viver num ambiente familiar.
Ao final do presente estudo pode-se concluir que apesar da boa intenção
do legislador em proteger o menor, ainda há muito que se fazer, já que a adoção se
transformou em medida excepcional e as exigências da nova lei tendem a dificultar o
processo de adoção no país.
Além disso, constatou-se que um dos motivos que dificultam a retirada de tantas
crianças e adolescentes dos acolhimentos institucionais é a preferência dos
pretendentes brasileiros à adoção, que continua muito limitada e preconceituosa.
Descartam-se crianças e adolescentes pela cor, sexo, idade, por serem portadoras
154
de necessidades especiais. Tal rejeição faz com que elas sejam condenadas a
permanecerem nos abrigos, a continuarem excluídas da sociedade e a não
concretizarem o direito de ter um lar e uma vida digna.
Não se pode negar que a criação da Nova Lei da Adoção – Lei nº 12.010/2009
foi de importância fundamental. Mas, a verdade é que não alcançou um de seus
principais propósitos, que é o de facilitar e desburocratizar o processo de adoção,
proporcionando assim, uma nova família a um maior número de crianças e adolescentes
possível, onde o afeto seja elemento essencial da criação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
01. BEZERRA, Élvio Cezar.
Acolhimento institucional e acolhimento
institucional são medidas protetivas. Disponível em: <http:// elviocesar.
blogspot.com/2011/03/acolhimentoinstitucional-e-acolhimento.html>.Acesso
em: 10 out. 2012.
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